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Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria: relato de experiência no Distrito Federal

RESUMO

Objetivo:

Relatar a criação e implementação do projeto de extensão, intitulado Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria, desenvolvido no ambulatório de um hospital de ensino do Distrito Federal.

Método:

Trata-se de um relato de experiência sobre a implantação de um serviço ambulatorial direcionado a crianças e adolescentes portadores de sintomas de disfunção vesical e intestinal.

Resultados:

Por se tratar de um projeto de extensão vinculado à universidade, segue um modelo diferenciado de atendimento, que valoriza empoderamento e tomada de decisão informada e compartilhada, resultando no fortalecimento do vínculo entre pacientes, família e equipe de enfermagem de Uropediatria. Também se tornou um espaço privilegiado para produção e aplicação de conhecimentos científicos, articulado ao referencial da prática baseada em evidências.

Conclusão:

Este projeto mostra uma atuação diferenciada do enfermeiro-especialista-pesquisador-docente, na área de Enfermagem em Uropediatria, e vem se tornando referência no Distrito Federal, principalmente para alunos de graduação e pós-graduação em Enfermagem.

Descritores:
Prática Avançada de Enfermagem; Urologia; Pediatria; Ambulatório Hospitalar; Estudantes de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To describe the creation and implementation of the extension program Advanced Practice Nursing in Pediatric Urology, developed in the outpatient clinic of a teaching hospital in the Federal District.

Method:

This is an experience report regarding the implementation of an outpatient service aimed at children and adolescents with symptoms of bladder and bowel dysfunction.

Results:

Because it is an extension program linked to the university, it follows a different model of care, valuing empowerment, informed and shared decision making, which results in a stronger bond between patients, family and the Pediatric Urology nursing team. It has also become a privileged space for the production and use of scientific knowledge, associated with the principles of evidence-based practice.

Conclusion:

This project shows a different performance of the nurse-specialist-professor-researcher in Pediatric Urology Nursing, and it has become a reference in the Federal District, mainly for undergraduate and graduate nursing students.

Descriptors:
Advanced Practice Nursing; Urology; Pediatrics; Outpatient Clinics, Hospital; Students, Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Relatar sobre la creación e implantación del proyecto de extensión, titulado Práctica de Enfermería Avanzada en Uropediatría, desarrollado en el ambulatorio de un hospital de enseñanza del Distrito Federal.

Método:

Se trata de un relato de experiencia sobre la implantación de un servicio ambulatorio dirigido a niños y adolescentes portadores de síntomas de disfunción vesical e intestinal.

Resultados:

Por tratarse de un proyecto de extensión vinculado a la universidad, sigue un modelo diferenciado de atención que valora el empoderamiento y la toma de decisión informada y compartida, lo que fortalece el vínculo entre paciente, familia y equipo de enfermería de Uropediatría. Se ha vuelto, en consecuencia, un espacio privilegiado para la producción y aplicación de conocimientos científicos, articulado al referencial de la práctica basada en evidencias.

Conclusión:

Este proyecto demuestra una actuación diferenciada del enfermero-especialista-investigador-docente en el área de Enfermería en Uropediatría, y está siendo visto como referencia en el Distrito Federal, principalmente para alumnos de graduación y posgrado de Enfermería.

Descriptores:
Práctica Avanzada de Enfermería; Urología; Pediatría; Ambulatorio Hospitalario; Estudiantes de Enfermería

INTRODUÇÃO

A Prática Avançada de Enfermagem (PAE) surge como um modelo de cuidado especializado resolutivo, efetivo e autônomo, onde novos papéis e competências são desenvolvidos em resposta a mudanças sociopolíticas tanto dos serviços de saúde quanto das necessidades populacionais. Tal modelo exige, da enfermeira, um conhecimento aprofundado dentro de uma área específica, geralmente obtido por meio de uma especialização, seguida de mestrado. Por definição, uma enfermeira de PAE "tem uma base de conhecimento especializado, habilidades de tomada de decisões complexas e competências clínicas para uma prática expandida"(11 Lowe G, Plummer V, O'Brien AP, Boyd L. Time to clarify-the value of advanced practice nursing roles in health care. J Adv Nurs [Internet]. 2012 [cited 2016 Nov 8];68(3):677-85. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21790738
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2179...
-22 Heale R, Rieck Buckley C. An international perspective of advanced practice nursing regulation. Int Nurs Rev [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 2];62(3):421-29. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26058446
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2605...
).

Apesar dessa denominação e titulação já ter sido utilizada pelo Conselho Internacional de Enfermagem, estando reconhecida e regulamentada há décadas na América do Norte, Europa e Austrália, esta ainda não é uma realidade na América Latina, dada a inexistência de um dispositivo legal para regulamentação da PAE. No entanto, acredita-se que esse panorama tenda a se modificar, pois, no ano de 2013, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) publicou uma resolução que incentiva a promoção de reformas no âmbito da saúde, em especial na Atenção Primária à Saúde (APS), que incluiu as práticas avançadas de enfermagem(33 Cassiani SH, Zug KE. Promoting the Advanced Nursing Role in Latin America. Rev Bras Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Nov 12];67(5):673-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n5/0034-7167-reben-67-05-0677.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n5/003...
).

Cabe destacar que a resolução citada acima - CD 52.R13 - busca promover reformas na educação das profissões de saúde para respaldar sistemas de saúde baseados na estratégia de APS e aumentar as vagas para enfermeiros de práticas avançadas(33 Cassiani SH, Zug KE. Promoting the Advanced Nursing Role in Latin America. Rev Bras Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Nov 12];67(5):673-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n5/0034-7167-reben-67-05-0677.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n5/003...
). O investimento no aprimoramento da PAE tem sido apontado como uma possível solução para áreas longínquas e de difícil acesso, as quais têm sofrido com a carência de serviços e profissionais de saúde(11 Lowe G, Plummer V, O'Brien AP, Boyd L. Time to clarify-the value of advanced practice nursing roles in health care. J Adv Nurs [Internet]. 2012 [cited 2016 Nov 8];68(3):677-85. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21790738
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2179...

2 Heale R, Rieck Buckley C. An international perspective of advanced practice nursing regulation. Int Nurs Rev [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 2];62(3):421-29. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26058446
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2605...
-33 Cassiani SH, Zug KE. Promoting the Advanced Nursing Role in Latin America. Rev Bras Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Nov 12];67(5):673-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n5/0034-7167-reben-67-05-0677.pdf
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). Desse modo, acredita-se que o Brasil esteja numa posição de vanguarda e possa ser um dos pioneiros no cenário da América Latina a implantar a PAE, uma vez que seu sistema de saúde baseia-se na universalidade de cobertura e acesso à saúde.

Tendo em vista que tanto a especialidade de Enfermagem em Urologia Pediátrica quanto a PAE são relativamente recentes no Brasil, a assistência especializada e qualificada da enfermagem no contexto de Uropediatria vem ocorrendo com a atuação do enfermeiro pediatra ou estomaterapeuta, de forma colaborativa dentro de uma equipe multiprofissional e com uma abordagem interdisciplinar.

Esses profissionais com expertise em Urologia Pediátrica, independentemente de sua formação, têm atuado principalmente na área de promoção da continência urinária pediátrica. Devido ao espectro variado dos problemas relacionados à dinâmica de armazenamento e esvaziamento urinário, o enfermeiro que trabalha com Uropediatria pode assistir crianças com graves malformações congênitas urogenitais, que necessitam de várias intervenções cirúrgicas para estabilização do quadro urológico. E também, tem se destacado a atuação do enfermeiro no manejo clínico de crianças e adolescentes com disfunções vesicais e intestinais - tais como incontinência urinária tanto diurna quanto noturna (enurese), constipação intestinal funcional, encoprese, manobras de contenção - principalmente por meio de intervenções comportamentais, como reprogramação de hábitos miccionais e mudanças em hábitos/estilo de vida da criança e de sua família ou até mesmo no treinamento de técnicas complexas como o cateterismo intermitente limpo(44 Crowe H. Advanced urology nursing practice. Nat Rev Urol [Internet]. 2014 [cited 2016 Dec 8];11(3):178-82. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/nrurol.2014.16
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-55 Allen P. Survey: Pediatric urology NPs may be able to take on more. Urol Times [Internet]. 2011[cited 2016 Out 20];39(4):53-5. Available from: http://urologytimes.modernmedicine.com/urology-times/news/modernmedicine/modern-medicine-news/survey-pediatric-urology-nurse-practitioners-?date=&id=&pageID=2&sk=
http://urologytimes.modernmedicine.com/u...
).

Mesmo com a atual falta de regulamentação legal no país, Dias e colaboradores(66 Dias CG, Duarte AM, Ibanez ASS, Rodrigues DB, Barros DP, Soares JS, et al. Clinical Nurse Specialist: a model of advanced nursing practice in pediatric oncology in Brazil. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2013 [cited 2016 Dec 6];47(6):1426-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n6/en_0080-6234-reeusp-47-6-01426.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n6/en...
) relatam a experiência de um serviço especializado de oncologia pediátrica em São Paulo, construído a partir da adaptação de um modelo norte-americano de Enfermeiro Clínico Especialista. O cuidado prestado nesse serviço é baseado em quatro pilares essenciais: assistência qualificada, educação/ensino (paciente, família, profissionais), pesquisa e gestão. Desse modo, a Enfermagem em Uropediatria também pode ser vista como uma especialidade que se encaixa muito bem no modelo de PAE, principalmente pelo fato de que a maioria das intervenções em Uroterapia estão pautadas no cuidado centrado na criança e família, alinhadas a princípios de APS(44 Crowe H. Advanced urology nursing practice. Nat Rev Urol [Internet]. 2014 [cited 2016 Dec 8];11(3):178-82. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/nrurol.2014.16
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).

Assim, este artigo tem como objetivo relatar a criação e implantação do projeto de extensão de ação contínua intitulado: Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria, vinculado ao Departamento de Enfermagem da Universidade de Brasília.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência sobre a criação e implantação do projeto de extensão de ação contínua de Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria, desenvolvido no Ambulatório do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

RESULTADOS

Para facilitar o entendimento, optou-se por descrever o contexto em que o projeto foi construído e a vivência da ação por parte dos integrantes.

Construção do projeto

Apesar de ter sua criação reconhecida institucionalmente no mês de abril de 2013, no âmbito da Universidade de Brasília como projeto de extensão de ação contínua, tal projeto teve seu início em 2010 com a atuação da docente de enfermagem Profa. Dra. Gisele Martins (descrita como GM), a partir de seu ingresso no Departamento de Enfermagem da Universidade de Brasília (UnB). A princípio, houve uma colaboração informal da referida docente com as equipes médicas da Nefrologia e Cirurgia Pediátricas do HUB. Durante esse período, a docente participou das atividades ambulatoriais e hospitalares ligadas aos serviços da Nefrologia e Cirurgia Pediátricas, tornando-se uma profissional de referência para manejo interdisciplinar de casos complexos, em especial quanto ao preparo e treinamento da criança/adolescente e família para o cateterismo intermitente limpo (CIL).

Com o passar do tempo, as demandas foram se ampliando, não apenas em termos quantitativos, mas também na expansão de papéis e competências de atuação de uma especialista de enfermagem em Uropediatria, indo desde a realização de pareceres até ações de cuidado interdisciplinar com outros membros da equipe de saúde, como psicologia, serviço social, entre outros. Portanto, este projeto de extensão foi criado para atender as demandas de cuidados especializados de enfermagem a pacientes pediátricos do Distrito Federal e também de diferentes regiões do Brasil, quando são referenciados para atendimento no HUB.

Ao perceber as demandas geradas pela complexidade dessa área e a ausência de um profissional de enfermagem com expertise em Uropediatria, a docente GM começou a divulgar as atividades assistenciais as quais desenvolvia no HUB aos estudantes de enfermagem que faziam atividades práticas e supervisionadas na disciplina de Enfermagem Pediátrica. A partir desse momento, alguns estudantes demonstraram interesse em contribuir nesse campo de atuação da docente, sendo que houve destaque em particular para duas estudantes à época. A primeira, hoje enfermeira Nefrologista Pediátrica e também docente de enfermagem, Profa. Cristiane Feitosa Salviano (descrita como CFS), começou a trabalhar juntamente com a professora GM e então oficializaram a criação do projeto via Decanato de Extensão. Além das atividades de assistência, juntas trabalhavam também em atividades de pesquisa vinculadas ao Grupo de Estudos em Saúde da Criança, Adolescente e Família (GESCAF). A segunda estudante, Enfa. Bruna Marcela Lima de Souza (descrita como BMLS), hoje enfermeira e aspirante à realização do Mestrado em Enfermagem, também integrou o grupo, atuando até o presente momento como enfermeira voluntária e preceptora/tutora do projeto.

Dentro dessa breve contextualização histórica da criação deste projeto de extensão, faz-se necessário mencionar algumas características da trajetória acadêmico-profissional das enfermeiras que coordenam e atuam neste projeto de extensão. A docente GM graduou-se em Enfermagem em 2001 pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), concretizou o mestrado em 2004 e doutorado em 2009 em Ciências da Saúde pela FAMERP, na área de concentração de Urologia Materno-Infantil, com período de doutorado sanduíche (2008) na Faculty of Nursing, da University of Alberta, no Canadá, com vistas a fortalecer sua expertise nessa área de conhecimento, que era ainda incipiente no Brasil. Em 2014, sentiu ainda necessidade de atualizar e ampliar seus conhecimentos, indo mais uma vez para o exterior, agora para realizar seu pós-doutoramento em Urologia Pediátrica, na Divisão de Urologia do Hospital for Sick Children (Sick Kids), afiliado à Faculty of Medicine, da University of Toronto, no Canadá. Pode ser considerada a mentora e fundadora deste serviço. CFS é enfermeira graduada pela Universidade de Brasília (UnB) em 2011, mestre em enfermagem pela UnB em 2014, na área de concentração de Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem, na linha de pesquisa de Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria. Tornou-se enfermeira Especialista em Nefrologia e Urologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein em 2015. Juntamente com a professora (GM), foi membro fundador desse serviço. BMLS, enfermeira graduada também pela UnB em 2015, integrou-se ao Projeto de Extensão de Ação Contínua Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria em 2013, como aluna extensionista. No mesmo ano, iniciou um projeto de iniciação científica nessa área, sendo essa pesquisa já publicada(77 Souza BML, Salviano CF, Martins G. The school context and lower urinary tract symptoms: an integrative literature review. Cogitare Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 Nov 4];20(1):198-206. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/37477/24875
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). Como houve uma afinidade tanto com a vivência no projeto quanto com o interesse nas atividades de pesquisa, realizou uma pesquisa de campo também na área de Enfermagem em Uropediatria como seu Trabalho de Conclusão de Curso. Após a graduação, decidiu continuar no projeto e integra o grupo de enfermeiras de Prática Avançada de Enfermagem em Uropediatria, onde realiza atendimentos aos pacientes e desenvolve trabalhos de coordenação e mentoria aos novos estudantes integrantes do projeto.

Diante de tais especificidades de formação e expertise das enfermeiras-coordenadoras e do vínculo institucional desse serviço no formato de projeto de extensão de ação contínua, o mesmo tem como objetivo primordial prover um cuidado de enfermagem de excelência (avançado e baseado em evidências) para a população pediátrica acometida por sintomas do trato urinário inferior (STUI) e disfunção vesicointestinal (DVI), atuando tanto no âmbito de educação quanto na assistência e na reabilitação em saúde. Considerando o caráter extensionista deste projeto, o qual recebe estudantes de enfermagem e enfermeiros interessados em aprender ou ter um contato inicial com a especialidade de Uropediatria, o mesmo tornou-se um espaço privilegiado para troca de saberes e práticas no âmbito da formação técnico-científica e humanística dos futuros e atuais profissionais de enfermagem.

Desse modo, as competências para a prática desse serviço estão baseadas nos pilares da assistência qualificada e na tríade "ensino (pacientes/família/estudantes/profissionais), extensão e pesquisa". Assim, a equipe de enfermeiras trabalha igualmente em todos os eixos, exercendo um papel singular de enfermeira-especialista-docente-pesquisadora com vistas a integrar a pesquisa dentro da prática clínica(88 Kleinpell RM, Faut-Callahan M, Carlson E, Llewellyn J, Dreher M. Evolving the practitioner-teacher role to enhance practice-academic partnerships: a literature review. J Clin Nurs [Internet]. 2016 [cited 2016 Dec 8];25(5-6):708-14. Available from: http://onlinelibrary-wiley-com.ez54.periodicos.capes.gov.br/doi/10.1111/jocn.13017/epdf
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).

No que tange ao pilar de ensino, acredita-se que uma prática pedagógica efetiva envolve a participação proativa do aluno como uma forma de atrelar o ensino com os compromissos de pesquisa e extensão. Desse modo, com uma abordagem de ensino baseada em princípios de aprendizagem em grupo e entre pares (do inglês, peer-mentoring and team-based learning), os acadêmicos do curso de Enfermagem da UnB tem a oportunidade de ampliar e desenvolver competências cognitivas, procedimentais e atitudinais diferenciadas para uma PAE no contexto de Uropediatria. Também existe um journal club (realizado semanalmente), onde os estudantes fazem e discutem resenhas de textos e artigos científicos que demonstram evidências científicas às ações que são desenvolvidas no projeto. Também, no início de cada semestre (na sessão de acolhimento de novos integrantes), uma reunião científica e de boas-vindas é realizada. Nesse encontro, uma breve aula/discussão é feita com a finalidade de sintetizar como será a atuação deles dentro do projeto e de trazer definições básicas da PAE em Uropediatria. O encontro permite também a socialização dos estudantes recém-chegados (denominados de extensionistas juniors) com os estudantes que já estão há pelo menos um ou mais semestres dentro do projeto (denominados de extensionistas seniors). Neste último ano, o projeto contou com a participação de 12 alunos, sendo 6 juniors e 6 seniors. Durante esses anos de projeto, já passou um total de 25 estudantes de enfermagem e 2 enfermeiras-estagiárias.

No quesito de pesquisa, esse projeto conseguiu criar uma linha de pesquisa, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF/UnB), em que orientações de Projetos de Iniciação Científica, Trabalhos de Conclusão de Curso, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado estão sendo desenvolvidos em tópicos direcionados ao cuidado da criança/adolescente com sintomas urinários/intestinais e sua família, havendo recentemente 2 publicações nacionais e 1 internacional dos estudos que foram embrionados nesse projeto.

No que diz respeito à extensão, aqui entendida como assistência à comunidade interna e externa do HUB/UnB, os atendimentos ocorrem por meio das consultas de enfermagem sempre pautadas em estratégias pedagógicas que buscam fortalecer a compreensão das informações fornecidas no atendimento. Atualmente, o número diário de atendimentos varia, mas se limita a uma média de 6 consultas por manhã, uma vez por semana, às segundas-feiras. De 2013 a 2016, uma média de 120 crianças e adolescentes com DVI foram encaminhados e foram/estão sendo acompanhados no serviço.

Durante as consultas, o referencial da tradução de conhecimento é incorporado nas propostas pedagógicas desenvolvidas pelo grupo de estudantes extensionistas. Dentre as ações educativo-instrucionais desenvolvidas, destacam-se: manuais educativos direcionados à criança, ao adolescente e à família - referentes à Constipação, Enurese e Hábitos de Eliminações Saudáveis; recursos de suporte à investigação de sintomas - sendo estes o Diário de Eliminações, o Calendário de Enurese e o instrumento Dysfunctional Voiding Symptom Score (DVSS); material para estimular a participação e adesão terapêutica dos pacientes (como encartes ilustrativos); e documentos no formato de cartas direcionadas às escolas, solicitando apoio delas durante o tratamento da criança ou do adolescente que é assistido no ambulatório.

Os manuais citados são desenvolvidos e atualizados sistematicamente pelos estudantes extensionistas que participam do serviço e também dos projetos de pesquisas, vinculados a essa linha investigativa. A construção dos manuais tem como objetivo utilizar uma linguagem sensível à fase desenvolvimental em que o paciente pediátrico se encontra, com vistas a facilitar a compreensão e adesão às intervenções de enfermagem realizadas. Portanto, o conteúdo dos manuais - em formatos de folders - busca informar e desmistificar aspectos relacionados aos sintomas que a criança ou adolescente apresenta, além de trazer instruções sobre os hábitos de eliminações saudáveis como: modificações de comportamentos prejudiciais à bexiga e intestino, ingesta hídrica adequada, hábitos alimentares saudáveis, posicionamento correto no vaso sanitário, entre outros(99 Austin PF, Bauer SB, Bower W, Chase J, Franco I, Hoebeke P, et al. The standardization of terminology of Lower Urinary Tract Function in children and adolescents: update report from the standardization committee of the international children's continence society. J Urol[Internet]. 2014 [cited 2016 Nov 12];191(6):1863-65. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0022-5347(06)00305-3
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).

Os recursos de suporte são utilizados a fim de obter um registro mais fidedigno acerca de sintomas e hábitos miccionais do paciente. O Diário de Eliminações, por exemplo, pede ao paciente que mensure a quantidade de líquidos ingeridos no final de semana (sábado e domingo) anterior à consulta, o volume miccional e especificações (se houve urgência ou incontinência), bem como episódios de eliminação intestinal e o aspecto das fezes (segundo escala Bristol). Pede-se também que, a cada anotação, a hora seja verificada e registrada. O Calendário de Enurese tem o intuito de mensurar os episódios de perdas urinárias noturnas em um determinado período. Dessa forma, o paciente deve registrar se houve ou não a ocorrência dos sintomas no período de dias determinados até o retorno ao ambulatório. Ambos os instrumentos devem ser preenchidos pelo paciente e/ou com o auxílio de um supervisor (se assim houver necessidade). O instrumento Dysfunctional Voiding Symptom Score (DVSS) é aplicado pela equipe de enfermagem a cada consulta que o paciente comparece, visando medir e comparar a evolução de sintomas do paciente referentes a DVI(1010 Martins G, Minuk J, Varghese A, Dave S, Williams K, Farhat WA. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a pilot study. J Pediatr Urol [Internet]. 2016 [cited 2016 Oct 4];12(2):109.e1-6. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1477-5131(15)00369-1
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).

Já os materiais ilustrativos utilizados são: instrumento adaptado da Escala Bristol - utilizado para o registro do tipo de fezes do paciente; e encartes que mostram figuras de alimentos que são considerados como irritantes vesicais e os que não são.

Os documentos que fornecem informações às escolas acerca do tratamento da criança ou do adolescente foram desenvolvidos a fim de auxiliar a comunicação com o ambiente escolar e promover uma melhor adesão às mudanças comportamentais orientadas no serviço. Dentre esses documentos estão: "Carta de Incentivo ao uso do toalete na escola" e "Carta de Permissão ao uso do toalete na escola". A primeira carta funciona como lembrete ao professor e pede que o mesmo estimule a criança ou o adolescente a usar, com uma maior frequência, o toalete da escola ou creche. A segunda esclarece que o paciente faz acompanhamento no serviço, sendo recomendável permitir que o aluno saia da sala de aula para uso do toalete sempre que precisar. Entende-se que o contexto escolar pode influenciar o comportamento miccional e intestinal de maneira positiva, quando reforça hábitos de eliminações saudáveis; e negativa, ao levar a criança ou adolescente a adiar suas eliminações fisiológicas(77 Souza BML, Salviano CF, Martins G. The school context and lower urinary tract symptoms: an integrative literature review. Cogitare Enferm [Internet]. 2015 [cited 2016 Nov 4];20(1):198-206. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/37477/24875
http://revistas.ufpr.br/cogitare/article...
,1010 Martins G, Minuk J, Varghese A, Dave S, Williams K, Farhat WA. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a pilot study. J Pediatr Urol [Internet]. 2016 [cited 2016 Oct 4];12(2):109.e1-6. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1477-5131(15)00369-1
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
). Portanto, o uso de tais cartas visa garantir a continuidade do cuidado por parte do paciente e família, incluindo a rede social.

Vivenciando o projeto de extensão

Quando se traz o conceito de PAE em Uropediatria, evidencia-se a importância do papel e da autonomia do enfermeiro na proposição de estratégias clínicas para o manejo de STUI e DVI na população pediátrica. A atuação do enfermeiro pediatra com expertise em Uropediatria fica em destaque dentro da equipe multiprofissional, pois o mesmo atua como um agente potencializador de ações tanto de cunho preventivo quanto em ações terapêuticas. Além do mais, é o membro da equipe de saúde capaz de assistir de forma integral e integrada às necessidades da criança/adolescente com STUI e DVI, pautando a assistência de enfermagem numa perspectiva de cuidado centrado na criança e em sua família(44 Crowe H. Advanced urology nursing practice. Nat Rev Urol [Internet]. 2014 [cited 2016 Dec 8];11(3):178-82. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/nrurol.2014.16
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-55 Allen P. Survey: Pediatric urology NPs may be able to take on more. Urol Times [Internet]. 2011[cited 2016 Out 20];39(4):53-5. Available from: http://urologytimes.modernmedicine.com/urology-times/news/modernmedicine/modern-medicine-news/survey-pediatric-urology-nurse-practitioners-?date=&id=&pageID=2&sk=
http://urologytimes.modernmedicine.com/u...
) e embasada em princípios de advocacy.

O reconhecimento da equipe de enfermagem pelos pacientes e seus familiares é evidenciado por relatos verbais e demonstrações de afeto e gratidão pelos resultados alcançados. A satisfação e melhora clínica dos sintomas muitas vezes são captadas pelo uso de instrumentos (como DVSS, Calendário de Enurese e Diário de Eliminações). Isso ocorre não somente de forma quantitativa, mas também pela solicitação de orientações e tomada de decisão informada e compartilhada acerca de opções terapêuticas (como uso combinado ou não de terapia anticolinérgica com as intervenções de uroterapia), resultando no fortalecimento do vínculo entre pacientes, família e equipe de enfermagem de Uropediatria.

O reconhecimento da equipe de enfermagem pelos outros profissionais foi e vem sendo construído, assumindo-se uma prática expandida, com responsabilidades compartilhadas na tomada de decisão sobre os cuidados a serem prestados à criança/adolescente e sua família. A atuação multiprofissional, baseada no compartilhamento de decisões dos cuidados em saúde, tem tornado ainda mais visível a atuação da nossa equipe de PAE, evidenciando uma melhor adesão no manejo terapêutico do paciente e família.

Dessa forma, o serviço vem avançando na prestação de um cuidado de excelência baseado em evidências, mas, sobretudo, humano, direcionado a um grupo de crianças e adolescentes que apresenta STUI e DVI e necessita de uma equipe qualificada e apta para reconhecer, manejar e tratar suas demandas nas diferentes e múltiplas dimensões do cuidado em saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este relato de experiência, foi possível descrever um exemplo brasileiro de serviço de PAE em Uropediatria. Esse ambulatório, por se tratar de um projeto de extensão vinculado à UnB, segue um modelo diferenciado nos atendimentos clínicos realizados, o que o torna referência no Distrito Federal na assistência dessa subespecialidade pediátrica.

A experiência no projeto inclui uma vivência mista de atendimento ambulatorial (consultas de enfermagem) e hospitalar (respostas de pareceres e treinamentos de cateterismo), bem como a oportunidade de discussão de casos com as equipes de cirurgia e nefrologia pediátricas. Além do conhecimento técnico-científico que a área oferece, os enfermeiros e estudantes de enfermagem aprendem habilidades de educação em saúde e técnicas de comunicação efetiva com a criança, adolescente e sua família por meio das consultas de enfermagem, incluindo-se habilidades de semiotécnica (como técnica de cateterismo intermitente limpo), de semiologia (tanto exame físico geral quanto focalizado) e escuta ativa.

Apesar de ser uma área de especialidade no cuidado em saúde, atividades intersetoriais são também vivenciadas pelos extensionistas, dentre as quais se incluem ações no âmbito escolar, tais como o envio de cartas de incentivo e permissão para o uso do toalete, com vistas a articular com os profissionais da área de educação e permitir que a criança mantenha hábitos miccionais saudáveis em outros ambientes/espaços onde ela convive. Além disso, a experiência aqui relatada indica que o Enfermeiro de PAE pode representar um eficiente modelo de trabalho não somente para a Uropediatria, mas também para outras áreas especializadas da enfermagem. Este projeto aplica os preceitos de uma assistência baseada em evidências, tornando o cuidado de enfermagem alicerçado no pensamento crítico, reflexivo e humanístico.

Este projeto de extensão também pode ser considerado um espaço privilegiado para alunos de graduação e pós-graduação em Enfermagem, pois mostra uma atuação diferenciada do enfermeiro-especialista-docente-pesquisador, com ênfase na área de Enfermagem em Urologia Pediátrica.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2017
  • Aceito
    29 Mar 2017
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