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A ENFERMEIRA COMO COORDENADORA DA ASSISTÊNCIA AO PACIENTE ANALISE SOCIOMÉTRICA MULTIRRELACIONAL

"Tese de Doutoramento apresentada a Universidade de São Paulo, em 28 de fevereiro de 1973 por Maria Iveie Ribeiro de Oliveira".

RESUMO

O trabalho procurou analisar o papel da enfermeira nas unidades de internação de um hospital universitário, tendo em vista as exigências do processo organizacional. Para tanto, estudou as características burocráticas da organização, particularizando o funcionamento destas unidades, as atividades ali desenvolvidas e os padrões de interação dos grupos de desempenho.

Partiu-se do pressuposto de que ali se concentram as atenções do hospital para o cuidado e tratamento do paciente internado, exigindo, por isso mesmo, a participação de várias categorias de pessoal, em diferentes graus de compromisso e de aderência à unidade. Atender a todo o pessoal que chega e sai, dirigindo o fluxo contínuo de sucessivos eventos, relatar ocorrências, comunicar-se com os vários serviços, prestar informações sobre o paciente, compatibilizar todo o esquema de operações, tendo sempre presente a importância de preservar apreensões desnecessárias ao paciente ali hospitalizado, é função que difere muito daquelas até agora arroladas como administrativas; estas se apresentam com maior grau de complexidade e requerem a participação simultânea nos subsis-temas de cuidado e tratamento.

Em que consiste este trabalho de coordenação, a quem incumbe desempenhá-lo, quem deverá desempenhá-lo, quem de fato o desempenha, quais são as preferências e rejeições manifestadas pelos membros do grupo nas suas interações, foram as questões básicas a que o trabalho procurou responder, através dos métodos da observação direta e da análise sociométrica multirrelacional, conforme delineada por Weschler e outros, porém com adaptações. Esta técnica parte da teoria que distingue a organização formal da informal, em face dos padrões de relacionamento que as pessoas necessariamente desenvolvem em qualquer organização, através das várias atividades.

Cinco diferentes tipos de relacionamento foram estudados: o formal, o percebido, o real, o desejado e o rejeitado. Com base nos padrões destes relacionamentos, verificados em cada atividade, foram calculados índices de compreensão, conformidade, satisfação, insatisfação e de centralidade.

Foram analisadas as variáveis que influenciam as interações no hospital, emanadas do sistema externo e interno. O sistema externo se refere ao contexto social em que se encontra situado o hospital, sua posição na rede hospitalar regional, necessidades e valores culturais atribuídos à saúúde, nível de desenvolvimento da região, disponibilidade de recursos humanos e materiais. O sistema interno se refere aos objetivos e características burocráticas da organização.

Depois de uma análise dos centros de autoridade do hospital, identificou-se nas unidades de internação, a autoridade especializada e a autoridade administrativa, sendo á primeira desempenhada principalmente pelo médico, e a segunda, pela enfermeira.

À semelhança de instituições congêneres, no Hospital em estudo não se verifica uma simetria organizacional, conforme ocorre em outras organizações. As atividades que se desenvolvem visando o cuidado e o tratamento do paciente internado são praticamente iniciadas e concluídas nas linhas de frente do trabalho hospitalar - as unidades de internação -, sem rígida obediência aos centros decisóriqs da hierarquia superior, a que estão sujeitas as pessoas que lá trabalham. Isto se passa em virtude do fluxo contínuo de trabalho nestes setores e das constantes oscilações a que estão sujeitas as várias operações que ali se processam. Nestas unidades, estão centralizadas as mais importantes atividades do hospital, com praticamente todos os recursos da instituição a serviço das necessidades dos pacientes.

Ali se desenvolvem atividades médicas, de enfermagem, administrativas, técnicas e de' coordenação.

Para melhor caracterização, distingue-se neste trabalho, as atividades administrativas daquelas chamadas de coordenação. As primeiras são aquelas mais relacionadas com os trabalhos de manutenção da unidade, provimento de controle de medicação e 'material necessário, enquanto que as" atividades de coordenação são aquelas exigidas para sincronizar as várias operações que se processam nas linhas de frente do trabalho hospitalar, em virtude da natureza centrípeta do processo organizacional.

Foram identificadas oito categorias de atividades de coordenação: 01 - Interpreta, para os que chegam à unidade ou nela trabalham, as normas e regulamentos do hospital; 02 - Entrosa com os vários serviços do hospital, para a solução de problemas dos pacientes internados ou da unidade; 03 - Compatibiliza as atividades profissionais e técnicas, servindo de elo entre as várias categorias de pessoal que ali trabalham; 04 - Encaminha e/ou toma providências, visando o bom andamento dos trabalhos na unidade; 05 - Delibera sobre problemas de natureza administrativa da unidade e recebe as queixas relativas a problemas da mesma; 06 - Delibera sobre a distribuição de pacientes nos vários leitos das enfermarias e quartos; 07 - Delibera quanto às condições das enfermarias e quartos para receber novas admissões; 08 - Assegura a continuidade de cuidados aos pacientes internados.

Estudando como se comporta a organização formal e a informal face ao desempenho destas atividades, verificou-se a existência de uma dicotomia entre aquilo que a organização prescreve e o que é de fato realizado.

Embora a organização formal atribua competência ao médico-chefe da enfermaria para coordenar os trabalhos na unidade, estes vem sendo executados pela enfermeira. Os integrantes do sistema social nas unidades não só percebem, como desejam o desempenho pela enfermeira. Os elevados índices de centralização, referentes ao desempenho efetivo das atividades de coordenação, parecem indicar a enfermeira, entre todos os elementos que compõem as equipes de trabalho nestas unidades, como quem de fato coordena os trabalhos, não havendo qualquer rejeição manifesta ao incumbente deste papel.

Empregando o modelo teórico de Katz e Kahn, envolvidos na assunção de papéis organizacionais, verificou-se que o desempenho da enfermeira no papel de coordenadora decorre, basicamente, de fatores organizacionais, bem como de atributos profissionais, pessoais e de fatores interpessoais. Como este papel requer filiação simultânea aos subisistemas de cuidado e tratamento, o gerente de unidade não substitui a enfermeira neste mister. Isto, entretanto, não exclui a sua participação ou a de um secretário nos trabalhos administrativos da unidade. Pelo contrário. A introdução desta categoria no sistema social de assistência ao paciente é da mais evidente necessidade. Importa, entretanto, definir-se bem as suas atribuições, examinando a conveniência desta inclusão, com base em dois parâmetros, que são: o custo operacional e a maximização da função central do hospital - cuidar e tratar do paciente de modo eficaz, para devolvê-lo recuperado, o mais prontamente possível, à sociedade, ou, se isto não é possível, ajudá-lo no seu ajustamento à nova condição.

Finalmente, podemos concluir que, se compete às instituições hospitalares decidirem quanto aos seus esquemas organizacionais e à conveniente utilização de pessoal de enfermagem a seu serviço, cumpre às escolas de enfermagem acampanharem de perto estas tendências, avaliando as implicações que estas mudanças trazem ao preparo adequado de profissionais para as reais necessidades das instituições de saúde. A revisão de objetivos educacionais das escolas de enfermagem e a conseqüente reavalização de programas e métodos de ensino como um processo contínuo, são, portanto, um imperativo para o qual o corpo docente deve estar alertado. Este trabalho, entretanto, somente terá a significação e o alcance desejados na medida em que os professores estiverem preparados para fortalecer o ensino com base na investigação científica.

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    Aprovado pelo Conselho de Representantes Nacionais do ICN em 14 de Maio de 1973.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 1974
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