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VALOR DO PREPARO DA GESTANTE SUBMETIDA AO MÉTODO PROPEDÊUTICO-AMNIOCENTESE

I. INTRODUÇÃO:

A detecção do sofrimento fetal tem sido objeto de estudos constantes dos obstetras. Esta detecção pode ser feita por meio de vários procedimentos e métodos. Atualmente um deles, considerado bastante eficiente é a amniocentese, através do qual se faz o diagnóstico da vitalidade e da viabilidade fetal.

Porém, observou-se que as gestantes ao saberem que deverão se submeter a este método propedêutico se apresentam angustiadas e temerosas, geralmente pelo desconhecimento do exame.

II. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A AMNIOCENTESE

A amniocentese é um método propedêutico que consiste na punção transabdominal das membranas ovulares, com a finalidade de detectar o sofrimento fetal, através da avaliação macro e microscópica ou bioquímica do líquido amniótico. É indicado quando há viabilidade fetal, ou seja a partir da 32.ª ou 34.ª semana de gestação.

O valor do método está relacionado às alterações do aspecto e da tonalidade que o líquido amniótico pode apresentar, sendo utilizado principalmente em gestações de alto risco, para o diagnóstico da vitalidade e maturidade fetais, que irão determinar a conduta obstétrica.

A gestação de alto risco é a gravidez associada a alguma patologia. a qual pode se agravar e conseqüentemente interferir no perfeito desenvolvimento do concepto.

Henckel em 1919, empregou a amniocentese pela primeira vez, em casos de hidrâmio agudo para drenagem do liquido, porém esta técnica foi praticamente abandonada. Foi novamente utllizada após os estudos de Kubli em 1962, desta vez, como método para diagnosticar a vitalidade fetal.

O método contribui para a redução do obituário perinatal, sendo esta uma das conclusões do Dr. Ivo Behle, no seu trabalho sobre "O valor da amniocentese na redução do obituário perinatal na gravidez complicada por síndrome hipertensiva".

A. Aspectos Técnicos

A técnica da amniocentese é bastante simples.

B. Justificativa da utilização do método

O uso da amniocentese é justificado pela facilidade de sua aplicação e pelos benefícios que pode trazer de imediato, quanto à elucidação diagnõstica, a saber:

1. Análise visual do líquido:

Aspirado o material, por simples visualização da cor podem-se evidenciar alterações indicativas de acidente no ato da punção, gráu de amadurecimento fetal, ocorrência de sofrimento fetal atual ou antigo bem como indicar a vitalidade do feto, a saber:

a) Sangue - Pode ser encontrado devido à punção acidental do leito placentário;

b) Líquido sero sanguinolento - Também indicativo de lesão placentária, durante a punção;

c) Líquido claro - Indica ausência de comprometimento hipóxico atual, diagnosticando provavelmente feto prematuro;

d) Líquido opalescente - A obtenção de líquido âmnico claro, rico em escamas fetais e grumos de vernix caseoso diagnostica, provavelmente feto de termo ou nas proximidades de termo;

e) Líquido tinto de mecônio - Sugere a ocorrência de sofrimento fetal;

f) Líquido amarelado - Salvo casos de isoimunização feto-materna, deve ser considerado como indicativo de sofrimento fetal crônico, com presença antiga de mecônio;

g) Líquido acastanhado ou hemático escuro - Sugere presença de feto morto, em maceração.

2. Análise laboratorial do líquido:

O líquido amniótico aspirado, permite a realização de vários exames complementares, principalmente ligados à determinação da maturidade fetal. Entre estes consideramos:

a) Dosagem de fosfolípides no líquido amniótico - Os fosfolípedes são constituintes das substâncias surfactantes presentes nos alveolos pulmonares do feto, que, por reduzir a tensão superficial, impede o colabamento de suas paredes, facilitando a expansão pulmonar quando se iniciam os movimentos respiratórios. Os fosfolípides mais importantes, são a lecitina e a esfingnomielina, cujos valores aumentam com o evoluir da gestação. Dessa forma a relação entre a lecitina e esfingnomieilna maior ou igual a 2 indicaria uma boa maturidade pulmonar.

Outra forma de detectar os surfactantes é através do método de Clementes, que se baseia na capacidade dos surfactantes formarem bolhas em presença do etanol.

b) Percentual de células orangiófilas - Brosens e Gordon em 1966, descreveram um método para a avaliação da maturidade fetal através da contagem de células orangiófilas presentes no líquido amniótico coradas pelo sulfato de azul de Nilo. Uma porcentagem de 10% ou mais indicaria maturidade fetal.

c) Espectofotometria - A bilirrubina no líquido amniótico diminui à medida que o feto vai atingindo a maturidade hepática, e o aumento da capacidade de conjugação. Isto pode ser detectado pela espectofotometria, a qual através de cálculos apropriados pode determinar o grau de amadurecimento fetal.

Dosgem de creatinina - No final da gestação a creatinina aumenta no líquido amniótico, sendo índice da maturidade renal e muscular. Admite-se que valores de 1,8ng* * ng = 10-9 gr. à 2ng% representam maturidade fetal. Deve-se levar em conta que nos casos de hipertensão materna a concentração de creatinina no sangue se eleva acima do normal, conseqüentemente aumentando a creatinina no líquido amniótico.

e) Dosagem da alfa-feto proteína A alfa-feto proteína é produzida pelo fígado fetal, e possivelmente também pela gestante. A concentração no líquido amniótico aumenta até o 2.° trimestre da gestação atingindo 26.000ng/ml. e daí começa a cair. Valores menores que 185ng/ml. significam gestação de 37 semanas ou mais.

C. Ambiente para a realização do . . exame

A amniocentese deve ser realizada em ambiente hospitalar pelos seguintes motivos:

1. Caso o exame revele sofrimento fetal, a gestante deverá ser submetida à cesárea imediatamente.

Apesar da amniocentese ser um método propedêutico dos mais eficientes, não é completamente isento de riscos. Acidentalmente pode-se puncionar a placenta, levando em alguns casos ao deslocamento prematuro, sendo indicada cesárea imediata.

Outro risco que deve ser mencionado é a infecção que pode ocorrer, sendo recomendado muito rigor na técnica asséptica.

III. PREPARO PSICOLÓGICO PARA O EXAME

De acordo com o Prof. paeheco e Silva, emoção vem de "emovere", que quer dizer movimento da alma, e, na mulher, observamos com grande freqüência um estado de hiperemotividade, pois a constituição hiperemotiva é mais comum no sexo feminino.

Na emoção podemos observar reações discretas. Muitas vezes uma emoção é etimulante, é tônica, é benéfica. Mas se a emoção é violenta. muito forte, ela perturba, pois tem efeito inibitório, paralisante e prejudicial. Esse tipo de emoção é dito astênico, porque tolhe os movimentos ou entrava o curso idetivo.

Muitas vezes as pessoas sentem-se ansiosas e temerosas diante de situações desconhecidas. A tensão quase inevitável da gestante de alto risco, soma-se o "stress" causado pelo exame a ser feito, situação nova e de total ignorância para ela.

Na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde a amniocentese é sistemática nas gestações de alto risco, verificou-se que as gestantes se presentavam ansiosas e amedrontadas, tendo algumas impedido ou dificultado a realização do exame.

O comportamento das gestantes fez com que deduzíssimos que a parte importante da enfermagem estaria no preparo psicológico, para diminuir o estado emotivo.

É importante que a futura mãe esteja calma e aceite o exame, pois a falta de colaboração poderá dificultar sua realização e também prejudicar o feto, através da diminuição de oxigênio, com conseqüentes contrações uterinas que poderão surgir, tanto mais intensas quanto maior for o gráu de emotividade. Ela deverá ser conscientizada do beneficio que a aplicação do método trará ao seu filho, surpreendendo o sofrimento fetal que provavelmente o levaria à morte se diagnosticado tardiamente.

Procurou-se solucionar o problema através de um plano rápido de orientação.

A limitação de tempo exige uma orientação rápida, pois a indicação do exame é quase sempre de emergência, e o tempo entre a indicação e a realização deste, em geral é de trinta minutos no máximo.

A. Levantamento dos problemas

Para a elaboração de um plano de orientação objetivo, foi aplicado um questionário em vinte gestantes com indicação de amniocentese, cuja faixa etária variou de 16 à 39 anos. Este questionário teve por objetivo evidenciar os problemas que pudessem interferir com Q realização do exame e constou das seguintes perguntas:

1. A senhora sabe que exame será feito? No caso de resposta afirmativa, diga o que sabe a respeito.

2. A senhora quer fazer o exame ? No caso de resposta negativa, dizer o por quê.

3. A senhora tem medo? No caso de resposta afirmativa, dizer o por quê. (Anexo I ANEXO I QUESTIONÁRIO UTILIZADO NAS ENTREVISTAS COM GESTANTES ).

B. Análise dos resultados

1. Em relação à idade, o grupo não apresentou d i f e r e n ç a s significativas quanto à manifestação de temor e ansiedade. Este fato não correspondeu à nossa inferência inicial, de que as mais jovens fossem as mais ansiosas.

2. Em relação à primeira questão conhecimento do exame - 55% do grupo demonstrou saber apenas que "ia ser colocada uma agulha na barriga", enquanto que 45% o ignorava totalmente.

3. Quanto à aceitação, 85% das respostas foram positivas e 15% negativas.

4. A totalidade do grupo referiu temor à dor. O que nos surprendeu foi o fato que uma minoria, apenas 20% da população, respondeu que além do medo da dor, sentia medo que o feto fosse prejudicado.

C. Plano de orientação

Com base nos resultados obtidos, elaborou-se um plano de orientação para informar a gestante sobre o exame, objetivando diminuir seu temor e ansiedade, dando-lhe condições de colaborar e facilitar sua realização. Com este plano procura-se informar dentro de uma seqüência lógica:

1. Que exame será feito.

2. Porque vai ser feito.

3. Como vai ser feito.

4. Como colaborar para o exame.

De acordo com nossa experiência pessoal, a orientação da gestante deve ser feita pela enfermeira obstétrica ou obstetriz, sendo observados os seguintes cuidados:

1. A orientação deve ser em local calmo e tranqüilo;

2. a exposição deve ser clara, em linguagem à altura do gr;u de instrução da gestante;

3. a orientação deve ser individual.

D. Aplicação e resultado

Vinte gestantes que seriam submetidas à amniocentese, foram orientadas, conforme "Plano de Orientação". (Anexo II ANEXO II PLANO DE ORIENTAÇÃO DA GESTANTE PARA AMNIOCENTESE A orientação da gestante para o exame amniccentese deve ser felta pela enfermeira obstétrica ou obstetriz. Devem ser observados os seguintes cuidados: a orientação deve ser em local calmo e tranqüilo; a exposição. deve ser clara, em linguagem à altura do gráu de instrução da gestante; a orientação deve ser individual. Objetivos: instruir a gestante quanto ao exame; dar apoio emocional à gestante, preparando-a para colaborar com o exame. Plano de Orientação: 1. que exame será feito: amniocentese; o que; a sua importância. 2. porque vai ser feito: para verificar a vitalidade fetal; para verificar a maturidade fetal; para diagnóstico e conduta obstétrica. 3. como vai ser feito: técnica da amniocentese; quem faz o exame; material usado. 4. como colaborar Dara o exame: relaxatamento muscular; confiar no médico; manter a posição correta. ).

O resultado obtido foi positivo, pois as gestantes se mantiveram calmas, relaxadas e procuaram colaborar. Observouse que a tensão e ansiedade diminuíram em grande parte. Cremos que, se houvesse maior tempo para o reforço da orientação entre a indicação do exame e sua realização, a ansielade e tensão poderiam ser eliminadas.

IV. CONCLUSAO

Pelo resultado da pequena amostra. verificou-se que o preparo psicológico da gestante de alto risco é de suma importância. Mesmo nos casos em que a emergência é extrema devemos insistir em que ela tenha conhecimento do tipo de exame a que será submetida, o motivo da realização e a necessidade de sua colaboração.

Ressaltamos a importância do ambiente tanto para a orientação como para a realização do exame com o intuito de manter seu equilíbrio emocional, sua segurança física e a segurança do concepto.

Os resultados que obtivemos embora aplicados numa população não significante sob o ponto de vista estatístico, foi extremamente gratificante, fator Indicativo que estamos no rumo certo para ações objetivas dentro da área de enfermagem obstétrica.

  • *
    ng = 10-9 gr.
  • GONSALES, G.I. - Valor do preparo da gestante submetida ao método propedêuticoamniocentese. Rev. Bras. Enf.; DF, 30 : 307-313, 1977.

ANEXO I QUESTIONÁRIO UTILIZADO NAS ENTREVISTAS COM GESTANTES


ANEXO II

PLANO DE ORIENTAÇÃO DA GESTANTE PARA AMNIOCENTESE

A orientação da gestante para o exame amniccentese deve ser felta pela enfermeira obstétrica ou obstetriz.

Devem ser observados os seguintes cuidados:

  1. a orientação deve ser em local calmo e tranqüilo;

  2. a exposição. deve ser clara, em linguagem à altura do gráu de instrução da gestante;

  3. a orientação deve ser individual.

Objetivos:

  1. instruir a gestante quanto ao exame;

  2. dar apoio emocional à gestante, preparando-a para colaborar com o exame.

Plano de Orientação:

  • 1. que exame será feito:

  • amniocentese; o que; a sua importância.

  • 2. porque vai ser feito:

  • para verificar a vitalidade fetal;

  • para verificar a maturidade fetal;

  • para diagnóstico e conduta obstétrica.

  • 3. como vai ser feito:

  • técnica da amniocentese;

  • quem faz o exame;

  • material usado.

  • 4. como colaborar Dara o exame:

  • relaxatamento muscular;

  • confiar no médico;

  • manter a posição correta.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 1977
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