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Perceção dos profissionais de saúde sobre os cuidados paliativos neonatais

RESUMO

Objetivo:

Identificar a percepção dos profissionais da equipa de saúde sobre os cuidados paliativos neonatais.

Método:

Estudo qualitativo fenomenológico, amostra não probabilística de 15 profissionais da equipa de saúde de uma unidade de cuidados intensivos neonatal, do norte de Portugal. Realizou-se análise de conteúdo.

Resultados:

Apesar da falta de formação em cuidados paliativos, os profissionais revelaram preocupação com a dignidade, qualidade de vida e conforto do recém-nascido e família. Expressaram dificuldades emocionais e relacionais no acompanhar as trajetórias de doença grave e morte e a nível da decisão ética no final de vida.

Conclusão:

Salientamos que os profissionais estão sensíveis à dor e sofrimento e mostram-se dedicados e comprometidos no cuidar do recém-nascido e família. Mostram-se disponíveis para fazer formação e abraçar os desafios atuais que passam pela constituição de equipas de cuidados paliativos pediátricos e o alcançar de uma cultura organizacional que progrida nesses cuidados.

Descritores:
Cuidados Paliativos; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Enfermeiras e Enfermeiros; Morte; Recém-Nascido

ABSTRACT

Objective:

To identify the perception of health professionals about neonatal palliative care.

Method:

A phenomenological qualitative study, a non-probabilistic sample, of 15 health professionals from a neonatal intensive care unit in northern Portugal. Content analysis was performed.

Results:

Despite their lack of training in palliative care, the health professionals showed concern for the dignity, quality of life and comfort of the newborn and family. They expressed emotional and relational difficulties in following the trajectories of serious illness and death and in the ethical decisions regarding the end-of-life.

Conclusion:

It is emphasized that professionals are sensitive to pain and suffering and reveal dedicated and committed in the care of the newborn and family. They are available to train and embrace the current challenges posed by the constitution of pediatric palliative care teams and to help achieve an organizational culture that advances in such care.

Descriptors:
Palliative Care; Intensive Care Units, Neonatal; Nurses; Death; Infant, Newborn

RESUMEN

Objetivo:

Identificar la percepción de los profesionales del equipa de la salud sobre los cuidados paliativos neonatales.

Método:

Estudio cualitativo fenomenológico, muestra no probabilística de 15 profesionales de la salud de una unidad neonatal del norte de Portugal. Se realizó análisis de contenido.

Resultados:

A pesar de la falta de formación en cuidados paliativos, los profesionales revelaron preocupación por la dignidad, calidad de vida y confort del recién nacido y su familia. Expresaron dificultades emocionales y relacionales para acompañar las trayectorias de la enfermedad severa y de la muerte y para lidiar con la decisión ética.

Conclusión:

Debemos destacar que los profesionales son sensibles al dolor, sufrimiento y se muestran dedicados y comprometidos en el cuidado del recién nacido y la familia. Están disponibles para participar en formación y abrazar los desafíos actuales que pasan por la constitución de equipos de cuidados paliativos pediátricos y por lograr una cultura organizacional que permita el progreso de esos cuidados.

Descriptores:
Cuidados Paliativos; Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal; Enfermeros; Muerte; Recién Nacido

INTRODUÇÃO

Uma unidade de cuidados intensivos neonatal (UCIN) é um ambiente de alta tecnologia que assiste, habitualmente, recém-nascidos (RN) no limiar de viabilidade ou criticamente doentes. O limiar de viabilidade situa-se entre as 25 semanas e os 600/700 gramas, idade gestacional e peso ao nascimento acima dos quais ≥ 50% dos RN sobreviveram sem sequelas graves(11 Branco MR, Mimoso G. Limite da viabilidade: consenso clínico. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Pediatria, Secção de Neonatologia; 2014.-22 Resende C, Faria D, Taborda A, Mimoso G, Lemos C. Sobrevida e sobrevida sem sequelas graves no neurodesenvolvimento em recém-nascidos de extremo baixo peso. Acta Pediat Port. 2016;47(3):228-36. doi: 10.25754/pjp.2016.9727
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). A idade gestacional é um indicador de bom ou mau prognóstico, contudo recomenda-se cuidadosa avaliação de outros fatores para a decisão de continuar ou limitar cuidados(33 Fanaroff JM, Hascoët JM, Hansen TW, Levene M, Norman M, Papageorgiou A, et al. Stevenson DK. The ethics and practice of neonatal resuscitation at the limits of viability: an international perspective. Acta Paediatr. 2014;103(7):701-8. doi: 10.1111/apa.12633
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). Os pais devem ser envolvidos no processo de decisão para a qual é indispensável a informação e discussão cuidadosa, culturalmente sensível, empática, repetida, coerente e isenta de forma a estabelecer uma relação de confiança com a equipa de saúde(11 Branco MR, Mimoso G. Limite da viabilidade: consenso clínico. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Pediatria, Secção de Neonatologia; 2014.).

Apesar dos avanços nos tratamentos, nem todos os RN sobrevivem sendo a taxa de mortalidade perinatal de 3,1‰ e neonatal de 1,8‰(44 Instituto Nacional de Estatística (INE). Estatísticas da Saúde - 2015 [Internet]. Lisboa: INE; 2017. [cited 2018 Sep 23]. Available from: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=257779974&PUBLICACOESmodo=2
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), que corresponde à morte de 1 criança antes de completar um mês de vida entre 476. Destas, mais de 90% ocorrem nas UCIN, após decisões complexas e dilemáticas de suspensão ou não implementação de tratamentos; isto traz enormes desafios a equipas altamente diferenciadas(55 Lacerda AF, (Coord). Cuidados Paliativos Pediátricos: Relatório do Grupo de Trabalho do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde [Internet]. Porto: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.spp.pt/UserFiles/file/Comissoes_SPP/RelatOrio%20do%20GdT%20de%20CPP.pdf.
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6 Lam V, Kain N, Joynt C, van Manen MA. A descriptive report of end-of-life care practices occuring in to neonatal intensive care units. Palliat Med. 2016;30(10):971-8. doi: 10.1177/0269216316634246.
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-77 Santos S, Almeida F. Decisões de não iniciar, limitar ou suspender terapêutica nas unidades de cuidados intensivos pediátricos [Internet]. Arq Med. 2015 [cited 2018 Sep 23];29(3):80-5. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/am/v29n3/v29n3a04.pdf.
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). Os dados da mortalidade neonatal colocam-nos na lista de países com menos mortalidade de crianças até aos 28 dias de vida do mundo, mais precisamente o 17º numa lista com 184 países(88 Guedes N. Um milhão de crianças por ano morrem no dia em que nascem [Internet]. 2018 [cited 2018 Sep 3]. Available from: https://criancasatortoeadireitos.wordpress.com/tag/mortalidade-neonatal/.
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). Apesar das mortes de RN serem poucas, a verdade é que alguns morrem e outros sofrem de doenças crónicas complexas, limitantes da sua qualidade de vida e das suas famílias, justificando um modelo de cuidados paliativos(CP) dentro do contexto neonatal(99 Schmidlin E, Oliver D. Palliative care as a human right: what has the Prague Charter achieved? Eur J Palliat Care. 2015;22(3):141-3.-1010 World Health Organization-WHO. Worldwide Palliative Care Alliance. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life [Internet]. London: Worldwide Palliative Care Alliance; 2014. [cited 2018 Sep 3]. Available from: http://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_Palliative_Care.pdf.
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).

Os cuidados paliativos neonatais (CPN) surgem em consequência do avanço tecnológico, que permite a sobrevivência de recém-nascidos cada vez mais prematuros e com malformações graves. São definidos como cuidados holísticos, multiprofissionais, dinâmicos e integrativos, centrados na família que vive com o diagnóstico de uma doença fetal com tempo de vida limitado ou potencialmente fatal, durante a gravidez, nascimento, depois do nascimento e no luto, homenageando com dignidade e respeito o feto/RN e família(55 Lacerda AF, (Coord). Cuidados Paliativos Pediátricos: Relatório do Grupo de Trabalho do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde [Internet]. Porto: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.spp.pt/UserFiles/file/Comissoes_SPP/RelatOrio%20do%20GdT%20de%20CPP.pdf.
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). Podem, numa fase inicial, iniciar-se a par dos cuidados curativos e serem mais evidentes quando o objetivo curativo deixa de ser apropriado pretendendo prevenir e aliviar o sofrimento do RN e família e aumentar a sua qualidade de vida enquanto vive e na morte(77 Santos S, Almeida F. Decisões de não iniciar, limitar ou suspender terapêutica nas unidades de cuidados intensivos pediátricos [Internet]. Arq Med. 2015 [cited 2018 Sep 23];29(3):80-5. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/am/v29n3/v29n3a04.pdf.
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,1111 Catlin A, Brandon D, Wool C, Mendes J. Palliative and end-of-life care for newborns and infants: from the National Association of Neonatal Nurses. Adv Neonatal Care. 2015;15(4): 239-40. doi: 10.1097/ANC.0000000000000215
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). No caso do recém-nascido em fim de vida, o objetivo é ajudar a ter uma “boa morte”, respeitando sempre a dignidade humana(11 Branco MR, Mimoso G. Limite da viabilidade: consenso clínico. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Pediatria, Secção de Neonatologia; 2014.,66 Lam V, Kain N, Joynt C, van Manen MA. A descriptive report of end-of-life care practices occuring in to neonatal intensive care units. Palliat Med. 2016;30(10):971-8. doi: 10.1177/0269216316634246.
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,1212 Parravicini E. Neonatal paliative care. Curr Opin Pediatr. 2017;29(2):135-40. doi: 10.1097/MOP.0000000000000464
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). Os CPN podem ser integrados com os cuidados intensivos em qualquer estádio da doença com o objetivo de prestar cuidados, aos recém-nascidos e suas famílias, de forma consistente, compreensiva e individualizada, também com potenciais benefícios para os profissionais de saúde(1212 Parravicini E. Neonatal paliative care. Curr Opin Pediatr. 2017;29(2):135-40. doi: 10.1097/MOP.0000000000000464
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).

Os CPN deveriam assumir uma relevância crescente, no entanto existem barreiras à sua implementação nomeadamente a incerteza do prognóstico, os imperativos tecnológicos e científicos, dificuldade da família em reconhecer e aceitar uma doença incurável na criança, conflitos entre família e profissionais sobre o objetivo terapêutico e falta de formação específica para a prestação de CPN(1313 Soares C, Rodrigues M, Rocha G, Martins A, Guimarães H. Fim de vida em neonatologia: integração dos cuidados paliativos. Acta Med Port [Internet]. 2013 [cited 2018 Jun 2];26(4):318-26. Available from: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/viewFile/2100/3693
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-1414 Mendes J. Perinatal Palliative Care on the agenda of Portuguese Neonatal Society in Portugal [Internet]. 2017. [cited 2018 Sep 2]. Available from: https://ehospice.com/inter_childrens_posts/perinatal-palliative-care-on-the-agenda-of-the-portuguese-neonatal-society-in-portugal/
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).

Os cuidados devem centrar-se não só no controle da sintomatologia, como também nos aspetos comunicacionais e relacionais entre a equipa, criança e família, o que implica uma mudança de paradigma do cuidar, estabelecendo em paralelo um esquema terapêutico e outro que contemple as consequências emocionais, sociais e psicológicas do doente e da família(55 Lacerda AF, (Coord). Cuidados Paliativos Pediátricos: Relatório do Grupo de Trabalho do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde [Internet]. Porto: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.spp.pt/UserFiles/file/Comissoes_SPP/RelatOrio%20do%20GdT%20de%20CPP.pdf.
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). Contudo, a maioria dos profissionais de saúde tem pouco ou nenhum conhecimento sobre os princípios e práticas dos CP(1010 World Health Organization-WHO. Worldwide Palliative Care Alliance. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life [Internet]. London: Worldwide Palliative Care Alliance; 2014. [cited 2018 Sep 3]. Available from: http://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_Palliative_Care.pdf.
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). A formação em CP é necessária a três níveis: primeiro, formação básica a todos os profissionais de saúde; segundo, formação intermédia para aqueles que trabalham frequentemente com doentes com doença limitadora de vida; terceiro, formação especializada para os que tratam de doentes com necessidades que vão além do controle de sintomatologia(1010 World Health Organization-WHO. Worldwide Palliative Care Alliance. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life [Internet]. London: Worldwide Palliative Care Alliance; 2014. [cited 2018 Sep 3]. Available from: http://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_Palliative_Care.pdf.
http://www.who.int/nmh/Global_Atlas_of_P...
). A formação tem como objetivo capacitar os profissionais de saúde, que trabalham com crianças com necessidades paliativas e as suas famílias, com competências apropriadas e confiança para prestarem CP de elevada qualidade(1515 Mancini A, Kelly P, Bluebond-Langner M. Training neonatal staff for the future in neonatal palliative care. Semin Fetal Neonatal Med. 2013;18(2):111-15. doi: 10.1016/j.siny.2012.10.009
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). A implementação de orientações de CPN contribui também para a melhoria da qualidade de cuidados e está associada ao aumento do uso de medicação para controlo da dor e estratégias de comunicação(66 Lam V, Kain N, Joynt C, van Manen MA. A descriptive report of end-of-life care practices occuring in to neonatal intensive care units. Palliat Med. 2016;30(10):971-8. doi: 10.1177/0269216316634246.
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).

Alguns protocolos/guias orientadores(1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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17 Mendes J, Silva LJ. Consenso em cuidados paliativos neonatais e em fim de vida [Internet]. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Neonatologia; 2013 [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.spneonatologia.pt/wp-content/uploads/2016/11/2013-Cuidados_paliativos.pdf
http://www.spneonatologia.pt/wp-content/...
-1818 National Association of Neonatal Nurses (NANN). Palliative and end-of-life care for newborns and infants: Position statement #3063 [Internet]. Chicago: NANN; 2015. [cited 2018 Sept 2]. Available from: http://nann.org/uploads/About/PositionPDFS/1.4.5_Palliative%20and%20End%20of%20Life%20Care%20for%20Newborns%20and%20Infants.pdf
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) propõem uma abordagem multidisciplinar direcionada para o RN, família e profissionais de saúde. No que respeita ao RN, são abordadas as questões da gestão de sintomas (como a dor, a dificuldade respiratória e as convulsões), do conforto, da ética, das decisões em fim-de-vida (ventilação, monitorização, alimentação) e da ligação com os pais/familiares. Relativamente aos pais realçam a necessidade de apoio psicológico, emocional, espiritual e religioso, o envolvimento dos mesmos no contacto e cuidados ao RN e o acompanhamento no luto. No que diz respeito aos profissionais destacam a necessidade de formação em CPN (princípios, comunicação, ética, aspetos clínicos), a necessidade de apoio psicológico e espiritual e a realização de reuniões após a morte neonatal, para reflexão em grupo, avaliação construtiva das atitudes terapêuticas e paliativas adoptadas e expressão de sentimentos. É, também, abordado nos referidos protocolos/guias, aspetos relacionados com a resolução de conflitos decorrentes da tomada de decisão.

Em Portugal tem crescido a preocupação com as crianças com necessidades paliativas e definiram-se algumas recomendações para a implementação dos CPN. As recomendações fundamentam-se em quatro pilares: formação de todos os profissionais envolvidos nos cuidados de crianças com necessidades paliativas; promoção da prestação de cuidados domiciliários; reorganização das instalações pediátricas existentes e articulação eficaz entre todos os prestadores de cuidados de saúde, rentabilizando os recursos humanos(55 Lacerda AF, (Coord). Cuidados Paliativos Pediátricos: Relatório do Grupo de Trabalho do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde [Internet]. Porto: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.spp.pt/UserFiles/file/Comissoes_SPP/RelatOrio%20do%20GdT%20de%20CPP.pdf.
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).

Assim, este estudo surge para dar resposta às seguintes questões de investigação: Qual a percepção dos profissionais da equipa de saúde sobre os cuidados paliativos neonatais? Quais as experiências dos profissionais da equipa de saúde no cuidar do recém-nascido que não vai melhorar e sua família? A nossa finalidade consiste em sensibilizar os profissionais da equipa de saúde e contribuir para a implementação dos cuidados paliativos neonatais e a melhoria da humanização dos cuidados prestados aos recém-nascidos que não vão melhorar.

OBJETIVO

Identificar a percepção dos profissionais da equipa de saúde sobre os cuidados paliativos neonatais.

MÉTODO

Aspetos éticos

O estudo foi iniciado após a aprovação pala Comissão de Ética do Hospital da área do grande Porto, da região norte de Portugal. Foi solicitado o consentimento informado aos participantes e assegurada a sua anonimização. A investigadora deslocou-se à unidade para efectuar as entrevistas que decorreram em local reservado entre junho e julho de 2017.

Tipo de estudo

Estudo qualitativo fenomenológico, uma vez que procura descobrir a realidade do ponto de vista das pessoas que a vivem, implicando uma descrição fina, densa e fiel da experiência relatada.

Amostra e critérios de inclusão

O tipo de amostra foi não probabilística acidental, constituída por 15 profissionais da equipa de saúde de uma UCIN da região norte de Portugal. Consideraram-se como critérios de inclusão desempenharem funções regulares no serviço de neonatologia e estarem presentes na unidade durante o período de realização do estudo. O número de participantes não foi estipulado á priori, tendo sido estabelecido ao longo do estudo segundo o critério de saturação dos dados.

Instrumento de recolha de dados

Entrevista semidiretiva através de um guião de perguntas, cujos temas abordaram o conceito de CPN, os cuidados que são valorizados no recém-nascido em fim de vida, a existência de protocolos de atuação em cuidados paliativos e a experiência dos profissionais com o cuidar do recém-nascido em fim de vida e aos pais. As perguntas não obedeceram a uma ordem específica mas em que o entrevistador deixou a conversa fluir, mantendo sempre o foco nos objetivos predefinidos e colocando as questões às quais o entrevistado não chegava por si próprio, no momento mais apropriado e de forma tão natural quanto possível(1919 Quivy R, Campenhoudt LV. Manual de investigação em ciências Sociais. 6ª ed. Lisboa: Gradiva; 2013.). As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas para documento word, no computador privado do investigador. Foi utilizado o método de análise de conteúdo(2020 Bardin L. Análise de Conteúdo. 4ª ed. Lisboa: Edições 70; 2016.).

RESULTADOS

Caracterização sociodemográfica

Dos 15 profissionais da equipa de saúde que integraram o estudo 7 são enfermeiros, 6 são neonatologistas/pediatras e 2 pertencem à equipa multidisciplinar (assistente social, psicólogo e capelão). Têm idades compreendidas entre os 31 e os 59 anos (M = 47). O tempo de experiência profissional varia entre 9 e 30 anos (M = 22,8) e a experiência em neonatologia varia entre 6 e 27 anos (M = 16,8 anos).

Para organizar a apresentação dos resultados, consideramos as categorias que emergiram da análise de conteúdo efectuada e para as ilustrar recorremos a alguns excertos das falas dos participantes. Na tabela 1 podemos verificar as categorias, respectivas sub-categorias e indicadores referentes à perceção sobre os cuidados valorizados no cuidar/tratamento do RN que não vai melhorar. Analisamos de seguida cada categoria per se.

Tabela 1
Categorias, subcategorias e indicadores de análise da perceção sobre os cuidados valorizados no cuidar/tratamento do recém-nascido que não vai melhorar, Vila Nova de Gaia, Portugal, 2018

Cuidados paliativos

Nesta categoria constatamos que os profissionais da equipa de saúde valorizaram os cuidados de conforto ao RN, os cuidados aos pais e valores éticos. Esta categorização emergiu das expressões:

...Cuidados de conforto, portanto, aquecimento e aconchego... (E12)

...a dor... que não sofra!... que sofra o mínimo possível! (E7)

...é justo ter direito a morrer sem dor e com conforto e com amparo e carinho... (E8)

... manter a ligação mãe-filho, a relação com os pais... (E2)

Foram também mencionados os “cuidados à família... promover a ligação, a proximidade... dos pais” (E2; E1) e a preocupação com “...manter a dignidade daquele bebé... e a qualidade de vida” (E2).

Cuidados curativos

São também valorizados os cuidados curativos refletindo a dificuldade na tomada de decisão em manter cuidados intensivos e manter a vida com apoio ventilatório ou deixar que a morte ocorra naturalmente:

... manter a vida o máximo possível, investir!... é no investimento da vida, até mesmo ao limite... (E10)

Sugestões para melhorar os cuidados

Constatamos um leque de sugestões correspondentes às sub-categorias Alteração/optimização da estrutura física e normas do serviço, na Equipa e Protocolos. São exemplo as expressões:

Alteração/otimização da estrutura física e a criação de um espaço para as situações mais criticas! (E1)

... alargar um bocadinho o role de pessoas, de parentes, pessoas importantes, pessoas significativas para os pais também, para os ajudar no luto! (E11)

...aquelas regras do serviço como os avós só entram uma vez, não podem entrar mais... (E10)

A subcategoria Equipa foi bastante enunciada com expressões sobre a importância da formação:

Necessidade de formação. (E1; E4; E8)

Formação sobre cuidados com... a alimentação e conforto. (E4; E11; E12)

Ventilação... (E4; E14)

Desenvolvimento de competências pessoais e comunicacionais... (E11; E5)

Ética! (E9)

Também sobressaiu a multidisciplinariedade:

... contratação de um profissional da área da psicologia! (E1)

E o mudar atitudes de saber lidar com o fracasso:

...nós temos muita dificuldade em encarar o insucesso... (E1)

...têm dificuldade em dizer não, não vale a pena continuar mais. (E3)

... incapacidade que as pessoas têm de aceitar que é preciso parar! (E12)

Nesta subcategoria de Equipa foi referido ainda a criação de equipa/grupo de trabalho:

Acho que era importante ter uma equipa vocacionada... (E8)

Formar uma equipe de cuidados paliativos... (E2)

Arranjar um grupo de trabalho... (E9)

E ainda a partilha e reflexão em equipa:

...estamos a trabalhar com equipas muito estanques! Eu acho que deveria haver mais partilha e mais reuniões conjuntas! (E1; E7)

...normalmente começa lá dentro, não é? [referindo-se ao gabinete médico]. (E8)

...as experiências não são exploradas! E podiam ser, no sentido de melhorar... (E4, E11)

A sub-categoria Protocolos emergiu pelas expressões dos participantes quando evocaram a não existência de protocolos de atuação para os cuidados paliativos neonatais na sua unidade:

Protocolo mesmo escrito não há! Há um protocolo de atitudes... (E8)

Existem algumas linhas orientadoras, mas não um protocolo de atuação e era importante… (E12)

Haver um protocolo que nos oriente o que fazer, já é meio caminho andado para alguma coisa ser feita... (E10)

A Tabela 2 diz respeito à categorização das experiências no cuidar/tratar de recém-nascidos que não vão melhorar. São duas as categorias que emergiram das falas dos participantes: sentimentos e dificuldades

Tabela 2
Categorias, subcategorias e indicadores de análise sobre a experiência no cuidar de recém-nascidos que não vão melhorar, Vila Nova de Gaia, Portugal, 2018

Sentimentos

Os sentimentos vivenciados estão relacionados com o fracasso da sobrevivência do RN e com a comunicação com os pais. Na subcategoria referente ao fracasso da sobrevivência os sentimentos mais referidos passam por:

... sinto grande tristeza... (E3)

... já houve meninos em que fiquei muito triste e que achei que era injusto e muito ingrato e que não devia ser assim... (E9)

... uma dor... (E4)

... angústia... (E14)

... grande frustração... (E4; E10)

... é difícil de aceitar... (E1)

Ás vezes é um bocadinho o gerir estes sentimentos todos... (E3)

... há aquelas situações em que é algo súbito, existe alguma surpresa e aí uma pessoa fica triste... (E11)

Os sentimentos relacionados com a comunicação com os pais passam pela Empatia:

... apoiar... acalmar os pais e fazê-los sentir que nós estamos ali... (E1, E3, E5, E6, E11, E14)

... solidariedade... (E14)

Mas também uma abordagem defensiva ou inibição em dar apoio:

Dificuldade em se colocar no lugar deles. (E9)

... eu fecho-me um bocado ... mas eu acho que é para defesa pessoal... (E10)

Não consigo ter as palavras certas para lhes dizer… (E1)

... não me sinto bem, não é uma coisa que goste de o fazer... (E7, E8)

Dificuldades

Das experiências dos profissionais no cuidar/tratar de recém-nascidos que não vão melhorar emergiram dificuldades marcantes que agrupamos em várias subcategorias. A primeira está relacionada com a situação clínica grave do RN e a dificuldade em:

... aceitar que eles não vão melhorar... (E9)

... é o lidar com a morte, é o lidar com o final da vida quando ela ainda mal começou... (E10)

As dificuldades relacionadas com a comunicação com os pais referem-se às situações dilemáticas pela presença/ligação pais/filhos e por outro lado a perda e luto antecipado em que:

Estas questões têm que ser muito discutidas com a família!... compartilhar com a família quais são as opções, levando em linha de conta qual é o pensamento deles, não é?... (E1)

A tomada de decisão partilhada com a família. (E7)

As dificuldades na decisão ética da equipa advém da não definição de limites para a escalada terapêutica:

...o que é que é paliativo e o que é que não é paliativo... (E9; E12)

...maior dificuldade é decidir... (E9)

Mas também da falta de consenso quando instituir cuidados paliativos:

...é aquele tentar prolongar e que eu acho que é desnecessário... (E10)

...já presenciei alguns conflitos entre a equipa de enfermagem, entre a equipa médica e entre as duas equipas... (E12)

São também apontadas algumas dificuldades com as instalações físicas:

... falta de condições que permitam privacidade... (E1)

não temos muitas vezes condições para dar àquela família... (E6)

Na sub-categoria dificuldades Relacionais constatamos que os profissionais experienciaram Conflitos entre profissionais:

Conflito entre as pessoas, entre os profissionais já assisti! (E8)

...conflitos por não haver consenso entre a equipa... (E3)

Entre profissionais e pais. (E2)

... às vezes, os pais, inicialmente culpam tudo... (E7)

E mesmo Entre o casal.

DISCUSSÃO

O objetivo do estudo consistiu em identificar a percepção dos profissionais da equipa de saúde sobre os cuidados paliativos neonatais, através de entrevistas.

Na análise da perceção sobre os CPN verificamos que os cuidados paliativos são valorizados, contudo a maioria dos profissionais associou os cuidados paliativos ao fim-de-vida, à morte sem sofrimento, possivelmente por o conceito de paliativo ainda se encontrar muito associado ao fim-de-vida e à morte(2121 Buder R, Fringer A. Paediatric palliative nursing: the tension between closeness and professional distance. Eur J Palliat Care [Internet]. 2016. [cited 2018 Sept 2];23(6):278-81. Available from: http://www.haywardpublishing.co.uk/data/diged/194/EJPC-23-6.pdf
http://www.haywardpublishing.co.uk/data/...
-2222 Conway-Orgel M, Edlund BJ. Challenges in change: the perils and pitfalls of implementing a palliative care program in the neonatal intensive care unit. J Hosp Palliat Nurs. 2015;17(3):206-12. doi: 10.1097/NJH.0000000000000150
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). Os cuidados referidos como fazendo parte dos cuidados paliativos foram os cuidados de conforto, analgesia, hidratação/alimentação tal como verificado em outros estudos(66 Lam V, Kain N, Joynt C, van Manen MA. A descriptive report of end-of-life care practices occuring in to neonatal intensive care units. Palliat Med. 2016;30(10):971-8. doi: 10.1177/0269216316634246.
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,1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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,2323 Bai JH. End of life/palliative care in newborns and infants. Asian J Nurs Educ Res. 2015;5(2):297-99. doi: 10.5958/2349-2996.2015.00059.2
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). Nas falas de alguns profissionais emergiram também a valorização dos cuidados curativos no cuidar do RN que não vai melhorar, tal acontecimento pode dever-se ao fato de ser difícil para os profissionais aceitarem que não podem recuperar os seus pacientes(2121 Buder R, Fringer A. Paediatric palliative nursing: the tension between closeness and professional distance. Eur J Palliat Care [Internet]. 2016. [cited 2018 Sept 2];23(6):278-81. Available from: http://www.haywardpublishing.co.uk/data/diged/194/EJPC-23-6.pdf
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), sendo por isso difícil “desistir”, levando muitas vezes as equipas a usarem todos os meios que têm ao seu dispor para salvarem a vida do RN. Por outro lado, a própria filosofia dos CPN refere que estes devem iniciar-se a par dos cuidados curativos e ter avivamento quando o objetivo curativo deixa de ser apropriado(1111 Catlin A, Brandon D, Wool C, Mendes J. Palliative and end-of-life care for newborns and infants: from the National Association of Neonatal Nurses. Adv Neonatal Care. 2015;15(4): 239-40. doi: 10.1097/ANC.0000000000000215
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-1212 Parravicini E. Neonatal paliative care. Curr Opin Pediatr. 2017;29(2):135-40. doi: 10.1097/MOP.0000000000000464
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,1818 National Association of Neonatal Nurses (NANN). Palliative and end-of-life care for newborns and infants: Position statement #3063 [Internet]. Chicago: NANN; 2015. [cited 2018 Sept 2]. Available from: http://nann.org/uploads/About/PositionPDFS/1.4.5_Palliative%20and%20End%20of%20Life%20Care%20for%20Newborns%20and%20Infants.pdf
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). Constatamos que grande parte dos profissionais da equipa de saúde reconhecem que os CPN visam prevenir e aliviar o sofrimento do RN e aumentar a sua qualidade de vida enquanto vive e na morte, mas alguns também valorizam os cuidados com os pais(1111 Catlin A, Brandon D, Wool C, Mendes J. Palliative and end-of-life care for newborns and infants: from the National Association of Neonatal Nurses. Adv Neonatal Care. 2015;15(4): 239-40. doi: 10.1097/ANC.0000000000000215
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,2424 Ferrão PT. Cuidados paliativos peri e neonatais: revisão bibliográfica a propósito de um caso clínico [Dissertação na Internet]. Lisboa: Universidade de Lisboa; 2016 [cited 2018 set 2]. Available from: http://repositorio.ul.pt/handle/10451/29342
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). De facto, a comunicação com os pais pode constituir-se mais stressante do que a prestação efetiva de cuidados ao RN em fim-de-vida(1212 Parravicini E. Neonatal paliative care. Curr Opin Pediatr. 2017;29(2):135-40. doi: 10.1097/MOP.0000000000000464
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), mas os cuidados com os pais constitui um valor ético inserto no princípio da autonomia em que as decisões devem ser discutidas com os pais, respeitando as suas crenças e cultura, estabelecendo-se um plano de cuidados individualizado(2525 Carter BS. More than medication: perinatal palliative care. Foundation Acta Paediatr. 2016;105(11):1255-56. doi: 10.1111/apa.13529
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). Outros valores éticos valorizados foram o respeito pela dignidade do RN e a sua qualidade de vida, também encontrados em outro estudo(2626 Kenner C, Press J, Ryan D. Recommendations for palliative and bereavement care in the NICU: a family-centered integrative approach. J Perinatol. 2015;35 (Suppl 1):S19-23. doi: 10.1038/jp.2015.145
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).

Várias foram as sugestões para melhorar os cuidados ao RN que não vai melhorar e um dos aspetos consiste na alteração/optimização da estrutura física e normas do serviço. Os nossos dados vão de encontro a outro estudo consultado que, entre outros aspetos, constataram que se constituem como barreiras à implementação dos CPN a falta de instalações que permitam o isolamento e privacidade e, também, alguns fatores associados a procedimentos e políticas do serviço(2727 Kilcullen M, Ireland S. Palliative care in the neonatal unit: neonatal nursing staff perceptions of facilitators and barriers in a regional tertiary nursey. BMC Palliat Care. 2017;16(32). doi: 10.1186/s12904-017-0202-3
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). O ideal seria transferir o RN e família para uma sala privada, assegurando aos familiares que estes estão resguardados e não serão abandonados(66 Lam V, Kain N, Joynt C, van Manen MA. A descriptive report of end-of-life care practices occuring in to neonatal intensive care units. Palliat Med. 2016;30(10):971-8. doi: 10.1177/0269216316634246.
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).

Há um leque alargado de sugestões para melhorias na equipa com insistência na formação(2727 Kilcullen M, Ireland S. Palliative care in the neonatal unit: neonatal nursing staff perceptions of facilitators and barriers in a regional tertiary nursey. BMC Palliat Care. 2017;16(32). doi: 10.1186/s12904-017-0202-3
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-2828 Samsel C, Lechner BE. End-of-life care in a regional level IV neonatal intensive care unit after implementation of palliative care initiative. J Perinatol. 2015;35(3):223-28. doi: 10.1038/jp.2014.189
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). Outro aspeto importante é a partilha e reflexão em equipa, também identificado como uma dificuldade na implementação dos CPN e que advém não só da pobreza na comunicação e conflitos entre profissionais, mas também, pela discrepância e falta de apoio administrativo e recursos financeiros(1212 Parravicini E. Neonatal paliative care. Curr Opin Pediatr. 2017;29(2):135-40. doi: 10.1097/MOP.0000000000000464
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). A existência de protocolos foram sugeridos pois facilitam a tomada de decisão, a uniformização de procedimentos e é identificado como um facilitador para a prestação de cuidados em fim-de-vida(66 Lam V, Kain N, Joynt C, van Manen MA. A descriptive report of end-of-life care practices occuring in to neonatal intensive care units. Palliat Med. 2016;30(10):971-8. doi: 10.1177/0269216316634246.
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,1212 Parravicini E. Neonatal paliative care. Curr Opin Pediatr. 2017;29(2):135-40. doi: 10.1097/MOP.0000000000000464
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,2828 Samsel C, Lechner BE. End-of-life care in a regional level IV neonatal intensive care unit after implementation of palliative care initiative. J Perinatol. 2015;35(3):223-28. doi: 10.1038/jp.2014.189
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).

A experiência no cuidar/tratar de recém-nascidos que não vão melhorar reflecte-se em sentimentos e dificuldades. Os sentimentos relacionados com a situação clínica grave do RN prendem-se com os imperativos tecnológicos e a tentação de usar a tecnologia disponível, mesmo quando esta vai prolongar a vida de um RN que não vai sobreviver(2727 Kilcullen M, Ireland S. Palliative care in the neonatal unit: neonatal nursing staff perceptions of facilitators and barriers in a regional tertiary nursey. BMC Palliat Care. 2017;16(32). doi: 10.1186/s12904-017-0202-3
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). Os sentimentos relacionados com os pais advêm da empatia dos profissionais mas também de perceberem que as expetativas e desejos dos pais são uma das áreas difíceis na provisão de cuidados. Os pais requerem informação direta e honesta da equipa, o que representa um desafio para os profissionais que os devem incluir no processo de tomada de decisão ética(2929 García-Fernández M, Vázquez-Sellán A, Ramos-Cruz A. End-of-life decision-making in neonatology: the role of nurses and parents. M J Pedi [Internet]. 2016 [cited 2018 Oct 12].1(1). Available from: http://mathewsopenaccess.com/PDF/Pediatrics/M_J_Pedi_1_1_004.pdf
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). Identificamos também relatos de dilemas na tomada de decisão da equipa sobre o tratamento ou atitudes de limitação terapêutica pois constituem um longo processo, devendo ser feito em equipa e em parceria com os pais, onde estes são guiados pela equipa, numa relação de confiança. Estes dilemas podem ocasionar conflitos entre profissionais e entre profissionais e pais referidos também em outros estudos(1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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,2929 García-Fernández M, Vázquez-Sellán A, Ramos-Cruz A. End-of-life decision-making in neonatology: the role of nurses and parents. M J Pedi [Internet]. 2016 [cited 2018 Oct 12].1(1). Available from: http://mathewsopenaccess.com/PDF/Pediatrics/M_J_Pedi_1_1_004.pdf
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). Todos os elementos da equipa de saúde devem ser incluídos no processo de tomada de decisão, sendo encorajados a partilhar o seu ponto de vista, existindo abertura entre disciplinas e grupos profissionais(1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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). Uma boa comunicação, aberta, clara e honesta é descrita como uma das formas de ajudar na resolução de conflitos, mas se tal não acontecer, o recurso a um mediador independente pode ser útil. Esta pessoa pode ser alguém da unidade ou externo, como por exemplo, o guia espiritual e religioso. Se, mesmo assim, não existir acordo poderá ser requisitado parecer à Comissão de Ética da instituição(77 Santos S, Almeida F. Decisões de não iniciar, limitar ou suspender terapêutica nas unidades de cuidados intensivos pediátricos [Internet]. Arq Med. 2015 [cited 2018 Sep 23];29(3):80-5. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/am/v29n3/v29n3a04.pdf.
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,1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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,3030 Larcher V, Craig F, Bhogal K, Wilkinson D, Brierley J. Making decisions to limit treatment in life-limiting and life-threatening conditions in children: a framework for practice. Arch Dis Child. 2015;100(Suppl 2):S3-23. doi: 10.1136/archdischild-2014-306666
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). Uma segunda opinião poderá ser essencial caso se trate de uma equipa pouco experiente, caso existam dúvidas relativas à gestão de sintomas ou algum tratamento, ou a pedido dos pais, devendo a equipa ter abertura para tal(1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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,3030 Larcher V, Craig F, Bhogal K, Wilkinson D, Brierley J. Making decisions to limit treatment in life-limiting and life-threatening conditions in children: a framework for practice. Arch Dis Child. 2015;100(Suppl 2):S3-23. doi: 10.1136/archdischild-2014-306666
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). O médico responsável pelo caso deve orientar o processo de tomada de decisão e deve, sempre, assumir a responsabilidade final pela opção de tratamento tomada(1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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,3030 Larcher V, Craig F, Bhogal K, Wilkinson D, Brierley J. Making decisions to limit treatment in life-limiting and life-threatening conditions in children: a framework for practice. Arch Dis Child. 2015;100(Suppl 2):S3-23. doi: 10.1136/archdischild-2014-306666
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). Todo o processo de tomada de decisão deve ficar registado e justificado no processo do RN(33 Fanaroff JM, Hascoët JM, Hansen TW, Levene M, Norman M, Papageorgiou A, et al. Stevenson DK. The ethics and practice of neonatal resuscitation at the limits of viability: an international perspective. Acta Paediatr. 2014;103(7):701-8. doi: 10.1111/apa.12633
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,77 Santos S, Almeida F. Decisões de não iniciar, limitar ou suspender terapêutica nas unidades de cuidados intensivos pediátricos [Internet]. Arq Med. 2015 [cited 2018 Sep 23];29(3):80-5. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/am/v29n3/v29n3a04.pdf.
http://www.scielo.mec.pt/pdf/am/v29n3/v2...
,3030 Larcher V, Craig F, Bhogal K, Wilkinson D, Brierley J. Making decisions to limit treatment in life-limiting and life-threatening conditions in children: a framework for practice. Arch Dis Child. 2015;100(Suppl 2):S3-23. doi: 10.1136/archdischild-2014-306666
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). São recomendadas a existência de reuniões multidisciplinares regulares, entre a equipa e com psicólogo, para a discussão dos casos e promoção da coesão e funcionamento saudável da equipa, reduzindo o potencial conflito e a potencial escalada terapêutica(1616 Mancini A, Uthaya S, Beardsley C, Wood D, Modi N. Practical guidance for the management of palliative care on neonatal units [Internet]. London: Royal College of Pediatrics and Child Health & Chelsea and Westminster Hospital; 2014. [cited 2018 Sep 2]. Available from: http://www.chelwest.nhs.uk/services/childrens-services/neonatal-services/links/Practical-guidance-for-the-management-of-palliative-care-on-neonatal-units-Feb-2014.pdf
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). O papel dos diferentes profissionais da equipa de saúde no processo de tomada de decisão continua por clarificar, especialmente o dos enfermeiros, que são os profissionais que mais tempo passam junto dos RN e família(2929 García-Fernández M, Vázquez-Sellán A, Ramos-Cruz A. End-of-life decision-making in neonatology: the role of nurses and parents. M J Pedi [Internet]. 2016 [cited 2018 Oct 12].1(1). Available from: http://mathewsopenaccess.com/PDF/Pediatrics/M_J_Pedi_1_1_004.pdf
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). Os enfermeiros têm um papel importante nos cuidados paliativos, através da avaliação, identificação e gestão das necessidades físicas, sociais, psicológicas, espirituais e culturais de forma antecipada(1818 National Association of Neonatal Nurses (NANN). Palliative and end-of-life care for newborns and infants: Position statement #3063 [Internet]. Chicago: NANN; 2015. [cited 2018 Sept 2]. Available from: http://nann.org/uploads/About/PositionPDFS/1.4.5_Palliative%20and%20End%20of%20Life%20Care%20for%20Newborns%20and%20Infants.pdf
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). Também são eles que devido à proximidade da relação, lidam com situações emocionais muito difíceis e que evoca sentimentos como o fracasso e insucesso(3131 Almeida FA, Moraes MS, Cunha MLR. Taking care of newborn dying and their families: Nurse's experiences of neonatal intensive care. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(n. esp.):118-124. doi: 10.1590/S0080-623420160000300018
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). Constatamos que cuidar de um RN em fim-de-vida é difícil para todos os envolvidos, no entanto, os profissionais da equipa de saúde compreendem que o sofrimento dos pais é maior e, apesar da relação de proximidade que se estabelece com os pais/família, é difícil o lidar com estes num momento de tanta dor e sofrimento(3131 Almeida FA, Moraes MS, Cunha MLR. Taking care of newborn dying and their families: Nurse's experiences of neonatal intensive care. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(n. esp.):118-124. doi: 10.1590/S0080-623420160000300018
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).

Limitações do estudo

Como limitações consideramos não terem sido exploradas todas as dimensões dos cuidados paliativos, nomeadamente o acompanhamento da família no processo de luto, pois as respostas dos entrevistados não fizeram referência a este tema. Sugere-se por isso novos estudos visando ampliar o conhecimento sobre a perceção dos CPN. Os resultados reportam-se a uma experiência específica, não podendo ser generalizados.

Contribuições para a área da saúde

Foi importante estudar uma unidade específica e envolver todos os profissionais da equipa, pois permitiu sensibilizar para os CPN, mas também uma oportunidade dos profissionais reportarem a sua perceção e refletirem sobre as suas experiências e os contextos da prática, no sentido de contribuir para a implementação de CPN e a melhoria da humanização dos cuidados prestados aos recém-nascidos que não vão melhorar.

O estudo realizado possibilitou aos profissionais do serviço proporem sugestões de melhoria nomeadamente a realização de formação em CP, a criação de um grupo em CPN, o estabelecimento de protocolos para uniformizar procedimentos e facilitar a tomada de decisão, bem como a reorganização do espaço físico, criando um espaço próprio para os pais serem informados de más notícias ou para estes permanecerem junto ao filho com privacidade.

Os discursos dos profissionais possibilitaram também a tomada de consciência para novas perspetivas na abordagem ao RN que não vai melhorar e à sua família, dando prioridade à qualidade do fim-de-vida, pois a ciência é capaz de impedir mortes evitáveis, mas nunca evitará que chegue a hora da morte…

CONCLUSÃO

Concluímos que foi difícil para os profissionais da equipa de saúde falar da experiência pessoal na prestação de cuidados ao RN/família em fim-de-vida. As evidências dos discursos suscitam um cuidar humano demonstrando sentimentos de dor, tristeza, sofrimento, frustração, mas também respeito e empatia no cuidar do RN/família.

Os profissionais da equipa de saúde sentem dificuldade nas decisões de fim-de-vida e confessaram já ter vivenciado situações de conflito devido à divergência de opiniões e não estarem definidos protocolos de atuação nessas situações. É também apontada deficiência na estrutura física da UCIN que ocasiona constrangimentos na reserva da privacidade e conforto dos pais.

Apesar da pouca formação em CP os profissionais evidenciaram sensibilidade para as necessidades destes RN/famílias e disponibilidade para abraçarem a implementação dos CPN na sua unidade.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2018
  • Aceito
    18 Mar 2019
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