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Potencial da inteligência Artificial na Prática Baseada em Evidências em Enfermagem

A prática baseada em evidências (PBE) consolidou-se como pilar fundamental na enfermagem, impulsionando a tomada de decisões clínicas eficazes e embasadas em pesquisas científicas de alta qualidade. O objetivo primordial da PBE é assegurar que os pacientes recebam os cuidados mais apropriados e seguros, com base nas melhores evidências disponíveis. Neste contexto, os métodos de síntese de conhecimento são ferramentas essenciais para a PBE, pois contribuem para a tomada de decisão clínica a partir de revisões robustas, resultantes da combinação de diversos estudos nos mais de 28.000 artigos científicos publicados na área da saúde anualmente. Contudo, o panorama científico atual é caracterizado por uma produção massiva de conhecimento, tornando a tarefa de sintetizar e interpretar as evidências um desafio hercúleo para os profissionais de saúde. Com esses desafios em mente, a inteligência artificial (IA) surge como uma ferramenta poderosa, capaz de revolucionar a PBE e torná-la mais eficiente e precisa, avançando em tempo e qualidade das pesquisas.

A IA, com suas ramificações em machine learning (ML) e natural language processing (NLP), proporciona técnicas capazes de processar e analisar volumes colossais de dados, incluindo a vasta literatura científica. Algumas ferramentas de IA, como Elicit, Consensus, Litmaps, Perplexity, Semantic Scholar, ResearchRabbit, Paper Digest, Scholarcy e Open Knowledge Maps, já mapearam mais de 280.000 artigos científicos e, baseadas em ML, prometem revolucionar a identificação de lacunas de conhecimento. Imaginemos a IA vasculhando milhares de artigos, revelando áreas inexploradas e delineando novas fronteiras para a pesquisa em enfermagem, liberando tempo precioso dos pesquisadores para se dedicarem às investigações robustas. Com esta evolução, o mapeamento da literatura e a relevância, como o fichamento de artigos e elaboração de problemas de pesquisa, podem ser discutidos em tempo real entre pesquisadores.

Outra aplicação é na seleção de artigos relevantes para a pesquisa, automatizando o processo de triagem e priorizando a leitura dos artigos com maior probabilidade de relevância. A plataforma ASReview, por exemplo, utiliza técnicas de ML para automatizar a triagem de artigos, priorizando a leitura daqueles com maior probabilidade de relevância. Essa funcionalidade agiliza a seleção dos estudos que comporão parte da revisão, permitindo que os pesquisadores se concentrem na análise crítica dos estudos mais promissores e, ainda, evidenciem os trechos mais importantes dos estudos em uma etapa exploratória.

A IA também desponta como aliada na delimitação precisa das populações de estudo, extremamente importante para garantir a validade e a aplicabilidade dos resultados de pesquisa. Ferramentas como Litbaskets permitem analisar a representatividade de periódicos em relação a um tema específico, guiando os pesquisadores na escolha de fontes de dados relevantes. Além disso, a IA pode auxiliar na otimização de protocolos de pesquisa, aperfeiçoando o desenho experimental e minimizando tempo e custos. A Consensus, por exemplo, indica estudos que confirmam ou refutam eventuais práticas e, ainda, categoriza artigos a partir da abordagem metodológica, facilitando a sistematização do conhecimento por diferentes abordagens metodológicas.

A coleta de dados, etapa tradicionalmente trabalhosa em pesquisas de revisão, também se beneficia do poder da IA. Ferramentas como SourceData (EMBO), ChatGPT, ChatPDF, EnagoRead e Gemini (Google) podem automaticamente extrair informações relevantes de artigos, relatórios e imagens, facilitando e agilizando significativamente esse processo.

Na síntese e interpretação das evidências, a IA revela-se uma ferramenta indispensável. Técnicas de agrupamento de documentos, como as exploradas no estudo(11 Khalil H, Ameen D, Zarnegar A. Tools to support the automation of systematic reviews: a scoping review. J Clin Epidemiol. 2022;144:22-42. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2021.12.005
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), permitem visualizar a relação entre diferentes artigos, facilitando a identificação de temas-chave e a construção de mapas de conhecimento. A IA pode, ainda, auxiliar na comunicação eficiente dos resultados de pesquisa, gerando relatórios concisos e informativos. A sua capacidade de analisar dados complexos, como informações genéticas e de sensores, abre um leque de oportunidades para desvendar padrões ocultos e gerar informações inovadoras, auxiliando na formatação do artigo científico e otimizando a estrutura, a linguagem e o estilo. Ferramentas como Paperpal podem ser utilizadas para verificar a clareza e a coesão do texto, além de garantir que ele siga as normas de publicação.

Adicionalmente, é fundamental permanecer aberto e flexível diante das novas tecnologias, especialmente em relação à IA. Não devemos nos restringir a uma única ferramenta. É importante explorar, testar e adotar as soluções que melhor se adaptam às nossas necessidades específicas, garantindo uma abordagem mais ampla e eficaz na aplicação da PBE na enfermagem. Porém, é importante ter em mente que a IA não substitui o discernimento e a expertise do pesquisador; a sua reflexão deve partir da seguinte compreensão: a IA é meio, não fim. Por mais poderosa que seja, ela precisa ser utilizada de forma ética e criteriosa, sempre priorizando a qualidade da pesquisa e a segurança do paciente. A curadoria humana, a validação crítica dos resultados e a interpretação acurada das conclusões geradas pela IA são pilares inegociáveis para garantir a confiabilidade e a aplicabilidade das evidências(22 Wagner G, Lukyanenko R, Pare G. Artificial intelligence and the conduct of literature reviews. J Inf Technol. 2022;37(2):209-26. Available from: https://doi.org/10.1177/02683962211048201
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).

A IA inaugura uma nova era para a PBE na enfermagem e na saúde, abrindo um horizonte de possibilidades. Ferramentas inovadoras, impulsionadas por ela, estão transformando a pesquisa, acelerando a descoberta de novas intervenções e contribuindo para a construção de um futuro mais saudável para todos. A comunidade científica precisa se engajar ativamente no debate sobre a utilização da IA, explorando seus benefícios, desafios, estabelecendo diretrizes e práticas responsáveis para sua aplicação.

A enfermagem, protagonista na promoção da saúde e do bem-estar, tem a responsabilidade de apropriar-se desse potencial transformador da IA, impulsionando uma PBE mais robusta, eficiente e impactante.

REFERENCES

  • 1
    Khalil H, Ameen D, Zarnegar A. Tools to support the automation of systematic reviews: a scoping review. J Clin Epidemiol. 2022;144:22-42. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2021.12.005
    » https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2021.12.005
  • 2
    Wagner G, Lukyanenko R, Pare G. Artificial intelligence and the conduct of literature reviews. J Inf Technol. 2022;37(2):209-26. Available from: https://doi.org/10.1177/02683962211048201
    » https://doi.org/10.1177/02683962211048201

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2024
  • Aceito
    09 Ago 2024
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