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Segurança do paciente: ao alcance das pessoas em situação de rua?

RESUMO

Objetivos:

refletir sobre aspectos relacionados à segurança do paciente que vive nas ruas.

Métodos:

ensaio teórico reflexivo baseado em teorias sobre a segurança do paciente.

Resultados:

a cultura de segurança do paciente se desenvolveu no contexto do cuidado hospitalar e busca da redução dos eventos adversos em áreas hospitalares específicas. Nas ruas, existem evidências de que muitas pessoas sofrem danos relacionados à falta de acesso aos serviços de saúde, o que contribui para que doenças não sejam diagnosticadas ou sigam sem tratamento. Para construção da cultura de segurança, se faz necessário identificar os riscos e os erros nesse cenário, pois a segurança em saúde não deve começar apenas quando um indivíduo é hospitalizado.

Considerações Finais:

políticas públicas para esse grupo populacional necessitam ser efetivas, visto que esta temática deve ser uma preocupação prioritária na assistência à saúde, a fim de prevenir danos e reduzir os eventos adversos durante a prestação de cuidados.

Descritores:
Pessoas em Situação de Rua; Segurança do Paciente; Atenção Primária à Saúde; Política Pública; Equipe de Assistência ao Paciente

ABSTRACT

Objectives:

to reflect on aspects related to homeless patients’ safety.

Methods:

this is a reflective theoretical essay based on patient safety theories.

Results:

the patient safety culture has developed in the hospital care context and seeks to reduce adverse events in specific hospital settings. On the streets, there is evidence that many people suffer damage related to lack of access to health services, which contributes to undiagnosed or untreated diseases. To build the safety culture it is necessary to identify risks and errors in this scenario since health safety should not start only when hospitalizing an individual.

Final Considerations:

public policies for this population group need to be effective, as this issue should be a priority concern in health care to prevent harm and adverse events during care delivery.

Descriptors:
Homeless Persons; Patient Safety; Primary Health Care; Public Policy; Patient Care Team

RESUMEN

Objetivos:

reflejar acerca de los aspectos relacionados a la seguridad del paciente que vive en las calles.

Métodos:

ensayo teórico reflexivo basado en teorías acerca de la seguridad del paciente.

Resultados:

la cultura de seguridad de la salud ha desarrollado en el contexto del cuidado hospitalario y en busca de la reducción de los eventos adversos en áreas hospitalarias específicas. En las calles hay evidencia de que muchas personas sufren daño en el sentido de falta de acceso a los servicios de salud, lo que contribuye para que enfermedades que no sean diagnosticadas o sigan sin tratamiento. Para la construcción de la cultura de seguridad, se hace necesario identificar los riesgos y los errores en este escenario, pues la seguridad en salud no debe empezar solamente cuando uno es hospitalizado.

Consideraciones Finales:

las políticas públicas para este grupo poblacional necesitan ser efectivas, visto que esta temática debe ser una preocupación prioritaria en la asistencia a la salud para prevenir daños y reducir los eventos adversos al largo de la prestación de cuidados.

Descriptores:
Personas en Situación de Calle; Seguridad del Paciente; Atención Primaria a la Salud; Política Pública; Grupo de Atención al Paciente

INTRODUÇÃO

A temática da segurança do paciente tem sido uma preocupação prioritária na qualidade da assistência, com vistas a prevenir danos e reduzir os eventos adversos durante a prestação de cuidados. O evento adverso ocorre por complicações indesejadas relacionadas ao cuidado que poderiam resultar ou resultam em dano desnecessário ao paciente. Já as falhas ativas no cumprimento de metas pré-estabelecidas têm relação com “dano”, entretanto este também pode ser resultado da falta de oportunidades e combinação de cuidado inadequado, seja dentro ou fora de um serviço hospitalar(11 Vincent C, Amalberti R. Cuidado de saúde mais seguro: estratégias para o cotidiano do cuidado. Proqualis [Internet]. 2016 [cited 2019 Jun 20]. Available from: https://proqualis.net/livro/cuidado-de-sa%C3%BAde-mais-seguro-estrat%C3%A9gias-para-o-cotidiano-do-cuidado
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).

Assim, o Ministério da Saúde, em consonância com a Organização Mundial da Saúde (OMS), institui a todas as pessoas o direito de receber cuidados em saúde de forma segura em todos os pontos de atenção à saúde. Isso inclui, portanto, as pessoas em situação de rua que se caracterizam como uma população de pobreza extrema, vínculos familiares fragilizados ou rompidos e moradia convencional regular inexistente(22 Ministério da Saúde (BR). Decreto nº 7.053 de dezembro de 2009. Política Nacional para a População em Situação de Rua; 2009.). Esses direitos estão inscritos no “Programa Nacional de Segurança do Paciente”, o qual destaca que cuidado em saúde deve ser prestado com alta qualidade e segurança(33 Reis GAX, Hayakawa LY, Murassaki ACY, Matsuda LM, Gabriel CS, Oliveira MLF. Nurse manager perceptions of patient safety strategy implementation. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017[cited 2019 Jun 20];26(2):e00340016. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n2/0104-0707-tce-26-02-e00340016.pdf
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).

No contexto do cuidado hospitalar, estabeleceram-se metas de segurança do paciente que buscam a redução dos eventos adversos em ambientes razoavelmente controlados. Todavia, na Atenção Primária a Saúde (APS), apesar do crescente interesse na área, sensibilizar profissionais de saúde sobre a importância dessa prática constitui um desafio importante(44 Mesquita KO, Silva LCC, Lira RCM, Freitas CSL, Lira GV. Patient safety in primary health care: an integrative review Cogitare Enferm[Internet]. [cited 2019 Jun18];21(2):01-08. Available from: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/07/684/45665-182025-1-pb.pdf
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). Evidencia-se que a prestação do cuidado a saúde com qualidade depende de uma complexidade de fatores estruturais, de processos assistenciais e comportamentais que, quando não contemplados, distanciam o cuidado ideal daquele prestado no mundo real, favorecendo a presença do evento adverso.

Ao compararmos o cuidado à pessoa em situação de rua ao modelo da teoria do “queijo suíço”, proposto por James Reason, as vulnerabilidades do sistema de saúde e o rompimento de defesas do indivíduo conduzem a uma trajetória de falhas que representam fendas abertas, as quais, quando alinhadas, atingem o paciente causando-lhe danos. O modelo de queijo suíço é uma teoria amplamente utilizada por profissionais da área da segurança do paciente, tornando-se uma metodologia efetiva para compreensão de eventos complexos(55 Fernandes LGG, Tourinho FSV, Souza NL, Menezes RMP. Contribuição de James Reason para a Segurança do Paciente: reflexão para a prática de enfermagem. Rev Enferm UFPE. 2014;8(supl.1):2507-12. doi: https://doi.org/ 10.5205/reuol.5927-50900-1
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).

Essa realidade provoca reflexões a ser adaptadas e expandidas por meio de novas ferramentas e taxonomias no âmbito da segurança do paciente, com visão centrada nas pessoas e no seu ambiente. No espaço das ruas, existem evidências de que seus moradores sofrem danos com a falta de acesso aos serviços de saúde, especialmente nos modelos de APS, o que contribui para que muitas doenças não sejam diagnosticadas ou sigam sem tratamento adequado. Nessa perspectiva, adicionam-se ainda as fragilidades assistenciais pela ausência de recursos mínimos e de profissionais necessários para efetivação da saúde nas ruas, além da ausência de suporte familiar, o que impacta diretamente a saúde e a qualidade de vida.

Assim, esta reflexão foi proposta pela necessidade de refletir sobre o contexto da segurança do paciente no ambiente das ruas, uma vez que os riscos que envolvem as pessoas em situação de rua são distintos daqueles observados em ambientes hospitalares ou na APS. Partindo do princípio de que a segurança em saúde não começa apenas quando um indivíduo é hospitalizado ou atendido em postos de saúde, a falta de profissionais treinados e as dificuldades de acesso aos cuidados à saúde são consideradas como omissão de cuidados.

Dentro desse contexto, pode-se fazer uma analogia refletindo sobre a segurança do paciente na APS, dado que esta deveria ser a primeira via de contato com os serviços de saúde. É importante ressaltar que a nomenclatura “segurança do paciente” está atrelada ao conceito de “redução de erros desnecessários na assistência à saúde”, portanto a inclusão desse termo como referência ao cuidado para pessoas em situação de rua se faz necessária.

Em vista do exposto, pretende-se apresentar alguns pontos de discussão para promover a reflexão sobre a temática da segurança do paciente com o olhar direcionado para a realidade dos que vivem nas ruas.

SEGURANÇA DO PACIENTE: REFLEXÃO SOBRE ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE ÀS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

A avaliação dos eventos adversos na atenção primária e seus impactos na saúde pública constam na lista da agenda de prioridades para pesquisa do Ministério da Saúde. A APS deve representar a primeira via de acesso à saúde, pois permite que a pessoa seja protagonista do seu cuidado no seu território, priorizando o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento devem ser acolhidos(66 Ministério da Saúde (BR), Gabinete do ministro. Portaria nº 2, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde[Internet]. Diário Oficial da União: República Federativa do Brasil; 2017[cited 2019 Jun 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0002_03_10_2017.html.
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). Dessa forma, entende-se que, na APS, os indivíduos precisam ser motivados a praticar sua cidadania, portanto as práticas de cuidado e gestão devem ser democráticas e participativas, com articulação em equipe. Logo, as necessidades das pessoas que vivem ruas precisam ser prioridades a essa porta de entrada.

Partindo-se do princípio de que a saúde é intersetorial, a segurança do paciente que vive nas ruas não é apenas responsabilidade do setor da saúde, tendo em vista que a falta de oportunidades, de moradia, trabalho e renda impactam diretamente a vida dessas pessoas, fazendo com que elas busquem a rua como meio de sobrevivência. Como consequência, os danos provenientes das adversidades a que esta população está exposta são inúmeros, entre os quais incluem-se doenças infectocontagiosas, desnutrição, abuso de drogas, exposição à violência, adoecimento psíquico e físico, além da privação de necessidades básicas, entre tantas outras.

O governo federal, por meio do decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, com princípios que propõem a garantia do respeito à vida e à cidadania, além de assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda(22 Ministério da Saúde (BR). Decreto nº 7.053 de dezembro de 2009. Política Nacional para a População em Situação de Rua; 2009.).

Cerca de oito anos após sua criação, a política não tem se mostrado efetiva, visto que há carência na execução de ações direcionadas à população de rua, a qual, por sua vez, continua crescente, principalmente em grandes metrópoles, evidenciando a perpetuação da gravidade do problema. No âmbito da referência do cuidado, o Consultório de Rua (CR) e o Consultório na Rua (CnR), implementados em 2010 e 2012 respectivamente, representam equipes estratégicas que têm como objetivo tornar acessível o cuidado à saúde às pessoas em situação de rua pela assistência no seu próprio contexto de vida(77 Hino P, Santos JO, Rosa AS. People living on the street from the health point of view. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Aug 10];71(Suppl 1):684-92. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71s1/0034-7167-reben-71-s1-0684.pdf
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-88 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 122 de 25 de janeiro de 2011. Define as diretrizes de organização e funcionamento das equipes de Consultório na Rua. Diário Oficial da União; 2012.).

O CR, coordenado pela Saúde Mental, emergiu com foco direcionado para problemática das drogas durante o panorama de enfrentamento ao crack e outras drogas, com o objetivo de ampliar o acesso aos serviços assistenciais e qualificar o atendimento por meio de ações na rua. Já o CnR coordenado pela Atenção Básica, propôs abranger a saúde integral, com mudança nas diretrizes estratégicas para além da problemática das drogas.

O CnR representa um grande marco na referência do cuidado para as pessoas em situação de rua, já que objetiva viabilizar o acolhimento e acesso às ações de saúde no contexto de vida dessa população. Assim, tais consultórios são constituídos por equipes interdisciplinares de saúde que atuam nos territórios sanitários de capitais brasileiras, considerando que os grandes centros urbanos concentram maior número de pessoas vivendo nas ruas.

Entretanto, as práticas dessas equipes ainda se mostram incipientes, pois existem fragilidades que concorrem para formas de trabalho distintas e não articuladas. Dentre essas fragilidades, destaca-se a insuficiência de recursos financeiros, a necessidade de intensificação de ações intersetoriais, além de instrumentos para avaliação do trabalho das equipes. Como consequência, as evidências mostram que as vias emergenciais continuam sendo a primeira via de contato entre a população de rua e os serviços de saúde.

FORTALECIMENTO DAS BARREIRAS QUE MINIMIZEM DANOS À SAÚDE AO MORADOR DE RUA

Para refletir sobre a teoria do “queijo suíço”, um dos principais questionamentos inclui compreender como o morador de rua é percebido pelos profissionais de saúde. Certamente, não difere da visão da sociedade em geral, fazendo com que tal interpretação seja identificada como uma das principais barreiras para o cuidado das pessoas em situação de rua, permeada por estereótipos e preconceitos que conduzem essa população à invisibilidade social e à própria autodesvalorização. Os relacionamentos familiares, por sua vez, são reportados como fortes desencadeadores para situação de rua, ao passo que a ausência desses vínculos concorre para aumentar a vulnerabilidade do paciente(99 Paiva IKS, Lira CDG, Justino JMR, Miranda MGO, Saraiva AKM. Homeless people’s right to health: reflections on the problems and componentes. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2019 Aug 10] 21(8):2595-606. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n8/en_1413-8123-csc-21-08-2595.pdf
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).

Outras características marcantes, como o deslocamento frequente e a própria compreensão do seu processo saúde-doença, constituem-se em fendas abertas, as quais contribuem para que o indivíduo não perceba a existência de problemas com sua saúde. Além disso, a ausência de apoio e de valores formam outras barreiras ao acesso aos serviços de saúde, pois muitos dos que vivem nas ruas são tratados e reconhecidos como “vagabundos e perigosos”, ou ainda, “loucos, sujos e doentes”(99 Paiva IKS, Lira CDG, Justino JMR, Miranda MGO, Saraiva AKM. Homeless people’s right to health: reflections on the problems and componentes. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2019 Aug 10] 21(8):2595-606. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n8/en_1413-8123-csc-21-08-2595.pdf
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).

A realidade é que todas as situações que envolvem a vida nas ruas geram riscos à saúde física e mental. Eles se sentem fortes, entretanto sinais e sintomas não raramente passam despercebidos e podem tornar-se mais graves, evidenciando falhas no cuidado aos moradores de rua ou a falta desse cuidado. Tais falhas isoladas se combinam com a vulnerabilidade do seu contexto de vida e, às vezes, com a negligência.

Para construção da cultura de segurança, se faz necessário identificar os riscos e os erros neste nesse cenário, para um trabalho e avaliação em equipe(11 Vincent C, Amalberti R. Cuidado de saúde mais seguro: estratégias para o cotidiano do cuidado. Proqualis [Internet]. 2016 [cited 2019 Jun 20]. Available from: https://proqualis.net/livro/cuidado-de-sa%C3%BAde-mais-seguro-estrat%C3%A9gias-para-o-cotidiano-do-cuidado
https://proqualis.net/livro/cuidado-de-s...
). Portanto, conhecer as trajetórias de vida e estabelecer vínculos e parcerias intersetoriais são importantes barreiras para reduzir danos. As infecções relacionadas à saúde representam o primeiro desafio global segundo a OMS, que estabelece como quinta meta de segurança a higienização das mãos. Porém, estamos falando sobre uma população que geralmente não possui condições para realizar uma higiene adequada nem sequer acesso ao saneamento básico(1010 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática [Internet]. Brasília: ANVISA; 2013[cited 2019 Apr 7]. Série Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/ segurancadopaciente/index.php/publicacoes/category/livros
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). Ademais, existem situações que impedem a identificação correta e a comunicação efetiva, que representam respectivamente a primeira e a segunda metas internacionais de segurança do paciente.

A concretização dos direitos de cidadania representa um dever inegável ao ser humano, enquanto também significa proteção e cuidado. Trata-se de um desafio estabelecer metas de segurança do paciente para pessoas que vivem nas ruas, pois as barreiras de proteção desse grupo dependem prioritariamente de políticas públicas efetivas para garantia de direitos fundamentais pelo protagonismo social e pelo Estado.

ATUAÇÃO NO CONTEXTO DA SEGURANÇA DO PACIENTE QUE MORA NA RUA: ADAPTAÇÕES E DESAFIOS

As metas de segurança para o cuidado de quem vive nas ruas não foram incluídas no âmbito da segurança do paciente, no entanto a realidade das condições de vida dessas pessoas evidencia danos, com impacto cumulativo ao longo do tempo, uma vez que as vias de acesso aos serviços de saúde por essa população são majoritariamente emergenciais, após longos processos de adoecimento. O ciclo de pesquisas em segurança do paciente orienta que é necessário compreender as causas que levam ao dano, pois se considera que, pela análise da causa raiz, é possível repensar práticas efetivas tanto para evitar que a pessoa em situação de rua sofra dano quanto, antes de tudo, para promover sua saúde(11 Vincent C, Amalberti R. Cuidado de saúde mais seguro: estratégias para o cotidiano do cuidado. Proqualis [Internet]. 2016 [cited 2019 Jun 20]. Available from: https://proqualis.net/livro/cuidado-de-sa%C3%BAde-mais-seguro-estrat%C3%A9gias-para-o-cotidiano-do-cuidado
https://proqualis.net/livro/cuidado-de-s...
).

Entende-se que, no cenário da rua, o conceito de segurança do paciente torna-se ainda mais complexo, portanto requer o uso de ferramentas que possam ser adaptadas a esses ambientes, em que o foco do cuidado esteja centrado não apenas na pessoa em situação de rua, mas na sua trajetória de vida, incluindo família e comunidade. A dificuldade da pessoa em situação de rua no que se refere ao acesso aos serviços de saúde tem merecido destaque nos estudos com essa população, para a qual as barreiras aos serviços de saúde são universais, isto é, quer em âmbito nacional, quer internacional.

Dessa forma, a ampliação do acesso e melhoria da resolubilidade das ações da AB articuladas com as equipes do CnR devem ser prioridades, considerando que esses dispositivos representam um avanço significativo para o cuidado direcionado à população de rua, por compreenderem que tal grupo social possui demandas diferenciadas para além das ditas sociais ou exclusivas da saúde.

A pauta de segurança do paciente que vive nas ruas constitui um desafio que requer reflexão sobre o nível ideal e real de cuidados, adaptação e resposta às necessidades dessa população por meio do monitoramento de políticas públicas específicas. Os protocolos de segurança do paciente devem ser convertidos em metas potencializadoras do empoderamento das pessoas que vivem nas ruas, e essa adaptação deve envolver tanto comunicação coesa quanto coordenação eficaz de programas, bem como o protagonismo de profissionais de saúde envolvidos no cuidado das pessoas em situação de rua.

Limitações do estudo

Devido ao tipo de estudo apresentado, as reflexões foram descritas com base na vivência profissional das pesquisadoras e nas teorias que fundamentam a segurança do paciente, considerando que essa área ainda não está contemplada em todas as dimensões do cuidado.

Contribuições para área da enfermagem e da saúde pública

A cultura da segurança do paciente propõe a indiscutível relevância da prevenção dos eventos adversos na assistência à saúde. Nesse sentido, estudar o tema do cuidado às pessoas em situação de rua foi visto como interessante e instigador. Considera-se importante que os profissionais de saúde se voltem para isso, que ainda é incipiente. Emerge a necessidade que esse lócus de cuidado seja reconhecido com legitimidade e como merecedor de políticas públicas efetivas. Para a enfermagem, como profissão especializada no cuidado do ser humano, lhe cabe a reflexão sobre seu espaço no cenário das ruas, ainda não bem definido na composição de equipes estratégicas do CnR para o cuidado integral à população de rua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta reflexão buscou refletir sobre a temática da segurança do paciente direcionada para os que vivem nas ruas. Nessa perspectiva, esta deve ser uma preocupação de todos os profissionais que prestam assistência à saúde, pela potencialidade de prestar um cuidado seguro e qualificado. Portanto, se faz necessário ampliar a reflexão de que a segurança em saúde não deve começar apenas quando um indivíduo é hospitalizado.

Torna-se evidente que todos os cenários do cuidar devem ser repensados e contemplados. Nesse sentido, as políticas públicas de saúde são instrumentos importantes que norteiam a assistência, tornando-se imprescindível a monitorização dos equipamentos em saúde, tais como o CnR, quanto à estrutura, acesso, quantitativo e perfil dos profissionais. Conhecer e assistir quem está na rua exige um trabalho interdisciplinar e transdisciplinar, com participação social e fortalecimento de políticas públicas, de modo que essa população vulnerável se torne visível às políticas inclusivas.

O investimento de mais estudos envolvendo esta temática é necessário para possibilitar um olhar diferenciado ao referencial teórico da segurança do paciente, considerando os que vivem nas ruas, quer sejam chamados de indivíduos, clientes ou pacientes; isso porque, independentemente da nomenclatura instituída, todas as pessoas merecem respeito e cuidados seguros para com a saúde.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2019
  • Aceito
    01 Out 2019
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