Situação de saúde na percepção de idosas viúvas assistidas pela atenção primária à saúde

RESUMO

Objetivo:

Analisar a percepção de mulheres idosas viúvas sobre sua situação de saúde.

Método:

Pesquisa descritiva e exploratória, baseada na abordagem qualitativa realizada com 34 mulheres viúvas com idade igual ou superior a 60 anos, cadastradas na atenção primária à saúde. Utilizou-se da análise de conteúdo em sua modalidade análise temática.

Resultados:

Foram obtidos três núcleos temáticos: “a autopercepção positiva da saúde na velhice”, “compreensão negativa da saúde relacionada aos agravos” e “repercussões negativas da ausência do companheiro na situação de saúde das viúvas”. Presença da família, doenças crônicas sob controle, limitações físicas e ausência do companheiro influenciaram diretamente as respostas das idosas viúvas.

Considerações finais:

As idosas viúvas percebem sua situação de saúde como relativamente boa e alguns fatores são desafios a uma melhor situação de saúde. Para as participantes, a viuvez significa mais que apenas a perda física do cônjuge, interferindo negativamente na percepção de sua situação de saúde.

Descritores:
Mulheres; Viuvez; Idosas; Percepção; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objective:

Analyze the perception of elderly widow women about their health situation.

Method:

Descriptive and exploratory research, based on qualitative approach performed with 34 widowed women aged 60 years and over, enrolled in primary health care. It was used content analysis in its thematic analysis modality.

Results:

Three thematic nuclei were obtained: “positive self-perception of health in old age”, “negative understanding of health related to the diseases” and “negative repercussions of the absence of the husband in the health situation of the widows”. Presence of the family, chronic diseases under control, physical limitations and absence of the partner directly influenced the responses of the elderly widows.

Final considerations:

The elderly widows perceive their health situation as relatively good and some factors are challenges to a better health situation. For the participants, widowhood means more than just the physical loss of the husband, interfering negatively in the perception of their health situation.

Descriptors:
Women, Widowhood; Aged; Perception; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la percepción de la mujer viuda anciana acerca de su propia situación de salud.

Método:

Investigación descriptiva y exploratoria, basada en el enfoque cualitativo realizado con 34 mujeres viudas de al menos 60 años, inscritas en la atención primaria de salud. Se utilizó análisis de contenido en su modalidad de análisis temático.

Resultados:

Se obtuvieron tres núcleos temáticos: “autopercepción positiva de la salud en la vejez”, “comprensión negativa de la salud relacionada con las enfermedades” y “repercusiones negativas de la ausencia de la pareja en la situación de salud de las viudas”. La presencia de la familia, las enfermedades crónicas bajo control, las limitaciones físicas y la ausencia de la pareja influyeron directamente en las respuestas de las viudas ancianas.

Consideraciones finales:

Las viudas ancianas perciben que su situación de salud es relativamente buena y algunos factores son desafíos para mejorar la situación de la salud. Para las participantes, la viudez significa más que solo la pérdida física del esposo, lo que interfiere negativamente en la percepción de su situación de salud.

Descriptores:
Mujeres; Viudez; Anciano; Percepción; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento populacional ocorre pelo aumento constante dos anos de vida, associado à queda da fecundidade e mortalidade, e pode ser definido como um processo multifacetado ao longo de todo o curso da vida ^(1-2).

De acordo com os dados oficiais, no Brasil, a população de idosos passou de 9,7%, em 2004, para 14,3%, em 2015, sendo que desse total, 8% é representado pelo contingente feminino de mais de 60 anos ⁽³, implicando na feminização da velhice ^(4-5).

Essa maior longevidade feminina, que no Brasil é aproximadamente oito anos a mais que o sexo masculino, tem explicação em variados condicionantes, dentre eles, os níveis elevados de estrogênio, que provêm maior proteção. Além disso, as mulheres geralmente são menos suscetíveis aos fatores que ocasionam mortalidade, como acidentes e violência. Vale ressaltar a atitude com relação ao processo saúde-doença, considerando que as mulheres buscam com mais frequência os serviços de saúde, demonstrando atenção elevada à respeito do autocuidado ^(2,5).

A predominância feminina na faixa etária de idosos traz consigo diversos fatores positivos e/ou negativos tanto para a própria mulher quanto para a família, uma vez que pode estar associada a maior risco social e, ao mesmo tempo, à reestruturação do espaço relacional por ser a mulher idosa importante elo para a rede de apoio familiar ⁽⁶⁾.

Além disso, o aumento da representatividade dessa população feminina vem acompanhado da prevalência da viuvez dentre as mulheres idosas, uma vez que ao invés de buscar novos relacionamentos, elas passam a desempenhar de forma mais expressiva atividades ligadas ao cuidado interpessoal, como cuidar de netos e bisnetos, além da atenção dada a própria saúde, considerando como relevantes momentos de lazer no seu contexto social, em detrimento a planos ou anseios de relacionamentos conjugais ⁽⁷⁾.

Dessa forma, o processo de feminização da velhice é associado à viuvez feminina, o que acarreta mudanças na vida social, como mudar de residência, passar a morar com os filhos, praticar atividades diferentes ou deixar de realizar atividades que fazia juntamente com o companheiro, além do sofrimento representado pelas “perdas emocionais”, porque estão relacionadas ao falecimento de entes queridos ^(6,8).

Nesse contexto, a condição de viuvez pode ser representada de diferentes formas e ter reflexos variados na saúde, uma vez que a vida dessas idosas encontra-se calcada de relações sociais que se desenvolvem em contextos diversos, seja na relação com o cônjuge, os filhos e demais familiares, além de amigos e daquelas que se concretizam na informalidade. Essa condição ainda pode ter reflexos na saúde dessas mulheres, considerando os aspectos históricos e culturais que envolvem as questões de gênero.

Nessa perspectiva, a viuvez pode ser percebida pelas idosas de diferentes formas, de maneira que a morte do cônjuge pode ser entendida como tragédia ou libertação. Isso é confirmado em vários estudos, nos quais se observou que, para algumas idosas, a viuvez mostrou-se trágica, podendo desencadear danos que perduram ao longo do tempo ⁽⁹⁾. Para outras, a viuvez é sinônimo de liberdade e independência: muitas delas foram maltratadas pelos maridos e sofreram com o isolamento social durante o casamento. Dessa forma, a viuvez significou autonomia para tais idosas, uma vez que na sua juventude ou vida adulta não tiveram liberdade mediante as relações de gênero prevalentes à época ⁽¹⁰⁾.

Com isso, conforme as vivências, as idosas podem elucidar o envelhecimento e os processos patológicos de maneiras distintas, abrangendo aspectos físicos, psíquicos, emocionais, sociais, demográficos e socioeconômicos, além do contexto social no qual estão inseridas. A autopercepção de saúde, ou seja, a maneira pela qual as idosas compreendem a própria saúde é considerada importante fator de expressão da perda de capacidade funcional. O suporte da família e amigos e o sentimento de ser útil, desempenhando papel com os demais, é uma forma de minimizar a perda sofrida pelas idosas, sendo que a compreensão desse período pode ser interpretada por elas de diferentes formas ^(6,11).

OBJETIVO

Analisar a percepção de mulheres idosas viúvas sobre sua situação de saúde.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este estudo teve início após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e encontra-se vinculado a um projeto de pesquisa aprovado pelo CEP da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Todos os participantes foram esclarecidos sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Referencial teórico metodológico e tipo de estudo

Estudo qualitativo de caráter descritivo e exploratório, que empregou como referencial teórico a análise de conteúdo, do tipo análise temática, para avaliação dos dados ⁽¹²⁾.

Cenário do estudo

Este estudo foi realizado em Unidades Básicas de Saúde (UBS), em Teresina, capital do estado do Piauí, Nordeste do Brasil. O sistema de saúde de Teresina encontra-se atualmente organizado em Diretorias Regionais de Saúde (DRS), divididas espacialmente no território geográfico da cidade e abrangendo o atendimento da população adscrita disposta em três grandes macro espaços, os quais sejam – DRS Centro/Norte, DRS Leste/Sudeste e DRS Sul. Cada DRS é composta por várias UBS, nas quais atuam as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). O estudo garantiu a representatividade de participantes das três DRS anteriormente citadas.

Conjuntamente, as três DRS oferecem cobertura a 620.098 indivíduos, dos quais 74.022 são pessoas com 60 anos ou mais de idade, sendo 43.495 mulheres, o que corresponde a 58,7% das pessoas nessa faixa etária, de maneira que 15.755 mulheres desse universo são viúvas ⁽¹³⁾.

Participaram do estudo idosas viúvas cadastradas na ESF, que tinham condições cognitivas favoráveis para responder ao questionamento relacionado à autopercepção de saúde. A fim de preservar o anonimato das participantes envolvidas no estudo, utilizou-se no decorrer da discussão da pesquisa a identificação das falas pela palavra “viúva”, seguida da ordenação numérica de cada relato (Viúva 1, Viúva 2, Viúva 3…).

As idosas com endereços incompletos nos registros das unidades básicas de saúde e que não apresentavam capacidade cognitiva suficiente para compreender e responder à entrevista foram excluídas da amostra, ou seja, as idosas que não atingiram o valor mínimo de escore estabelecido por Bertolucci et al ⁽¹⁴, que considera pontos de corte diferenciados para a escolaridade.

O número de participantes entrevistados foi determinado pelo critério da saturação dos dados, ou seja, finalizando a inserção de novos integrantes quando os dados passaram a expor redundância ou recorrência, além de pouco acrescentar ao material já obtido ⁽¹⁵⁾. A amostra foi finalizada em 34 mulheres viúvas com 60 anos ou mais, por meio da seleção aleatória das participantes em cada DRS. O estudo foi realizado nos domicílios das mulheres, por permitir melhor acesso dos pesquisadores às participantes da investigação, assim como pelo fato do domicílio oferecer maior comodidade e conforto às investigadas.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu nos meses de março e abril de 2016. Utilizaram-se dois instrumentos: o primeiro foi o mini exame do estado mental (MEEM), para avaliar a condição cognitiva das participantes e então definir as integrantes aptas a compor a amostra, e o segundo foi um formulário contendo uma questão aberta sobre a situação de saúde das participantes.

Nessa última etapa a resposta verbal de cada uma das idosas viúvas foi gravada por meio de um aparelho de MP3, mediante autorização expressa delas. Após a entrevista, transcreveu-se o áudio na íntegra, realizou-se a primeira leitura do material digitado, mapeando e agrupando os relatos em núcleos temáticos.

Análise dos dados

Os discursos foram submetidos à análise temática, seguindo as fases de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação ⁽¹²⁾. Após exploração das informações, revelaram-se três categorias temáticas: a autopercepção positiva da saúde na velhice, compreensão negativa da saúde relacionada aos agravos e repercussões negativas da ausência do companheiro na situação de saúde das viúvas.

RESULTADOS

As idosas entrevistadas estavam no intervalo de idades de 60 a 92 anos, sendo a média da amostra de 74 anos; 18 (52,9%) possuíam renda proveniente principalmente de aposentadoria, recebendo em média um e dois salários mínimos, e 25 (73,5%) delas nasceram na zona rural. Relativo à cor ou raça, 24 (70,5%) delas se autodeclararam de pele parda, de maneira que houve predominância do arranjo familiar trigeracional, ou seja, 18 (52,9%) idosas viúvas do estudo moram com filhos e netos.

Quanto à escolaridade, 18 (52,9%) participantes afirmaram serem analfabetas. Em relação ao hábito etilista, duas referiram fazer uso de álcool. Quanto à saúde das depoentes, foi identificado que as participantes do estudo são portadoras de algumas patologias clínicas, com destaque para a hipertensão arterial (24/70,5%), ansiedade (18/52,9%), osteoporose (17/50%), doenças do aparelho cardiovascular (14/41,1%) e diabetes (10/29,4%).

No que diz respeito ao tratamento e análise dos discursos acerca da situação de saúde das idosas viúvas do estudo, foram obtidos três núcleos temáticos, a saber: a autopercepção positiva da saúde na velhice, compreensão negativa da saúde relacionada aos agravos e repercussões negativas da ausência do companheiro na situação de saúde das viúvas.

Autopercepção positiva da situação de saúde

Nessa categoria temática, buscou-se descrever as percepções positivas que as entrevistadas têm em relação ao contexto geral de suas vidas relacionado ao padrão de saúde. Das entrevistadas, 26 trouxeram discursos que referem situação de saúde boa ou excelente e relacionaram essa condição à presença da família ou ao controle das doenças com as quais convive. Nesse contexto, conforme os depoimentos descritos adiante , observou-se a relevância da família face à percepção da idosa:

Minha saúde eu acho boa. Faço minhas coisas sozinha, tenho meus filhos pra me ajudar, e me dão companhia. Eles me levam pro médico quando preciso, e às vezes ainda viajo com eles […] Sou feliz porque tenho meus filhos comigo. (Viúva 22)

Eu estou bem, e eu acho que minha saúde tá muito boa porque sempre que preciso meus netos tão aqui e a noite meus filhos chegam e ficam aqui comigo também. Quando fica todo mundo perto a gente se sente feliz não é? (Viúva 23)

Além dos relatos anteriormente citados, verificou-se também que algumas idosas avaliaram sua situação de saúde positivamente relacionado ao fato de perceberem que as doenças crônicas pré-existentes estariam sob controle, conforme as narrativas adiante:

É boa, porque mesmo com os problemas nas pernas eu uso os remédios direitinhos e então fica controlada, diferente de umas vizinhas, que as doenças são mais sérias. (Viúva 13)

Não é excelente porque eu sou diabética, hipertensa, e também não é muito pior porque tem outras [idosas] aí prostradas e as minhas são controladas. (Viúva 15)

Não tenho essas doenças graves, só a osteoporose, mas dá para viver bem. (Viúva 24)

Autopercepção negativa da saúde relacionada à presença de doenças crônicas

Diante das diversas doenças crônicas e agravos de saúde relatados pelas mulheres idosas, evidenciou-se forte relação entre uma compreensão negativa da saúde e a presença das doenças crônicas. Das entrevistadas, oito referiram ter condição de saúde “ruim” e “muito ruim”, relacionando essa situação às doenças crônicas, como também às dificuldades e limitações físicas proporcionadas por essas patologias.

É ruim, porque tenho esse tanto de doenças. Essa artrose que fica doendo, tenho a diabetes que aí não posso ficar comendo tudo o que eu quero, aí fica ruim né? A pessoa não consegue viver bem com esse tanto de doença. (Viúva 25)

Tá muito ruim, porque não faço mais nada por causa das doenças. Esse problema na coluna, na pressão, diabetes, e ainda tem nos ossos. Ai desse jeito com esse tanto de doença, sinto muitas dores, e mesmo com remédio ainda fico sentindo. É difícil viver assim, porque não posso mais fazer minhas coisinhas, e ai fico dependendo dos outros pra fazer as coisas de casa. (Viúva 27)

Percebe-se que na concepção dessas idosas, a presença das doenças crônicas é fundamental na formulação da percepção sobre sua própria situação de saúde. Além do mais, as depoentes ressaltam que as limitações decorrentes dessas patologias influenciam de maneira negativa sua situação de saúde.

Repercussões negativas da ausência do companheiro na situação de saúde das viúvas

Por se tratar de um estudo realizado com viúvas, foi notório que a ausência do companheiro também trouxe impacto para a saúde dessas idosas. A vivência do luto, mesmo que após anos, ainda mostra consequências na vida e na saúde dessas mulheres, principalmente por se tratar de relacionamentos de longa duração, com o vínculo fortalecido entre o casal.

Se eu tivesse ele, eu acho que eu era mais satisfeita […] porque eu nunca me esqueci dele. (Viúva 2)

Ele morreu e eu fiquei só […] acabei ficando desse jeito, com um problema sério que apareceu em mim, e não tiveram nada a fazer comigo e tiraram minhas pernas. (Viúva 14)

Meu marido morreu, e aí fico muito tempo sozinha, me sinto triste porque não tenho ninguém pra ficar aqui comigo, desse jeito a situação é ruim. (Viúva 27)

Enfrentar e superar a morte do cônjuge depende do contexto ao qual a pessoa enlutada está inserida, podendo ser manifestada de maneiras distintas. A ausência da figura do marido trouxe consequências negativas à percepção de algumas idosas sobre sua saúde. Isso pode ser evidenciado pela solidão e pela falta de alguém para ajudar até mesmo nos afazeres domésticos, além do desenvolvimento de problemas físicos, como relatado pela participante Viúva 14.

DISCUSSÃO

Os resultados evidenciam a interface entre a percepção de saúde de idosas e o contexto no qual elas estão inseridas, com realce aos fatores que podem motivar a avaliação positiva ou negativa da saúde, como a presença da família, as doenças crônicas com consequentes limitações e a morte do marido.

A presença da família influencia na maneira como as idosas viúvas contemplam a sua saúde, sendo, dessa forma, razão pela qual, muitas das entrevistadas, justificaram o motivo de sua saúde ser “boa” ou “excelente”. Dessa maneira, pode ser visualizado que as atitudes da família são indispensáveis e relevantes no cuidado e na saúde do idoso. Vale destacar que, mesmo sendo dever da família a ação de suporte ao idoso por meio do cuidado informal, nem todos são beneficiados pela proteção e cuidado familiar ^(16-17).

Esses relatos corroboram os achados de um estudo realizado com 20 idosos residentes no município de Chapecó, estado de Santa Catarina, no qual todos os participantes atribuíram suas condições de felicidade ou tristeza diretamente aos seus relacionamentos familiares, mostrando que, nessa etapa da vida, a família ganha maior valor e significado para o idoso ⁽¹⁷⁾.

Julgar uma boa situação de saúde ao comparar com a de outras idosas influencia no modo de ver a condição peculiar em que cada idosa vive, visto que, um maior número de doenças crônicas não controladas no contexto de vida de outras viúvas reduz a qualidade de vida e altera o padrão da saúde ⁽¹⁸⁾.

Um estudo com idosos na cidade de Florianópolis observou que o menor número de patologias, ou até mesmo a inexistência, elevaram os índices de avaliação otimista de saúde. Essa descoberta se explica pela razão de que aqueles que explanaram uma ou duas doenças duradouras têm mais propensão a mantê-las controladas e, portanto, julgam-se saudáveis, o que reflete uma avaliação positiva sobre a respectiva saúde ⁽¹⁹⁾. Pode-se inferir, com isso, que o convívio familiar e o tratamento correto das doenças crônicas fazem as idosas presumirem sua situação de saúde como boa.

Alguns estudos observaram que o acometimento por doenças está diretamente ligado à percepção ruim da saúde, sendo que, o número elevado de patologias retrata maior prevalência de avaliação negativa de saúde. Além disso, piores índices de qualidade de vida e situação de saúde e a incapacidade de realizar as atividades da vida diária são verificados em idosos que possuem um quantitativo de três ou mais doenças, o que ocasiona consequente comprometimento da capacidade funcional. Diante desses fatores apresentados, os idosos que possuem três ou mais doenças julgam a própria saúde de forma desfavorável ^(17,20, sendo comprovado o disposto nos discursos das entrevistadas.

A existência de restrição para realizar as atividades instrumentais da vida diária influencia na forma que a idosa compreende a sua condição de saúde. O fato de estar dependente, com restrições físicas e fragilidades, pode indicar uma avaliação negativa de saúde e, dessa forma, sugere que o declínio na capacidade funcional é um parâmetro utilizado pelos indivíduos para classificar a própria saúde na velhice ^(4,21).

No que se refere à capacidade funcional, se o nível de dependência e as limitações aumentam, particularmente devido às doenças que se acumulam ao longo da velhice, maior é a probabilidade de o idoso ter uma percepção menos otimista da saúde. Desse modo, a perda da autonomia manifesta-se como um novo paradigma de vitalidade e passa a ser um dos principais determinantes da compreensão da situação de saúde do idoso. Com essa capacidade funcional comprometida decorrente das doenças crônicas, as limitações vão surgindo e fazem com que essas idosas deixem de realizar as atividades cotidianas, o que consequentemente é associado negativamente à situação de saúde ⁽⁴⁾.

Além disso, a polifarmácia e número elevado de comorbidades são constantemente relacionados às piores percepções de saúde. A existência dessas patologias é um importante preditor de limitações e obstáculos para o indivíduo cuidar de si mesmo, e mostra-se uma variável significativa para a associação com autoavaliação de saúde negativa ^(19,21).

Perder o companheiro pode ser angustiante em qualquer idade. Considerando-se que o casal de idosos possui convivência anterior prolongada, o impacto do luto tem extensão grandiosa, podendo ser devastador. O envolvimento da enlutada, os motivos do falecimento, a força e o vínculo afetivo, a confiança e a conjunção da relação particular entre o casal são fatores contribuintes para a previsão de como irá desenrolar na pessoa vítima da perda conjugal o processo emocional e comportamental, o que pode influenciar diretamente a forma pela qual a idosa percebe sua saúde ^(8,22).

Nesse contexto, destaca-se que a viuvez pode influenciar a saúde das idosas, visto que, aumenta a procura por serviços de saúde, principalmente por estarem fragilizadas. Ao encontrar-se em situação de solidão, com a ausência do marido, aumenta o número de internações em asilos, casas de repouso e hospitais, com consequente mortalidade por doenças. Além disso, com a perda do cônjuge, as idosas podem enfrentar o isolamento e decai o sentimento de estar só, não apenas pela ausência do apoio do marido, mas pelos percalços encarados em decorrência de se tornar a chefe da família, com as responsabilidades de gerir a casa e o convívio familiar ⁽²²⁾.

Com a ausência do companheiro, muitas vezes a idosa perpassa por uma remodelação do conceito relacionado às questões de gênero percebidas anteriormente, principalmente pelas alterações sofridas nas atribuições sociais após a viuvez, sendo imposta a necessidade de repensar e reformular sua posição, assumindo a nova realidade, com novas funções, autonomia e novos aprendizados ⁽²³⁾. A insegurança mediante a nova rotina é demonstrada como preditora para os sentimentos que influenciam na percepção que a idosa tem de sua saúde após a morte do esposo.

Como as idosas de hoje eram suprimidas de atividades na vida pública e política, o matrimônio era a maneira de apoderar-se de seguridade econômica e se afirmar como respeitosas às imposições sociais. Após a morte do seu companheiro, a tendência é que essas mulheres transfiram à família a obediência e dependência antes incumbidas ao marido, mantendo as determinações sociais e reforçando a submissão feminina ^(23-24).

Apesar da maioria das idosas perceberem sua condição de saúde como “excelente” e “boa”, deve-se considerar que a viuvez pode favorecer mulheres à situação de isolamento e menor preocupação com a saúde e, consequentemente, influenciar negativamente na capacidade funcional, gerando uma autopercepção mais pessimista da saúde.

O tipo de relacionamento vivido por essas mulheres com seus cônjuges antes da viuvez deve influenciar diferentes formas de perceber a sua condição de saúde. Um estudo realizado com mulheres idosas destaca formas diferentes de perceber a viuvez em virtude da relação com o cônjuge, uma vez que para algumas mulheres a condição de viuvez foi positiva diante da vivencia conjugal conflituosa, enquanto para outras, essa fase foi atribuída como negativa pelas dificuldades sociais e emocionais em consequência da perda ⁽⁶⁾. Para as mulheres que atribuíram a condição de viuvez como positiva, as consequências em sua saúde pela relação conflituosa vivida com o cônjuge podem estar se configurando como um processo invisível no momento, porém com implicações mensuráveis ao longo dos anos.

Dessa forma, pode-se afirmar que a perda do marido pode ter repercussão negativa na saúde da idosa e interfere na maneira como ela descreve sua situação de saúde. A ausência do companheiro traz impactos ao bem-estar dessas mulheres, sobretudo pelo desânimo e isolamento sentidos nessa fase, ocasionando desinteresse pelo autocuidado e consequente perda da autonomia ⁽²⁵⁾.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta algumas limitações inerentes à abordagem metodológica adotada, a qual não permite generalizações, seja pelo reduzido número de sujeitos ou ainda pela realização em apenas um município brasileiro. A maioria da nossa amostra foi composta por idosas sem instrução (analfabetas), o que pode dificultar o entendimento das questões do estudo e, assim, contribuir para enviesar os resultados. Destaca-se também que a aplicação do MEEM, para avaliar o estado cognitivo das participantes, utilizando a escolaridade como critério para estabelecer pontos de corte, pode sofrer influência pelo grau de instrução predominante na amostra (analfabetas).

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou políticas públicas

Conhecer a percepção que as idosas viúvas têm sobre a própria saúde possibilita que os enfermeiros atuem no planejamento e implementação de ações e cuidados na perspectiva da promoção à saúde, considerando suas vivências e compreensões. Ademais, reafirma a repercussão que a viuvez implica na vida dessas idosas, oferecendo subsídio para maior cuidado diante das necessidades dessa população. Esses profissionais, especialmente na atenção básica, são um dos elementos-chave para o desenvolvimento de melhores situações de saúde das idosas, ao buscar intervenções plausíveis a partir da subjetividade e singularidade de cada idosa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificamos que idosas viúvas percebem sua situação de saúde como relativamente boa, no contexto geral de vida. Alguns fatores desafiam uma melhor situação de saúde, quais sejam: presença de doenças crônicas e suas limitações associadas à ausência do companheiro. Para as participantes, a viuvez significa mais que apenas a perda física do cônjuge, representando, na história das idosas, o surgimento de dificuldades importantes, capazes inclusive de interferir negativamente na percepção de sua situação de saúde.

• FOMENTO
  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  Nov 2019

Histórico

• Recebido
  30 Jun 2018
• Aceito
  02 Mar 2019