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Representações sociais de homens agressores denunciados acerca da violência contra a mulher

RESUMO

Objetivos:

Conhecer as representações sociais de homens denunciados por agressão acerca da violência contra a mulher.

Métodos:

Estudo qualitativo alicerçado na Teoria das Representações Sociais, realizado com 12 homens denunciados por violência contra a mulher. Os dados foram coletados de fevereiro de 2015 a abril 2016, por meio de entrevista focalizada na Delegacia Especial da Mulher de Guarapuava. A análise se deu a partir da transcrição, codificação e utilização do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire.

Resultados:

Estabeleceram-se quatro classes: de geração à geração: o propagar da violência; sentimentos e comportamentos diante da violência; repercussões da violência para o agressor; e, o agressor e a sua vitimização.

Considerações finais:

Os homens representam aviolência conjugal mediante a vitimização e culpabilização da mulher. O convívio desses homens com a violência vem desde sua infância e a consequência temida por eles é a prisão.

Descritores:
Violência contra a Mulher; Violência por Parceiro Íntimo; Enfermagem; Violência de Gênero; Conflito Familiar

ABSTRACT

Objectives:

To acknowledge the social representations of aggressive men denounced for violence against women.

Methods:

A qualitative study based on the Theory of Social Representations, carried out with 12 men denounced for violence against women. Data were collected from February 2015 to April 2016, through an interview focused on the Special Women’s Police Station (Delegacia Especial da Mulher) in of Guarapuava. The analysis was based on the transcription, coding and use of the software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire.

Results:

Four categories were defined: from generation to generation: the spread of violence; feelings and behaviors in the face of violence; repercussions of violence on the aggressor; and, the aggressor and his victimization.

Final considerations:

Men represent conjugal violence through victimizing and blaming women. The living of these men with violence comes from their childhood and the consequence feared by them is the prison.

Descriptors:
Violence against Women; Violence by Intimate Partner; Nursing; Gender Violence; Family Conflict

RESUMEN

Objetivos:

Conocer las representaciones sociales de hombres agresores denunciados acerca de la violencia contra la mujer.

Métodos:

Estudio cualitativo basado en la Teoría de las Representaciones Sociales, realizado con 12 hombres denunciados por violencia contra la mujer. Los datos fueron recolectados de febrero de 2015 a abril de 2016, por medio entrevista enfocada en la Comisaría Especial de la Mujer de Guarapuava. El análisis ocurrió a partir de la transcripción, codificación y utilización del software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire.

Resultados:

Fueron establecidas cuatro clases: de generación a generación: el propagar de la violencia; sentimientos y comportamientos ante la violencia; repercusiones de la violencia para el agresor; y el agresor y su victimización.

Consideraciones finales:

Los hombres representan la violencia conyugal mediante la victimización y la culpabilización de la mujer. La convivencia de estos hombres con la violencia viene desde su infancia y la consecuencia temida por ellos es la prisión.

Descriptores:
Violencia contra la Mujer; Violencia por Compañero Íntimo; Enfermería; Violencia de Género; Conflicto Familiar

INTRODUÇÃO

A violência de gênero é um fenômeno de proporções epidêmicas, que permeia a vida da população feminina em todo o mundo, e surge, principalmente, em face aos conflitos domésticos não resolvidos pacificamente, evidenciando a desigualdade de gênero que se perpetua nas sociedades.

Quando se faz presente na vida das mulheres, a violência viola os direitos humanos, limita a participação feminina na sociedade, causando grande sofrimento e um impacto negativo na vida, não apenas das vítimas, mas de toda a família que convive nesse contexto(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.). Razão pela qual foi reconhecida como um problema de saúde pública, com grande impacto social e familiar(22 Fernández MD, Silva IMM, Vázquez-Portomeñe F, Calvo MSR. Features and consequences of gender violence: Study of cases confirmed by a conviction. Rev Esp Med Legal [Internet]. 2017 [cited 2018 Nov 19];43(3) :115-122. Available from: https://doi.org/10.1016/j.remle.2017.07.003
https://doi.org/10.1016/j.remle.2017.07....
).

Uma estimativa global de prevalência de violência, com base em dados de 79 países do mundo, realizada pela Organização Mundial de Saúde, evidenciou que 35% das mulheres com idade acima de 15 anos já haviam sofrido violência física e/ou sexual. O percentual é ainda maior na África, Sudoeste da Ásia e Oriente Médio, onde aproximadamente 37% das mulheres relataram ter vivido uma experiência de violência ao longo da vida. Os perpetradores eram os parceiros íntimos em 30% dos casos(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.).

No que se refere aos índices de mortalidade, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking mundial de homicídios femininos, com uma taxa de 4,8 mortes por 100 mil mulheres. No período de 2006 a 2013, observou-se um aumento de 18,4% no número de homicídios de mulheres em decorrência da violência(33 Waiselfisz JJ. Mapa Da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO, 2015.). Um estudo global evidenciou que os parceiros íntimos também são os responsáveis em 38% de todos homicídios de mulheres cometidos no mundo(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.).

Diante da complexidade do processo de saúde-doença das mulheres e de seus agravos, a violência necessita ser analisada como uma adversidade complexa, de causas multifatoriais e desfechos que vão além de danos físicos. Assim, requer dos profissionais de saúde ações que ultrapassem a sua identificação e encaminhamentos para outros setores da rede de enfrentamento(44 Soares JSF, Lopes MJM. Experiences of women in situation of violence seeking care in the health sector and in the intersectoral network. Interface [Internet]. 2018 [cited 2018 Nov 19];22(66):789-800. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0835
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).

A regularidade apresentada pelos casos de violência praticada contra as mulheres brasileiras pode ser entendida como um problema crônico de saúde, pois aumenta a procura dessa população por atendimento nos serviços de saúde, e eleva os índices de feminicídio(55 Barufaldi LA, Souto RMCV, Correia RSB, Montenegro MMS, Pinto IV, Silva MMA, et al. Gender violence: a comparison of mortality from aggression against women who have and have not previously reported violence. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 25];22(9):2929-38. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.12712017
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). Dessa forma, devido ao impacto da violência contra a mulher e seu caráter crônico há a necessidade do fortalecimento das linhas de cuidados e outros tipos de ações para prevenir esse evento(66 Meneghel SN, Margarites AF. Femicide in Porto Alegre, Rio Grande do Sul State, Brazil: gender iniquities in dying. Cad Saúde Pública[Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 25];33(12):1-11. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v33n12/1678-4464-csp-33-12-e00168516.pdf
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).

Os dados epidemiológicos globais apontam que a violência contra as mulheres ocorre no âmbito doméstico, e os seus principais perpetradores são os homens com os quais elas mantêm ou já mantiveram uma relação afetiva íntima(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.). Nesse contexto, inúmeros fatores impulsionam a mulher a não querer desfazer-se da relação e a permanecer no contexto em que poderá ser submetida a repetidos episódios de violência durante a vida. Já, quando a relação é desfeita, o agressor tende a estabelecer novos vínculos afetivos e, diante dos conflitos do cotidiano, o comportamento violento poderá ressurgir e acometer outras mulheres(77 Madureira AB, Raimondo ML, Ferraz MIR, Marcovicz GV, Labronici LM, Mantovani MF. Profile of men who commit violence against women who are arrested in delicto flagrante: contributions to confronting the phenomenon. Esc Anna Nery[Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 25];18(4):600-6. Available from: http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/1414-8145.20140085
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).

Além de oferecer serviços de atenção à vítima, é preciso aumentar os esforços para prevenir que a violência aconteça. Destaca-se a necessidade de abordar fatores socioculturais que fomentam uma cultura de violência contra as mulheres, como os fatores sociais que reiteram o controle e o poder masculino sobre as mulheres, e a redução das desigualdades de gênero(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: World Health Organization; 2013.). Torna-se imperioso ampliar o olhar sobre o fenômeno da violência, na perspectiva de incluir os homens autores da violência nas discussões, pesquisas, políticas e ações de prevenção e enfrentamento da violência.

Nos últimos anos foram realizadas diferentes pesquisas voltadas à compreensão da violência doméstica contra as mulheres. Porém, apesar da abordagem das vítimas ser uma importante fonte de informações, evidencia-se a relevância de desenvolver estudos com os homens que praticam a violência, a fim de obter informações mais amplas sobre o fenômeno.

Os homens autores de violência elaboram representações, pautadas em suas vivências e que podem ser apreendidas por meio de estudos. Conhecer as representações sociais de homens autores de violência contra a mulher poderá subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas à mudança de comportamentos violentos adotados pelos homens para a resolução de conflitos domésticos.

A Teoria das Representações Sociais apresenta-se como uma possibilidade para responder ao que se questiona, pois busca entender as formas dos sujeitos pensarem, sentirem e agirem, considerando que são elementos de uma trama social em que existem constantes trocas simbólicas e afetivas no intuito de apreender os espaços, os objetos, os discursos, o outro e a realidade que está materializada na vida dos sujeitos(88 Ribeiro LP, Antunes-Rocha MI. Social representation theory: history, approaches, methods and perspectives. Psicol Soc[Internet]. 2016 [cited 2018 Nov 19];28(2): 407-9. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1807-03102016v28n2p407
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).

Estudos voltados às representações sociais dos homens autores de violência revelam-se um importante instrumento para a prática dos profissionais de saúde, pois podem fornecer subsídios para o planejamento do cuidado. As representações individuais ou sociais mostram que “a todo instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa presente se modifica, mas o jogo dessa dialética possui uma significação maior”(99 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: vozes; 2012.).

Essa compreensão conduziu ao seguinte questionamento: quais são as representações sociais de homens denunciados por agressão acerca da violência contra a mulher?

OBJETIVOs

Conhecer as representações sociais de homens denunciados por agressão acerca da violência contra a mulher.

MÉTODOs

Aspectos Éticos

A pesquisa obedeceu aos requisitos éticos e legais contidos na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).

Inicialmente, os participantes foram convidados a fazer parte da pesquisa e conheceram o método segundo o qual seriam abordados e quem os iria entrevistar. O anonimato dos participantes, no tratamento e exposição dos resultados, foi preservado por meio da ocultação dos nomes, que foram substituídos por “Ind” (Indivíduo), seguido da numeração arábica correspondente à ordem da entrevista.

Tipo de Estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa alicerçada na Teoria das Representações Sociais,(99 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: vozes; 2012.) que foi organizada conforme recomenda o Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ)(1010 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32- item checklist for interviews and focus group. Int J Qual Heal Care[Internet]. 2007 [cited 2018 Jul 28];19(6):349-57. Available from: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042...
).

A opção pela Teoria das Representações Sociais como referencial teórico-metodológico ocorreu porque permite dar voz aos participantes da pesquisa e capturar a interpretação de uma realidade comum em um dado grupo social(99 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: vozes; 2012.).

A representação social é um conhecimento privado que perpassa as relações sociais e visa elaborar as atitudes e diálogos entre os sujeitos. Permite dar significado à conduta, agregá-la a uma rede de relações, provendo os conhecimentos, teorias e observações e possibilitando que as relações sejam plausíveis e eficazes(99 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: vozes; 2012.).

Procedimentos Metodológicos

Cenário do estudo

O local de desenvolvimento da pesquisa foi a Delegacia Especial da Mulher do município de Guarapuava, região central do estado do Paraná. Segundo o Mapa da Violência 2015, a região ocupava a 373ª posição em número de homicídios de mulheres, com uma taxa média de 6,5 entre 5.565 municípios com mais de 10 mil mulheres. Essa taxa encontra-se bem acima da média nacional (4,8/100.000) e do Paraná (5,2/100.000) para o mesmo período(33 Waiselfisz JJ. Mapa Da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO, 2015.).

Fonte de dados

Os participantes da pesquisa foram 12 homens denunciados por prática de violência contra a mulher, que se ajustaram aos seguintes critérios de inclusão: tinham de 18 a 59 anos, foram intimados a prestar depoimento em razão de denúncia por prática de violência contra sua companheira ou ex-companheira, estavam aptos a se expressar verbalmente sobre sua vida. O critério de exclusão foi terem sido denunciados por outros tipos de violência. O número de participantes da pesquisa foi estabelecido pela saturação teórica, mediante a análise e discussão contínua dos dados entre os pesquisadores.

A escolha do recorte etário justifica-se em face ao evidenciado em um estudo desenvolvido na referida delegacia, no qual a principal faixa etária entre os homens autuados em flagrante pela prática de violência contra mulheres foi a de adultos jovens, de 20 a 29 anos (45,4%), seguida daqueles de 40 a 49 anos (22,3%)(77 Madureira AB, Raimondo ML, Ferraz MIR, Marcovicz GV, Labronici LM, Mantovani MF. Profile of men who commit violence against women who are arrested in delicto flagrante: contributions to confronting the phenomenon. Esc Anna Nery[Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 25];18(4):600-6. Available from: http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/1414-8145.20140085
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).

Coleta e organização dos dados

A coleta dos dados foi realizada pela primeira autora, entre 2015 e 2016, na Delegacia da Mulher, em um espaço privativo propiciado pela instituição ou em outro local de escolha dos participantes, de forma a propiciar comodidade e liberdade para se expressarem.

Para a obtenção dos dados utilizou-se a entrevista focalizada. Foram realizadas anotações de campo durante e depois das entrevistas. A questão que incitou a entrevista foi: fale sobre sua vida desde a infância, descreva suas relações com familiares, amigos e parentes e os aspectos marcantes até hoje, dando ênfase nas relações familiares.

A utilização da entrevista focalizada, como técnica de coleta de dados em pesquisa qualitativa, permite que o pesquisador aprofunde a conversa sobre um tema definido, sem necessitar estabelecer um roteiro previamente estruturado(1111 Minayo MCS. O Desafio da Pesquisa Social. In: Minayo MCS, Deslande SSF, Gomes R. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.).

As entrevistas tiveram a duração aproximada de 26 minutos, gravadas em áudio e transcritas na íntegra para um documento de texto. Posteriormente, foram codificadas de acordo com o preconizado pelo software utilizado na pesquisa, compondo um corpo para análise. Salienta-se que não houve necessidade de repetir entrevistas.

A fim de aperfeiçoar as estratégias e procedimentos da pesquisa, antes de iniciar a coleta de dados válidas para esta pesquisa, realizou-se um teste piloto considerando o mesmo local e os critérios de inclusão dos participantes.

Análise dos dados

Para a análise dos dados, as entrevistas foram transcritas, codificadas e analisadas pelo softwareInterface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaire (Iramutec) e, para apresentação dos resultados, utilizou-se a Classificação Hierárquica Descendente que deu origem a quatro classes: 1) De geração à geração: o propagar da violência; 2) Sentimentos e comportamentos diante da violência; 3) Repercussões da violência para o agressor; e 4) O agressor e a sua vitimização.

RESULTADOS

Quanto à variável idade, 58,3% dos participantes eram adultos jovens, com destaque para a faixa etária dos 20 aos 40 anos; 83,3% tinham de um a três filhos com a denunciante; 50% se declararam casados e 33,3% solteiros. No que se refere ao tempo de convívio com a denunciante, destaca-se o período de dois a seis anos, citado por 41,7% dos participantes; 41,7% conviveram/conviviam por mais de 12 anos. Sobre a variável existência de filhos do casal, 87,3% tinham filhos com os acusados.

O tipo de violência pela qual o participante foi acusado, a violência moral foi mencionada por 41,7% dos participantes, seguida da física/moral e psicológica, ambas citadas por 17,7% dos homens. No que se refere à existência de denúncias anteriores, 75% dos participantes referiram não terem sido acusados anteriormente pela prática de violência contra a parceira.

O processamento do corpus pelo software Iramutec gerou 1.053 segmentos de textos, dos quais 86,1% (907) foram aproveitados. Em seguida, o software realizou as partições do corpus dando origem a dois subcorpus. O primeiro, contém as classes 1 e 2, compostas por 252 (27,78%) Unidades de Contexto Elementar (UCEs) e 269 UCEs (29,66%) do corpus total, respectivamente. O segundo subcorpus originou as classes 3 e 4, com 119 (13,12%) UCEs e 267 (29,44%) UCEs do total do corpus, respectivamente.

Optou-se por enumerar e renomear as classes em categorias de modo que fossem apresentadas em ordem cronológica de acontecimentos: 1) De geração à geração: o propagar da violência; 2) Sentimentos e comportamentos diante da violência; 3) Repercussões da violência para o agressor; e 4) O agressor e a sua vitimização.

Na Categoria 1) De geração a geração: o propagar da violência, as relações familiares dos participantes são representadas desde a infância até os dias atuais, enfatizando a presença e a prática da violência pelos pais ou responsáveis para a resolução dos conflitos familiares e o propagar do modelo nas relações atuais dos participantes, o que pode ser percebido nas falas a seguir:

[...] a relação do meu pai com a minha mãe era terrível [...] meu pai batia muito na minha mãe [...] tanto violência física, como violência verbal. (Ind. 03)

Ele era ruim. Meu pai batia na minha madrasta, [...] ele era ruim mesmo. (Ind. 09)

A violência se configura como o alicerce das relações familiares dos participantes. Além de presenciarem a violência sofrida pela mãe na infância, também foram submetidos à ela, e na atualidade a praticam na educação dos filhos, o que pode ser evidenciado nas falas a seguir:

Eu apanhei bastante da minha mãe quando era piá, minha mãe batia em mim, meu pai não batia e eu nunca bati nos meus filhos também, só no diálogo. (Ind. 7)

Hoje, com minha filha, eu dei um corretivo na minha filha com 17 anos, o único, e no meu filho nunca bati, acho que dei umas chineladinhas, joguei um chinelo. (Ind. 12)

Na sequência, são apresentados trechos de depoimentos dos homens no que se refere às relações com suas companheiras ou ex-companheiras, ressaltando suas representações dos conflitos e sua resolução.

[...] em dez anos que eu convivi com a primeira mulher não tivemos problema nenhum [...] eu nunca tive conflito, porque essa minha primeira mulher nunca trabalhou [...] ela sempre ficava na casa, cumpria com o papel dela e eu cumpria com o meu. [...] nem me lembro mais do que gerou a discussão, mas sei que foi uns dez ou doze anos atrás [...] foi uma discussão boba [...] mas a gente sempre foi resolvendo, eu sempre me dei bem com ela. [...] enquanto vivi com ela. [...]. (Ind. 01)

[...] estourou uma fúria, foi uma coisa que eu não lembrei da criação do meu pai e da minha mãe, foi uma coisa que me estourou. Namorei ela quase 5 anos, a relação era boa, [...] uma discussão mais calorosa teve já no começo [...] fui na casa da vó dela, e estava toda a família, [...] joguei todas as coisas que ela tinha me dado, [...] isso no terceiro ano. (Ind. 11)

Na categoria 2) Sentimentos e comportamentos diante da violência, as representações sociais trazem a posição diante dos conflitos que surgem nas relações e afirmam que a principal forma de os evitar é o diálogo. Porém, quando os conflitos surgem, sentimentos como o ciúme, a ingratidão, a tristeza e a vingança servem para justificar e/ou legitimar a reação diante dessas situações.

[...] se fosse trabalhado a questão da resolução de conflitos, [...]. Adolescente começasse a pensar em ter uma relação de namorado, [...] teria uma outra visão de conflito, deu uma briga, se resolve com diálogo e não com agressão e nem discussão mais séria, mas com certeza resolveria se tivesse algum tipo de trabalho, no caso, antes do casamento. (Ind. 06)

[...] não gostava nem que eu fosse ensaiar, você dá mais atenção para os instrumentos do que para mim quando você está tocando, essas coisinhas, eu precisava de alguém que fosse a minha companheira. (Ind. 11)

[...] pensa que o teu sonho era criar o teu filho, [...] porque eu não sei o que é ter uma mãe e um pai junto, e ele ter, foi por água abaixo, ela acabou com isso. Agora colocar uma outra pessoa no lugar que eu sempre sonhei, que era tudo que eu queria, colocar no meu lugar, é bem complicado, eu tento não pensar muito [...]. (Ind. 10)

Na categoria 3) Repercussões da violência para o agressor, os participantes trazem o ônus da acusação realizada por suas companheiras. Eles constroem a imagem do objeto a partir dessas vivências negativas e as repercussões da denúncia da violência em suas vidas. A representação dessa situação vem expressa pela necessidade do afastamento da companheira e dos filhos, pelo risco de ser preso, e pelo prejuízo material.

[...] as crianças moram com ela. Para falar a pura verdade, depois que aconteceu tudo isso, eu não vi mais as crianças, faz uns dois meses. Eu queria acertar tudo isso, para eu poder pegar os meus filhos e sair. [...]. (Ind. 3)

[...] E se eu descumprir a ordem judicial da medida protetiva, eu vou preso [...]. (Ind. 10)

[...] se ela quer ir embora que venha buscar as coisas que é dela, eu fico com o que é meu, que eu comprei de solteiro e os móveis que é da mãe e pronto. [...] chamaram uma viatura da polícia e vieram de madrugada em casa, viemos buscar as coisas que estão aqui, entreguei tudo, de panela para cima, eu fiquei só com as coisas que eram da minha mãe. (Ind. 09)

A categoria 4) O agressor e a sua vitimização, traz as representações sociais do agressor e a sua vitimização diante da denúncia de violência perpetrada contra sua companheira ou ex-companheira. É possível perceber tanto a construção da imagem do objeto quanto o conhecimento acerca desse objeto. Os agressores representam a violência como se fosse algo externo, pertencente ao mundo, mas que pode acontecer com eles e explicitam seus desejos de vingar-se da vítima se algo “mais grave” ocorrer, fato que faria sua situação ser modificada.

As falas dos participantes trazem sua representação acerca de como apreendem a violência contra as mulheres em várias perspectivas. Inicialmente, em relação à Lei Maria da Penha; em seguida, como algo que acontece com os outros, ou na tentativa da continuar ou retomar a união mesmo com a medida protetiva. E, para finalizar, a representação da violência e da denúncia pelos homens e a injustiça por eles vivenciada.

[...] a Maria da Penha, hoje em dia, infelizmente, ela favorece totalmente a mulher, se a mulher falar tal coisa, aquilo vai ser levado como se fosse a verdade, a ferro e fogo. [...] se a mulher acusar, não é ela que tem que provar que o homem é culpado, e sim o homem que tem que achar uma maneira de provar que é inocente. Acho que a mulher é bem errada, da Maria da Penha, porque a pessoa fala e acreditam. [...]. (Ind. 06)

[...] tem muita violência contra a mulher, porque a mulher, hoje em dia, que se batem. Eu previ um caso assim, da mulher se batendo, e ligou para a polícia e disse que foi o marido dela. [...] isso eu vi [...] como é delegacia da mulher, tem os direitos das mulheres, claro, a pessoa veio presa [...] e teve que pagar fiança para sair. [...] deveria eles ter que pensar um pouco mais, investigar mais, antes de cometer o tal em flagrante. [...]. (Ind. 02)

[...] então, resume tudo, ela me denunciou por ameaça, coisas que mulher fala, a mulher não tem no caso lesões, não tem marcas, ela vai e diz ameaça. É isso que ocorre, a gente não tem defesa [...]. O filho dela não pode saber que ela está me procurando. Então sinal que se eu fosse um cara perigoso, que causasse mau para ela, ela ia querer distância de mim, não me procurar e ela vai e me procura [...] é complicado mesmo, ela indo me procurar, se acontece alguma coisa, a mulher me falou, a mão do juiz é pesada. [...]. (Ind. 07)

[...] toda ação tem uma reação, não adianta as pessoas quererem dizer alguma coisa que tem que ter controle, não tem. [...] por isso que esses homens saem dessas cadeias, e matam essas mulheres, porque elas não pensam nas consequências [...]. Quando o cara sai de uma situação que abrem a cela dele, a cabeça dele é só pegar a mulher se ela dever. [...] contra o gosto ele vai preso, talvez ele sai, e daqui uns dias ela está com outro cara na rua porque não dá nada, é erro [...]. (Ind. 12)

Os homens acusados de violência contra as mulheres sentem-se injustiçados e vítimas das ex-companheiras, do sistema e da lei, mesmo assumindo suas atitudes. Há queixas quanto à injustiça, ao rigor em relação ao ato cometido e à certeza de que os atos cometidos deveriam ser vingados por terem sido acusados por algo que não fizeram, ou que não fizeram da maneira que foi descrito no boletim de ocorrência. Há até a explicação de que a culpa é da mulher; o participante representa o sentimento masculino como um comportamento anunciado.

DISCUSSÃO

O perfil dos agressores e o principal tipo de violência por eles cometida (moral), estão de acordo com um estudo anterior realizado no mesmo município(77 Madureira AB, Raimondo ML, Ferraz MIR, Marcovicz GV, Labronici LM, Mantovani MF. Profile of men who commit violence against women who are arrested in delicto flagrante: contributions to confronting the phenomenon. Esc Anna Nery[Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 25];18(4):600-6. Available from: http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/1414-8145.20140085
http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/14...
). Por sua vez, um estudo realizado com o objetivo de investigar a violência contra as mulheres em Montes Claros, Minas Gerais, encontrou que o principal tipo de violência praticada foi a física (62,2%), diferentemente do tipo de violência aqui encontrada. Entretanto, ao verificarem a presença de uma acusação anterior, 25,8% dos participantes tinham outra denúncia por violência contra a mulher, semelhante a essa pesquisa(1212 Romagnoli R. [Violence Against Women In Montes Claros]. Barbarói [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 25];1(43):27-47. Available from: https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/4815/4407 Portuguese.
https://online.unisc.br/seer/index.php/b...
).

Nas falas dos participantes, é possível perceber que presenciaram a violência do pai contra a mãe, demonstrando o elo entre o sofrido, o presenciado e a prática de atos violentos, o que corrobora com estudos que mostram que a exposição à violência doméstica na infância está ligada à prática de violência posteriormente, na vida adulta(1313 Fleming PJ, McCleary-Sills J, Morton M, Levtov R, Heilman B, Barker G. Risk factors for men's lifetime perpetration of physical violence against intimate partners: results from the international men and gender equality Survey (IMAGES) in eight countries. PLoS One [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 25];10(3):1-18. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0118639
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-1414 FRA-Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Violência contra as mulheres: um inquérito à escala da União Europeia Síntese dos resultados. Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia, 2014.).

O fato de os participantes reafirmarem que a violência os acompanhou durante a vida e que esse pode ser um fator de risco para a sua prática na vida adulta, reforça o fato de que ela pode ser considerada como uma condição transmissível entre gerações(1313 Fleming PJ, McCleary-Sills J, Morton M, Levtov R, Heilman B, Barker G. Risk factors for men's lifetime perpetration of physical violence against intimate partners: results from the international men and gender equality Survey (IMAGES) in eight countries. PLoS One [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 25];10(3):1-18. Available from: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0118639
https://doi.org/10.1371/journal.pone.011...
).

Em relação às representações dos participantes sobre os conflitos e à sua resolução no relacionamento com as companheiras ou ex-companheiras, os homens afirmam que a ocorrência de conflitos é rara e sem importância. Essa posição vai de encontro a um estudo que ressalta que a violência é praticada pelos homens, contra as mulheres, em circunstâncias excepcionais e, geralmente, como forma de resposta ou punição a algum comportamento que consideram inadequado por parte da mulher(1515 Moraes AF, Ribeiro L. State policy on violence against women in Brazil and men's accountability. Sex Salud Soc[Internet]. 2012 [cited 2018 Sep 19];(11):37-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sess/n11/a03n11.pdf
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).

É possível perceber, ainda, que o fato de a mulher ingressar no mercado de trabalho, ter alguma autonomia econômica e ampliar o círculo de convivência leva o homem a se questionar sobre o seu papel de mantenedor e afirmar que esse é um dos motivos para a ocorrência de conflitos. Isso porque os homens gostam que suas companheiras fiquem em casa, cuidando dos filhos e atividades do lar, seja por ciúme ou outros motivos(1616 Boira S, Carbajosa P, Méndez R. Fear, conformity and silence. Intimate partner violence in rural areas of Ecuador. Psychosoc Interv[Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 15];25(1):9-17. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.psi.2016.10.001
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).

Essa representação reafirma os papéis de gênero cultural e socialmente construídos, em que os homens são os provedores e as mulheres devem ser submissas e cumprir seus deveres com a casa e a família. Portanto, quando a mulher “não respeita” esse papel, segundo a opinião do homem, é um motivo para conflitos e possíveis situações de violência.

Um estudo realizado no Rio Grande do Sul analisou, a partir da categoria analítica de gênero, a dimensão que a violência contra mulheres rurais assume na concepção de gestores, trabalhadores e profissionais da Saúde. Os autores identificaram nas falas das mulheres que elas são vistas e tratadas apenas como mães, esposas, desprovidas de autonomia e provedoras do bem-estar da família e de outros. Algumas falas denotam a diferença da socialização da mulher em relação ao homem, considerada meiga, submissa, vivendo dentro de casa, local permeado de conflitos e sem leis formais, fato que permite a inserção da lei do mais forte, legitimando o poder do marido sobre a esposa e os filhos(1717 Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Violence against rural women: gender and health actions. Esc Anna Nery[Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 15];19(1):162-8. Available from: http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/1414-8145.20150022
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).

Para a resolução de conflitos, segundo a percepção dos homens desta pesquisa, faz-se necessário que haja diálogo entre o casal. A falta de diálogo pode gerar desentendimentos e até mesmo violência. Nesse sentido, um estudo desenvolvido no Equador com 63 participantes, analisou a violência de casais sob a perspectiva do homem, da mulher e dos profissionais envolvidos. Os depoimentos retrataram que quando homem e mulher são somente amigos a confiança é maior e se conversa sobre tudo; porém, quando se tornam um casal surgem problemas, vem a desconfiança, e gradualmente o diálogo vai acabando, até que termina(1616 Boira S, Carbajosa P, Méndez R. Fear, conformity and silence. Intimate partner violence in rural areas of Ecuador. Psychosoc Interv[Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 15];25(1):9-17. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.psi.2016.10.001
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).

A reflexão sobre os relacionamentos, a participação em metodologias de educação em grupo e a busca por formas de se manter uma convivência harmoniosa, baseadas no diálogo entre homens e mulheres com vistas a reduzir ou resolver os conflitos, são formas de minimizar/prevenir a ocorrência da violência(1818 Taylor AY, Moura T, Scabio JL, Borde E, Afonso JS, Barker G. Isso aqui não é vida para você: masculinidades e não violência no Rio de Janeiro, Brasil. Resultados do Estudo Internacional sobre Homens e Igualdade de Gênero (IMAGES) com foco na violência urbana. Washington, DC e Rio de Janeiro: Promundo; 2016.-1919 Paixão GPN, Gomes NP, Diniz NMF, Couto TM, Vianna LAC, Santos SMP, et al. Situations which precipitate conflicts in the conjugal relationship: the women's discourse. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 19];23(4):1041-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-0707-tce-23-04-01041.pdf
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).

Um dos motivos para os conflitos evidenciados pelos relatos dos participantes foi o ciúme. Isso corrobora com outros estudos que trazem esse sentimento como uma situação geradora e como um fator intensificador dos conflitos nas relações conjugais(1212 Romagnoli R. [Violence Against Women In Montes Claros]. Barbarói [Internet]. 2015 [cited 2018 Aug 25];1(43):27-47. Available from: https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/4815/4407 Portuguese.
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,1616 Boira S, Carbajosa P, Méndez R. Fear, conformity and silence. Intimate partner violence in rural areas of Ecuador. Psychosoc Interv[Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 15];25(1):9-17. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.psi.2016.10.001
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,1919 Paixão GPN, Gomes NP, Diniz NMF, Couto TM, Vianna LAC, Santos SMP, et al. Situations which precipitate conflicts in the conjugal relationship: the women's discourse. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 19];23(4):1041-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-0707-tce-23-04-01041.pdf
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-2020 Patrício JA. [Violence against women: processes and contexts of victimization]. Forum Sociológico. [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 19];(25):33-43. Available from: http://journals.openedition.org/sociologico/902 Portuguese.
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).

Os relacionamentos têm como alicerce a confiança e, quando ela é quebrada, a relação pode mudar a sua configuração, podendo passar de colaborativa para competitiva. Sendo assim, quando o casal não se separa, a possibilidade de novas discussões e a ocorrência de episódios de violência torna-se mais comum(2121 Pereira R. Por Why don't you just break up? the loss of confidence in marriage. Pensando Fam[Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 19];19(2):3-20. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2015000200002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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).

Além do ciúme, a ingratidão, a tristeza e a vingança também aparecem como sentimentos vivenciados pelos participantes. Eles acreditam que as companheiras são ingratas ao não reconhecerem tudo o que fizeram de bom e correto no relacionamento e buscam justificar seus atos devido a essa falta de reconhecimento. Essa crença e justificativa também são descritas em um estudo realizado em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, no qual os participantes relataram que as suas atitudes eram boas, eram maridos dedicados ao matrimônio, que nunca se envolveram em crimes, em vícios e sempre trabalharam(2222 Oliveira LRF, Bressan C. The perception of the person who killed for love. Mudanças-Psicol da Saúde. [Internet]. 2014 [cited 2018 Aug 15];22(1):1-10. Available from: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v22n1p21-30
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).

Após o ato de violência e a denúncia, surgem consequências como: o afastamento da companheira, a mudança da convivência com os filhos, o risco de ser preso e a perda de bens materiais. A preocupação com os filhos é um dos pontos mais delicados entre pais e mães. Muitas vezes, a resolução dos casos para que os homens que praticaram violência contra a mulher possam ver os filhos é muito lenta, bem como a solicitação da revisão da medida protetiva. Entretanto, apesar da preocupação, quando persiste a hostilidade, um culpa o outro de não cumprir suas obrigações e além de usarem as crianças para chantagear, pressionar(2323 Boira S, Carbajosa P, Marcuello C. Partner violence from three perspectives: Victims, abusers, and professionals. Psychosoc Interv[Internet]. 2013 [cited 2018 Aug 15];22(2):125-33. Available from: http://dx.doi.org/10.5093/in2013a15
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).

Outra consequência da violência percebida nos relatos é a perda de bens materiais. Problemas relacionados à divisão de bens estão implícitos nesse contexto. Contudo, a disputa por esses bens, pode, por vezes, ser um gatilho para conflitos e mais violência contra a mulher(2424 Acosta DF, Gomes VLO, Fonseca AD, Gomes GC. Violence against women commited by intimate partners: (in)visibility of the problem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 19];24(1):121-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-0707-tce-24-01-00121.pdf
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).

Na última categoria, é possível perceber a representação que os homens têm acerca da Lei Maria da Penha, sendo que ela somente deveria ser utilizada em situações graves. Essa representação corrobora com um estudo que buscou analisar os significados que os homens acusados de violência atribuem às agressões perpetradas contra as mulheres, no contexto da Lei Maria da Penha e de suas políticas públicas no Brasil. O estudo identificou que, para os homens, a ida da mulher para a delegacia é algo desnecessário já que o caso foi leve e, portanto, poderia ser resolvido em casa(1515 Moraes AF, Ribeiro L. State policy on violence against women in Brazil and men's accountability. Sex Salud Soc[Internet]. 2012 [cited 2018 Sep 19];(11):37-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sess/n11/a03n11.pdf
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).

Mesmo após a violência, os discursos dos homens trazem a tentativa de aproximação com a companheira. Essa circunstância corrobora com a descrição de que a companheira muitas vezes mostra-se compreensiva, justifica e minimiza as atitudes de seu companheiro, assim como afirma que não queria denunciá-lo, pois foi um caso isolado e deseja retomar seu relacionamento(2323 Boira S, Carbajosa P, Marcuello C. Partner violence from three perspectives: Victims, abusers, and professionals. Psychosoc Interv[Internet]. 2013 [cited 2018 Aug 15];22(2):125-33. Available from: http://dx.doi.org/10.5093/in2013a15
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).

Ainda na categoria 4, é possível perceber a negação da prática da violência e/ou a justificação dessa por parte dos homens. Essa atitude também foi percebida em discursos de homens acusados por violência doméstica, os quais têm distintas visões sobre a circunstância pela qual foram acusados, passando pela negação e chegando à culpabilização da mulher(2525 Silva ACLG, Coelho EBS, Njaine K. [Conjugal violence: controversies in the reports of intimate partners in police investigations]. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 19];19(4):1255-62. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n4/1413-8123-csc-19-04-01255.pdf Portuguese.
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).

As mulheres que denunciam seus companheiros por violência são frequentemente tachadas de doentes e imprudentes, recebendo declarações que as depreciam e as levam a acreditarem que as marcas da violência foram ocasionadas por elas próprias(2525 Silva ACLG, Coelho EBS, Njaine K. [Conjugal violence: controversies in the reports of intimate partners in police investigations]. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 19];19(4):1255-62. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n4/1413-8123-csc-19-04-01255.pdf Portuguese.
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).

Outros homens entendem a violência como sendo somente física. Dessa forma, alegam não terem cometido violência alguma. Esse entendimento que violência é só aquela que deixa marcas nega a compreensão daqueles que praticaram o ato como sendo autores ou agressores, visto que, de acordo com a hierarquização por eles entendida, seus atos estavam na categoria menos grave(1515 Moraes AF, Ribeiro L. State policy on violence against women in Brazil and men's accountability. Sex Salud Soc[Internet]. 2012 [cited 2018 Sep 19];(11):37-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sess/n11/a03n11.pdf
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).

Limitações do estudo

Como limitações da pesquisa deve-se mencionar a regionalidade, pois a coleta de dados se deu em um único município. Além disso, houve uma ampla faixa etária dos participantes, que eram adultos de 18 a 59 anos, justificada pela prevalência desse padrão em outros estudos já realizados.

Não obstante, as limitações não comprometem os resultados e a relevância do tema, uma vez que estudos com homens autores de violência são escassos e contribuem para um novo olhar sobre o fenômeno da violência contra as mulheres.

Contribuições para a área da Enfermagem e Saúde

A pesquisa tem o intuito de contribuir para a construção de um novo olhar sobre o fenômeno da violência contra as mulheres porque inclui os homens autores dessa violência nas produções científicas e discussões do tema. No âmbito das políticas públicas, poderá oferecer subsídio teórico para a inclusão dos agressores em estratégias de enfrentamento à violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo, os homens intimados representam a violência conjugal como culpa das vítimas e eles mesmos como vítimas das situações de conflito. Percebe-se, também, que a propagação da violência vem desde a infância. Quanto às consequências dos atos pelos os quais foram intimados, temem a prisão, e mantêm a representação de que não são culpados pelo ato de violência praticado, ou o justificam como uma reação diante de uma atitude apresentada pela companheira.

O desenvolvimento do estudo foi de grande importância pois, a partir dos dados coletados, as representações sociais que homens intimados por violência conjugal tem sobre o fenômeno foram apreendidas, tirando, um pouco, o foco sobre as mulheres vítimas dessa violência, que são, na maioria das vezes, as fontes de informações nas pesquisas sobre essa temática. Dessa forma, ao trabalharmos com os homens, obteve-se a perspectiva daqueles que são os autores da violência contra sua companheira e ex-companheira.

Desse modo, é essencial que mais estudos sejam desenvolvidos com essa população para que se busque a compreensão dos fatos e fatores que levam à situação de violência. Deve-se criar estratégias de redução e até mesmo de erradicação da violência contra as mulheres, pois muitas vítimas permanecem com seus agressores, bem como muitos autores de violência após a separação de uma mulher, quando iniciam uma nova relação, mantêm os mesmos hábitos de violência no novo relacionamento.

Portanto, a inclusão dos homens autores das ações mostra-se como um pilar vital para o enfrentamento da violência contra as mulheres. Devem-se promover ações voltadas para a mudança nas relações sociais e de gênero e dos comportamentos violentos adotados na resolução dos conflitos domésticos.

  • FOMENTO
    A pesquisa recebeu financiamento por meio de bolsa de doutorado concedida pela Fundação Araucária, Convênio nº 360/14.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2018
  • Aceito
    13 Fev 2019
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