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Jogo de tabuleiro: uma gerontotecnologia na clínica do cuidado de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

criar um jogo de tabuleiro como gerontotecnologia voltada à promoção do envelhecimento ativo e saudável.

Método:

pesquisa qualitativa, convergente assistencial, com 32 idosos. Os dados foram produzidos por entrevistas individuais, técnicas de criatividade e sensibilidade, discussão em grupo e observação participante norteadas pelo referencial teórico da problematização de Paulo Freire. A avaliação pelos participantes e pela pesquisadora de todo o processo de produção ocorreu na última etapa, após a implementação da gerontotecnologia nos grupos. Adotou-se análise de discurso francesa.

Resultados:

o jogo, patenteado sob o registro BR 1020160107725, foi elaborado como produto tecnológico a partir das discussões havidas com os idosos, considerando-se o compartilhamento de suas concepções, seus saberes e suas práticas sobre o envelhecimento.

Considerações finais:

a gerontotecnologia implementada na clínica do cuidado de enfermagem agiu como elemento lúdico no exercício da autodeterminação e independência do idoso, como potencializador de memória, autoestima, processos de socialização, trocas de experiências e aprendizagem compartilhada.

Descritores:
Enfermagem Geriátrica; Tecnologia Biomédica; Saúde do Idoso; Assistência à Saúde Culturalmente Competente; Educação em Saúde

ABSTRACT

Objective:

To create a board game as a form of gerotechnology to promote active and healthy aging.

Method:

This was a qualitative, convergent care study conducted with 32 older adults. Individual interviews, creativity and sensitivity techniques, group discussions, and participant observations guided by Paulo Freire’s theoretical framework of problematization were used to produce data. The participants and researchers assessed the entire production process at the end of the study, after the gerotechnology was implemented in the groups. French discourse analysis was adopted.

Results:

Patented under registration no. BR 1020160107725, the game was created as a technological product based on the discussions with older adults, considering the conceptions, knowledge and practices shared by them about aging.

Final considerations:

The gerotechnology implemented in clinical nursing practices functioned as a playful resource to exercise self-determination and independence among older adults, boosting memory, self-esteem, socialization processes, exchanging experiences and shared learning.

Descriptors:
Geriatric Nursing; Biomedical Technology; Health of the Elderly; Culturally Competent Care; Health Education

RESUMEN

Objetivo:

Crear un juego de tablero como tecnología gerontológica orientada a promover el envejecimiento activo y saludable.

Método:

Investigación cualitativa, convergente asistencial, con 32 ancianos. Datos generados por entrevistas individuales, técnicas de creatividad y sensibilidad, discusión grupal y observación participante, orientada por referencial teórico de problematización de Paulo Freire. La evaluación de los participantes e investigadora sobre todo el proceso de producción ocurrió en última etapa posterior a implementación de la tecnología gerontológica en los grupos. Se adoptó análisis del discurso francés.

Resultados:

El juego, patentado bajo registro BR 1020160107725, fue elaborado como producto tecnológico partiendo de discusiones mantenidas con los ancianos, considerando compartir concepciones, saberes y prácticas sobre envejecimiento.

Consideraciones finales:

La tecnología gerontológica implementada en la clínica de atención de enfermería actuó como elemento lúdico para ejercicio de autodeterminación e independencia del anciano, potenciador de memoria, autoestima, procesos de socialización, intercambio de experiencias y aprendizaje compartido.

Descriptores:
Enfermería Geriátrica; Tecnología Biomédica; Salud del Anciano; Asistencia Sanitaria Culturalmente Competente; Educación en Salud

INTRODUÇÃO

As representações sociais construídas em torno da velhice estão fortemente associadas a doença, dependência e sofrimentos emocionais, aceitos como características normais e inevitáveis dessa fase(11 Veras RP. International experiences and trends in health care models for the elderly. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2012[cited 2017 Jan 13];17(1):231-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n1/a25v17n1
http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n1/a25v1...
-22 Ventura J, Semedo DC, Paula SF, Silva MRS, Pelzer MT. Fatores associados a depressão e os cuidados de enfermagem no idoso. Rev Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 13];12(12):101-13. Available from: http://revistas.fw.uri.br/index.php/revistadeenfermagem/article/view/2260
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). As alterações e os déficits cognitivos próprios do processo de envelhecimento podem ocasionar o declínio funcional do idoso, e esse declínio pode levar à dependência funcional, de forma gradual, até atingir todos os domínios da funcionalidade do idoso. Nesses casos, ele perde a capacidade de cuidar de si próprio e de responder por si mesmo(33 Santos AA, Pavarini SCL. Functionality of elderly people with cognitive impairments in different contexts of social vulnerability. Acta Paul Enferm [Internet]. 2011[cited 2017 Jan 13];24(4):520-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v24n4/en_a12v24n4.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v24n4/en_a1...
-44 Santos IB, Gomes L, Matos NM, Vale MS, Santos FB, Cardenas CJ, et al. Oficinas de estimulação cognitiva adaptadas para idosos analfabetos com transtorno cognitivo leve. Rev Bras Enferm [Internet]. 2012[cited 2017 Jan 13];65(6):962-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n6/a12v65n6.pdf
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). Além das dificuldades em armazenar informações e resgatá-las, os idosos muitas vezes também referem prejuízo ocupacional e social(55 Kinsella GJ, Ames D, Storey E, Ong B, Pike KE, Saling MM, et al. Strategies for improving memory: a randomized trial of memory groups for older people, including those with mild cognitive impairment. J Alzheimers Dis [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 10];49(1):31-43. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26444773
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2644...
-66 Fleurí ACP, Almeida ACS, Diniz AJ, Magalhães LAD, Ferreira LHC, Horta NC, et al. Atividades lúdicas com idosos institucionalizados. Enferm Rev [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 10];16(1):50-7. Available from: http://periodicos.pucminas.br/index.php/enfermagemrevista/article/view/13018
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
). Portanto, é necessária a prática de atividades que favoreça a movimentação do corpo e ativação da memória, como exercícios físicos e práticas lúdicas diversas que podem ser desenvolvidas a partir de tecnologias educacionais, assistenciais ou gerenciais(77 Dias MSL, Moreno R. [Cognitive stimulation through physical activity in older women: examining an intervention proposal]. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2012[cited 2017 Jan 8];15(2):325-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v15n2/15.pdf Portuguese
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-88 Sacco G, Caillaud C, Ben Sadoun G, Robert P, David R, Brisswalter J. Exercise plus cognitive performance over and above exercise alone in subjects with mild cognitive impairment. J Alzheimers Dis [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 8];50(1):19-25. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26639954
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).

O termo tecnologia advém de uma reunião de termos gregos “techné”, que significa saber fazer, e “logus”, razão, tendo como significado literal “a razão do saber fazer”. Ou seja, o conhecimento tecnológico é o conhecimento de como fazer, saber fazer e improvisar soluções, e não apenas um conhecimento generalizado embasado cientificamente. Nessa visão, é preciso conhecer aquilo que é necessário para solucionar problemas práticos (saber fazer para quê) e, assim, desenvolver artefatos que serão usados, levando em consideração todo o aspecto sociocultural em que o problema está inserido(99 Veraszto EV, Silva D, Miranda NA, Simon FO. Tecnologia: buscando uma definição para o conceito. Rev Prism Com [Internet]. 2010[cited 2015 Jan 19];7(1):60-85. Available from: http://revistas.ua.pt/index.php/prismacom/article/view/681/pdf
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).

Na evolução da assistência à saúde e no contexto do cuidado de enfermagem, esses diferentes tipos de tecnologias levam em consideração a necessidade de traduzir o conhecimento técnico-científico em ferramentas, processos e materiais. Estudos vêm demonstrando que o conjunto desses elementos melhora a qualidade da assistência, bem como amplia as possibilidades dos enfermeiros na realização de práticas produtoras de cuidado(1010 Barbosa EMG, Sousa AAS, Vasconcelos MGF, Carvalho REFL, Oria MOB, Rodrigues DP. Educational technologies to encourage (self) care in postpartum women. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Jul 28];69(3):545-53. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690323i
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). Dentre as tecnologias existentes, a educacional se refere ao conjunto de estratégias para inovar a educação, com a utilização de dispositivos para a mediação de processos de ensinar e aprender, utilizados entre educadores e educandos, nos vários métodos de educação formal-acadêmica e formal-continuada(1111 Saldan GG, Figueiredo FSF, Misawa F, Rêgo AS, Salci MA, Radovanovic CAT. Construção de tecnologia educativa para cuidado domiciliar após acidente vascular encefálico: relato de experiência. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017[cited 2017 Jul 28];11(4):1784-93. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/15251/18038
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-1212 Berardinelli LMM, Guedes NAC, Ramos JP, Silva MGN. Tecnologia educacional como estratégia de empoderamento de pessoas com enfermidades crônicas. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014[cited 2017 Jul 28]22(5):603-9. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n5/v22n5a04.pdf
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).

Aplicada à gerontologia, a gerontotecnologia é um campo de estudo interdisciplinar que compreende o estudo científico para o desenvolvimento de técnicas, produtos e serviços baseados no conhecimento do processo de envelhecer. Fundamenta-se no suporte ao envelhecimento ativo e saudável, às demandas das perdas funcionais do envelhecimento e aos aspectos psicológicos e sociais dos idosos(1212 Berardinelli LMM, Guedes NAC, Ramos JP, Silva MGN. Tecnologia educacional como estratégia de empoderamento de pessoas com enfermidades crônicas. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014[cited 2017 Jul 28]22(5):603-9. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n5/v22n5a04.pdf
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). É uma importante ferramenta para o desenvolvimento de modelo assistencial potencializador das habilidades de cuidado, tanto do idoso quanto do familiar e/ou cuidador, auxiliando na promoção de estratégias efetivas quanto à manutenção das práticas de cuidado, aprimorando a assistência à saúde do idoso(1212 Berardinelli LMM, Guedes NAC, Ramos JP, Silva MGN. Tecnologia educacional como estratégia de empoderamento de pessoas com enfermidades crônicas. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014[cited 2017 Jul 28]22(5):603-9. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v22n5/v22n5a04.pdf
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-1313 Carleto DG, Santana CS. Relações intergeracionais mediadas pelas tecnologias digitais. Rev Kairós Gerontol [Internet]. 2017[cited 2017 Jul 28]20(1):73-91. Available from: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/viewFile/31907/22128
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). A gerontotecnologia educacional pode ser compreendida, portanto, como um conjunto de conhecimentos, produtos, processos e estratégias que abre novas possibilidades no processo de ensino aprendizagem, por meio da valorização das relações e interações entre o enfermeiro, o idoso e a família(1414 Ilha S, Santos SSC, Backes DS, Barros EJL, Pelzer MT, Oliveira AMN. Educational and care-related (geronto) technology in Alzheimer’s disease and in supporting the elderly/family: perspective of teachers and students. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2017[cited 2017 Jul 28];21(2):e20170039. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v21n2/en_1414-8145-ean-21-02-e20170039.pdf
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-1515 Barros EJL, Santos SSC, Gomes GC, Erdmann AL. Gerontotecnologia educativa voltada ao idoso estomizado à luz da complexidade. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2012[cited 2017 Jul 28];33(2):95-101. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v33n2/14.pdf
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).

As políticas públicas nacionais e internacionais, no contexto da saúde do idoso, recomendam o uso de estratégias criativas que favoreçam a comunicação entre profissional, sujeito e grupo(1616 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015[cited 2017 Jul 28]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnps_revisao_portaria_687.pdf
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17 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Portaria nº 2.528 de 19 de outubro de 2006.
-1818 Naciones Unidas. Declaración Política y Plan de Acción Internacional de Madrid sobre el Envejecimiento [Internet]. Nueva York, 2003[cited 2017 Jul 28]. Available from: https://social.un.org/ageing-working-group/. . . /mipaa-sp.pdf
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). Dentre estas, as atividades lúdicas possibilitam ações dialógicas que dão espaço ao novo e à reflexão criativa, ultrapassando a visão focalista da realidade, à medida que a consciência crítica é formada, ampliando a visão por meio do compromisso com o real, tornando o sujeito um agente transformador(1919 Silva LVS, Tanaka PSL, Pires MRGM. BANFISA and (IN) DICA-SUS in health undergraduate education: playing and learning construction. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015[cited 2017 Jul 28];68(1):124-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n1/en_0034-7167-reben-68-01-0124.pdf
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). Assim, as atividades educativas desenvolvidas por meio do lúdico proporcionam a mediação da aprendizagem, estimulam, de forma prazerosa, a compreensão do assunto, objeto do processo de educação em saúde, a reflexão sobre o conhecimento adquirido e a formação de relações entre o conhecimento produzido ludicamente e a realidade vivenciada, que englobam os aspectos comportamentais individuais e coletivos(2020 Coscrato G, Pina JC, Mello DF. Use of recreational activities in health education: integrative review of literature. Acta Paul Enferm [Internet]. 2010[cited 2017 Jul 28];23(2):257-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n2/en_17.pdf
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).

OBJETIVO

Criar e implementar um jogo de tabuleiro como gerontotecnologia voltada à promoção do envelhecimento ativo e saudável. A opção pelo jogo de tabuleiro reside no fato de este exigir o jogar junto, pressupondo companhia e promovendo a interação entre os idosos por meio da criatividade, da troca de experiências e de informações entre eles, potencializando o pensamento criativo(1919 Silva LVS, Tanaka PSL, Pires MRGM. BANFISA and (IN) DICA-SUS in health undergraduate education: playing and learning construction. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015[cited 2017 Jul 28];68(1):124-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n1/en_0034-7167-reben-68-01-0124.pdf
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).

MÉTODO

Aspectos éticos

O desenvolvimento deste estudo respeitou os preceitos éticos de pesquisa com seres humanos, conforme a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/MS, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/Hospital Escola São Francisco de Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP/EEAN/HESFA). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), comprovando a anuência em participar do estudo.

Tipo de estudo

Estudo qualitativo, exploratório e descritivo, com aplicação do método da pesquisa convergente assistencial (PCA), cujas principais características são as de manter uma estreita relação com a prática assistencial durante todo processo da pesquisa, propor mudanças no contexto social pesquisado e incorporar inovações na prática assistencial(2121 Pivoto FL, Filho WDL, Santos SSC, Lunardi VL. Convergent-assistential research: an integrative review of scientific nursing production. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013[cited 2017 Jan 13];22(3):843-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n3/en_v22n3a34.pdf
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).

Referencial metodológico

Neste estudo, os conceitos regidos pela convergência pesquisa e assistência foram marcados no decorrer de todo o processo que assumiu a construção do nexo pensar e fazer, possibilitando, a um só tempo, obter informações sobre as experiências dos participantes do estudo sobre o tema investigado e conduzir a prática assistencial pelas ações de socialização do conhecimento e orientação dialogada, utilizando a pedagogia da problematização. A inserção e permanência da pesquisadora como docente no cenário do estudo garantiram o desenvolvimento da assistência por via de ações educativas, vivenciando-se a realidade e as necessidades onde a produção de dados ocorreria. Assim, pôde interagir diante das situações e nelas agir, apreendendo da prática o fenômeno investigado.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O estudo foi realizado na Universidade Aberta da Terceira Idade, da Universidade Federal Espírito Santo (UnATI/UFES) em Vitória-ES. Trata-se de espaço de discussão acerca da pessoa idosa de forma integral, orientada por uma perspectiva educacional que defende a ruptura com situações de dominação, tutela, discriminação e violência em relação ao idoso.

Fonte de dados

Participaram 31 idosos inseridos na programação da UnATI/UFES que realizavam o Módulo ‘Saúde e Qualidade de Vida’.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram produzidos no período de outubro a dezembro de 2014, por meio de entrevistas individuais, técnica de criatividade e sensibilidade (TCS) ‘Almanaque’, discussão em grupo e observação participante. A captação dos participantes se deu por ocasião da aula inaugural do segundo semestre de 2014 da UnATI/UFES, ocorrida concomitante ao período de inscrição dos idosos nos módulos educativos oferecidos pela instituição, definidos a partir dos interesses e necessidades que emergem desse grupo. Após apresentação dos objetivos da pesquisa à equipe profissional da UnATI em reunião científica, assumimos o lugar de facilitador nas atividades do Módulo ‘Saúde e Qualidade de Vida’. E, assim, foi possível desenvolver ações de educação em saúde abordando o tema ‘Promoção e Manutenção do Envelhecimento Ativo e Saudável, a partir do acesso aos saberes e práticas dos idosos, utilizando-se uma estratégia lúdica de cuidado em um espaço educativo grupal. Visando à participação dos idosos no referido módulo, foi realizada uma palestra expositiva sobre o tema proposto da qual participaram 56 idosos. Destes, 31 participaram de todas as etapas de produção de dados da pesquisa e 01 participou apenas da entrevista individual.

Foram incluídos os idosos matriculados no Módulo “Saúde e Qualidade de Vida” e que participaram de todas as etapas de produção de dados da pesquisa. E foram excluídos idosos acometidos por patologias relacionadas à cognição com Mini Exame do Estado Mental (MEEM) para analfabetos < 19 pontos, 1 a 3 anos de escolaridade < 23 pontos, 4 a 7 anos < 24 pontos e com mais de 7 anos < 28 pontos. Bem como, foram excluídos idosos com dependência funcional, com pontuação menor que 9 nas escalas funcionais de Atividades Básicas da Vida Diária e de Atividades Instrumentais da Vida Diária. Os resultados dessa avaliação não foram utilizados no estudo sendo somente uma ferramenta de exclusão de idosos na pesquisa.

Os dados da pesquisa foram organizados de acordo com as técnicas de produção; foram feitas as transcrições das discussões grupais gravadas em áudio, com mídia eletrônica, e a organização e digitalização das produções artísticas individuais.

Etapas do trabalho

Processo de produção de dados

Para agendamento das entrevistas individuais, os participantes foram divididos aleatoriamente em três grupos e ocorreram após as atividades propostas do módulo ‘Saúde e Qualidade de Vida’ e anterior à formação dos grupos de convergência. Essas entrevistas ocorreram durante 03 encontros, com duração de 30 minutos cada, em lugar reservado para privacidade do participante. Incluíram informações sociodemográficas, problemas e riscos de saúde, além de questões sobre a participação em atividades de educação em saúde, envolvendo, ou não, práticas lúdicas. No momento da entrevista, foram reforçados os objetivos do estudo, esclarecidas as dúvidas e explicado como ocorreria todo o processo de desenvolvimento dos grupos e produção de dados da pesquisa.

Após a conclusão da fase de entrevista, os participantes foram divididos em 03 grupos de convergência: 02 femininos e 01 grupo misto. A divisão em um grupo misto teve como intenção identificar e trabalhar, no grupo, possíveis fatores relacionados à construção social do papel de homens e mulheres em relação à manutenção da saúde. Para maior produção de vínculo e confiança entre os participantes de cada grupo, estes mantiveram-se iguais durante todos os encontros. Para os roteiros de discussão sobre práticas de envelhecimento ativo e saudável com os grupos de convergência, adotou-se a pedagogia da problematização(2222 Freire P. Educação como prática da liberdade. 15 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.) na condução do diálogo.

Foram desenvolvidos quatro encontros com cada grupo de convergência, com duração média de 02h30min. por grupo, em períodos distintos, seguindo um cronograma pré-estabelecido entregue para cada participante. Para dinamizar a apresentação dos participantes no primeiro encontro, foi aplicada, no grupo, a dinâmica intitulada “Corrente de nomes”, que enfatizou a importância do nome, do olhar, da escuta e do acolhimento e, em seguida, foram distribuídos crachás para cada participante, facilitando, assim, a sua interação no grupo.

Após o acolhimento, iniciou-se a primeira roda de conversa, utilizando-se um roteiro para condução do diálogo/reflexão sobre o tema “Envelhecimento Ativo e Saudável”, contendo perguntas abertas para discussão e reflexão acerca do que é ser ativo e saudável e de práticas que contribuem ou prejudicam o envelhecimento ativo e saudável.

Para facilitar o início da discussão e o entrosamento do grupo, empregou-se a TCS Almanaque, com produção de desenhos livres sobre a questão geradora do debate: “O que é envelhecer ativo e saudável?” À medida que as participantes expressavam seus sentimentos e concepções por meio dos desenhos, iam explicando, argumentando e criando “naturalmente” a discussão acerca do tema central “saberes e práticas sobre o envelhecimento ativo e saudável”. Em seguida, iniciou-se uma discussão em torno das experiências vividas quanto às práticas para o envelhecimento ativo e saudável, a partir das questões norteadoras do debate: Como avaliam sua saúde? O que fazem para ter um envelhecimento ativo e saudável? O que fazem que compromete ou pode comprometer o envelhecimento ativo e saudável? O que podem fazer para ter um envelhecimento ativo e saudável? Neste momento, os participantes puderam fazer referência e articulações com os almanaques produzidos.

Após a discussão, foi solicitado aos participantes que elegessem temas a serem aprofundados no próximo encontro e, assim, criarem uma oportunidade de dialogar sobre questões que envolviam seus saberes e práticas. Os temas eleitos foram: alimentação saudável, atividade física, medicamentos, o envelhecimento do corpo, principais problemas de saúde na velhice, prevenção de quedas, sexualidade, independência e autonomia, problemas socioeconômicos na velhice e família. O encontro foi encerrado com agradecimentos aos presentes e convite para que todos comparecessem ao próximo encontro.

No segundo encontro, foi realizada a dinâmica intitulada “Isto me recorda”, que tem como objetivo exercitar a associação de ideias de forma lúdica, com expressão afetiva, bem como facilitar a expressão de sentimentos e concepções, fluindo espontaneamente a discussão sobre a temática. Em seguida, uma nova roda de conversa foi adotada para discussão e reflexão dos principais temas levantados pelos participantes no primeiro encontro, convergindo “o saber popular” e “o saber científico”, de forma a reforçar e acrescentar o conhecimento sobre o tema, trabalhando mitos, dúvidas e hábitos negativos.

Após a roda, foram levantados, com o grupo, os tipos de jogos que poderiam ser construídos para melhor assimilação do conteúdo abordado, a ser trabalhado no terceiro encontro. Dentre os diversos jogos mencionados pelos três grupos, foram eleitos quatro jogos, sendo neste estudo apresentado o jogo de tabuleiro. Este jogo foi construído pela pesquisadora a partir dos saberes e práticas dos idosos acerca do envelhecimento ativo e saudável, como uma intervenção educativa, e foi aplicado no grupo, com vistas à construção e reconstrução de conhecimentos e transformação da realidade no terceiro encontro.

O quarto encontro destinou-se à avaliação da estratégia implementada, por meio de uma roda de conversa, sendo utilizado um roteiro contendo perguntas abertas que versaram sobre a participação de cada integrante dos grupos na estratégia educativa proposta: Como foi participar de atividades educativas em geral e de práticas lúdicas em particular? O que facilitou e o que dificultou? Que conhecimentos foram compartilhados no grupo, durante a ação educativa? O que mudou, alterou e permaneceu igual sobre o cuidado consigo mesmo após a participação na atividade? Ao final, teceram considerações sobre a participação da enfermeira no processo de educação em saúde visando ao envelhecimento ativo e saudável, as experiências de participação na pesquisa e sugestões opcionais. A síntese das fases de desenvolvimento da pesquisa está apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese das etapas de trabalho da pesquisa para produção de dados, Vitória, Espírito Santo, Brasil, outubro-novembro, 2014

Análise dos dados

Posteriormente à leitura flutuante do corpus do relatório dos dados produzidos, aplicou-se a análise de discurso francesa com base na triangulação dos dados, visando à compreensão da produção de sentidos do objeto simbólico e sua significância para e por sujeitos(2323 Orlandi EP. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 11 ed. Campinas, SP: Pontes, 2013.). Na perspectiva discursiva, a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história. Sendo assim, fragmentos discursivos dos diálogos dos sujeitos da pesquisa foram analisados, considerando-se o contexto histórico-social em que o discurso foi produzido e o lugar de onde falavam os interlocutores. No registro textual, foram adotadas convenções de transcrição, utilizando-se os recursos para o alcance da materialidade linguística do texto produzido, de forma que se pudesse ter acesso às expressões dos momentos de produção de dados no interior dos grupos de convergência, de maneira mais fidedigna possível: travessão (_); exclamação (!); aspas (“...”); colchetes [ ]; parênteses (texto).

RESULTADOS

Apresentação e regras do jogo de tabuleiro

O jogo pode ser de material cartonado, papel, EVA, papelão ou de outro material resistente, contendo alternativas relacionadas às práticas para promoção da capacidade funcional e, consequentemente, um envelhecimento ativo e saudável. Diferente do tabuleiro tradicional, o proposto nesta pesquisa não utiliza dados para mover as peças, e sim cartas que darão o comando, inclusive qual peça se moverá. O fato de o participante não sortear a carta que irá mover a sua peça torna o jogo mais empolgante e divertido.

Alguns cuidados foram seguidos na sua confecção: uso de linguagem compreensível, empregando-se o universo vocabular ora popular ora científico, uma vez que, no próprio discurso dos participantes, existia uma combinação entre esses; associação de conhecimentos teóricos e práticos; alternância entre textos e imagens, com atenção à coerência entre ambos, de forma a favorecer a apreensão e assimilação dos temas propostos pela memória visual; e uso de frases curtas com o intento de facilitar a compreensão das informações. Procurou-se, também, alternar comunicação verbal e não verbal tornando o jogo atrativo.

O jogo contém seis peças que representam idosos do sexo masculino e feminino; vinte e uma cartas que coordenam a dinâmica entre os participantes, em substituição aos dados, de forma a determinar qual participante moverá a peça, quantas casas percorrerá no tabuleiro ou se o participante ficará uma rodada sem jogar, também denominada ‘carta do sono’; um cartão e um tabuleiro com as regras do jogo, a saber: 1) podem participar no mínimo 2 e no máximo 6 participantes. 2) cada participante deverá escolher uma peça do jogo e, em seguida, separar cada carta correspondente a cada peça eleita. As cartas que corresponderem às peças que não serão utilizadas no jogo deverão ser retiradas. 3) Para iniciar o jogo, todas as peças deverão posicionar-se na casa denominada ‘Idoso’, que representa o ponto de partida. 4) Todas as cartas deverão ser embaralhadas, incluindo as cartas do sono. As cartas deverão estar voltadas para baixo, ao lado do tabuleiro. 5) Deverá ser eleito o participante que iniciará o jogo, que seguirá em sentido horário. Após o primeiro participante pegar a carta que iniciará o jogo, os demais seguirão da mesma forma. 6) Cada carta indicará qual peça irá se mover e quantas casas percorrer. Caso o participante pegue a carta do sono, o mesmo ficará uma rodada sem jogar, passando a vez para o próximo participante. 7) Durante o percurso da peça nas casas, o participante poderá permanecer em uma casa que ofereça informações relacionadas às práticas saudáveis, ou não, para o envelhecimento. O participante terá bônus quando a carta contiver informações de práticas que colaboram para o envelhecimento ativo e saudável (andando casas para frente ou jogando novamente) ou terá ônus, quando contiver informações de práticas que comprometem este envelhecimento (perdendo a vez da jogada, andando casas para trás ou percorrendo caminho mais longo). 8) Ganha o jogo o participante que conseguir chegar primeiro na linha de chegada denominada ‘Envelhecimento ativo e saudável’.

Para o desenvolvimento do jogo, é necessário um espaço com mesa e cadeiras, de forma que os idosos possam sentar-se confortavelmente em círculo, com o tabuleiro aberto no centro da mesa. Deve ser mediado por um profissional, a fim de se orientarem os idosos quanto ao entendimento das regras e reforçar as informações que são oferecidas durante o jogo.

As Figuras 01, 02 e 03 ilustram a apresentação do jogo e suas regras. A Figura 01 representa as cartas do jogo (total de 21 cartas) utilizadas para determinar qual participante moverá a peça (1a), quantas casas serão percorridas no tabuleiro (1b) ou se o participante ficará uma rodada sem jogar (1c), determinado pela denominada ‘carta do sono’. A Figura 02 representa as peças do jogo: total de 6, sendo 3 referentes à pessoa idosa do sexo masculino e 3 do sexo feminino. A Figura 03 representa o tabuleiro do jogo contendo as casas que serão percorridas (3a), sendo que algumas podem oferecer ônus ou bônus para o participante (3b).

Figura 1
Cartas do jogo de tabuleiro, Vitória, Espírito Santo, Brasil, outubro-novembro, 2014

Figura 2
Peças do jogo, Vitória, Espírito Santo, Brasil, outubro-novembro, 2014

Figura 3
Tabuleiro do jogo contendo as casas que serão percorridas, Vitória, Espírito Santo, Brasil, outubro-novembro, 2014

Os objetivos do uso desta gerontotecnologia na promoção da saúde do idoso visam: conhecer os saberes e práticas dos idosos participantes acerca do processo de envelhecimento para a manutenção da capacidade funcional; proporcionar, por meio de um jogo educativo, interação social, estimulação cognitiva, motora, sensorial, raciocínio, competência, autoconfiança e autonomia; permitir a intercessão de conhecimentos entre educadores e educandos para o cuidado de si mesmo, no que tange à manutenção da capacidade funcional para a promoção do envelhecimento ativo e saudável.

Implementação do jogo de tabuleiro e avaliação pelos participantes

O jogo de tabuleiro foi apresentado aos idosos no terceiro encontro com cada grupo, com detalhes sobre sua aplicação, funcionamento e regras, deixando-os livres para questionarem e expressarem suas impressões quanto à tecnologia educacional proposta. Durante sua implementação, os idosos apresentaram entusiasmo e motivação. As expressões verbais e não verbais dos participantes foram representadas por risos, espontaneidade, solidariedade em ajudar o colega com maior dificuldade, espírito competitivo e mesmo frustação, quando as respostas não eram as esperadas para o ganho de bônus. A alegria expressa era contagiante, representando vitória na ratificação do aprendizado. Mas também houve limites na implementação da proposta, a exemplo da dificuldade de assimilação e aplicação das regras do jogo por parte de alguns participantes, superados por eles mesmos, por meio do espírito coletivo e solidário assumido pelo grupo. Assim, aqueles que melhor compreendiam determinadas fases do jogo colaboravam com o exercício de compreensão dos demais, tornando a atividade prazerosa para ambos:

Quando a gente trabalha em conjunto, pensando junto, é melhor, rende mais. Jogando, um foi ajudando o outro a lembrar do que conversamos e ao mesmo tempo conhecemos melhor o colega ao lado. Foi muito bom! (I28)

A colaboração entre eles pôde ser observada no diálogo a seguir:

Vou te ajudar [...]. Você tirou a carta de número 3. Então conta: um, dois e três. Você ganhou mais um ponto, sabe por quê? Porque você parou na casa ‘realizar atividades de lazer e social que é muito bom para a gente’. [I01 à I07]

[Levanta da cadeira e vibra] Ganhei um ponto! Porque parei na casa da autonomia [gargalhadas] . Isto é muito importante para mim! (I01)

Levados a refletir sobre sua experiência em participar da atividade proposta, os idosos referiram que o jogo possibilitou a fixação do que foi compartilhado durante as discussões, ajudando-os a refletirem sobre seus hábitos de vida:

Foi muito bom! Porque só falar, só absorver... A gente quando pratica se desenvolve mais. Deu para entender melhor as informações. (I04)

Os jogos ajudaram muito! Eu acho que nos ajudou a prestar mais atenção no que foi conversado antes. Isso me ajudou muito na minha casa. (I25)

É sabido que um jogo de tabuleiro se destina à participação de um ou mais usuários que pode requerer apenas sorte ou conhecimento, estratégia ou memória. Entretanto, o jogo implementado nesta pesquisa, nas ações educativas junto aos idosos, considerou, também, outros importantes estímulos: mentais, uma vez que é necessário entender suas regras e objetivos; motores, pois é preciso manipular objetos para efetuar as jogadas durante as partidas; sensoriais, por meio dos quais ocorre a interface entre os participantes e o jogo; e sociais, mobilizando a interação humana(2424 Lopes LMBF, Taralli CH. Jogos de Mesa para Idosos: análise e considerações sobre o dominó. In: 9° Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. 2010, São Paulo. Anais P&D Design. São Paulo: Blücher e Universidade Anhembi Morumbi, 2010, p. 3439-52.-2525 Cyrino RS, Silva LED, Souza MR, Borges CJ, Pereira LTS. Atividades lúdicas como estratégia de educação em saúde com idosos. Rev Ciênc Ext [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 13];12(3):154-63. Available from: http://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/1324
http://ojs.unesp.br/index.php/revista_pr...
).

DISCUSSÃO

A transição do processo demográfico que vem resultando em crescente envelhecimento populacional tem sido um desafio não somente para as organizações nacionais e internacionais na criação de políticas que respondam às necessidades das pessoas idosas, como também para os profissionais de saúde na produção de tecnologias capazes de promover a saúde e o bem-estar na velhice. Com esse intento, o jogo criado como atividade educativa lúdica para a promoção do envelhecimento ativo e saudável mostrou-se como tecnologia facilitadora da interação entre os educandos (idosos, familiares, comunidade) e educadores (enfermeiros), promovendo o processo ensino-aprendizagem sobre o tema. Sua proposta buscou reconhecer o potencial do idoso na manutenção e desenvolvimento de suas habilidades, considerando-o capaz de aprender, ensinar e trocar experiências.

Com esse entendimento, o profissional de saúde não restringe sua atenção às doenças e às complicações inerentes ao envelhecimento, mas investe no emprego de tecnologias que visem manter a autonomia do idoso no cuidado de si, tornando-o parceiro ativo e corresponsável na atenção à saúde. O jogo de tabuleiro, como uma gerontotecnologia de natureza educativa, constituiu-se em fonte de conhecimento sobre saúde e auxílio na tomada de decisões, respeitando o conjunto de saberes e o contexto cultural que sustentam as práticas das pessoas envolvidas, como importantes elementos para efetividade da proposta(1111 Saldan GG, Figueiredo FSF, Misawa F, Rêgo AS, Salci MA, Radovanovic CAT. Construção de tecnologia educativa para cuidado domiciliar após acidente vascular encefálico: relato de experiência. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017[cited 2017 Jul 28];11(4):1784-93. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/15251/18038
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
).

A intervenção do profissional de saúde teoricamente orientado no entendimento da educação como um processo libertador considera o ser cuidado como histórico-social, capaz de construir seu próprio conhecimento(2626 Costa NP, Polaro SHI, Vahl EAC, Goncalves LHT. Storytelling: a care technology in continuing education for active ageing. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 28];69(6):1068-75. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0390
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016...
). Portanto, há que transcender a prática da educação em saúde como apenas de transmissão de informações, ajudando o educando a se perceber como sujeito indagador, em processo contínuo de busca, de descoberta da razão de ser das coisas(2222 Freire P. Educação como prática da liberdade. 15 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.). Para este fim, utiliza a estratégia do compartilhamento de experiências de aprendizagem com vistas a facilitar ações condizentes com a saúde, considerando o encontro de diferentes modos de existência, com produção de subjetividades oportunizada pelo espaço grupal. Esse processo faz-se pelo significado das situações vivenciadas pelos sujeitos do grupo e no grupo, configurando um fenômeno mobilizador contínuo de mudanças e de inquietudes com a realidade(2727 Nogueira ALG, Munari DB, Santos LF, Oliveira LMAC, Fortuna CM. Therapeutic factors in a group of health promotion for the elderly. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013[cited 2017 Jan 9];47(6):1352-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n6/en_0080-6234-reeusp-47-6-01352.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n6/en...
).

Na convergência da pesquisa com a assistência de cunho educativo, a presença da enfermeira como mediadora e facilitadora do processo ensino-aprendizagem fomentou a discussão de interesse dos idosos participantes, antes e durante o desenvolvimento do jogo. Seu emprego como uma gerontotecnologia educacional viabilizou o movimento do diálogo que favoreceu aos idosos trazerem para o espaço coletivo suas dúvidas e questionamentos que foram problematizados na relação de confiança e criticidade estabelecida.

Essa maneira de se pensar e implementar a educação em saúde visa à superação da marginalização social. Além de propor e ser agente da ação que transforma, a educação é um direito elementar de todo ser humano, independentemente da idade. Assim, o idoso como cidadão tem direito à educação em saúde, não apenas como instrumentalização ou compensação, mas como espaço de questionamentos, decisões, capacitação e diálogo(2828 Oliveira RC, Oliveira FS, Scortegagna PA. Pedagogia Social: possibilidade de empoderamento para o idoso. In: III Congresso Internacional de Pedagogia Social [Internet]. São Paulo: 2010[cited 2015 Sep 21]. Available from: http://www.proceedings.scielo.br/scielo
http://www.proceedings.scielo.br/scielo...
). A educação alicerçada na posição do homem como sujeito de sua história, do seu estar no mundo, tendo a problematização como base pedagógica e o diálogo como elemento essencial que fundamenta a relação entre educador e educando, possibilita que ambos aprendam juntos por meio de um processo emancipatório(2929 Freire P. Pedagogia do oprimido. 54 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.). Assim, a gerontotecnologia criada e implementada nesta pesquisa agiu como recurso pedagógico lúdico no cuidado de enfermagem, contribuindo com a construção do conhecimento no campo da saúde do idoso, com vistas a prevenir e minimizar incapacidades, empoderando os idosos para o cuidado, bem como inferindo que o enfermeiro pode atuar no fortalecimento de competências do idoso no cuidado de si, rumo ao protagonismo do próprio envelhecimento com qualidade(3030 Santos SSC, Gautério DP, Vidal DAS, Rosa BM, Zortea B, Urquia BS. (In)Dependência na realização de atividades básicas de vida diária em pessoas idosas domiciliadas. Rev Rene [Internet] 2013[cited 2015 Sep 21];14(3):579-87. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/3492
http://www.periodicos.ufc.br/rene/articl...
-3131 Goes TM, Polaro SHI, Gonçalves LHT. Cultivo do bem viver das pessoas idosas e tecnologia cuidativo-educacional de Enfermagem. Enferm Foco [Internet]. 2016[cited 2017 Jan 28];7(2):47-51. Available from: http://revista.portalcofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/viewFile/794/319
http://revista.portalcofen.gov.br/index....
).

Limitações do estudo

Evidencia-se, por meio deste estudo, que, para a aplicação de jogos como uma gerontotecnologia, é necessário que o enfermeiro conheça as questões que tangem os aspectos físico, psíquico, social e político que abarcam as diferentes dimensões do processo envelhecer. Além de conhecer o arcabouço teórico da área da gerontologia e geriatria, que esteja aberto ao diálogo, aguçando sua capacidade crítica, sensível e de interação humana.

Contribuições para a enfermagem

O jogo de tabuleiro como gerontotecnologia educacional se configurou como elemento agregador, que levou a um clima de entrosamento, descontração e criação de vínculos no grupo, constituindo-se, assim, em ferramenta facilitadora do cuidado de enfermagem ao idoso. Fomentado pelo diálogo e ludicidade, despertou a postura crítico-reflexiva do participante acerca de sua corresponsabilidade e coparticipação na gestão de ações que promovam independência e autonomia no cuidado de si, a despeito da presença ou não de doenças e limitações inerentes ao envelhecimento. Afinal, o homem só se conscientiza de si como ser que está no mundo e com o mundo, quando toma para si a responsabilidade de participar e coparticipar (2929 Freire P. Pedagogia do oprimido. 54 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.).

Visando contribuir para a produção e disseminação do conhecimento da Enfermagem Gerontológica, a gerontotecnologia criada e implementada nesta pesquisa foi patenteada pelo Instituto de Inovação Tecnológica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (INIT/PRPPG) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), registrada sob o N0 BR 1020160107725 em 2016.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação e implementação do jogo de tabuleiro como tecnologia lúdica aplicada ao campo do conhecimento da enfermagem gerontológica colaborou com o deslocamento das atividades de educação em saúde majoritariamente pautada em um modelo de atenção marcado pela centralidade dos sintomas, para uma proposta pedagógica capaz de, pela ação dialógica e pelo estímulo ao potencial criativo dos sujeitos envolvidos, construir saberes voltados à promoção do envelhecimento ativo e saudável, empoderando idosos e familiares para o cuidado. Essa gerontotecnologia implementada na clínica do cuidado de enfermagem agiu como exercício de autodeterminação do idoso, potencializador de memória, autoestima, processos de socialização, trocas de experiências e aprendizagem compartilhada.

A aplicação do jogo como um recurso tecnológico, criativo, recreativo e de participação coletiva, possibilitou a reflexão dos idosos quanto à pertinência da proposta para apreensão das informações compartilhadas. A estratégia (educativa) e o recurso (jogo) utilizados contribuíram para a tomada de consciência dos idosos acerca de suas limitações e possibilidades em relação ao processo de envelhecer.

A proposta pedagógica desenvolvida oportunizou o compartilhamento dos conhecimentos prévios da pesquisadora com aqueles oriundos dos idosos na criação do jogo de tabuleiro, muito presentes em nossa sociedade, possibilitando melhor adesão a tratamentos e manutenção da capacidade funcional por maior tempo.

Esta gerontotecnologia pode ser implementada tanto na promoção da saúde quanto nas ações de prevenção e controle de doença em percurso, estreitando a interação do profissional com as pessoas idosas. Destaca-se que o jogo como tecnologia pode ser adaptado à realidade de outros grupos sociais, com temas específicos, desde que atendam ao propósito educativo de interação social e de compartilhamento de saberes e práticas proporcionados pela ludicidade.

  • FOMENTO
    Trabalho fomentado pelos órgãos CAPES, CNPQ que disponibilizaram bolsas no doutorado interinstitucional entre UFES/EEAN/UFRJ.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2017
  • Aceito
    31 Ago 2017
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