Capacidade funcional e qualidade de vida de octogenários hospitalizados

RESUMO

Objetivo:

avaliar capacidade de desenvolver atividades de vida diária (AVD) e correlacionar capacidade funcional com a qualidade de vida (QV) dos octogenários hospitalizados.

Método:

estudo transversal com 128 pacientes, utilizando os instrumentos de qualidade de vida WHOQOL-OLD e WHOQOL-BREF e a Escala de Katz.

Resultados:

a maioria apresentou grau máximo de dependência; pacientes com maior escolaridade tiveram menor independência; idosos com dependência parcial e independência tiveram maiores escores na percepção da QV; nos domínios autonomia, atividades passadas, presentes e futuras; e melhor QV geral comparados àqueles com grau máximo de dependência. Os com dependência parcial apresentaram maiores escores no domínio morte e morrer quando comparados aos independentes.

Conclusão:

a QV dos idosos associa-se à manutenção da autonomia e à capacidade funcional. Existe um declínio na saúde do idoso durante o processo de hospitalização, devido à limitação em realizar suas AVD e à falta de estímulo por parte da equipe de saúde.

Descritores:
Idoso; Hospitalização; Enfermagem Geriátrica; Qualidade de Vida; Envelhecimento

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the ability to perform activities of daily living (ADL) and to correlate functional capacity with quality of life (QoL) of hospitalized octogenarians.

Method:

A cross-sectional study with 128 patients using the quality of life instruments WHOQOL-OLD and WHOQOL-BREF and the Katz Scale.

Results:

The majority of patients was fully dependent; patients with higher schooling had less independence; older adults with partial dependence and independence had higher scores in perceived QoL; in the domains of autonomy, past, present and future activities; and better overall QoL than those with full dependence. Partially dependent patients had higher scores in the death and dying domain than independent patients.

Conclusion:

Older adults’ QoL is associated with the maintenance of autonomy and functional capacity. Older adults experience a health decline during the hospitalization process, due to the limitation in performing their ADL and lack of encouragement by the health team.

Descriptors:
Aged; Hospitalization; Geriatric Nursing; Quality of Life; Aging

RESUMEN

Objetivo:

evaluar la capacidad de realizar actividades de vida diaria (AVD) y correlacionar la capacidad funcional con la calidad de vida (CV) de octogenarios hospitalizados.

Método:

estudio transversal con 128 pacientes, en que se utilizó los instrumentos de calidad de vida WHOQOL-OLD y WHOQOL-BREF y la Escala de Katz.

Resultados:

la mayoría presentó un grado máximo de dependencia; los pacientes con mayor escolaridad tuvieron menor independencia; los ancianos con dependencia parcial e independencia tuvieron mayores puntajes en la percepción de la CV en los dominios autonomía, actividades pasadas, presentes y futuras; y mejor CV general comparados a aquellos con grado máximo de dependencia. Los ancianos con dependencia parcial presentaron mayores puntajes en el dominio muerte y morir al compararse a los independientes.

Conclusión:

la CV de los ancianos estuvo asociada al mantenimiento de la autonomía y a la capacidad funcional. Hubo un empeoramiento de la salud del anciano durante el proceso de hospitalización, debido a la limitación en realizar sus AVD y a la falta de estímulo por parte del equipo de salud para hacerlas.

Descriptores:
Anciano; Hospitalización; Enfermería Geriátrica; Calidad de Vida; Envejecimiento

INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que existem mais de 605 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade no mundo. A proporção de idosos aumentará nas próximas décadas e, até o ano de 2025, estima-se que haverá 1,2 bilhão de pessoas idosas em todo o mundo e dois em cada três viverão em países em desenvolvimento ⁽¹⁾.

No Brasil também se observa um significativo aumento desse contingente, impactando a sociedade e consequentemente provocando necessidades de ajustes nas estruturas físicas e sociais de acordo com as demandas da população. O número de longevos, idosos com 80 anos ou mais, vem aumentando de forma muito acelerada, constituindo o segmento populacional que mais cresce nos últimos tempos. Em 2014 eram 3,2 milhões e no ano de 2060 o número se aproximará de 19 milhões de longevos, apontando um crescimento de 500% ⁽²⁾.

O envelhecimento humano é um processo que se caracteriza pela perda gradual das capacidades físicas e cognoscitivas e a manutenção da independência funcional até o fim da vida é, e continuará a ser, o objetivo mais ambicioso da geriatria ⁽¹⁾.

A incapacidade funcional está associada a um maior risco de readmissão hospitalar, admissão em instituição de longa permanência, pior resultado após cirurgia, complicações pós-operatórias, maior risco de queda, demência, morbidade e mortalidade em geral. Ela pode ser potencialmente reversível se realizada uma intervenção específica, como a reabilitação e o exercício ⁽¹⁾.

Numa sociedade em envelhecimento, é necessário estabelecer novas alternativas que, de alguma forma, possam satisfazer as necessidades das pessoas idosas, aumentando a qualidade de vida (QV) percebida ⁽¹⁾.

A capacidade funcional refere-se às condições de vida de um indivíduo que o permitem de forma independente a interagir com o meio ambiente. Assim, a avaliação da capacidade funcional possibilita verificar a independência do idoso nas atividades básicas e instrumentais, como: tomar banho, vestir-se, realizar higiene pessoal, mover-se, comer, manter a continência, preparar refeições, controlar as finanças, tomar medicamentos, limpar a casa, fazer compras, usar o transporte público, usar o telefone e andar certa distância ⁽³⁾.

Como a capacidade funcional diminui com a idade, torna-se necessário criar estratégias voltadas para promoção, tratamento e reabilitação dos idosos, a fim de reintegrá-los socialmente ⁽³⁾.

A QV na velhice está vinculada às percepções de saúde física e mental e suas correlações com riscos e condições de saúde, status funcional e econômico e suporte social. Todos esses fatores são inter-relacionados e sua importância relativa difere de acordo com a sociedade e o indivíduo ⁽⁴⁾.

A investigação da QV e da capacidade funcional nos octogenários é de grande importância para compreender os limites do envelhecimento, além de sua associação com o bem-estar e com a própria doença, podendo possibilitar assim uma intervenção favorável em relação ao declínio das funções do idoso, propiciando melhor bem-estar, manutenção da capacidade funcional e QV durante essa fase tão necessitada de cuidados ⁽⁵⁾.

Conhecendo-se os domínios da QV relacionados à capacidade funcional e ao grau de dependência dos octogenários, é possível identificar demandas para a assistência de enfermagem e da equipe multidisciplinar que, uma vez trabalhadas, podem minimizar ou evitar a perda da capacidade funcional, prevenir complicações e melhorar a QV desses idosos.

OBJETIVO

Avaliar a capacidade para desenvolver as atividades de vida diária (AVD) e correlacionar capacidade funcional com a QV dos octogenários hospitalizados.

MÉTODO

Estudo epidemiológico, transversal e analítico, realizado no Hospital São Paulo (HSP) – que é o hospital de ensino da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) –, em unidades clínicas, cirúrgicas e no serviço de emergência, entre junho de 2016 e abril de 2017. No estudo foram incluídos 128 idosos com pelo menos três dias de hospitalização ⁽⁶, idade a partir de 80 anos, capazes de compreender e responder aos questionários, que não tinham registro de demência em prontuário e que concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O cálculo do tamanho amostral foi realizado pelo método de amostragem probabilística estratificada proporcional ao número médio de pacientes a partir de 80 anos, hospitalizados nos seis meses que antecederam a pesquisa. O cálculo considerou um grau de confiança maior ou igual a 80% e alfa de 5%, com base nas características idade, gênero, escolaridade, estado civil, ocupação, dias de hospitalização, renda familiar, uso de medicamentos, ter cuidador e religião. O resultado indicou a necessidade de o estudo incluir 100 pacientes para alcançar os objetivos propostos.

Para a obtenção dos dados, utilizou-se questionário estruturado com informações sobre idade, gênero, cor da pele, escolaridade, estado civil, ocupação, dias de hospitalização, renda familiar, presença de cuidador e comorbidades.

Para a avaliação da QV foram utilizados os instrumentos de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde, o World Health Organization Quality of Life for Older Person (WHOQOL-OLD), específico para ser utilizado na população idosa; e a versão abreviada, WHOLQOL-BREF, instrumento genérico de avaliação de QV. Ambos instrumentos foram traduzidos para o português e validados para serem utilizados na população idosa brasileira ^(7-8).

O WHOQOL-OLD é composto por 24 itens divididos em seis domínios, funcionamento do sensório; autonomia; atividades passadas, presentes e futuras; participação social; morte e morrer; e intimidade. Os escores finais de cada domínio podem variar de 0 a 100 pontos. Quanto mais próximo de 100, melhor é a QV.

WHOLQOL-BREF possui 26 itens, os dois primeiros referem-se à auto percepção da QV e à satisfação com a saúde. As demais 24 questões representam cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original, divididas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio-ambiente. Os escores finais de cada domínio podem variar de 0 a 100 pontos. Quanto mais próximo de 100, melhor é a QV.

Para a avaliação da capacidade dos idosos para realizar as AVD foi utilizada a Escala de Katz, que mensura o desempenho e o grau de dependência do indivíduo em seis itens de atividades do autocuidado: alimentação, controle de esfíncteres, transferência, higiene pessoal, capacidade para se vestir e tomar banho. Para a classificação em nível de dependência, os idosos foram categorizados em independentes (seis pontos), dependência parcial (de três a cinco pontos) e grau máximo de dependência (zero a dois pontos) ⁽⁹⁾.

Diariamente foi solicitada, ao setor de internação, a lista de pacientes com idade a partir de 80 anos internados em unidades clínicas, cirúrgicas e no serviço de emergência do HSP. Em seguida a pesquisadora dirigia-se a cada local, consultava os prontuários para certificar-se da capacidade do octogenário para entender e responder aos questionários e instrumentos da pesquisa e se já estava internado há pelo menos três dias e depois fazia contato para verificar se preenchiam os demais critérios de inclusão. Os octogenários confirmados eram convidados a fazer parte do estudo e quando concordavam eram entrevistados individualmente. A leitura dos instrumentos foi realizada pela pesquisadora em um único momento, com duração média de 40 minutos.

Utilizou-se análise descritiva para a caracterização sociodemográfica e econômica, além de dias de hospitalização, presença de cuidador e comorbidades. Para as variáveis contínuas calcularam-se média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo e para as categóricas, frequência e percentual. Para relacionar a capacidade funcional com a QV foi utilizada a Análise de Variância. Foi considerado um nível de significância de p < 0,05 e o programa utilizado para a análise foi o Statistical Package for the Social Sciences versão 19.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp (CAAE: 53904316.6.0000.5505).

RESULTADOS

A idade dos pacientes variou entre 80 e 95 anos, os dias de internação variaram entre 3 e 42, houve predomínio do gênero feminino, cor de pele branca, viúvo, aposentado ou pensionista, analfabeto ou ensino fundamental incompleto, renda entre um e dois salários mínimos, com cuidador e presença de comorbidades, sendo as mais frequentes hipertensão (94,5%), diabetes mellitus (38,3%) e cardiopatia (35,9%), como se verifica na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas, econômicas, clínicas e presença de cuidador dos idosos hospitalizados, São Paulo, Brasil, 2017

Características	N = 128
Idade (anos)*	83 (80-95)
Gênero†
Masculino	47 (36.7)
Feminino	81 (63.3)
Skin color†
Branca	96 (75.0)
Negra	15 (11.7)
Parda	14 (10.9)
Amarela	3 (2.4)
Estado civil†
Viúvo	68 (53.1)
Casado	43 (33.6)
Solteiro/Divorciado	17 (13.3)
Ocupação†
Retired/Pensioner	121 (94.5)
Housewife	5 (3.9)
Self-employed	2 (1.6)
Escolaridade†
Illiterate/incomplete elementary school	66 (51.6)
Ensino fundamental	44 (34.4)
Ensino médio	12 (9.4)
Superior	6 (4.7)
Renda familiar (reais)†
Até 1 salário mínimo	31 (24.2)
Entre 1 e 2 salários mínimos	53 (41.4)
Entre 2 e 3 salários mínimos	28 (21.9)
Entre 3 e 4 salários mínimos	6 (4.7)
Entre 4 e 5 salários mínimos	5 (3.9)
Maior que 5 salários mínimos	5 (3.9)
Cuidador†
Não	23 (18.0)
Sim	105 (82.0)
Dias de internação*	3 (3-42)
Comorbidades†
Não	7 (5.5)
Sim	121 (94.5)

• Nota:
• ^*
  Mediana (valores máximo-mínimo),
• ^†
  Frequência e porcentagem.

Observa-se na Tabela 2 que a pontuação média da Escala de Katz dos entrevistados foi 3 (DP = 2,16), mediana 3 (0-6) e a maioria apresentou grau máximo de dependência.

Tabela 2
Níveis de dependência de acordo com a Escala de Katz dos octogenários hospitalizados. São Paulo, Brasil, 2017

Katz	N = (128)
Média (DP)	3 (2,16)
Mediana (mínimo-máximo)	3 (0-6)
Grau máximo de dependência†	60 (46,9)
Dependência parcial†	41 (32,0)
Independente†	27 (21,1)

• Nota:
• ^†
  Frequência e porcentagem,
• DP = desvio padrão.

As idosas apresentaram maior percentual de grau máximo de dependência e menor percentual de independência que os idosos (p = 0,0177).

Os pacientes com ensino médio completo e superior tiveram menor percentual de independência e maior percentual de grau máximo de dependência; e os com fundamental completo apresentaram menor percentual de dependência parcial e maior percentual de grau máximo de dependência (p = 0,0435).

A Tabela 3 mostra que os idosos com dependência parcial e independência apresentaram maiores escores nos domínios físico, psicológico e meio ambiente do WHOQOL-BREF quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência.

Tabela 3
Correlação entre os níveis de dependência avaliados pela Escala de Katz e os domínios do WHOQOL-BREF, São Paulo, Brasil, 2017

WHOQOL-BREFmédia (DP)	Escala de Katz				Valor de p
	Grau máximo de dependência	Dependência parcial	Independência	Total
Domínio físico	38,21 (13,29)	48,52 (15,87)	55,03 (13,45)	45,06 (15,67)	< 0,0001
Domínio psicológico	52,64 (16,31)	64,43 (14,01)	62,04 (10,80)	58,40 (15,48)	0,0003
Relações sociais	64,44 (15,86)	64,23 (17,90)	71,60 (11,62)	65,89 (15,94)	0,1181
Meio ambiente	52,66 (11,23)	60,21 (11,63)	62,04 (8,30)	57,06 (11,53)	0,0001
Percepção da QV	2,98 (0,98)	3,56 (0,67)	3,41 (0,84)	3,26 (0,90)	0,0112
Satisfação com a saúde	2,62 (0,99)	2,93 (1,10)	3,11 (0,97)	2,82 (1,04)	0,0906
Total de pacientes	60	41	27	128

• Nota: Utilizou-se a Análise de Variância, DP= desvio padrão.

Pacientes com dependência parcial tiveram maiores escores na percepção da QV quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência.

Os idosos com dependência parcial apresentaram maiores escores nos domínios funcionamento do sensório e participação social quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência.

Os pacientes com dependência parcial e independente tiveram maiores escores nos domínios autonomia, atividades passadas, presentes e futuras; e QV geral quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência.

Os participantes do estudo com dependência parcial apresentaram maiores escores no domínio morte e morrer quando comparados com aqueles independentes, como demostra a Tabela 4.

Tabela 4
Correlação entre os níveis de dependência avaliados pela Escala de Katz e os domínios do WHOQOL-OLD, São Paulo, Brasil, 2017

WHOQOL-OLDmédia (DP)	Escala de Katz				Valor de p
	Grau máximo de dependência	Dependência parcial	Independência	Total
Funcionamento do sensório	41,46 (21,65)	63,87 (18,88)	52,78 (22,89)	51,03 (23,12)	< 0,0001
Autonomia	40,42 (21,85)	57,16 (17,15)	54,40 (14,27)	48,73 (20,46)	< 0,0001
Atividades passadas, presentes e futuras	54,38 (17,23)	65,40 (17,40)	66,20 (13,79)	60,40 (17,45)	0,0006
Participação social	47,92 (18,72)	58,08 (19,02)	58,10 (19,21)	53,32 (19,45)	0,0124
Morte e morrer	54,79 (29,21)	66,31 (27,63)	48,38 (25,75)	57,13 (28,61)	0,0368
Intimidade	68,75 (18,80)	68,14 (17,28)	75,46 (17,33)	69,97 (18,11)	0,1417
QV geral	51,28 (13,32)	63,16 (11,89)	59,22 (12,39)	56,76 (13,68)	< 0,0001
Total de pacientes	60	41	27	128

• Nota: Utilizou-se a Análise de Variância, DP= desvio padrão.

DISCUSSÃO

Esta pesquisa foi composta por maioria de octogenários do sexo feminino 63%, ressaltando a feminização do envelhecimento ⁽¹⁰⁾. Devido ao aumento da expectativa de vida, destaca-se a necessidade de assegurar aos idosos não apenas mais longevidade, mas felicidade, QV e satisfação pessoal ⁽¹⁾. Todavia, o envelhecimento muitas vezes culmina com a necessidade de cuidados, sendo que o processo de cuidar depreende de dedicação, compromisso e afetividade de quem cuida, e de acordo com o resultado encontrado, 82% dos idosos tinham cuidador.

O estado conjugal mais prevalente na amostra estudada foi a viuvez, o que somado aos casos de divórcio, torna-se um dado que exige atenção, devido ao fato de muitas vezes o cônjuge representar segurança e estabilidade ⁽¹⁰⁾.

A aposentadoria se fez presente em 94,5% dos idosos, este aspecto se destaca por ser um momento em que o indivíduo se distancia da vida produtiva. O processo da aposentadoria afeta o indivíduo gerando uma descontinuidade com a sua rotina, o que pode representar desde lazer e descanso até desvalorização e tristeza ⁽¹¹⁾.

A maioria dos entrevistados, 94,5%, era portadora de comorbidades, as quais apresentam riscos e complicações podendo levar a uma descompensação que afetará a funcionalidade e a autonomia do idoso, gerando um processo incapacitante a depender do caso, além de o ambiente hospitalar predispor a uma quebra das atividades sociais. A incapacidade funcional provoca impacto na família, na sociedade, no sistema de saúde e na vida do próprio idoso, pois acarreta maior vulnerabilidade e dependência, contribuindo para a diminuição do bem-estar e da QV na velhice ⁽¹¹⁾.

A baixa escolaridade foi outro resultado significativo nesta pesquisa e para elucidar tal fato outro estudo trouxe que a capacidade global de as pessoas reagirem e responderem a desafios cotidianos está relacionada ao nível da escolaridade. Ordinariamente, este perfil de idosos está propenso a ter menor acesso a serviços de saúde e poucos recursos financeiros, refletindo em um pior estado de saúde ⁽¹²⁾. Outro achado foi que os idosos com maior escolaridade apresentaram grau máximo de dependência e menores percentuais de independência, no entanto outra pesquisa com idosos residentes nas áreas circunscritas à Estratégia Saúde da Família (ESF) no distrito de Grande Santos Reis, no município de Montes Claros, encontrou resultado diferente, ou seja, uma diminuição da capacidade funcional quando associada com menor tempo de escolaridade ⁽¹³⁾.

A literatura tem apontado que a QV está propensa a reduzir após o processo de hospitalização. Em uma pesquisa foi observado tal fato, sobretudo com a diminuição do bem-estar e da saúde psíquica, redução da mobilidade e da capacidade de autocuidado, e o aumento da dependência. Essa redução pode ser fruto da correlação entre a doença, a velhice e o contexto de hospitalização. À vista disso, é muito importante que profissionais da saúde no hospital valorizem todas as dimensões da QV e apliquem medidas para a sua fomentação no decorrer e após a hospitalização ⁽¹⁴⁾.

Muitas vezes o idoso se depara com profissionais que nem sempre estão capacitados tecnicamente para prestarem cuidados adequados ou dispostos a estabelecerem vínculos, o que favorece a insegurança emocional do paciente ⁽¹⁵⁾. Concomitantemente a isto, durante o processo de hospitalização o idoso perde seu referencial, uma vez que tal processo o faz lidar com outras dificuldades de ordem pessoal, social e econômica.

Concernente à funcionalidade dos idosos desta pesquisa, a maioria apresentou grau máximo de dependência. Resultado diferente foi encontrado por outro estudo realizado na zona rural de Uberaba, em que a maioria dos pesquisados era independente para realizar todas as AVD ⁽¹⁶⁾. Desse modo, os hospitais precisam criar protocolos que tornem possível o acompanhamento do desempenho dos idosos na realização das AVD para que seja possível identificar e intervir precocemente nas dificuldades para o autocuidado.

As idosas apresentaram maior percentual de grau máximo de dependência e menor percentual de independência que os idosos. Os entrevistados com ensino médio completo e superior tiveram menor percentual de independência e maior percentual de grau máximo de dependência; e aqueles com fundamental completo apresentaram menor percentual de dependência parcial e maior percentual de grau máximo de dependência. Achados parcialmente semelhantes foram encontrados em outro estudo que avaliou a capacidade funcional de idosos cadastrados na ESF no distrito de Grande Santos Reis, no município de Montes Claros, em que os participantes tiveram a diminuição da capacidade funcional associada ao aumento da idade, em mulheres, em idosos com menor tempo de escolaridade e renda de até dois salários mínimos ⁽¹³⁾.

Os idosos deste estudo com dependência parcial e independência apresentaram maiores escores nos domínios físico, psicológico e meio ambiente quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência. Os pacientes com dependência parcial também tiveram maiores escores na percepção da QV quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência. O declínio decorrente do envelhecimento dificulta a relação do indivíduo com o meio ambiente e prejudica seu desempenho em AVD, o que, por sua vez, causa alterações e ordem psicológica e social. Esse declínio na saúde dos idosos pode também estar relacionado ao seu bem-estar psicológico. O estudo da QV em idosos relaciona-se diretamente com o estilo de vida ligado à autonomia, ao desempenho das AVD, à segurança socioeconômica, à compreensão dos sintomas de saúde-doença e às relações entre familiares ⁽¹⁷⁾.

Os idosos com dependência parcial apresentaram maiores escores nos domínios funcionamento do sensório e participação social quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência. O funcionamento do sensório é a faceta correspondente à perda dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), comprometendo a vida diária, a capacidade de integração social e a participação em atividades, ficando o idoso dependente dos cuidados familiares. A QV dos idosos associa-se à manutenção da autonomia e à capacidade funcional ⁽¹⁸⁾. Consequentemente, o idoso que manifestar comprometimento dos sentidos poderá apresentar uma redução na capacidade funcional, acarretando danos à QV. É de grande importância que o idoso mantenha-se ativo na sociedade, de maneira independente com uma saúde mental, física e social adequada, mantendo o bem-estar desejado. Quanto mais ativos os idosos permanecerem, menos necessitarão de suas famílias e dos serviços de saúde, portanto, quanto maior sua integração física no meio social, maiores serão os benefícios a si e à sociedade ⁽¹⁹⁾.

Os pacientes com dependência parcial e independência tiveram maiores escores nos domínios autonomia, atividades passadas, presentes e futuras; e QV geral quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência. O domínio atividades passadas, presentes e futuras demonstra a satisfação quanto aos aspectos relacionados às atividades que foram feitas anteriormente, às que ainda estão sendo realizadas e às que poderão ser feitas. A manutenção da capacidade funcional contribui para elaboração ou concretização de projetos, proporciona o aumento da autoestima e do bem-estar, logo, a melhoria da QV dos idosos ⁽¹⁸⁾. Na população idosa, a QV abrange uma série de aspectos, como o nível socioeconômico, a interação social, a atividade intelectual, o autocuidado, o suporte familiar, o próprio estado de saúde, os valores culturais, éticos, a religiosidade e a capacidade funcional ⁽¹⁹⁾.

Os participantes do estudo com dependência parcial apresentaram maiores escores no domínio morte e morrer quando comparados com aqueles independentes. Os processos de envelhecer e morrer são fenômenos intrínsecos à vida em todas as suas formas. Conforme as interpretações e sentimentos referentes, a QV muda de uma pessoa para outra. É importante ressaltar que a concepção em torno da finitude, do ponto de vista do idoso – o qual vivencia o processo de envelhecimento e está próximo da morte –, é uma relevante etapa para fomentar a reflexão, procurando uma forma positiva de lidar com questões ligadas ao envelhecimento e à morte. Isto pode explicar o fato de os idosos com dependência parcial terem apresentado maiores escores nessa faceta, apontando que eles estão satisfeitos quanto às emoções relacionadas às inquietações e aos medos com a morte e morrer ⁽¹⁸⁾.

Limitações do Estudo

Este estudo traz como limitação o fato de ter sido realizado em centro único, com assistência somente prestada a pacientes do sistema público de saúde, o que pode não representar outras realidades. Os resultados deste estudo não podem ser generalizados, uma vez que trazem características específicas de determinada região do país. No entanto, eles fornecem uma visão sobre a capacidade funcional e a QV dos octogenários hospitalizados.

Contribuições para a Área

O conhecimento da capacidade funcional e da QV dos octogenários hospitalizados, por parte dos profissionais da área da saúde pode trazer-lhes informações mais precisas quanto à capacidade do idoso para se cuidar e assim atender às suas necessidades de forma personalizada contribuindo para melhor QV.

CONCLUSÃO

A maioria dos octogenários apresentou grau máximo de dependência. As idosas apresentaram maior percentual de grau máximo de dependência e menor percentual de independência que os idosos. Os pacientes com ensino médio completo e superior tiveram menor percentual de independência e maior percentual de grau máximo de dependência; e os com fundamental completo apresentaram menor percentual de dependência parcial e maior percentual de grau máximo de dependência.

Os idosos com dependência parcial e independência apresentaram maiores escores nos domínios físico, psicológico e meio ambiente quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência.

Pacientes com dependência parcial tiveram maiores escores na percepção da QV quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência. Além de apresentarem maiores escores nos domínios funcionamento do sensório e participação social.

Os pacientes com dependência parcial e independência tiveram maiores escores nos domínios autonomia, atividades passadas, presentes e futuras; e QV geral quando comparados com aqueles com grau máximo de dependência.

Os octogenários com dependência parcial apresentaram maiores escores no domínio morte e morrer quando comparados com aqueles independentes.

A QV está diretamente relacionada à preservação da funcionalidade e à autonomia. Existe um declínio do estado geral da saúde do idoso durante o processo de hospitalização, devido à limitação em realizar as AVD e à falta de conhecimento da equipe de saúde em reconhecer a importância de estimular tal necessidade. O processo de envelhecimento é holístico e, por ser tão complexo, precisa-se de estratégias e ações recorrentes para que o idoso que está em um ambiente vulnerável não sinta tão bruscamente as consequências da hospitalização. É necessário um olhar minucioso quando se trata do idoso, pois às vezes uma simples alteração no comportamento ou nas AVD pode gerar consequências que afetam diretamente sua QV.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  Nov 2019

Histórico

• Recebido
  06 Dez 2017
• Aceito
  28 Jun 2018