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Variáveis individuais e contextuais associadas ao tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas durante a gravidez

RESUMO

Objetivo:

analisar a associação entre características individuais e contexto de moradia ao tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação.

Métodos:

estudo transversal, com amostra probabilística de 3.580 gestantes que realizaram pré-natal no Sistema Único de Saúde em 2019. Os desfechos foram fumo ativo, passivo e consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação. Utilizaram-se como variáveis exploratórias características individuais e do ambiente de moradia.

Resultados:

Residir em vizinhança com episódios de violência, sem coesão social e sem elementos urbanos que estimulem atividade física esteve associado com o fumo. O consumo de bebidas alcoólicas durante a gravidez esteve associado com residir em ambientes que não estimulam a atividade física. O fumo também foi associado com renda e escolaridade mais baixas.

Conclusão:

características individuais e do ambiente de moradia estão associadas ao tabagismo, fumo passivo e ingestão de bebidas alcoólicas durante a gestação.

Descritores:
Tabagismo;; Poluição por Fumaça de Tabaco;; Bebidas Alcoólicas;; Gravidez;; Epidemiologia.

ABSTRACT

Objective:

to analyze the association between individual characteristics and housing context with smoking and alcohol consumption during pregnancy.

Methods:

a cross-sectional study with a probabilistic sample of 3,580 pregnant women who underwent prenatal care in the Unified Health System in 2019. The outcomes were firsthand, secondhand smoke and alcohol consumption during pregnancy. Individual characteristics and the living environment were used as exploratory variables.

Results:

living in a neighborhood with episodes of violence, without social cohesion and without urban elements that encourage physical activity was associated with smoking. Alcohol consumption during pregnancy was associated with living in environments that do not encourage physical activity. Smoking was also associated with lower income and education.

Conclusions:

individual characteristics and the living environment are associated with smoking, secondhand smoke and alcohol consumption during pregnancy.

Descriptors:
Tobacco Use Disorder; Tobacco Smoke Pollution; Alcoholic Beverages; Pregnancy; Epidemiology

RESUMEN

Objetivo:

analizar la asociación entre características individuales y contexto habitacional con el tabaquismo y el consumo de alcohol durante el embarazo.

Métodos:

estudio transversal con una muestra probabilística de 3580 gestantes que se sometieron a atención prenatal en el Sistema Único de Salud en 2019.Los resultados fueron tabaquismo activo, pasivo y consumo de bebidas alcohólicas durante el embarazo. Las características individuales y el entorno de vida se utilizaron como variables exploratorias.

Resultados:

vivir en un barrio con episodios de violencia, sin cohesión social y sin elementos urbanos que incentiven la actividad física se asoció con el tabaquismo. El consumo de bebidas alcohólicas durante el embarazo se asoció con vivir en ambientes que no estimulan la actividad física. El tabaquismo también se asoció con menores ingresos y educación.

Conclusiones:

las características individuales y el entorno de vida se asocian con el tabaquismo, el tabaquismo pasivo y el consumo de alcohol durante el embarazo.

Descriptores:
Tabaquismo; Contaminación por Humo de Tabaco; Bebidas Alcohólicas; Embarazo; Epidemiología

INTRODUÇÃO

O consumo de tabaco e a ingestão de bebidas alcoólicas ainda representam, no início do século XXI, dois dos principais fatores de risco à saúde humana. Há evidências de seus efeitos negativos durante todo o percurso de vida das pessoas, inclusive durante a gestação. Ambos os produtos causam danos ao feto no útero e em todos os seus ciclos de vida após o nascimento, além de apresentarem repercussões negativas à saúde da mulher11 Mund M, Louwen F, Klingelhoefer D, Gerber A. Smoking and pregnancy: a review on the first major environmental risk factor of the unborn. Int J Environ Res Public Health. 2013;10(12):6485-99. https://doi.org/10.3390/ijerph10126485
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-22 Centers for Disease Control and Prevention. Alcohol and pregnancy. Vital Signs [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 5]. Available from https://www.cdc.gov/vitalsigns/fasd/index.html
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.

O uso de tabaco está associado a altas taxas de morbimortalidade da mãe e do feto, aumentos no risco de uma gravidez ectópica, de deslocamento de placenta, de placenta prévia, de prematuridade e de baixo peso ao nascer, além de prejudicar o desenvolvimento pulmonar e aumentar a probabilidade de aborto, de ocorrência de um natimorto e apneia neonatal11 Mund M, Louwen F, Klingelhoefer D, Gerber A. Smoking and pregnancy: a review on the first major environmental risk factor of the unborn. Int J Environ Res Public Health. 2013;10(12):6485-99. https://doi.org/10.3390/ijerph10126485
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
,33 Masho SW, Bishop DL, White S, Svikis D. Least explored factors associated with prenatal smoking. Matern Child Health J. 2013;17(7):1167-74. https://doi.org/10.1007/s10995-012-1103-y
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...

4 Polańska K, Jurewicz J, Hanke W. Smoking and alcohol drinking during pregnancy as the risk factors for poor child neurodevelopment. A review of epidemiological studies. Int J Occup Med Environ Health. 2015;28(3):419-43. https://doi.org/10.13075/ijomeh.1896.00424
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5 Department of Health and Human Services (US). The health consequences of smoking - 50 years of progress: a report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services; 2014. 945p.
-66 Leslie FM. Multigenerational epigenetic effects of nicotine on lung function. BMC Med. 2013;11:27. https://doi.org/10.1186/1741-7015-11-27
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
. Já o álcool é teratogênico, podendo levar a restrições de crescimento, defeitos congênitos, problemas funcionais no sistema nervoso central, além dos riscos aumentados de aborto, prematuridade e todos os desfechos negativos relacionados ao desenvolvimento devido à síndrome do álcool fetal77 Jones KL. From recognition to responsibility: Josef Warkany, David Smith, and the fetal alcohol syndrome in the 21st century. Birth Defects Res A Clin MolTeratol. 2003;67(1):13-20. https://doi.org/10.1002/bdra.10023
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...

8 Burd L, Roberts D, Olson M, Odendaal H. Ethanol and the placenta: a review. J Matern Fetal Neonatal Med. 2007;20(5):361-75. https://doi.org/10.1080/14767050701298365
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-99 Peadon E, O’Leary C, Bower C, Elliott E. Impacts of alcohol use in pregnancy: the role of the GP. Aust Fam Physician [Internet]. 2007 [cited 2020 Jun 29];36(11):935-9. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18043782/
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.

Estima-se que 1,7% das mulheres grávidas no mundo fumam, havendo grande variação de prevalência nas diferentes regiões do mundo1010 Lange S, Probst C, Rehm J, Popova S. National, regional, and global prevalence of smoking during pregnancy in the general population: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2018;6(7):e769-e776. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30223-7
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. Irlanda (38,4%), Uruguai (29,7%) e Bulgária (29,4%) são os países com maior prevalência de tabagismo durante a gravidez. Grande variação regional também é observada no consumo de álcool, cuja prevalência média global é de aproximadamente 9,8%1111 Popova S, Lange S, Probst C, Gmell G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(3):e290-e299. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30021-9
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. Em ambos os casos, estima-se que as prevalências no Brasil sejam superiores aos valores médios mundiais (14,7% e 15,2% para tabagismo e consumo de álcool, respectivamente)1010 Lange S, Probst C, Rehm J, Popova S. National, regional, and global prevalence of smoking during pregnancy in the general population: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2018;6(7):e769-e776. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30223-7
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-1111 Popova S, Lange S, Probst C, Gmell G, Rehm J. Estimation of national, regional, and global prevalence of alcohol use during pregnancy and fetal alcohol syndrome: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(3):e290-e299. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30021-9
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.

Algumas características individuais vêm sendo associadas com o hábito de ingerir bebidas alcoólicas e de fumar durante a gravidez. O consumo de álcool foi identificado como mais elevado entre as gestantes com depressão, com menor suporte social, cuja gravidez não foi planejada e sem conhecimento sobre os efeitos negativos do álcool sobre o feto1212 Mpelo M, Kibusi SM, Moshi F, Nyundo A, Ntwenya JE, Mpondo BCT. Prevalence and factors influencing alcohol use in pregnancy among women attending antenatal care in Dodoma region, Tanzania: a cross-sectional study. J Pregnancy. 2018;2018:8580318. https://doi.org/10.1155/2018/8580318
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13 Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. [Prevalence and factors associated with alcohol use during pregnancy in a maternity hospital in Goiás, Central Brazil]. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(10):3413-20. https://doi.org/10.1590/1413-812320182310.24582016 Portuguese.
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-1414 Wubetu AD, Habte S, Dagne K. Prevalence of risky alcohol use behavior and associated factors in pregnant antenatal care attendees in Debre Berhan, Ethiopia, 2018. BMC Psychiatry. 2019;19(1):250. https://doi.org/10.1186/s12888-019-2225-1
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. Quanto ao consumo de tabaco, maior prevalência tem sido identificada entre mulheres com menor escolaridade e renda, com cor de pele preta, com depressão e entre adolescentes e multíparas1515 Mateos-Vílchez PM, Aranda-Regules JM, Díaz-Alonso G, Mesa-Cruz P, Gil-Barcenilla B, Ramos-Monserrat M, et al. Prevalencia de tabaquismo durante el embarazo y factores asociados en Andalucía 2007-2012. Rev Esp Salud Publica. 2014;88(3):369-81. https://doi.org/10.4321/S1135-57272014000300007
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-1616 Kale PL, Fonseca SC, Silva KS, Rocha PMM, Silva RG, Pires ACA, et al. Smoking prevalence, reduction, and cessation during pregnancy and associated factors: a cross-sectional study in public maternities, Rio de Janeiro, Brazil. BMC Public Health 2015;15:406. https://doi.org/10.1186/s12889-015-1737-y
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. A maior parte dos estudos conduzidos no Brasil, no entanto, não contempla amostra populacional probabilística1616 Kale PL, Fonseca SC, Silva KS, Rocha PMM, Silva RG, Pires ACA, et al. Smoking prevalence, reduction, and cessation during pregnancy and associated factors: a cross-sectional study in public maternities, Rio de Janeiro, Brazil. BMC Public Health 2015;15:406. https://doi.org/10.1186/s12889-015-1737-y
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. Adicionalmente, na literatura mundial, há poucas pesquisas que tenham investigado a exposição de gestantes ao fumo passivo1717 Vardavas CI, Patelarou E, Chatzi L, Roumeliotaki T, Sarri K, Murphy S, et al. Factors associated with active smoking, quitting, and secondhand smoke exposure among pregnant women in Greece. J Epidemiol. 2010;20:355-362. https://doi.org/10.2188/jea.je20090156
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18 Ngo CQ, Phan PT, Vu GV, Chu HT, Nguyen TT, Nguyen MH, et al. Prevalence and sources of second-hand smoking exposure among non-smoking pregnant women in an urban setting of Vietnam. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(24):5022. https://doi.org/10.3390/ijerph16245022
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-1919 Krishnamurthy AV, Chinnakali P, Dorairajan G, Sundaram SP, Sarveswaran G, Sivakumar M, et al. Tobacco use, exposure to second-hand smoke among pregnant women and their association with birth weight: a retrospective cohort study. J Fam Med Prim Care. 2018;7:728-33. https://doi.org/10.4103/jfmpc.jfmpc_269_17
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, sendo que nenhum conduzido no Brasil explorou a exposição ao mesmo no domicílio e no trabalho. Assim, pesquisas sobre essas exposições precisam ser ampliadas, para que se compreenda melhor o fenômeno, se possa monitorá-lo e para que ações em saúde sejam estruturadas.

Outra limitação no estudo sobre fatores associados ao consumo de álcool e de tabaco entre gestantes é a análise restrita a características individuais. Em outras áreas de pesquisa sobre a saúde humana já há evidências robustas sobre o efeito da região de trabalho e de residência sobre os níveis de saúde das populações2020 Duncan DT, Kawachi I. Neighborhoods and health. New York: Oxford University Press; 2018. 372 p.. Assim, a fim de delinear políticas públicas mais eficazes e que considerem múltiplos aspectos que influenciam o consumo de tabaco e de álcool entre mulheres grávidas, é necessário ampliar o conhecimento sobre contextos de vizinhança associados a esses desfechos.

OBJETIVO

Analisar a associação entre características individuais e contexto de moradia ao tabagismo e ao consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Todas as participantes do estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e foram seguidos os preceitos éticos descritos na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

Desenho, período e local do estudo

Foi realizado um estudo transversal norteado pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). A coleta de dados ocorreu entre janeiro e agosto de 2019 nos 31 hospitais de 30 municípios do estado de Santa Catarina, que, em 2016, tiveram 500 ou mais partos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esse conjunto de instituições concentrou 86,1% de todos os nascimentos via SUS no estado nesse período.

Protocolo do estudo

As participantes do estudo foram puérperas que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: (i) realizaram seu parto e todas as consultas de pré-natal no SUS ou não realizaram pré-natal; (ii) eram residentes no estado de Santa Catarina durante toda a gestação; (iii) tiveram filhos nascidos vivos ou natimortos com 500 g ou mais e, ao menos, 22 semanas de gestação. As mulheres foram entrevistadas nos hospitais até 48 horas após o parto.

O cálculo da amostra considerou como parâmetros nível de confiança de 95%, população de 50 mil (conforme total de partos SUS no estado, em 2016), margem de erro de 1,6 ponto percentual, prevalência estimada de 50% e 5% para recompor perdas, totalizando amostra final de 3.665 mulheres. O número de entrevistas realizadas em cada hospital se deu conforme a distribuição proporcional de nascimentos observada, em 2016.

O trabalho de campo ocorreu após treinamento de 35 entrevistadores que possuíam ao menos ensino superior incompleto e com formação completa ou em andamento na área da saúde. O questionário foi composto por instrumentos validados, perguntas advindas de outras pesquisas que tiveram objetivos semelhantes e perguntas construídas para essa pesquisa de acordo com os seus objetivos. Previamente ao campo propriamente dito, ocorreu pré-teste do questionário e estudo piloto com 5% da amostra, cujas entrevistas não foram incluídas na amostra final. As entrevistas foram realizadas face-a-face com o apoio de tablets, para registro das informações. Os dados eram armazenados na plataforma REDCap e enviados diariamente dos municípios em que havia coleta de dados até o servidor central da pesquisa.

Diariamente, a consistência dos dados era verificada em todas as entrevistas, e 10% da amostra foi contatada novamente por telefone, para aplicação de questionário reduzido e controle de qualidade. Observou-se boa reprodutibilidade das medidas calculadas, com Coeficiente de Kappa variando de 0,680 a 1,000.

No presente estudo, os desfechos analisados foram (1) o tabagismo da gestante, considerado positivo, quando a mulher relatou ter fumado durante a gravidez em qualquer trimestre da gestação; (2) o fumo passivo, considerado presente quando a gestante relatou que seu companheiro ou outro residente de seu domicílio fumava no mesmo ambiente em que ela estava ou quando ela referiu que colegas de trabalho fumavam na sua presença nos locais em que ela permanecia; (3) o consumo de bebida alcoólica, que foi positivo quando reportado o hábito de se tomar bebida com álcool regularmente (pelo menos 1 vez por semana) em algum trimestre durante a gravidez.

As variáveis exploratórias foram a idade da mulher no momento do parto (13-19 anos; 20-35; 36-46), a residência conjunta com companheiro (sim, não), o planejamento da gravidez (sim, não), a cor da pele/raça (preta, parda, branca), a escolaridade em anos de estudo (≥13; 10-12; ≤9), a renda domiciliar per capita em tercis, a residência em área com coesão social (sim, não), em área que estimula a atividade física (sim, não) e em área com episódios de violência (sim, não). Considerou-se coesão social na vizinhança, quando as puérperas responderam positivamente a duas perguntas: “Na sua vizinhança, as pessoas estão dispostas a ajudar os vizinhos?” e “Sua vizinhança é bem unida, isto é, as pessoas são capazes de se unir em torno de interesses comuns?”. O ambiente de moradia foi considerado como de estímulo à prática de atividade física quando as puérperas responderam sim às perguntas “Sua vizinhança oferece muitas condições para que as pessoas sejam fisicamente ativas (por exemplo, possam fazer caminhada, andar de bicicleta, etc.)?” e “É agradável fazer caminhadas na sua vizinhança?”. Por fim, a vizinhança foi considerada com violência, quando a puérpera relatou não se sentir segura andando de dia ou de noite na sua vizinhança ou se nela houve frequentemente roubo ou assalto nos últimos seis meses. Todas as informações dos desfechos e variáveis exploratórias foram autorreferidas.

Análise dos resultados e estatística

Para cada categoria das variáveis exploratórias, foram calculadas as prevalências dos três desfechos, com seus respectivos intervalos de confiança 95% (IC95%). Em seguida, por meio de regressão logística, calcularam-se os Odds Ratio com seus IC95% em modelos brutos. Todas as variáveis foram incluídas para ajuste nos modelos ajustados, sendo consideradas associadas com o desfecho no modelo final aquelas que apresentaram valor de p menor que 0,05. Os valores de p foram calculados por meio do teste de Wald. Todas as análises foram realizadas no programa estatístico Stata 15.1.

RESULTADOS

A taxa de resposta do estudo foi de 97,7%, tendo sido entrevistadas 3.580 mulheres. Aproximadamente três em cada quatro mulheres tinham entre 20 e 35 anos de idade, 80,5% moravam com companheiro, 40,0% planejaram a gravidez, 63,4% eram brancas e duas em cada três tinham, ao menos, o ensino médio completo (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição da amostra e prevalência de tabagismo, fumo passivo e consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação, Santa Catarina, Brasil, 2019

A prevalência de tabagismo durante a gravidez foi de 9,3%, valor superior ao observado para o consumo regular de bebida alcoólica (7,2%) (Tabela 1). A exposição ao fumo passivo foi ainda mais elevada, tendo sido referida por uma em cada seis mulheres (16,4%). Dentre as categorias das variáveis analisadas, as prevalências de tabagismo mais elevadas foram observadas entre as mulheres que referiram ter cor de pele/raça preta (16,9%) e entre aquelas de menor escolaridade (15,2%) e menor renda (14,8%). Destaca-se que as prevalências também foram elevadas em todas as categorias de pior ambiente de moradia. Cenário semelhante foi observado, quando analisada a exposição ao fumo passivo. Ele foi referido por uma em cada cinco mulheres que residiam em vizinhança com violência, naquelas sem coesão social e que não estimulam a atividade física. Além disso, ela foi expressivamente mais comum entre as gestantes adolescentes (23,4%), com baixa escolaridade (23,6%) e no grupo de menor renda (22,3%).

Já o consumo de álcool apresentou menor variação entre as categorias analisadas, sendo as diferenças também de menor magnitude. Destaca-se, no entanto, que a prevalência de consumo de álcool chegou a 10,2% entre as mulheres que não moravam com companheiro e a 9,8% entre as mulheres de cor/raça preta.

Na análise bruta, verificou-se que as prevalências do tabagismo e da exposição ao fumo passivo foram mais elevadas entre os grupos socioeconomicamente mais desprivilegiados, entre as mulheres que não moravam com companheiro, que não planejaram a gravidez e que residiam em ambientes mais violentos, com menor coesão social e menor estímulo à atividade física (Tabela 2). Já no caso do consumo de álcool, as únicas variáveis associadas com o desfecho foram morar com companheiro, a coesão social da vizinhança e o estímulo à atividade física da mesma.

Tabela 2
Modelo bruto dos fatores associados ao tabagismo, ao fumo passivo e ao consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação, Santa Catarina, Brasil, 2019

No modelo ajustado, houve variações nas magnitudes das razões de prevalências, mas poucas delas perderam significância estatística, ao se comparar com as análises brutas (Tabela 3). Observou-se que as mulheres com mais de 36 anos apresentaram prevalência de fumo 167% maior que as adolescentes, valor que chegou a 68% entre aquelas que não planejaram a gravidez, em comparação com as que planejaram. A maior diferença relativa foi observada, ao se analisar a escolaridade das mulheres, sendo que a prevalência do desfecho 218% maior naquelas com menos de dez anos de estudo, comparadas às que reportaram treze ou mais. Diferenças expressivas também foram observadas entre os distintos tercis de renda, com o menor tercil de renda apresentando chance 2,47 vezes maior de ter fumado durante a gestação, quando comparado com o maior tercil e segundo a cor/raça (2,54 maior chance entre as que referiram possuir cor/raça preta, em comparação às que reportaram possuir cor/raça branca). Por fim, as características de moradia estiveram claramente associadas ao desfecho, com a prevalência do tabagismo sendo 48% maior nas vizinhanças sem coesão social, 42% maior naquelas com episódios de violência e 35% mais elevadas nas que não estimulavam a atividade física.

Tabela 3
Modelo ajustado dos fatores associados ao tabagismo, ao fumo passivo e ao consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação, Santa Catarina, Brasil, 2019

O mesmo ocorreu no caso do tabagismo passivo. Gestantes que residiam em vizinhança com violência (+32%), sem coesão social (+28%) e que não estimulam a atividade física (+24%) estavam mais expostas ao desfecho. Ele também foi mais comum entre as gestantes adolescentes (69% maior), com a mais baixa escolaridade (105% maior) e de menor renda (88% maior), mas não houve diferença segundo cor de pele. Já ao se analisar o consumo de bebidas alcoólicas, apenas o fato de não morar com companheiro, possuir cor/raça preta (p<0,001) e não morar em vizinhança que estimula a atividade física estive associado com maior prevalência do desfecho.

DISCUSSÃO

O presente estudo verificou que, além de características demográficas e socioeconômicas individuais, o contexto do ambiente em que as gestantes residem tem associação com o fumo ativo e passivo e com o consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação.

No Brasil, a prevalência do tabagismo na gestação tem diminuído ao longo dos anos, da mesma forma que vem diminuindo o número de mulheres fumantes na população em geral2121 Levy D, Jiang M, Szklo A, Almeida LM, Autran M, Bloch M. Smoking and adverse maternal and child health outcomes in Brazil. Nicotine Tob Res. 2013;15(11):1797-804. https://doi.org/10.1093/ntr/ntt073
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
. A análise de três coortes de nascido vivos conduzidas em municípios brasileiros mostrou que a prevalência de tabagismo na gravidez reduziu 59% em Ribeirão Preto (São Paulo) entre 1978/9 e 2010, 54% em Pelotas (Rio Grande do Sul) entre 1982 e 2015 e 32% em São Luís (Maranhão) entre 1997/8 e 20102222 Loret de Mola C, Cardoso VC, Batista R, Gonçalves H, Saraiva MCP, Menezes AMB, et al. Maternal pregnancy smoking in three Brazilian cities: trends and differences according to education, income, and age. Int J Public Health. 2020;65(2):207-15. https://doi.org/10.1007/s00038-019-01328-8
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
. As prevalências de tabagismo entre gestantes nessas coortes foi de 4,1% em São Luís (2010), 11,8% em Ribeirão Preto (2010) e 16,5% em Pelotas (2015)2222 Loret de Mola C, Cardoso VC, Batista R, Gonçalves H, Saraiva MCP, Menezes AMB, et al. Maternal pregnancy smoking in three Brazilian cities: trends and differences according to education, income, and age. Int J Public Health. 2020;65(2):207-15. https://doi.org/10.1007/s00038-019-01328-8
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. Para consumo de álcool entre gestantes no país, a estimativa nacional foi de prevalência igual a 15,2% em 2012, valor superior ao observado em outros países da América2323 Lange S, Probst C, Heer N, Roerecke M, Rehm J, Monteiro MG, et al. Actual and predicted prevalence of alcohol consumption during pregnancy in Latin America and the Caribbean: systematic literature review and meta-analysis. Rev Panam Salud Publica. 2017;41:e89. https://doi.org/10.26633/RPSP.2017.89
https://doi.org/https://doi.org/10.26633...
.

A prevalência encontrada no presente estudo para tabagismo foi discretamente maior do que a média nacional estimada2121 Levy D, Jiang M, Szklo A, Almeida LM, Autran M, Bloch M. Smoking and adverse maternal and child health outcomes in Brazil. Nicotine Tob Res. 2013;15(11):1797-804. https://doi.org/10.1093/ntr/ntt073
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
, mas semelhante a outro estudo com dados de todo o país2424 Domingues RMSM, Figueiredo VC, Leal MDC. Prevalence of pre-gestational and gestational smoking and factors associated with smoking cessation during pregnancy, Brazil, 2011-2012. PLoS One. 2019;14(5):e0217397. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217397
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, que apontou 9,6% de gestantes fumando em algum momento da gravidez. Em relação à prevalência encontrada para consumo de álcool, estudos pontuais em diferentes regiões do país, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro2525 Freire K, Padilha PC, Saunders C. [Factors associated to alcohol and smoking use in pregnancy]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(7):335-41. https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000700003 Portuguese.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
-2626 Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Alcohol intake during pregnancy among parturients in southern Brazil. Rev Bras Saude Matern Infant. 2017;17(4):653-61. https://doi.org/10.1590/1806-93042017000400003
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, encontraram resultados semelhantes aos da presente pesquisa. Já outros estudos pontuais encontraram prevalência maior, como 23,1% em Minas Gerais e 17,7% em Goiás1313 Guimarães VA, Fernandes KS, Lucchese R, Vera I, Martins BCT, Amorim TA, et al. [Prevalence and factors associated with alcohol use during pregnancy in a maternity hospital in Goiás, Central Brazil]. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(10):3413-20. https://doi.org/10.1590/1413-812320182310.24582016 Portuguese.
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,2727 Souza LH, Santos MC, Oliveira LC. [Alcohol use pattern in pregnant women cared for in a public university hospital and associated risk factors]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(7):296-303. https://doi.org/10.1590/S0100-72032012000700002 Portuguese.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. No entanto, cabe ressaltar que a comparação direta entre as prevalências de todos os estudos dessa área é limitada, visto que a forma de coleta de dados tanto do tabagismo quanto do consumo de álcool não foi uniforme, diferindo expressivamente entre cada pesquisa.

A prevalência do tabagismo foi mais elevada entre as mulheres com maior idade (especialmente na faixa etária maior que 35 anos), mas a faixa etária não apresentou associação com o consumo de álcool. Outros estudos subnacionais com populações brasileiras mostraram maior consumo de álcool e de tabaco na faixa etária a partir dos 30 anos de idade2525 Freire K, Padilha PC, Saunders C. [Factors associated to alcohol and smoking use in pregnancy]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(7):335-41. https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000700003 Portuguese.
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-2626 Meucci RD, Saavedra JS, Silva ES, Branco MA, Freitas JN, Santos M, et al. Alcohol intake during pregnancy among parturients in southern Brazil. Rev Bras Saude Matern Infant. 2017;17(4):653-61. https://doi.org/10.1590/1806-93042017000400003
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. O fato de mulheres mais velhas apresentarem chance maior desses hábitos durante a gravidez pode ser explicado pelo hábito já adquirido ao longo da vida, na qual a maioria das mulheres que fumam durante a gravidez já eram dependentes do tabaco em períodos anteriores da vida, por exemplo. Também há relato de que a maior idade está relacionada a maior paridade, o que poderia prover uma falsa sensação de segurança sobre o desfecho da gravidez, favorecendo a manutenção de hábitos de risco durante a gestação2828 Crume T. Tobacco use during pregnancy. Clin Obstet Gynecol. 2019;62(1):128-41. https://doi.org/10.1097/GRF.0000000000000413
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29. Moraes CL, Reichenheim ME. [Screening for alcohol use by pregnant women of public health care in Rio de Janeiro, Brazil]. Rev Saúde Publica. 2007;41(5):695-703. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000500002 Portuguese
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-3030 Walker MJ, Al-Sahab B, Islam F, Tamim H. The epidemiology of alcohol utilization during pregnancy: an analysis of the Canadian Maternity Experiences Survey (MES). BMC Pregnancy Childbirth. 2011;11:52. https://doi.org/10.1186/1471-2393-11-52
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.

Ainda em relação a variáveis demográficas, não morar com companheiro foi associado a maior chance para os desfechos de fumo passivo e consumo de álcool. A literatura aponta que parceiros tendem a encorajar as mulheres a adquirir hábitos saudáveis na gravidez, além de dar suporte financeiro e emocional, diminuindo a chance tanto de tabagismo quanto de consumo de álcool durante a gestação3131 Bauld L, Graham H, Sinclair L, Flemming K, Naughton F, Ford A, et al. Barriers to and facilitators of smoking cessation in pregnancy and following childbirth: literature review and qualitative study. Health Technol Assess. 2017;21(36):1-158. https://doi.org/10.3310/hta21360
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-3232 Waldron M, Bucholz KK, Lian M, Lessov-Schlaggar CN, Miller RH, Lynskey MT, et al. Single motherhood, alcohol dependence, and smoking during pregnancy: a propensity score analysis. J Stud Alcohol Drugs. 2017;78(5):745-53. https://doi.org/10.15288/jsad.2017.78.745
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. A cor da pele foi associada ao consumo de tabaco e de álcool na gestação, especialmente no grupo de cor da pele preta, quando comparado ao de cor branca, tendo destaque o tabagismo, com mais que o dobro de chances para as mulheres que autorreferiram cor preta. Estudo realizado em São Paulo (SP) encontrou resultado semelhante referente ao hábito tabágico entre mulheres gestantes, apontando a estratificação social entre grupos étnicos no país, com diferenças no acesso a emprego e educação, como explicação para essa diferença entre os grupos analisados3333 Tabb KM, Huang H, Menezes PR, Azevedo e Silva G, Chan YF, Faisal-Cury A. Ethnic differences in tobacco use during pregnancy: findings from a primary care sample in São Paulo, Brazil. Ethn Health. 2015;20(2):209-17. https://doi.org/10.1080/13557858.2014.907390
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.

No presente estudo, variáveis socioeconômicas tiveram relação com os hábitos tabágicos, sendo que mulheres com menor escolaridade e renda tiveram mais chances tanto de fumar quanto de estarem expostas ao fumo passivo. Esse resultado vem ao encontro de outros estudos com a mesma temática em diferentes cidades e países com mulheres gestantes2222 Loret de Mola C, Cardoso VC, Batista R, Gonçalves H, Saraiva MCP, Menezes AMB, et al. Maternal pregnancy smoking in three Brazilian cities: trends and differences according to education, income, and age. Int J Public Health. 2020;65(2):207-15. https://doi.org/10.1007/s00038-019-01328-8
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,3434 Härkönen J, Lindberg M, Karlsson L, Karlsson H, Scheinin NM. Education is the strongest socio-economic predictor of smoking in pregnancy. Addiction. 2018;113(6):1117-26. https://doi.org/10.1111/add.14158
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-3535 Riaz M, Lewis S, Naughton F, Ussher M. Predictors of smoking cessation during pregnancy: a systematic review and meta-analysis. Addiction. 2018;113(4):610-22. https://doi.org/10.1111/add.14135
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. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os usuários de tabaco não costumam ter conhecimento de todos os riscos acarretados à saúde devido este hábito, o que inclui seus riscos durante a gestação, especialmente os grupos de menor escolaridade. Isso poderia justificar o fato de que mulheres com menor escolaridade são aquelas que tendem a manter o hábito tabágico mesmo com a descoberta da gravidez3636 World Health Organization (WHO). WHO report on the global tobacco epidemic, 2008: the MPOWER package. Geneva: World Health Organization, 2008. 334p.. O Brasil tem um histórico de desigualdades sociais em desfechos em saúde, e a população menos favorecida economicamente é aquela que menos tem a possibilidade de adotar intervenções positivas para sua saúde, o que inclui aquelas de controle do tabagismo instituídas no país2222 Loret de Mola C, Cardoso VC, Batista R, Gonçalves H, Saraiva MCP, Menezes AMB, et al. Maternal pregnancy smoking in three Brazilian cities: trends and differences according to education, income, and age. Int J Public Health. 2020;65(2):207-15. https://doi.org/10.1007/s00038-019-01328-8
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. Considerando-se todos os riscos relacionados com o tabagismo para a saúde materna e do bebê3737 Caputo C, Wood E, Jabbour L. Impact of fetal alcohol exposure on body systems: a systematic review. Birth Defects Res C Embryo Today. 2016;108(2):174-80. https://doi.org/10.1002/bdrc.21129.
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, o pré-natal tem papel de servir como espaço para orientações sobre os riscos e dúvidas da mulher em relação a esse tema3838 Santos JN, Souza EFM, Aquino AP, Santos JN, Bissaco DM, Suano ER, et al. [The guidance of nursing the pregnant women that make use of alcohol and tobacco]. Rev Recien. 2014;4(10):5-11. https://doi.org/10.24276/rrecien2358-3088.2014.4.10.5-11 Portuguese.
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.

O fumo passivo foi o desfecho analisado com maior prevalência, com 16,4% da amostra referindo ter contato diário com cigarro em, pelo menos, um dos trimestres gestacionais. Outros estudos também demonstram prevalência maior de fumo passivo em comparação ao tabagismo entre as gestantes1717 Vardavas CI, Patelarou E, Chatzi L, Roumeliotaki T, Sarri K, Murphy S, et al. Factors associated with active smoking, quitting, and secondhand smoke exposure among pregnant women in Greece. J Epidemiol. 2010;20:355-362. https://doi.org/10.2188/jea.je20090156
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,3939 Karcaaltincaba D, Kandemir O, Yalvac S, Güven ES, Yildirim BA, Haberal A. Cigarette smoking and pregnancy: results of a survey at a Turkish women’s hospital in 1,020 patients. J Obstet Gynaecol. 2009;29(6):480-6. https://doi.org/10.1080/01443610902984953
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. Destaca-se que, para esse desfecho, ao contrário do tabagismo ativo, as mulheres de menor idade foram as que tiveram maior chance de exposição, o que pode se dar pelo fato de que mulheres mais jovens costumam estar mais expostas a lugares públicos e convívio social com diferentes grupos, resultando em maiores chances de exposição ao tabaco3939 Karcaaltincaba D, Kandemir O, Yalvac S, Güven ES, Yildirim BA, Haberal A. Cigarette smoking and pregnancy: results of a survey at a Turkish women’s hospital in 1,020 patients. J Obstet Gynaecol. 2009;29(6):480-6. https://doi.org/10.1080/01443610902984953
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. Ao considerar que o fumo passivo também está associado a desfechos negativos em saúde4040 Meng X, Sun Y, Duan W, Jia C. Meta-analysis of the association of maternal smoking and passive smoking during pregnancy with neural tube defects. Int J Gynaecol Obstet. 2018;140(1):18-25. https://doi.org/10.1002/ijgo.12334
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, analisar o ambiente em que a gestante vive, com exposição ao tabaco em casa, no trabalho ou outros ambientes também deve ser discutido durante o pré-natal4141 Blanquet M, Leger S, Gerbaud L, Vendittelli F, CAFE Group. Smoking during pregnancy: a difficult problem to face. Results of a French multi-center study. J Prev Med Hyg [Internet]. 2016 [cited 2020 Jun 29];57(2):E95-E101. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4996047/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
.

As variáveis relacionadas ao ambiente de moradia também foram associadas aos desfechos relacionados ao fumo entre as mulheres deste estudo (com exceção da coesão social no fumo passivo). Já no caso do consumo de álcool, apenas o ambiente que estimula a atividade física foi associado a menor chance do seu consumo na gravidez. A influência do ambiente sobre hábitos de risco na gravidez é descrita na literatura, sendo que fatores comunitários, como a boa qualidade da vizinhança, recursos locais, normas culturais e apoio social têm relação com as chances de hábitos saudáveis3131 Bauld L, Graham H, Sinclair L, Flemming K, Naughton F, Ford A, et al. Barriers to and facilitators of smoking cessation in pregnancy and following childbirth: literature review and qualitative study. Health Technol Assess. 2017;21(36):1-158. https://doi.org/10.3310/hta21360
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. No Brasil, estudo realizado no Rio de Janeiro indicou que as gestantes com menor rede de apoio social apresentaram 62% mais chance de fumar4242 Tofani AA, Lamarca GA, Sheiham A, Vettore MV. The different effects of neighborhood and individual social capital on health-compromising behaviors in women during pregnancy: a multi-level analysis. BMC Public Health. 2015;15:890. https://doi.org/10.1186/s12889-015-2213-4
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, resultado semelhante ao valor de 48%, encontrado na presente pesquisa. Morar em ambientes com alta coesão social tem sido descrito como fator de proteção para o hábito tabágico4343 Alcalá HE, Sharif MZ, Albert SL. Social cohesion and the smoking behaviors of adults living with children. Addict Behav. 2016;53:201-5. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2015.10.022
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. Na medida em que fortalece vínculos com efeitos psicológicos positivos, parece desencorajar o hábito de fumar e também tem relação com a sensação de maior segurança dentro de casa e no bairro em que se vive4444 Patterson JM, Eberly LE, Ding Y, Hargreaves M. Associations of smoking prevalence with individual and area level social cohesion. J Epidemiol Community Health. 2004;58(8):692-7. https://doi.org/10.1136/jech.2003.009167
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. Isso também vem ao encontro do achado de que moradores de vizinhanças mais violentas têm maior chance de apresentar hábitos tabágicos, principalmente pelo fato de que tal ambiente pode ser indutor de estresse entre seus moradores4545 Fleischer NL, Lozano P, Arillo Santillán E, Reynales Shigematsu LM, Thrasher JF. The impact of neighborhood violence and social cohesion on smoking behaviors among a cohort of smokers in Mexico. J Epidemiol Community Health. 2015;69(11):1083-90. https://doi.org/10.1136/jech-2014-205115
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. Quanto ao estímulo para atividade física no ambiente de moradia, que esteve associado a menor chance de tabagismo, fumo passivo e consumo de álcool no presente estudo, o resultado também é concordante com outros estudos que indicam que falta de ambientes para lazer também funcionam como estressores que podem levar a hábitos de vida não saudáveis4646 Jitnarin N, Heinrich KM, Haddock CK, Hughey J, Berkel L, Poston WS. Neighborhood environment perceptions and the likelihood of smoking and alcohol use. Int J Environ Res Public Health. 2015;12(1):784-99. https://doi.org/10.3390/ijerph120100784
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.

Limitações do estudo

Entre as limitações do presente estudo está o seu delineamento transversal, que impede que se estabeleçam relações causais entre exposição e desfecho, pois não é possível estabelecer a relação temporal entre ambos. Também é preciso ponderar que as variáveis referentes ao pré-natal foram questionadas no período pós-parto. Dessa forma, o fato de o questionamento sobre o consumo de tabaco e álcool nos diferentes trimestres gestacionais ser feito após o nascimento da criança pode ter levado a uma possível perda de precisão pelo viés de memória. Por fim, destaca-se que as informações foram autorreferidas, e as respostas oferecidas pelas mulheres podem ser aquelas mais bem aceitas socialmente. Assim, apesar de essa ser a forma de pesquisa majoritariamente empregada nos estudos científicos da área, não se pode descartar a ocorrência de subestimativa dos valores estimados de tabagismo e de consumo de bebidas alcoólicas.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Segundo os dados do presente estudo para diminuir a prevalência de álcool e tabaco na gravidez, fazem-se necessárias não apenas políticas, programas e ações com foco nos indivíduos, mas também no ambiente de moradia. Os grupos que ainda mantêm o consumo de tabaco e álcool durante a gravidez devem ser alvo de estudos adicionais que possam auxiliar no desenho de políticas com foco nessa temática. Além disso, ações estruturais para o aumento da escolaridade e renda da população e voltadas ao grupo de cor de pele preta podem ter efeito positivo na diminuição da exposição a álcool e tabaco na gravidez. Ao levar em conta que o pré-natal é um espaço de orientação e ação para cessação do álcool e tabaco, os serviços de saúde devem considerar os grupos mais vulneráveis para essa prática. Nesse contexto, destaca-se o papel da enfermagem durante as consultas de pré-natal promovendo o aconselhamento das gestantes e também na liderança de ações educativas coletivas que sejam eficazes na promoção da saúde. Os profissionais de saúde, inclusive de enfermagem, também têm importantes papéis nos conselhos de saúde, localmente a nacionalmente, na busca de ações coletivas que melhorem as condições objetivas de vida das pessoas e a oferta equânime dos serviços de saúde. Tais iniciativas são importantes, conforme os dados deste estudo, para o controle do tabagismo e do consumo de bebidas alcoólicas na gravidez.

CONCLUSÕES

O presente estudo identificou que o consumo de álcool e de tabaco durante a gravidez é distribuído de forma desigual entre as gestantes. Fatores individuais, em particular marcadores socioeconômicos, e aqueles relacionados ao ambiente de moradia se associaram de forma independente aos desfechos.

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes
  • FOMENTO Fundação de Amparo a Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC) sob o termo de outorga n°2017 TR1364.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2020
  • Aceito
    14 Set 2020
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