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Metodologia qualitativa: considerações e singularidades sobre a implementação de intervenções centradas na pessoa

A investigação qualitativa em saúde permite a compreensão aprofundada de como a pessoa experiencia as diferentes transições de saúde, a relação com os profissionais de saúde e a passagem pelos diferentes ambientes de prática clínica. Concomitantemente, tem o potencial de suportar a tomada de decisão clínica dos profissionais e de empoderar o cidadão na sua autonomia e responsabilização pelo processo de saúde-doença, inserido no seu projeto de vida(11 Oliveira ESF, Baixinho CL, Presado MHCV. Qualitative research in health: a reflexive approach. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):830-1. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2019-720401
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).

Outro aspecto dos métodos qualitativos é a sua utilidade para o desenho de intervenções e envolver, ativamente, desde o início do estudo, as pessoas na co-construção da investigação para que esta se traduza em resultados sensíveis às necessidades individuais. Acresce ainda a importância da mesma para o entendimento das questões relativas à implementação, à teorização de mecanismos de ação, à compreensão de como o contexto influencia e à aceitabilidade das intervenções(22 Thirsk LM, Clark AM. Using qualitative research for complex interventions: the contributions of hermeneutics. Int J Qual Methods. 2017;16(1). https://doi.org/10.1177/1609406917721068
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).

As intervenções na saúde em geral e na enfermagem, em particular, são complexas e estão sempre em permanente interação com uma multiplicidade de fatores difíceis de mensurar e replicar, porque as necessidades de cuidados, as dificuldades de adesão à(s) terapêutica(s), as expetativas e a própria experiência humana são individuais, com expressão sempre na primeira pessoa. Alguns autores advogam que a metodologia interpretativista é apropriada para desenhar, desenvolver e implementar intervenções complexas, porque as intervenções dos serviços de saúde são representadas como consistentes, objetivas e estáticas, mas na verdade envolvem interpretação na forma como são desenhadas, validadas, implementadas e adotadas pelas pessoas(22 Thirsk LM, Clark AM. Using qualitative research for complex interventions: the contributions of hermeneutics. Int J Qual Methods. 2017;16(1). https://doi.org/10.1177/1609406917721068
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).

Nessa linha de pensamento, se refletirmos que a abordagem de cuidados centrados na pessoa implica a “adaptação” da evidência às necessidades e preferências de cada um, fica claro que os métodos usados no design de intervenções têm de permitir ouvir a sua voz, conhecer as estratégias de coping para a gestão de sintomatologia e a decisão em relação a um conjunto de questões complexas(33 Yardley L, Bradbury K, Morrison L. Using qualitative research for intervention development and evaluation. In: Camic PM. Qualitative research in psychology: expanding perspectives in methodology and design. 2nd ed. Washington: American Psychological Association; 2021. pp. 263–82. https://doi.org/10.1037/0000252-013
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,44 O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
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), o que reforça a importância desse paradigma e do seu uso nas diferentes fases do estudo para garantir que a intervenção é aceitável, viável, significativa e envolvente para a(s) pessoa(s)(22 Thirsk LM, Clark AM. Using qualitative research for complex interventions: the contributions of hermeneutics. Int J Qual Methods. 2017;16(1). https://doi.org/10.1177/1609406917721068
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,33 Yardley L, Bradbury K, Morrison L. Using qualitative research for intervention development and evaluation. In: Camic PM. Qualitative research in psychology: expanding perspectives in methodology and design. 2nd ed. Washington: American Psychological Association; 2021. pp. 263–82. https://doi.org/10.1037/0000252-013
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,44 O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
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).

A pandemia de SARS-CoV-2 e a necessidade de (re)organizar os sistemas de saúde para o acesso de um maior número de doentes e para as demandas necessárias de internamentos foram desafios para a procura crescente por novas intervenções, até porque os profissionais de saúde lidam, cada vez mais, com problemas complexos, como a integração da saúde e das necessidades de apoio socioeconómico, novos riscos associados ao estilo de vida e o uso da tecnologia e-health(44 O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
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). Essas modificações são um repto para o cuidado centrado e para a implementação de intervenções seguras, de qualidade e até custo-efetivas, visto que um desenho de intervenção precário pode gastar recursos públicos por meio de avaliações caras, despropositadas e não orientadas para o problema/necessidade, levando a uma ação ineficaz(44 O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
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).

Assim, intervenções em saúde devem ser cuidadosamente desenhadas e desenvolvidas de maneira a potenciar a resposta aos problemas de saúde, para que essas sejam ajustadas e eficazes no seu propósito de forma a serem implementadas como planejadas, promovendo o desenvolvimento dos cuidados de saúde e das sociedades pela garantia do melhor cuidado, baseado na melhora evidência, com respeito pelas preferências/necessidades adequadas ao contexto e à cultura(11 Oliveira ESF, Baixinho CL, Presado MHCV. Qualitative research in health: a reflexive approach. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):830-1. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2019-720401
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,22 Thirsk LM, Clark AM. Using qualitative research for complex interventions: the contributions of hermeneutics. Int J Qual Methods. 2017;16(1). https://doi.org/10.1177/1609406917721068
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,33 Yardley L, Bradbury K, Morrison L. Using qualitative research for intervention development and evaluation. In: Camic PM. Qualitative research in psychology: expanding perspectives in methodology and design. 2nd ed. Washington: American Psychological Association; 2021. pp. 263–82. https://doi.org/10.1037/0000252-013
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,44 O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
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).

Face ao exposto, reforçamos que a investigação qualitativa e os métodos de pesquisa mais colaborativos/participativos, desenvolvidos por meio de um processo sistemático e estruturado, permitem desde o desenho à implementação de intervenções mais efetivas na resposta contra problemas de saúde, pois são fundamentadas na compreensão do problema e projetadas para responder a como esse mesmo problema é vivenciado pela população-alvo no contexto de interesse(33 Yardley L, Bradbury K, Morrison L. Using qualitative research for intervention development and evaluation. In: Camic PM. Qualitative research in psychology: expanding perspectives in methodology and design. 2nd ed. Washington: American Psychological Association; 2021. pp. 263–82. https://doi.org/10.1037/0000252-013
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,44 O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029...
).

REFERENCES

  • 1
    Oliveira ESF, Baixinho CL, Presado MHCV. Qualitative research in health: a reflexive approach. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):830-1. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2019-720401
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167.2019-720401
  • 2
    Thirsk LM, Clark AM. Using qualitative research for complex interventions: the contributions of hermeneutics. Int J Qual Methods. 2017;16(1). https://doi.org/10.1177/1609406917721068
    » https://doi.org/10.1177/1609406917721068
  • 3
    Yardley L, Bradbury K, Morrison L. Using qualitative research for intervention development and evaluation. In: Camic PM. Qualitative research in psychology: expanding perspectives in methodology and design. 2nd ed. Washington: American Psychological Association; 2021. pp. 263–82. https://doi.org/10.1037/0000252-013
    » https://doi.org/10.1037/0000252-013
  • 4
    O’Cathain A, Croot L, Duncan E. Guidance on how to develop complex interventions to improve health and healthcare. BMJ Open. 2019;9:e029954. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954
    » https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-029954

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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