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O brincar como significante para aplicação do Brinquedo Terapêutico dramático pelo enfermeiro: reflexão teórica

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre possíveis contribuições do brincar enquanto significante na utilização do Brinquedo Terapêutico dramático na atuação do enfermeiro.

Métodos:

Estudo teórico-reflexivo, ancorado em três momentos: A linguagem do inconsciente que emerge no brincar como significante; Como o Brinquedo Terapêutico dramático é utilizado pelo enfermeiro; e O brincar enquanto significante no decorrer da aplicação do Brinquedo Terapêutico dramático: contribuições para a prática de enfermagem.

Resultados:

Por intermédio do manejo das sessões pelo enfermeiro, o brincar mediado pelo Brinquedo Terapêutico dramático proporciona à criança a oportunidade de elaboração de elementos significantes que não haviam sido significados por ela.

Considerações finais:

Mediante o Brinquedo Terapêutico dramático, a articulação do organismo da criança com sua realidade na formação do eu constitui avanço para produção de conhecimento e assistência de enfermagem à criança, possibilitando cuidado integral e permitindo a elaboração de suas angústias, o que colabora para que a criança se constitua enquanto sujeito.

Descritores:
Enfermagem; Enfermagem Pediátrica; Criança; Jogos e Brinquedos; Psicanálise

ABSTRACT

Objective:

To reflect on the possible contributions of the act of playing as a signifier in the use of dramatic Therapeutic Toy performed by the nurse.

Methods:

Theoretical-reflexive study, based on three moments: The language of the unconscious that emerges as a signifier when playing; How the dramatic Therapeutic Toy is used by the nurse; and the act of playing as a signifier during the application of the dramatic Therapeutic Toy: contributions to nursing practice.

Results:

Through the intervention of the nurse in the sessions, the act of playing mediated by the dramatic Therapeutic Toy provides the child with the opportunity to elaborate on signifier elements that had not been meant by him.

Final considerations:

Through the dramatic Therapeutic Toy, the articulation of the child's organism with his reality in the formation of the self constitutes an advance for the production of knowledge and nursing assistance to the child, enabling complete care and allowing the elaboration of their anxieties, which collaborates so that the child constitutes himself as a subject.

Descriptors:
Nursing; Pediatric Nursing; Child; Play and Playthings; Psychoanalysis

RESUMEN

Objetivo:

Reflejar posibles contribuciones del jugar mientras significante en la utilización del Juguete Terapéutico dramático en la actuación del enfermero.

Métodos:

Estudio teórico-reflexivo, ancorado en tres momentos: Lenguaje del inconsciente que emerge en el jugar como significante; Como el Juguete Terapéutico dramático es utilizado por el enfermero; y El jugar mientras significante en transcurso de la aplicación del Juguete Terapéutico dramático: contribuciones a práctica de enfermería.

Resultados:

Por intermedio del manejo de sesiones por el enfermero, el jugar mediado por Juguete Terapéutico dramático proporciona al niño la oportunidad de elaboración de elementos significantes que no le habían sido significados.

Consideraciones finales:

Mediante Juguete Terapéutico dramático, la articulación del organismo del niño con su realidad en su formación del yo constituye avanzo para producción de conocimiento y asistencia de enfermería pediátrica, posibilitando cuidado integral y permitiendo la elaboración de sus angustias, que colabora para que el niño se constituya mientras sujeto.

Descriptores:
Enfermería; Enfermería Pediátrica; Niños; Juego e Implementos de Juego; Psicoanálisis

INTRODUÇÃO

Brincar é um direito da criança, uma das atividades mais importantes da infância, que a estimula em suas dimensões social, física e intelectual, sendo por meio dele que ela aprende e se desenvolve(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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). Mediante o brinquedo e sua ação lúdica, a criança se torna capaz de expressar a realidade, construindo e desconstruindo um mundo que lhe seja significativo e que corresponda às necessidades essenciais para o desenvolvimento(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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).

Na assistência à saúde, o brincar como atividade terapêutica reduz o sofrimento emocional da criança e a auxilia no enfrentamento de experiências clínicas, podendo ser usado em rotinas diárias de cuidado(22 Sezici E, Ocakci AF, Kadioglu H. Use of play therapy in nursing process: a prospective randomized controlled study. J Nurs Scholarsh. 2017;49(2):162-9. https://doi.org/10.1111/jnu.12277
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-33 Calegari T, Gimenes BP, Luz JH, Campos YAES, Borba RIH, Ribeiro CA. A criança autista em sessão de brinquedo terapêutico dramático: uma análise winnicottiana. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2018;18(1):43-8. https://doi.org/10.31508/1676-3793201800007
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). Como o cuidado de enfermagem pediátrica deve garantir atenção integral à criança, é necessário que inclua o brincar na assistência por meio da utilização do brinquedo pelo enfermeiro, visando a todos os fins terapêuticos que proporciona(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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).

O Conselho Federal de Enfermagem, mediante a Resolução nº 546/2017, reconhece o Brinquedo Terapêutico (BT) como atividade realizada pela enfermagem, ao dizer que compete ao enfermeiro atuante na pediatria a utilização do BT na assistência à criança hospitalizada(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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). O BT, conceituado na literatura científica desde 1980, é descrito como um brinquedo estruturado para aliviar as ansiedades da criança, geradas por experiências atípicas à sua idade, sendo classificado em três modalidades: dramático ou catártico, instrucional e capacitador de funções fisiológicas(33 Calegari T, Gimenes BP, Luz JH, Campos YAES, Borba RIH, Ribeiro CA. A criança autista em sessão de brinquedo terapêutico dramático: uma análise winnicottiana. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2018;18(1):43-8. https://doi.org/10.31508/1676-3793201800007
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).

A reflexão a ser apresentada refere-se ao BT dramático por viabilizar ao enfermeiro a melhor compreensão das necessidades da criança, auxiliando-a a elaborar sentimentos passados ou iminentes; contribuindo para a construção da relação terapêutica com criança e família; e incentivando a participação no cuidado(33 Calegari T, Gimenes BP, Luz JH, Campos YAES, Borba RIH, Ribeiro CA. A criança autista em sessão de brinquedo terapêutico dramático: uma análise winnicottiana. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2018;18(1):43-8. https://doi.org/10.31508/1676-3793201800007
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). Além disso, em conjunto com a comunicação adequada, promove o planejamento e a criação de estratégias de enfrentamento e manejo(33 Calegari T, Gimenes BP, Luz JH, Campos YAES, Borba RIH, Ribeiro CA. A criança autista em sessão de brinquedo terapêutico dramático: uma análise winnicottiana. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2018;18(1):43-8. https://doi.org/10.31508/1676-3793201800007
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). Portanto, o BT dramático utilizado pela enfermagem auxilia na criação e manutenção de habilidades emocionais, sociais e de comportamento, além de diminuir os níveis de medo e ansiedade, aprimorando comunicação e autoestima(22 Sezici E, Ocakci AF, Kadioglu H. Use of play therapy in nursing process: a prospective randomized controlled study. J Nurs Scholarsh. 2017;49(2):162-9. https://doi.org/10.1111/jnu.12277
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).

O brincar é um tipo de linguagem em que o enfermeiro reconhece a forma como a criança elabora ansiedades geradas por experiências atípicas(33 Calegari T, Gimenes BP, Luz JH, Campos YAES, Borba RIH, Ribeiro CA. A criança autista em sessão de brinquedo terapêutico dramático: uma análise winnicottiana. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2018;18(1):43-8. https://doi.org/10.31508/1676-3793201800007
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), sendo apropriada a leitura da relação da criança com o brinquedo, ou seja, é preciso ler o ato de brincar tendo bases teóricas, o que favorece a transformação deste em terapêutico. Logo, ao considerar a relação entre criança e brinquedo, no ato de brincar, há o reconhecimento das necessidades de cuidado(33 Calegari T, Gimenes BP, Luz JH, Campos YAES, Borba RIH, Ribeiro CA. A criança autista em sessão de brinquedo terapêutico dramático: uma análise winnicottiana. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2018;18(1):43-8. https://doi.org/10.31508/1676-3793201800007
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), e isso pode ser utilizado pelo enfermeiro para implementar uma assistência individualizada(22 Sezici E, Ocakci AF, Kadioglu H. Use of play therapy in nursing process: a prospective randomized controlled study. J Nurs Scholarsh. 2017;49(2):162-9. https://doi.org/10.1111/jnu.12277
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).

A psicanálise oferece uma possibilidade de leitura teórica em que o brinquedo é um objeto; e, ao manipulá-lo, a criança estabelece relações para ordenar o simbólico, que constitui e evidencia traços de sua subjetividade(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.). Portanto, na perspectiva da psicanálise, embora a criança tenha limitações na verbalização, ela é capaz de fazer associações livres por meio do brincar, sendo este considerado acting out, forma de repetir ou atuar o que não pode ser recordado, fazendo da repetição uma possibilidade de elaboração(55 Leitão IB, Cacciari MB. A demanda clínica da criança: uma psicanálise possível. Estilos Clín. 2017;22(1):64-82. https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p64-82
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).

Portanto, quando o enfermeiro assume a leitura do brincar considerando a relação de objeto, na qual a criança toma-o como significante que pode ser apreendido nessa relação entre ela e o brinquedo, reconhece-se a importância do brincar para a constituição subjetiva(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.). Assim, fundamental para direcionar a assistência de enfermagem é subsidiar a leitura do enfermeiro para que este se relacione com a criança e consiga identificar necessidades de cuidado no ato de brincar. Dessa forma, o presente trabalho objetiva refletir sobre as possíveis contribuições do brincar enquanto significante na utilização da técnica do BT dramático na atuação do enfermeiro.

Do ponto de vista metodológico, esta reflexão teórica está estruturada em três tópicos. O primeiro tópico visa ao esclarecimento de conceitos essenciais para compreender como a linguagem do inconsciente emerge no brincar como significante. O segundo tem a finalidade de expor o modo pelo qual o BT dramático vem sendo utilizado pelo enfermeiro. E, por fim, o terceiro tópico objetiva conduzir a reflexão sobre como o enfermeiro pode aplicar o BT dramático no cuidado à criança considerando o brincar enquanto significante.

A linguagem do inconsciente que emerge no brincar como significante

Para que o enfermeiro seja capaz de utilizar a concepção do brincar como estruturante da psique humana e reconhecer o brinquedo em sua relação com a criança, é necessário apresentar conceitos que darão base a tal leitura.

A linguagem é um complexo de relações entre significado e significante, sendo que este consiste em uma unidade fonemática, ou seja, o discurso concreto, que não está presente apenas para exercer uma única significação, mas para fornecer múltiplos significados, os quais, em cadeia, têm a função de representar um sujeito a outro significante(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.). É, portanto, a manifestação inconsciente, que se repete e faz parte do individual, grupal e social, não sendo propriedade de alguém e perpassando cada um(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.). Um significante, quando se institui, cria algo novo na continuidade do vivido pelo sujeito(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.).

Ao nascer, o sujeito adentra, por meio da linguagem apresentada por sua família, em uma ordem social que lhe é anterior, sendo antecedido por um mito familiar com significantes que o nomearão, passando a recobri-lo pela linguagem(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.-77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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). Isso ocorre pela necessidade do bebê de um cuidador que exercerá o cargo de intérprete, entendido como a função de Outro, alteridade que estabelecerá demandas e nomeará os atos do bebê(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.). Na medida em que esse Outro interpreta o estado da criança e tenta produzir significações capazes de apaziguá-la, ela é inserida na lógica da linguagem, representada pelos significantes a ela oferecidos(88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.).

Este Outro, responsável por inscrever os significantes fundamentais que darão entrada à linguagem do bebê, ocupa a função materna(88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.) e contribui para a formação de uma estrutura significante composta de elementos significativos para a família e sociedade nas quais este bebê está inserido, ou seja, esse Outro ajuda a compor o chamado o mito familiar(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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,1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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). Portanto, a dimensão social familiar é essencial à constituição do sujeito do inconsciente, já que há um sistema de relações pré-existentes de ordem significante antecedendo-o, pois o Outro que lhe precede já está tomado pela linguagem(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.

5 Leitão IB, Cacciari MB. A demanda clínica da criança: uma psicanálise possível. Estilos Clín. 2017;22(1):64-82. https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p64-82
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-66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.).

No entanto, o mito familiar não contempla toda a significação para estruturação do sujeito, sendo que a falta de resposta do Outro à demanda do bebê produz um lugar vazio a partir do qual o desejo adquire função significante(77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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). Portanto, além dos significantes ofertados por quem exerce a função materna, há uma falta de sentido quando esse Outro se posiciona como incapaz de oferecer todos os significados possíveis para os significantes herdados pelo bebê(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.).

É comum que a criança se agarre a uma figura que esteve presente em seu mito familiar, discursiva ou fisicamente, objetivando produzir algo para tramitar o inconsciente, ou seja, para responder às situações que lhe serão apresentadas no decorrer da vida de forma regularmente repetida, à medida que as circunstâncias externas e a natureza dos objetos se façam acessíveis a ela, sendo este o processo transferencial(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.). A transferência, em psicanálise, modifica as relações do sujeito com seu inconsciente, sendo uma atualização do princípio de realidade, entendido como a cadeia de significantes desse sujeito em ação(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.).

Na brincadeira, a criança repete situações que lhe causaram impressões em sua realidade, tornando-se dominadora da situação de forma mais ativa(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.), sendo que essa dominação é fortalecida a cada nova repetição, razão pela qual o brincar pode ser entendido como uma atividade terapêutica(55 Leitão IB, Cacciari MB. A demanda clínica da criança: uma psicanálise possível. Estilos Clín. 2017;22(1):64-82. https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p64-82
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). Não há atividade significativa no desenvolvimento da simbolização da criança que não perpasse pelo brincar(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.): a matriz simbólica acontece antes que o sujeito se objetive na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua sua função de sujeito(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.).

Durante o estádio do espelho, momento em que o bebê estabelece relação de seu organismo com a realidade, este reconhece sua própria imagem, porém ela não é real e sim ilusória, uma projeção do desejo materno em relação a ela, visto que é a mãe, em seu olhar, que o possibilita de encontrar uma imagem unificada de seu corpo, as direções para formação do seu eu(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.). Esse fenômeno ilustra o conflito da relação dual entre sujeito e objeto, isto é, sujeito e sua representação, e tudo o que a criança apreende na cativação por sua imagem é a distância existente entre suas tensões internas e a identificação de sua imagem, e entre estas sempre haverá falta(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.).

Há na mãe uma ignorância estrutural sobre os objetos que oferece ao seu filho, sendo que a transmissão dos significantes dela para ele acontece justamente pela relação dos objetos que darão suporte ao cuidado e que favorecem o nascimento do sujeito(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.-77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
https://periodicos.unifor.br/rmes/articl...
). Portanto, é possível utilizar o brincar e apreender o brinquedo como objeto no qual a criança pode evidenciar sua estruturação(55 Leitão IB, Cacciari MB. A demanda clínica da criança: uma psicanálise possível. Estilos Clín. 2017;22(1):64-82. https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p64-82
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).

Considerando que o inconsciente está estruturado como uma linguagem e que esta acontece por meio de significantes, o brincar se torna uma forma de linguagem de acesso ao inconsciente, sendo uma prática significante que tem como objeto o brinquedo(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.). Quando brinca, a criança cria buracos que possibilitam a invenção de pontes, ou seja, o brincar traz a possibilidade de construção de elaborações simbólicas(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.). Portanto, a criança possui furos, delimitados pelo descompasso entre a concepção orgânica e sua realidade, que deveriam ser preenchidos por suas próprias construções por meio da articulação simbólica, originalmente introduzida pela função materna e experimentada pela criança no ato de brincar(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.).

Como o Brinquedo Terapêutico dramático vem sendo utilizado pelo enfermeiro

Conforme mencionado, o BT é uma tecnologia de cuidado que envolve uma técnica com respaldo legal para aplicação na assistência de enfermagem(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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). É importante ressaltar que a literatura referente ao BT dramático na prática assistencial do enfermeiro foca sua atenção prioritariamente em crianças hospitalizadas. Quanto à aplicação do BT em crianças saudáveis, os estudos são escassos(22 Sezici E, Ocakci AF, Kadioglu H. Use of play therapy in nursing process: a prospective randomized controlled study. J Nurs Scholarsh. 2017;49(2):162-9. https://doi.org/10.1111/jnu.12277
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).

A enfermagem deve garantir atenção integral à criança em qualquer ambiente de cuidado, o que inclui, na assistência, a utilização do brincar - que é um direito infantil - visando à promoção do desenvolvimento(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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). Portanto, discutir o uso do brincar, em especial mediado pelo BT dramático, enquanto instrumento na assistência de enfermagem permite apreender como este está sendo implementado dentro das práticas de cuidado, quais são as lacunas presentes na produção científica e quais evidências o apresentam como recurso efetivo(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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).

Os principais benefícios relatados na aplicação do BT dramático pelo enfermeiro são: humanização da assistência, garantindo segurança no cuidado; construção de vínculo entre profissional e criança, criando comunicação efetiva e confiável; aprimoramento de habilidades sociais, emocionais, comportamentais, de solução de problemas, enfrentamento e raciocínio; controle dos níveis de medo, ansiedade, raiva e agressividade; aprimoramento da autoestima, tolerância e autocontrole; expressão de desejos, emoções, medos, sentimentos e experiências vividas; alívio de tensões e estresse decorrentes da doença/hospitalização; facilitador da integralidade da atenção e (res)significação da doença; exteriorização de relações e papéis sociais internalizados; auxílio na interação com o ambiente social; promoção de maior colaboração no tratamento; e possibilidade de promoção de educação em saúde(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
https://doi.org/10.31508/1676-3793201600...
-22 Sezici E, Ocakci AF, Kadioglu H. Use of play therapy in nursing process: a prospective randomized controlled study. J Nurs Scholarsh. 2017;49(2):162-9. https://doi.org/10.1111/jnu.12277
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,99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

No processo do BT dramático, podem ser observadas quatro etapas articuladas entre si: estabelecendo vínculo, explorando, dramatizando e parando de brincar(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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). Durante a construção da relação enfermeiro-paciente, a criança observa o profissional, internalizando a ideia de que este é um adulto confiável para expor seus pensamentos, sentimentos, medos e emoções, pois respeita a ela e suas decisões(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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). Por exemplo, a não interferência nas decisões da criança durante o brincar representa uma manifestação de respeito às suas escolhas, sendo uma forma eficiente de interação que contribui para a construção da relação(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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). Portanto, o conceito que a criança cria do enfermeiro é resultado de uma sequência de interações(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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).

No processo de exploração, a criança recupera em sua memória símbolos anteriores e constrói conexões, refletindo e reordenando internamente o que observa, então busca novos símbolos para mediar suas atividades externas, o que influencia diretamente suas escolhas durante o brincar e os significados que atribui às interações com o ambiente hospitalar(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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). Esse momento contribui para minimizar a ansiedade, estresse e medos que o entorno pode causar(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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).

Uma importante função do BT dramático é justamente a dramatização de papéis, conflitos e a catarse(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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). Possibilita que a criança represente seus desejos ou imite circunstâncias reais que a afligem, atemorizam, angustiam ou impressionam, sendo uma articulação entre a situação real e imaginária, evidenciando o significado que a circunstância real possui para ela, a fim de entendê-la e (res)significá-la(99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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). Portanto, ao brincar, ela se sente livre para criar, expressando seu ser e dominando a situação de forma que possa encontrar soluções para os problemas que a afligem.

A brincadeira é, portanto, uma atividade na qual a criança, que ainda não adquiriu por completo suas habilidades cognitivas e verbais, pode se expressar livremente. O uso do BT como estratégia de cuidado da enfermagem promove uma assistência específica e sistematizada, promovendo a articulação entre ciência e prática(11 Costa DTL, Veríssimo MLOR, Toriyama ATM, Sigaud CHS. O brincar na assistência de enfermagem à criança: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2016;16(1):36-43. https://doi.org/10.31508/1676-3793201600005
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-22 Sezici E, Ocakci AF, Kadioglu H. Use of play therapy in nursing process: a prospective randomized controlled study. J Nurs Scholarsh. 2017;49(2):162-9. https://doi.org/10.1111/jnu.12277
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).

O brincar enquanto significante no decorrer da aplicação do Brinquedo Terapêutico dramático: contribuições para a prática de enfermagem

O BT dramático, entendido enquanto significante, pode oferecer uma direção ao enfermeiro para realização do cuidado à criança, contemplando seus traços subjetivos e seu mito familiar. Para isso, é necessário identificar o contexto desta criança, que, na maior parte do tempo, está acompanhada de sua mãe ou outro familiar, e isso faz com que se sinta protegida, apoiada e confortada, tendo um indivíduo ao seu lado como facilitador de suas interações e porta-voz de suas necessidades, ou seja, facilita-lhe ter a presença de um elo para o vínculo com sua família(77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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,99 Santos VLA, Almeida FA, Ceribelli C, Ribeiro CA. Understanding the dramatic therapeutic play session: a contribution to pediatric nursing. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180812. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0812
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).

Portanto, na assistência de enfermagem, a família é vista como um facilitador. Na realidade do inconsciente, a família também recebe importância porque rege processos fundamentais do desenvolvimento psíquico, essenciais para que o bebê tenha chance de sobrevivência(1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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). Um dos conflitos experienciados por ele é o complexo do desmame, processo essencial em que receberá uma expressão psíquica de um desmame mais antigo, quando é separado de sua mãe no nascimento(1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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). Esse desmame provocará um mal-estar impossível de ser tamponado pelos cuidados posteriores ao nascimento(1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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).

O complexo do desmame, portanto, deixa uma marca permanente no psiquismo do bebê devido ao rompimento com as funções biológicas da lactação, fundando os sentimentos mais primitivos e estáveis que o conjugam à sua família(1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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). Contudo, esse processo contribui para a formação da função do eu, localizada no estádio do espelho, que dá origem à relação entre o organismo biologicamente assumido e sua realidade(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.,1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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). O indivíduo que não busca seu reconhecimento fora do contexto familiar não atinge a formação do eu; e, nesse caso, o complexo do desmame torna-se um fator mortal(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.,1010 Kaszubowski E, Aguiar F. O registro imaginário nos antecedentes lacanianos. Agora (Rio J.). 2015;18(1):85-100. https://doi.org/10.1590/S1516-14982015000100007
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).

É de se esperar que a mãe, ou outro familiar que a acompanhe, permaneça grande parte do tempo da sessão de BT junto à criança, e muitas vezes pode haver interferências na brincadeira, seja diretamente, sugerindo brinquedos, ou indiretamente, apenas pela procura de seu olhar pela criança para que seja autorizada a brincar.

Visto que a primeira relação do organismo da criança com sua realidade, durante o estádio do espelho, acontece pelo reconhecimento de sua própria imagem ilusória, como projeção do desejo materno, é de se esperar essa busca. O enfermeiro, reconhecendo por meio da relação transferencial o movimento da criança e da mãe/familiar, precisa identificar uma possibilidade de suspensão dessa busca pela constante autorização, favorecendo que a criança brinque livremente a fim de elaborar e criar sentido às situações vivenciadas, direcionando a constituição de um eu autônomo(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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). Essa suspensão, acompanhada do brincar livre, também ajuda a criança a não ficar paralisada pela angústia da separação, inerente ao processo de cuidar da criança hospitalizada, o que contribui para criar a falta necessária à constituição do sujeito.

Nas sessões de BT dramático, estabelece-se uma relação entre a criança e o enfermeiro, e se o brincar é tido como significante, essa relação torna-se transferencial. Assim, o profissional se torna capaz de reconhecer as necessidades físicas e psíquicas da criança e, então, conduz a brincadeira de forma a oferecer subsídio para que ela possa elaborar questões decorrentes da hospitalização.

Durante a brincadeira, a criança, por meio da dramatização, pode transferir ao enfermeiro a função de grande Outro, aquele que lhe oferecerá condições de criar significantes(88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.). Para desempenhar essa função, o enfermeiro precisa estar devidamente subsidiado do ponto de vista teórico, a fim de saber o momento adequado em que deve favorecer essa relação e quando interrompê-la, dando espaço à falta. Isso se dá porquanto é entre o que é oferecido e o que falta que a criança brinca e constrói pontes para elaborações simbólicas, no descompasso entre seu organismo e sua realidade(66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.,88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.).

Na relação transferencial durante o brincar também pode ocorrer a identificação, processo em que a criança identifica no enfermeiro suas próprias questões e, assim, tenta preenchê-las. Quando preenche, assume o enfermeiro como objeto e, nesse caso, está preenchendo a si própria. Preencher o outro para preencher-se é uma das formas mais antigas de identificação, tratando-se apenas de consumir o objeto para ser preenchido(88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.).

Ainda nessa relação, a criança apresentará uma demanda dirigida a um Outro(88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.) que, nesse caso, será o enfermeiro. Durante o BT dramático, como são oferecidos à criança brinquedos, para estabelecer relações de objeto com eles, muitas vezes essa demanda pode se apresentar pela repetição de alguma brincadeira, ou pela insistência com um dos brinquedos, uma vez que são adotados como objetos significantes. Contudo, a repetição existente na relação transferencial é sempre impossível de se saciar, o que abre possibilidade, pela insistência da repetição que tende à satisfação, de novos sentidos ao significante que está sendo manejado, isto é, o brinquedo na relação entre a criança e o enfermeiro. Portanto, o profissional deve receber a insistência repetida da mesma brincadeira, com os mesmos jogos e brinquedos, pois o que é repetido tende à elaboração simbólica pelo próprio movimento de repetição da relação transferencial(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.,66 Lacan J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2004. 456 p.,88 Lefort R. Nascimento do Outro. Salvador: Fator; 1984. 305 p.).

Dessa forma, no BT dramático, a equivalência entre sujeito e objeto pode ser observada quando a criança repete, no brincar, situações vivenciadas em sua hospitalização, como quando simula, nos bonecos, experiências de dor, sofrimento e desconfortos do cotidiano clínico. Logo, apesar de lúdica, a brincadeira não deve ser interpretada apenas nessa perspectiva(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.), o que reduziria sua contribuição terapêutica. O brincar é essencial para agregar informações da conjuntura psíquica e familiar da criança, dando possibilidade de esclarecimento de seu contexto.

Como o paciente se constitui de furos de sentido(44 Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 179 p.), se o enfermeiro os preenche com suas palavras ou ações, impede a elaboração pela criança, que não participa da interpretação da experiência, tornando o processo ineficaz. Portanto, a brincadeira deve ser manejada pelo enfermeiro de forma que deixe a criança criar e interpretar situações vivenciadas, acessando a fantasia e preenchendo seus próprios furos, e esse é o motivo por que não deve ser conduzida pelo profissional.

A inclusão dos furos no brincar pode ser adotada no BT dramático quando o enfermeiro possibilita à criança o brincar livre, para que possa construir sua própria brincadeira, elegendo seus próprios objetos. Ainda, destaca-se que essa prática inclui alguns contornos, como horário e local, os quais favorecem o brincar como elaboração de sua passagem subjetiva, pois estabelece um continente e continuidade(77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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).

O conceito de continuidade é essencial, uma vez que é imperativo criar uma rotina com a criança. Para isso, o enfermeiro precisa assumir uma postura confiável e, ao mesmo tempo, imprevisível(77 Torezan ZCF, Aguiar F. O sujeito da psicanálise: particularidades na contemporaneidade. Rev Mal-estar Subj [Internet]. 2011 [cited 2020 Sep 17];11(2):525-54. Available from: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4993
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). Baseado nisso, o BT dramático deve ser uma prática contínua caso a criança deseje, já que só assim ela construirá uma relação de transferência com o enfermeiro. A continuidade favorece a positividade do brincar pela criança, estando também relacionada ao entendimento do enfermeiro de que o brincar é importante para a constituição subjetiva e, portanto, deve ser realizado e respeitado.

Por intermédio do manejo das sessões pelo enfermeiro, o brincar mediado pelo BT dramático se mostra uma prática essencial, que proporciona à criança a oportunidade de elaboração de elementos significantes até então não significados por ela. Para isso, o brincar deve ser livre, se possível sem intervenção familiar, construído na relação transferencial com o enfermeiro, e este deve conduzir a brincadeira de forma a não fixar sentido a ela, deixando que a criança seja responsável por criar e interpretar as situações vivenciadas. Este é o caminho para que ela crie suas próprias elaborações simbólicas e preencha seus furos de sentido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O BT dramático, pautado na teoria aqui defendida, pode configurar importante avanço do conhecimento, pois permite que o enfermeiro compreenda a articulação do organismo da criança com sua realidade na formação do eu, com o objetivo de construir um plano de cuidados individual que supra a necessidade de elaboração de eventos até então não experienciados por ela, possibilitando a oferta de cuidado integral ao paciente.

O brincar manejado pelo enfermeiro deve ser livre, pois a família aqui é considerada como fonte de conflito em sua dimensão dialética de aproximação e separação entre criança e familiares, o que acentua a importância dessa atividade no cuidado. Isso possibilita que a criança seja capaz de elaborar e criar sentido às situações vivenciadas, além de contribuir para que não fique paralisada pela angústia da separação.

O enfermeiro também precisa identificar a relação transferencial que ocorre entre ele e a criança, o que permite a condução da brincadeira de forma que ela seja capaz de elaborar suas próprias questões. Para que essa elaboração seja possível, o enfermeiro não pode buscar a interpretação do brincar, pois as brincadeiras da criança possuem uma cadeia de significantes própria. Se o enfermeiro dá significado aos elementos desta, fixa um sentido; e a fixação não é desejável porque os significantes deslizam. O sentido tem que ser dado pela criança, sendo que o lugar de criação e de interpretação das situações vivenciadas deve ser exclusivo dela, para que preencha seus furos de sentido.

Portanto, a leitura do brincar enquanto significante pelo enfermeiro, nas sessões de BT dramático, é pertinente uma vez que, quando brinca, a criança é capaz de liberar suas angústias e elaborá-las e, assim, se constituir enquanto sujeito.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2021
  • Aceito
    08 Abr 2021
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