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Educação continuada

PALESTRA

Educação continuada

Circe de Melo Ribeiro

Prof. Dra. de Administração de Enfermagem

INTRODUÇÃO

A civilização ocidental, segundo o que nos ensinou o grande educador brasileiro Anísio Teixeira, em seu livro Educação e o Mundo Moderno(1977), tem como traço característico o hábito de tratar problemas à luz da razão, buscando subordinar toda a vida humana a um sistema coerente de idéias, que compreende teorias do homem, do conhecimento, da sociedade e do mundo.

Essas diretrizes nos foram legadas pelos filósofos ocidentais que foram os primeiros mestres, homens intuitivos, criativos e grandes estudiosos que procuraram reformular ós valores da sociedade e reformar a educação corrente.

Platão, por exemplo, foi o idealista que concebeu o conceito do mundo racional, supra-sensível, e estimulou a descoberta do conhecimento racional bem como a identificação e contemplação da verdade, do bem e do belo.

Essa concepção, que une conhecimento e virtude, volta, neste século, a ser tratada por Dewey para quem o comportamento moral, fruto de aprendizado, é aquele que leva o indivíduo a crescer, a realizar-se mais amplamente em suas potencialidades, o que se dá em uma sociedade. O indivíduo cresce tanto mais quando todos os membros dessa sociedade crescem também, sem que isso importe em qualquer prejuízo para qualquer um.

Esta é a concepção básica de uma sociedade democrática na qual se verifica, como conseqüência, o máximo de participação dos indivíduos entre si e entre os diferentes grupos sociais em que se divide uma sociedade complexa.

Filosofia e educação têm, portanto, relações intrínsecas, segundo Anísio Teixeira, que, nos seus ensaios a respeito, ressalta o problema brasileiro de não termos ainda elaborada nossa filosofia e nossa educação, o que somente será possível de se alcançar quando nos fizermos autenticamente nacionais e quando tomarmos plena consciência de nossa experiência.

Além dessas limitações temporárias, há que considerar os efeitos do grande avanço científico e o progresso material por ele gerado, especialmente em países como o nosso, que fazem com que o homem se sinta, na sua educação individual, numa fase extremamente limitada. Dentro de uma ordem tão complexa, ele não percebe o valor de sua atuação, de sua participação, tornando-se indiferente, passivo e até por vezes irresponsável.

É a partir dessa situação que representa um perigo para a integridade do homem e das sociedades que enfrentam o gigantismo das organizações sociais e o imenso volume de informações científicas e tecnológicas, que o desafio da educação se torna mais explícito.

A necessidade da sistematização do aprendizado ao longo da vida, perseguindo o objetivo do crescimento dos indivíduos, é um conceito resultante da acumulação e da explosão do conhecimento nos últimos anos e a elas diretamente relacionado.

Quanto mais longa e profundamente discutirmos, portanto, o tema "Educação Continuada", maior consciência teremos das responsabilidades e necessidades de cada um, mantendo presente a necessidade de:

- identificar e definir os problemas relacionados à educação, submetendo-os à luz da razão;

- procurar continuamente a verdade e a virtude para enriquecimento da educação;

- individualizar e democratizar a educação: preparar a construção de uma sociedade democrática.

Educação continuada na Enfermagem

A Enfermagem, de modo geral, tem-se conservado atrasada quanto a reconhecer a necessidade de aprendizado contínuo, durante todo o ciclo vital, de forma sistematizada.

Até muito recentemente, a formação acadêmica básica era considerada suficiente para uma grande maioria de profissionais, muito embora a 2ª Grande Guerra tenha demonstrado, em todos os ramos do conhecimento, a necessidade da contínua atualização de conhecimentos e do aprendizado de novas habilidades.

Tal mentalidade tem efeito em cadeia, efeito pernicioso se lembrarmos que, sob a liderança de um profisssional, existem 10 ou mais auxiliares e que o processo de deterioração do conhecimento e a sua conseqüente inadequação no desempenho irão atingir a população, os usuários dos serviços de saúde, interferindo inclusive com a segurança, necessidade básica do homem.

A experiência educacional planejada para o desenvolvimento do pessoal em serviços de saúde (ou educação em serviço) tem por objetivo ajudar os indivíduos, como pessoas e como trabalhadores, a terem seu desempenho mais eficiente e mais efetivo.

Considerando que treinamento em serviço tem conotação de programas limitados ao desenvolvimento de habilidades e que educação em serviço tem conotação mais ampla, geral e sistemática, nas recomendações, em mais de 22 Congressos Brasileiros de Enfermagem, o primeiro termo foi usado e, depois, foi sendo substituido pelo segundo.

Mas o que importa considerar aqui, para justificar o que foi dito sobre o atraso da Enfermagem, é que a insistente repetição da recomendação às enfermeiras, aos Serviços de Enfermagem (SE) e Diretores de hospitais, Congresso após Congresso, significava a pouca atenção dada ao problema do despreparo tio pessoal.

Os cursinhos de formação de atendentes, que proliferam principalmente no eixo Rio—S. Paulo, comprovam que os administradores do setor saúde não assumem, como seria desejado, a responsabilidade de atender às necessidades do pessoal auxiliar no que diz respeito à educação ou ao treinamento em serviço.

Qualquer empresa zela pela qualidade dos serviços prestados, treinando e educando, em serviço, seu pessoal de todos os escalões. Mas o hospital não é considerado uma empresa, graças aos preconceitos a respeito de lucros vinculados ao funcionamento de uma empresa. Todavia, milhares de Casas de Saúde financiadas pelos Órgãos Públicos não passam de empresas de lucro.

Nossa legislação de saúde é a mais retrógada possível e nem sempre há entendimento sobre aquilo que precisa mudar.

Tentamos organizar e realizar um Seminário na Câmara Federal, que contemplava o problema da capacitação, formação, atualização e utilização de pessoal de enfermagem, com vistas a organizar um Sistema de Enfermagem no Brasil, mas a Comissão de Saúde, durante três anos consecutivos, antepunha sempre, ao nosso Projeto, novas prioridades médicas.

Os programas de educação ou desenvolvimento de pessoal de enfermagem incluem quatro áreas básicas: orientação, treinamento de habilidades, educação continuada e liderança.

Que experiência temos que comprove a validade dos programas de orientação e treinamento de habilidades (para cargos iniciais ou de carreira) na melhoria da qualidade da assistência de enfermagem prestada? Que métodos educativos são utilizados? Quais os melhores ou mais recomendados? E em que situações? A experiência acumulada está registrada nos Serviços de Enfermagem? Temos plena consciência (como enfatizava A. Teixeira) dessa experiência? É possível acrescentar nossos programas com base nos resultados obtidos?

Esses e muitos outros questionamentos poderiam e deveriam ser feitos para melhor colocação do problema da educação continuada e da liderança na enfermagem.

Quanto entendem os dirigentes de Casas de Saúde e Hospitais, de filosofia, de filosofia da vida, de filosofia da educação, de direitos humanos e democracia, de desenvolvimento de pessoal? E quanto aos Diretores de Enfermagem, estão eles preocupados com esses problemas?

Podemos até aceitar que Diretores de Casas de Saúde ou Hospitais lucrativos não entendem, pois não há limites para a ignorância. Mas não podemos aceitar que, em hospitais que contam com profissionais de enfermagem, a mesma atitude omissa se verifique.

Quanto aos programas de Educação em Serviço, nâo basta que eles existam se não estiverem embasados num diagnóstico da situação, se não houver, de forma contínua e sistemática, a avaliação dos resultados, como preconizou Myrtle Aydelote, da Universidade de Loria, em 1949.

A Educação Continuada exige maior sistematização do processo, esforço conjugado, compreensão do conceito e finalidades, preparação prévia do quadro de pessoal com projeções para o futuro, organização do plano de carreira, sistema efetivo e eficaz de avaliação do desempenho (do pessoal e do serviço), adequação dos programas às necessidades identificadas pelo pessoal (sujeitos ao crivo da supervisão e conhecimento do pessoal) e às possibilidades do pessoal, do Serviço e da Instituição. Estes constituem itens ou condições básicas para o resultado desejado na execução de programas elaborados para a educação continuada do pessoal.

Quanto ao preparo para a liderança, isto é essencial a fim de que se possa pensar na programação da Educação Continuada (EC) do pessoal.

Quais os objetivos dos programas de E.C. para as diferentes categorias do pessoal de enfermagem nos diferentes níveis?

Para exemplo, citamos alguns:

1. auxiliar o pessoal a se manter atualizado com conceitos novos e capacitado a utilizá-los;

2. aumentar o conhecimento, a compreensão, a competência e as habilidades em geral do pessoal;

3. desenvolver habilidades para análise de problemas e proposição de soluções;

4. trabalhar com colegas e outros profissionais, trocando experiências.

A E.C. é do interesse e da responsabilidade da direção do S.E. como do pessoal a ele vinculado. O autodesenvolvimento da força de trabalho na enfermagem deve ser ininterrupto e todos os esforços devem ser envidados para tanto.

Os programas de E.C. podem ser conduzidos dentro dos Hospitais ou Casas de Saúde ou fora deles. Não podemos esquecer que a área de recursos humanos, em especial na Enfermagem, é aquela que apresenta maiores dificuldades em virtude das muitas facetas do problema; é o produto mais complicado e que exige mais longo período de preparação, seja básica, pós-básica ou mesmo para capacitação inicial ao trabalho ou, ainda, para novas funções.

A evolução como lei natural atinge o homem adulto também e o investimento na sua educação é a melhor maneira dos serviços e profissionais de saúde contribuírem para a construção de uma sociedade democrática.

Este objetivo foi, inclusive, a tónica dos discursos que antecederam a instalação da Nova República e deve ser mantido por nós.

Cada um tem sua parcela de responsabilidade nessa meta social das mais dignas para todo o povo brasileiro. A Enfermagem, como um segmento da sociedade, deve assumir efetivamente seu papel.

Educar, orientar, guiar, ajudar, servir, não têm apenas valor social, mas o que é mais importante, têm valor espiritual e cristão, seja considerando o pessoal de enfermagem que presta assistência, seja para a população que recebe e sofre o impacto da assistência que o pessoalde enfermagem lhe presta.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1986
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