Nós, enfermeiras, sofremos e, em grande medida, continuamos a sofrer a influência da Medicina, no desenvolvimento tanto da nossa disciplina quanto do desenvolvimento científico profissional.
Nos Sistemas de Saúde, em que costumamos praticar como enfermeiras, claramente fagocitados pela ciência médica, que foca sua atenção em doenças, biologia, tecnologia e assistência, e onde o hospital é o centro do conhecimento e do desenvolvimento científico exclusivo da Medicina, é muito difícil desenvolver o paradigma da Enfermagem, que é tão distante dessas abordagens.
Como resultado dessa colonização médica, geralmente, imitamos um modelo que não é nosso e, no qual, a doença é uma alteração leve ou grave do funcionamento normal de um organismo ou de alguma de suas partes, devido a uma causa interna ou externa. Este modelo nos afasta do nosso verdadeiro objetivo que é a atenção aos problemas de saúde, entendidos como problemas relacionados a um estado ou processo relacionado à saúde e manifestado por uma pessoa, uma família ou uma comunidade. Em outras palavras, trata-se de uma atenção centrada na doença e afastada da pessoa, da família e de seu ambiente, em oposição a uma atenção integral, integrada e integradora, de uma perspectiva física, psíquica, social e espiritual, em que é incorporada a família e seu entorno.
As enfermeiras, agora e no futuro, precisam de evidências científicas em que possam construir e fortalecer a ciência da Enfermagem e basear sua prática autônoma. Não se pretende gerar confronto com os médicos, mas, sim, articular uma ação conjunta em que o verdadeiro interesse esteja focado nas pessoas, nas famílias e na comunidade, não nas áreas de poder corporativo de qualquer disciplina em particular. Portanto, trata-se de trabalhar de forma transdisciplinar(1), abandonando a rigidez dos marcos de competências, para adaptá-los à realidade que, a todo momento, requer a atenção das equipes de saúde, para além de quem eles devem corresponder.
A ciência é, por definição, interessada, acima de tudo, por parte dos médicos, em generalizações e previsões. Conscientes ou não, temos valores e fazemos escolhas. É importante sermos claras sobre essas escolhas e valores, porque nosso cuidado está sempre relacionado a ajudar uma pessoa ou um grupo de pessoas a satisfazer suas necessidades sentidas. É verdade que as enfermeiras aprendem com a experiência, mas é essencial que elas aprendam e cresçam profissionalmente, se familiarizando com o paradigma da Enfermagem e transferindo a teoria para a prática. A imagem da enfermeira é, portanto, indissociável de sua evolução como disciplina e tem evoluído extraordinariamente, sob a ótica de suas próprias orientações e conceitos centrados no cuidado, na pessoa, saúde, ambiente, prática, formação, pesquisa e gestão.
Na atualidade, as enfermeiras têm de responder a múltiplos problemas de saúde, muitos deles complexos e, sobretudo, individuais (pobreza, migração, meio ambiente, violência de gênero, etc.). No entanto, geralmente, a relação enfermeira-pessoa é superficial e focada na doença, não no problema de saúde, com a abordagem integral necessária. A humanização da atenção é fundamental para não abandonar o traço essencial de cuidado(2). No entanto, existe o paradoxo de que, em muitas ocasiões, o que está sendo exigido pelas organizações de saúde colonizadas, como já dissemos, pela Medicina, é a disposição de enfermeiras tecnológicas. Como resultado, a enfermeira desfoca ou perde sua contribuição autônoma focada em cuidados para providenciar bem-estar, conforto, segurança, assessoria humanista, bem como cuidados específicos adequados e acordados. Se levarmos em consideração, portanto, a transcendência dos cuidados, a relação com a pessoa e a família, e assumirmos a responsabilidade delas serem autônomas, as enfermeiras são e serão absolutamente essenciais na comunidade.
Deve-se ter em mente que a sociedade é dinâmica, muda e propõe novos cenários e novas realidades demográficas, epidemiológicas, sociais e políticas que preveem um futuro reservado aos cuidados de enfermagem. A pessoa é, ou pelo menos deveria ser, considerada em sua totalidade. A enfermeira deveria focar sua atenção de forma integral, integrada e integradora. Dito de outro modo, a espiritualidade, consciência, auto-conceito, modo de vida, bem-estar, sentimentos, emoções, ligações, relações, etc. são dimensões que, na prática da Enfermagem, devem ser levados em consideração. Os cuidados de enfermagem são uma realidade complexa, não linear, em evolução, que precisam ser identificados, a fim de serem transferidos à disciplina e à profissão e, daí em diante, à sociedade.
Por outro lado, é necessário enfatizar que estamos imersos na sociedade do racionalismo, do qual se transfere que a tecnologia pode responder a qualquer problema. Mas, embora seja verdade que a tecnologia é parte de nossa existência, a questão é saber o que fazer com ela, para impedir que ela acabe com a nossa identidade. Apesar de parecer um truísmo superado na Enfermagem, a falta de ética e a desumanização estão se tornando cada vez mais evidentes. É necessário, portanto, estruturar nossa ação autônoma para impedir que a evolução da Enfermagem, como ciência vinculada à Medicina, deixe escapar sua essência fundamental e a dos valores e cuidados próprios que lhe conferem singularidade. É necessário identificar que o valor agregado que nós oferecemos está focado na resposta humana à necessidade de cuidados da pessoa, seja na saúde ou doença, sendo oferecido também com qualidade.
Derivado de tudo isso, o reconhecimento que a sociedade tem das enfermeiras vai oscilar, permanentemente, com base no equilíbrio entre técnica e cuidados de enfermagem, que, por outro lado, nos permitirá identificar e valorizar a nós mesmas como profissionais com um paradigma nosso, reconhecível, que nos identifica, visibiliza e valoriza tanto na comunidade científica como na sociedade em geral(3).
Referências bibliográficas
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1 Pérez Matos NE, Setién Quesada E. La interdisciplinariedad y la transdisciplinariedad en las ciencias: una mirada a la teoría bibliológico-informativa. ACIMED [Internet]. 2008[cited 2019 Apr 29];18(4). Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/aci/v18n4/aci31008.pdf
» http://scielo.sld.cu/pdf/aci/v18n4/aci31008.pdf -
2 Correa Zambrano ML. La humanización de la atención en los servicios de salud: un asunto de cuidado. Rev Cuid [Internet]. 2016[cited 2019 Apr 29];7(1):1210-8. Available from: http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.300
» http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.300 -
3 Albar MJ, Sivianes-Fernández M. Percepción de la identidad profesional de la enfermería en el alumnado del grado. Enferm Clínica. 2016;26(3):194-8. doi: 10.1016/j.enfcli.2015.10.006
» https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2015.10.006
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Set 2019 -
Data do Fascículo
Sep-Oct 2019