Invisibilidade do trabalho da enfermagem: tecnologia como via de combate

Na concepção comum, o trabalho é comumente associado a uma atividade remunerada em uma sociedade mercantil e de direito, refletindo a visão moderna que o limita ao tempo trocado por salário. Essa perspectiva, influenciada pelos princípios da Revolução Industrial, estabelece uma dicotomia entre o trabalho e o tempo fora dele, segmentando a vida em esferas profissional e privada. Contudo, essa abordagem falha ao restringir a valorização econômica do trabalho apenas à sua visibilidade e capacidade de gerar resultados tangíveis, ignorando a produção não material que também emerge do tempo investido e não é reconhecida culturalmente como valiosa(¹).

O trabalho de enfermagem, como outras atividades relacionadas com o cuidado, tende a ser invisibilizado e desvalorizado. A relação de cuidado com as pessoas escapa aos critérios e métodos de gestão, trazendo desafios para a sua mensuração e, consequentemente, sua valorização, até mesmo para as próprias chefias de enfermagem, que, na sua maioria, são enfermeiros e enfermeiras: “fora do trabalho técnico, não há trabalho!”(²). Além disso, o trabalho de produzir cuidado esbarra no contexto contemporâneo capitalista neoliberal que naturaliza uma cultura de individualismo competitivo, comprometendo a valorização social de quem cuida.

É banal na nossa sociedade, ou seja, não é extraordinário ou incomum, que aqueles que desempenham papéis essenciais de cuidado não sejam devidamente valorizados. O ato de cuidar, muitas vezes dedicado aos mais vulneráveis, como crianças, idosos e doentes, desafia a lógica de acumulação de riqueza, exigindo investimentos que, sob uma perspectiva neoliberal, são muitas vezes minimizados. A persistência de formas prejudiciais de organização do trabalho, que pode ser exemplificada no contexto da enfermagem pela morosidade na aprovação e implantação de um piso salarial que reconheça a dedicada contribuição desses profissionais, materializa o desafio de dar mais visibilidade e valorização social à profissão(³).

Em razão da digitalização e virtualização dos sistemas de saúde, as atividades antes realizadas manualmente passaram a ser registradas em banco de dados e analisadas para tomadas de decisões(⁴). Essa mudança na manipulação das informações traz grandes desafios para a profissão, e nota-se um aumento na expectativa do mercado pela adaptação dos profissionais da enfermagem à ruptura no modo de cuidar tradicional.

Sem dúvida, a crescente incorporação de tecnologias em instituições e serviços se dá em decorrência da necessidade de alcançar a qualidade total em saúde. Além disso, as inovações tecnológicas otimizaram o cuidado prestado ao paciente, ao compasso que, ao ocuparem o cotidiano dos ambientes de saúde, exigem resposta rápida dos profissionais.

As funcionalidades dos recursos tecnológicos garantem rastreabilidade dos cuidados e redução de custos operacionais. Portanto, com sua utilização, os profissionais de enfermagem podem dedicar mais tempo cuidando dos pacientes e serem mais efetivos na assistência prestada, permitindo um melhor gerenciamento do cuidado, aumentando a visibilidade do seu trabalho e a sua consequente valorização social e de mercado.

A utilização de recursos tecnológicos no ato de cuidar pelo profissional de enfermagem desempenha um papel crucial no combate à sua invisibilidade e desvalorização, pois os softwares de registro eletrônicos, os aplicativos de dispositivos móveis, entre outros recursos emergentes, garantem a materialização e um acompanhamento mais eficiente e transparente dos cuidados prestados.

É tempo de refletir e superar a invisibilidade do cuidado prestado pela enfermagem. Fomentar pesquisas e discussões sobre como a profissão pode manipular a alta tecnologia, e utilizar isso ao seu favor para pleitear melhores posições no mercado permitirá que sejam deixadas no passado algumas vivências atuais de profissionais dedicados e competentes que investem diariamente em uma profissão que tem oferecido rendimentos incompatíveis com sua importância social e, muitas vezes, incapazes de suprir dignamente suas próprias necessidades vitais.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Professora Doutora Maria Lucia do Carmo Cruz Robazzi.

• FOMENTO
  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

• ¹
  Schwartz Y. Conceituando o trabalho, o visível e o invisível. Trab, Educ Saúde. 2011;9(suppl-1):19-45. https://doi.org/10.1590/s1981-77462011000400002
  » https://doi.org/10.1590/s1981-77462011000400002
• ²
  Molinier P. A dimensão do cuidar no trabalho hospitalar: abordagem psicodinâmica do trabalho de enfermagem e dos serviços de manutenção. Rev Bras Saúde Ocup. 2008;33(118):6-16. https://doi.org/10.1590/S0303-76572008000200002
  » https://doi.org/10.1590/S0303-76572008000200002
• ³
  Soler ZASG. O que será 2023 para a Enfermagem brasileira: ver com otimismo ou continua a raiva misturada com tristeza? Enferm Brasil. 2023;21(6);690-2. https://doi.org/10.33233/eb.v21i6.5378
  » https://doi.org/10.33233/eb.v21i6.5378
• ⁴
  Pruinelli L. Nursing and data: powering nursing leaders for big data science. Rev Bras Enferm. 202174(4):e740401. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2021740401
  » https://doi.org/10.1590/0034-7167.2021740401

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024