“Caneta é a lâmina, minha pele o papel”: fatores de risco da automutilação em adolescentes

Moraes, Danielle Xavier; Moreira, Érika de Sene; Sousa, Johnatan Martins; Vale, Raquel Rosa Mendonça do; Pinho, Eurides Santos; Dias, Paula Cândida da Silva; Caixeta, Camila Cardoso

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Revista Brasileira de Enfermagem

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Sumário

ARTIGO ORIGINAL • Rev. Bras. Enferm. 73 (suppl 1) • 2020 • https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0578 copiar

“Caneta é a lâmina, minha pele o papel”: fatores de risco da automutilação em adolescentes

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

RESUMO

Objetivo:

descrever os fatores de risco que influenciam o comportamento da automutilação de adolescentes em atendimento em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, na percepção do próprio sujeito.

Método:

estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, realizado por meio de prontuários e grupo focal com 07 adolescentes. Os depoimentos foram submetidos à análise temática de conteúdo.

Resultados:

na categoria Fatores de risco, surgiram quatro subcategorias: Fatores de adversidade familiar; Contágio social; Acontecimentos adversos de vida; Características pessoais. Conflitos, falta de suporte, uso de drogas na família, conhecer alguém que se corta, redes sociais, religiosidade, histórico de violência sexual e bullying foram identificados como fatores de risco que influenciam na automutilação.

Considerações Finais:

as adolescentes apontaram para a necessidade de diálogos livres de preconceitos nas escolas, nos dispositivos de saúde e família, configurando fatores de proteção para evitar essa prática que advém de diversos acontecimentos negativos ao longo da vida.

Descritores:
Adolescente; Automutilação; Fatores de Risco; Saúde Mental; Serviços Comunitários de Saúde Mental

Unidades de Sentido	Falas ilustrativas
Conflito familiar	A última vez que me cortei, eu estava chateada com algumas coisas que tinham acontecido lá em casa, algumas brigas entre meus pais.(A3)
Falta de suporte familiar	Uma coisa que diferencia a gente que se automutila das outras pessoas é que todo mundo passa por problemas, mas a gente não tem apoio da família quando passa por esses problemas.(A6) Eu falava para minha mãe que eu precisava de ajuda, que se não tivesse ajuda, iria morrer, ela não se importava, falava que era coisa de adolescente.(A3)
Separação dos pais	Meu pai e minha mãe se separaram quando eu tinha quatro anos de idade, eu senti muita falta dele, acho que isso me atrapalhou demais, me senti abandonada, dividida, triste.(A3)
Rejeição materna	Minha mãe falava que eu estraguei a vida dela, que eu não deveria ter nascido, que eu deveria ter morrido no parto, isso me deixava triste e eu me cortava, me sentia um lixo.(A1)
Uso de álcool e outras drogas na família	Eu sinto raiva quando tem briga lá em casa, aí eu me corto. Eu comecei a me cortar por causa de tanta briga em casa. Eu via meu pai usar droga, minha mãe brigar, quebrar as coisas de casa, eu fui ficando triste, sentia uma dor enorme dentro de mim. Desde pequena, eu tenho vontade de mudar minha realidade, mas sinto que não depende só de mim e me sinto impotente por isso.(A1)

Unidades de Sentido

Falas ilustrativas

Conhecer alguém que se corta

Eu tenho amigos virtuais e amigos reais que se cortam.(A4)
Na minha escola, tem muita gente que se corta. Na minha sala, tem mais duas meninas que estão se machucando.(A5)

Internet/mídias sociais

A automutilação começou porque eu ficava assistindo vídeos de pessoas se cortando. Elas diziam se sentir melhor, e eu achei que ia aliviar minha ansiedade.(A1)
Eu já estava me cortando quando entrei para uma comunidade de automutilação do Facebook. Pensei que, conversando com pessoas que sentem as mesmas coisas que eu sinto, poderia me ajudar. É muito difícil falar de automutilação com quem não faz, a pessoa acha que é frescura, que estamos querendo chamar a atenção, que nada justifica fazer isso.(A2)
Eu acho que esses grupos me faziam piorar, eles falavam que as pessoas que se cortam são anjos que querem voltar para casa e isso incentiva as pessoas a se suicidarem. Eles postam muitas músicas tristes, com legendas tristes, imagens tristes, são grupos de astral ruim.(A7)

Unidades de Sentido	Falas ilustrativas
Bullying	Eu comecei a me cortar depois que fui vítima de bullying e abuso sexual.(A7) Frequentar a escola sempre foi difícil para mim, me chamavam de macaca, faziam bullying por causa do meu cabelo, por causa da minha cor. Eu me sentia a pior de todas as meninas, me sentia um nada.(A4)
Perda de ente querido	Tudo começou depois que minha mãe morreu, eu era muito pequena, ainda precisava dela. Passei a me sentir sozinha ou abandonada, não sei dizer direito o que senti, só sei que era ruim.(A1)
Violência Sexual	Eu fui abusada pelo meu pai. Depois disso, eu me cortei pela primeira vez. A gente até espera de outras pessoas, mas, de quem a gente ama, a gente espera proteção.(A3) Eu fui violentada durante três anos e nunca pude falar nada. Minha maior dor é não poder falar, mas eu tenho um diário: a caneta é a lâmina, minha pele é o papel.(A6)

Unidades de Sentido	Falas ilustrativas
Ansiedade	Eu tenho crise de ansiedade, sinto falta de ar, dor no peito, a cabeça dói.(A2)
Baixa autoestima	A palavra que me define é fracassada. Eu sou muito fracassada. (A1)
Dificuldade de expressar verbalmente	Eu queria que minha família conversasse comigo, para eu me abrir, eu sei que tenho dificuldade de falar, mas se eles tentassem com jeitinho, mas eles nem tentam. (A3)
Isolamento Social	Eu quase não fico no meio da família, eu só fico no quarto. (A4)
Ideação suicida	Eu li um livro que a moça se cortava e depois ela cometeu suicídio, eu me identifiquei com os sentimentos dela. (A2)
Orientação Sexual	Eu sou homossexual, sofro muito porque minha família não aceita, comecei a me cortar por isso. É muito difícil conviver em família quando você não é aceita. (A3)
Religiosidade	Eu não fui feliz buscando ajuda na igreja evangélica, eles me deixavam mais pra baixo. (A2) Minha família também é evangélica, eles não consideram a depressão uma doença, eles acham que tudo é o diabo. O pastor falava que eu estava com diabo no corpo, minha família toda acreditava, eu saía da igreja mais triste. (A3)
Raiva	Eu sinto raiva quando tem briga lá em casa, aí eu me corto. Eu comecei a me cortar por causa de tanta briga em casa. (A1)
Tentativa de suicídio	Eu falava para minha mãe que eu ia morrer, falei que não aguentava mais, ela não acreditou. Duas vezes eu tomei vários remédios e precisei ir pro hospital. (A3) Depois que eu tomei várias medicações e quase morri, minha mãe buscou ajuda aqui. (A7) Depois que perdi minha mãe, já tentei me matar várias vezes. (A4)
Tristeza	Eu me desenhei bem como eu sou, cabelos curtos e enrolados, um sorriso assim meio de lado, forçado, porque eu não aguento mais sorrir sem querer. As pessoas pensam que, porque estou sorrindo, estou feliz, mas meu coração é triste. (A6)

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[1] Autor Correspondente: Danielle Xavier Moraes. E-mail: daniellemoraes@discente.ufg.br