Open-access Fragilidade no idoso: possibilidades de rastreio na Atenção Primária à Saúde

RESUMO

Objetivos:   avaliar dois instrumentos de rastreio de fragilidade no idoso na Atenção Primária à Saúde.

Métodos:   trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal, com abordagem quantitativa, com 396 idosos. As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do software SPSS. Foram usados o coeficiente kappa e a correlação de Spearman.

Resultados:   o coeficiente kappa entre o Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional 20 e a Escala de Fragilidade de Edmonton foi de 0,496, considerado moderado. Houve correlação positiva e significante (r = 0,77; p < 0,001) entre as condições de fragilidade e a pontuação total dos dois instrumentos.

Conclusões:   ao avaliar a fragilidade, ambos os instrumentos apresentaram correlação positiva e concordância quando verificados pelo coeficiente kappa. Entretanto, a identificação da fragilidade foi superior quando utilizada a Escala de Fragilidade de Edmonton.

Descritores: Idoso; Envelhecimento; Fragilidade; Atenção Primária à Saúde; Avaliação Geriátrica

ABSTRACT

Objectives:   to evaluate two instruments for screening frailty in the elderly in Primary Health Care.

Methods:   this is an observational, cross-sectional study, with a quantitative approach, with 396 elderly people. SPSS software helped to perform the statistical analyses. The study used the kappa coefficient and Spearman’s correlation.

Results:   the kappa coefficient between the Clinical-Functional Vulnerability Index 20 and the Edmonton Frailty Scale was 0.496, considered moderate. There was a positive and significant correlation (r = 0.77; p < 0.001) between the frailty conditions and the total score of the two instruments.

Conclusions:   when this article assessed fragility through the kappa coefficient, both instruments presented positive correlation and agreement. However, the identification of frailty was higher when it used the Edmonton Frailty Scale.

Descriptors: Elderly; Aging; Frailty; Primary Health Care; Geriatric Evaluation

RESUMEN

Objetivos:   evaluar dos instrumentos de rastreo de fragilidad en el anciano en la Atención Primaria de Salud.

Métodos:   se trata de un estudio observacional, del tipo transversal, con abordaje cuantitativo, con 396 ancianos. Los análisis estadísticos fueron realizados con auxilio del software SPSS. Fueron usados el coeficiente kappa y la correlación de Spearman.

Resultados:   el coeficiente kappa entre el Índice de Vulnerabilidad Clínico Funcional 20 y la Escala de Fragilidad de Edmonton fue de 0,496, considerado moderado. Hubo correlación positiva y significante (r = 0,77; p < 0,001) entre las condiciones de fragilidad y la puntuación total de los dos instrumentos.

Conclusiones:   al evaluar la fragilidad, ambos los instrumentos presentaron correlación positiva y concordancia cuando verificados por el coeficiente kappa. Entretanto, la identificación de la fragilidad fue superior cuando utilizada la Escala de Fragilidad de Edmonton.

Descriptores: Anciano; Envejecimiento; Fragilidad; Atención Primaria de Salud; Evaluación Geriátrica

INTRODUÇÃO

O inegável crescimento da população idosa em países da América Latina é um fator que se reflete no próprio sistema de saúde, por meio dos índices de morbimortalidade. No Brasil, esse fenômeno vem acontecendo de modo acelerado e encontra-se associado, dentre outros aspectos, à redução na taxa de fecundidade e aumento na expectativa de vida(1-2). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, a população brasileira com mais de 60 anos era de 14,5 milhões de pessoas, representando um aumento de 35,5% em relação aos 10,7 milhões em 1991. Atualmente, esse número ultrapassa os 29 milhões e estima-se que, até 2060, haverá aproximadamente 73 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representaria um aumento de 160%.

O envelhecimento é considerado um processo sequencial, individual, acumulativo e irreversível de deterioração do organismo, que pode comprometer a saúde física, mental e/ou social. Frequentemente está relacionado à maior prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), que podem influenciar o surgimento de limitações físicas, perdas cognitivas, sintomas depressivos, declínio sensorial, acidentes, quedas, incontinência urinária e isolamento social, denominadas síndromes geriátricas(1,3).

A associação entre as DCNTs e as síndromes geriátricas pode impactar a capacidade clínica e funcional do idoso, tornando-o vulnerável e posteriormente frágil. Portanto o rastreio da fragilidade no idoso permite que sejam realizadas intervenções precoces para prevenção ou desaceleração da fragilidade, a qual é potencialmente modificável. No contexto da Atenção Primária à Saúde (APS), a identificação dos fatores associados à fragilidade no idoso tem o potencial para redução de impactos sobre o sistema de saúde, mediante políticas públicas que organizam um modelo de cuidado integrado e centrado nessa parcela da população(4). Diante desse cenário, torna-se relevante a discussão e rastreio da fragilidade na população idosa no primeiro nível de atenção à saúde(1,3-5).

O termo “fragilidade” é polissêmico na literatura científica. Entretanto, podem-se identificar alguns de seus elementos constitutivos: queda da reserva e resistência a fatores estressantes do organismo, levando à redução da capacidade de manutenção da homeostase; maior dependência; risco aumentado de mortalidade e de eventos adversos de saúde como quedas, lesões, doenças agudas, internações, institucionalização. É um todo indissociável, de natureza multidimensional, que promove redução da adaptação às agressões biopsicossociais. Por isso, toda estratégia direcionada para o atendimento a essa clientela deverá contemplar os aspectos multidimensionais afetados. Assim, em saúde pública, o conceito de fragilidade deve ser amplo a fim de que a rede de Atenção Primária possa responder às necessidades dessa população e, com isso, manter e promover a sua autonomia e independência(1,3-6).

A prevalência de fragilidade é descrita em estudos internacionais realizados com idosos de comunidades de diferentes países. Por exemplo, estudo de metanálise que incluiu 29 publicações e 43.083 idosos da comunidade na América Latina e Caribe identificou prevalência média de fragilidade de 19,6%, com variação entre 7,7% e 42,6%(7). No Brasil, em estudo recente realizado com idosos na comunidade, a prevalência de indivíduos frágeis foi de 5,2%; e a de pré-frágeis foi de 49,9%(8).

A prevalência de idosos frágeis deve aumentar consideravelmente com a dinâmica populacional projetada para os próximos anos(9). A avaliação dos principais determinantes de saúde do idoso na APS e, consequentemente, sua correta estratificação, é fundamental para a orientação dos profissionais de saúde na elaboração de plano de cuidados, indicação de intervenções multidisciplinares, identificação das dimensões que merecem investigação mais detalhada e direcionamento para a consulta geriátrica. Essa abordagem tem por finalidade manter e melhorar a autonomia e independência do idoso(10).

Em estudo de revisão sistemática que teve por objetivo identificar instrumentos para detecção de fragilidade em idosos, caracterizar seus componentes, cenários de aplicação, capacidade de identificação de pré-fragilidade e propriedades psicométricas, demonstrou-se que a avaliação da fragilidade, maioritariamente, segue uma abordagem unidimensional, ou seja, avalia apenas a saúde física(11). Já o Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional 20 (IVCF20), recentemente criado por equipe multiprofissional de referência em atenção à saúde do idoso, e a Escala de Fragilidade de Edmonton (EFE), desenvolvida pelo grupo Canadian Initiative on Frailty and Aging, são instrumentos que abrangem a multidimensionalidade(6,12).

Ao avaliar as propriedades psicométricas do IVCF-20 na APS, foi utilizada a Teoria de Resposta ao Item (TRI), que é centrada na estimação do traço latente. Os resultados evidenciaram um alfa de Cronbach geral de 0,73. Todos os itens tiveram correlação bisserial positiva com a variável latente (fragilidade); o primeiro fator explicou 20% da variância total, e os parâmetros para a validade de construto e de critério concorrente foram considerados adequados(13).

Já a versão brasileira da EFE possui coeficiente interobservador (kappa = 0,81) e intraobservador (kappa = 0,83). O coeficiente de correlação intraclasse interobservador e intraobservador é igual a 0,87, e o alfa apresenta os seguintes resultados: T1, α = 0,62; A1, α = 0,62; e T2, α = 0,54(12).

Nesse contexto, considera-se um desafio a avaliação da fragilidade na APS. A capacidade de compreender a interação das dimensões física, psicológica, social e ambiental no estabelecimento da fragilidade deve ser a premissa do cuidado ao idoso. Acredita-se que o apontamento dos pontos de convergência e divergência entre o IVCF-20 e EFE possibilite a tomada de decisão quanto à sua aplicação pelos profissionais da APS. Diante do exposto, faz-se a seguinte pergunta de pesquisa: Quais as dimensões de convergência e divergência entre o EFE e IVCF-20 no rastreio da fragilidade no idoso?

OBJETIVOS

Avaliar dois instrumentos de rastreio de fragilidade no idoso na Atenção Primária à Saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo atendeu à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CEP/UFMG) e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CEP/SMSA-BH).

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal, com abordagem quantitativa, realizado em 12 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de APS da região Centro-Sul de Belo Horizonte/estado de Minas Gerais (BH/MG), Brasil. Seguiram-se as orientações da Report Guideline STROBE para publicação de estudos observacionais(14). A região Centro-Sul é o polo de comércios e serviços de Belo Horizonte, possui 49 bairros divididos em cinco territórios de gestão compartilhada. Possui uma população de 283.776 residentes; nela se identifica a maior faixa de pessoas acima de 60 anos da capital mineira, perfazendo 51.715 indivíduos(15). A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a abril de 2018.

Amostra, critérios de inclusão e exclusão

O cálculo da amostra foi feito de forma que fosse possível estender os resultados obtidos para a população de idosos residentes na região Centro-Sul de BH/MG: foi utilizado o método para estimação de proporções para populações finitas de forma aleatória, com alocação proporcional por UBS(16). Considerando uma margem de erro de 5% e nível de significância de 5%, a amostra mínima necessária para o estudo foi de 381 idosos. E tendo em conta o acréscimo de 20% para perdas, o tamanho amostral seria de 458 idosos. Assim, foram convidados 458 idosos, dos quais 62 recusaram-se a participar, totalizando uma amostra final de 396 idosos.

A amostra foi probabilística e recrutou os participantes por meio de seleção aleatória simples utilizando-se o programa Microsoft Excel (versão 2016). Inicialmente solicitou-se aos gerentes das UBS a lista dos idosos cadastrados na Estratégia Saúde da Família (ESF) e no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS).

Os critérios de inclusão adotados foram: ter idade igual ou superior a 60 anos; ser residente na região Centro-Sul de Belo Horizonte/Minas Gerais; e estar devidamente cadastrado na ESF e/ou no PACS. Critérios de exclusão: não comparecer para a avaliação na data e horários agendados; e não possuir contato telefônico na lista dos idosos cadastrados.

Protocolo do estudo

As avaliações foram agendadas previamente, via contato telefônico, por um membro da equipe de pesquisa. Todos os idosos foram orientados sobre a pesquisa e, caso concordassem em participar, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos: Mini Exame do Estado Mental (MEEM)(17), questionário sociodemográfico, Escala de Fragilidade de Edmonton (EFE)(12), e Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional 20 (IVCF-20)(6). A aplicação do protocolo de pesquisa teve duração média de 30 minutos. A coleta se deu de segunda-feira a sexta-feira, conforme disponibilidade do participante da pesquisa.

Inicialmente, os idosos foram submetidos à avaliação de rastreio cognitivo mediante aplicação do MEEM. Os pontos de corte foram definidos de acordo com a escolaridade do participante: analfabetos, 13 pontos; com baixa ou média escolaridade, 18 pontos; e com alto nível de escolaridade, 26 pontos(17-18). Caso o MEEM estivesse abaixo do ponto de corte, o acompanhante era entrevistado, devido à suspeita de déficit cognitivo.

Os pesquisadores criaram um instrumento para coletar os seguintes dados sociodemográficos: sexo, idade, estado civil, moradia, escolaridade, religião, se possuía cuidador, renda e ocupação atual. Obtiveram também informações do prontuário eletrônico, como: nome do usuário, número de prontuário, data de nascimento, telefone de contato, microárea em que reside e nome da mãe. Os dados foram coletados por um enfermeiro e colaboradores previamente treinados, sob a coordenação do pesquisador principal.

Foram utilizados dois instrumentos sobre fragilidade. Um deles foi a Escala de Fragilidade de Edmonton (EFE), criada no Canadá, desenvolvida para detecção de fragilidade em pessoas idosas, tendo sido adaptada e validada em diversos países, incluindo o Brasil. A EFE aborda aspectos multidimensionais relacionados à fragilidade, é composta por 11 questões divididas em 9 domínios, com um total de 17 pontos, sendo que: de 0 a 4, o idoso não apresenta fragilidade; entre 5 e 6 pontos, o idoso apresenta vulnerabilidade; de 7 a 8, fragilidade leve; de 9 a 10, fragilidade moderada; e 11 ou mais pontos, fragilidade severa(12).

O outro instrumento adotado foi o Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional-20 (IVCF20), usado para triagem interdisciplinar. Ele contempla aspectos multidimensionais da condição de saúde dos indivíduos de 60 anos ou mais e constitui-se por 20 questões distribuídas em 8 seções sobre diversos domínios da saúde e fatores relacionados à saúde. Possui um total de 40 pontos: de 0 a 6 pontos, o idoso é considerado robusto; de 7 a 14 pontos, é um idoso com risco de fragilização; e 15 pontos a mais, idoso frágil(6).

Análise dos resultados e estatística

Na descrição das variáveis qualitativas da amostra, foram utilizadas as frequências absoluta e relativa. Para a análise dos dados, os resultados da variável dependente foram dicotomizados em dois níveis: para a EFE, sem fragilidade (escore final ≤ 6) e com fragilidade (escore final > 6); e para o IVCF-20, sem fragilidade (o escore final < 15) e com fragilidade (escore final ≥ 15). O grau de concordância entre ambos os instrumentos foi verificado com o coeficiente kappa, e foram considerados os seguintes valores: 0 (ausência de concordância), 0-0,19 (pobre) 0,20-0,39 (fraca), 0,30-0,59 (moderada), 0,60-0,79 (substancial), e ≥ 0,80 (quase completa). Já para a análise de correlação entre a condição de fragilidade dos dois instrumentos, utilizou-se a correlação de Spearman; foram considerados os valores r de 0,10 até 0,30 (fraco); de 0,40 até 0,6 (moderado); de 0,70 até 1 (forte). Adotaram-se valores de significância de α < 0,05(19). O software empregado nas análises foi o SPSS (versão 23).

RESULTADOS

Participaram deste estudo 396 idosos, com predominância do sexo feminino (65,4%), faixa etária entre 60 e 74 anos (64,81%) e média de idade 71,8 anos. A média de anos de estudo foi 7,13 (DP±5,25). Dos participantes, 43,69% eram casados ou tinham união estável, 80,81% possuíam casa própria, e 91,33% eram aposentados com mediana de um salário mínimo (R$ 1.045,00). A média do MEEM foi de 24,35 (DP±4,48) pontos; e, considerando os pontos de corte desse exame, 17,92% dos idosos apresentavam suspeita de déficit cognitivo.

No que se refere à comparação de fragilidade dos idosos avaliados, ambos os instrumentos apresentaram 97,3% de idosos sem fragilidade e 44,2% com fragilidade. O grau de concordância do coeficiente kappa entre os dois instrumentos foi de 0,496, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre a condição de fragilidade do Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional 20 e a Escala de Fragilidade de Edmonton, 2018

A pontuação final média da classificação da fragilidade segundo o IVCF-20 foi de 8,22 (DP±5,97) com variação de 0 a 36 pontos; e da EFE foi de 4,56 (DP±2,66), com variação de 0 a 13 pontos. Quando analisada a correlação entre a pontuação total do IVCF-20 e EFE, constatou-se correlação positiva e significante (r = 0,77; p = 0,001), conforme dados da Tabela 2.

Tabela 2
Correlação entre as pontuações totais do Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional e da Escala Fragilidade de Edmonton, 2018

Nas Tabelas 3 e 4, estão apresentadas as descrições dos resultados dos questionários IVCF20 e EFE, respectivamente.

Tabela 3
Análise descritiva das variáveis referentes ao questionário Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional 20, 2018
Tabela 4
Análise descritiva das variáveis referentes à Escala de Fragilidade de Edmonton, 2018

DISCUSSÃO

Os resultados da caracterização sociodemográfica deste estudo são semelhantes aos de outros estudos brasileiros(20-21). A análise de concordância kappa refere-se à capacidade de aferir resultados idênticos, aplicados ao mesmo sujeito/fenômeno, quer por instrumentos diferentes, pelo mesmo instrumento em tempos diferentes, por avaliadores diferentes, quer por alguma combinação dessas situações(17). No presente estudo, os resultados do coeficiente kappa demonstraram uma concordância moderada e estatisticamente significante entre o IVCF-20 e EFE, o que pode ser explicado pelas diferenças entre as prevalências de fragilidade em ambos os instrumentos. Os indicadores de concordância são influenciados pela representatividade da classe analisada, e isso exige a máxima homogeneidade entre os subgrupos(22). Assim, tais resultados apontam para a necessidade de condução de novos estudos, de forma a confirmar o índice de concordância entre ambos os instrumentos.

Quando analisada a correlação entre a pontuação total do IVCF-20 e da EFE, esta apresentou uma correlação positiva e significante. Tal resultado indica que os dois instrumentos guardam semelhança na distribuição de seus escores, e esta é linear, isto é, quanto maior for a pontuação final do IVCF-20, maior tende ser a pontuação total da EFE e vice-versa. Na literatura, não foram encontrados estudos sobre a correlação da EFE e IVCF-20, e a justificativa para isso pode estar na recente aplicação do IVCF-20 em pesquisas. Acredita-se que, por ser um instrumento com apenas 20 itens, de fácil e rápida aplicação por pessoas previamente treinadas e não necessariamente especialistas da área, ele torna-se viável para ser utilizado na APS.

O resultado do presente trabalho corrobora estudo realizado no Centro de Referência do Idoso (CRI) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Instituto Jenny de Andrade Faria de Atenção ao Idoso) e na APS, no qual se evidenciou alto grau de correlação positiva entre o IVCF-20 e a avaliação geriátrica ampla(6).

Estudos prévios utilizaram a EFE para estimar a prevalência de fragilidade em idosos residentes na comunidade em Ribeirão Preto (São Paulo)(23), Montes Claros (Minas Gerais)(24) e em Embu (São Paulo)(25). Na presente investigação, a prevalência de fragilidade foi inferior aos resultados de estudos nacionais, inferindo-se que os idosos participantes deste estudo mantêm sua funcionalidade. No entanto, a porcentagem de fragilidade foi maior quando usada a EFE comparada ao IVCF-20; tal resultado pode ser atribuído à alta porcentagem de reprovação de idosos no teste do relógio desse instrumento. Vale ressaltar que a classificação da fragilidade segundo a EFE é categorizada em leve, moderada e severa; já no IVCF-20, há somente uma classificação, idoso frágil.

Ao analisar a autopercepção de saúde dos idosos, a maioria dos participantes a considera boa, o que é importante, pois é tida como um indicador de qualidade de vida e saúde; antecede o declínio funcional e a morte; e demonstra o impacto das doenças crônico-degenerativas no bemestar físico, social e mental dos idosos(26).

O comprometimento nas Atividades de Vida Diária (AVDs) em ambos os instrumentos foi semelhante. Entretanto, a maioria dos idosos relatou necessitar de auxílio para uma AVD, quando a avaliação da capacidade funcional foi realizada por meio do EFE. Assim, os resultados indicam que os idosos participantes da pesquisa mantêm as habilidades de mobilidade, manutenção do ambiente e, sobretudo, de participação social de forma independente(27).

Na avaliação do humor por ambos os instrumentos, assume-se que, nos participantes do estudo, os sentimentos de tristeza, desânimo e desesperança não têm repercussão na fragilidade. No entanto, é de fundamental importância o acompanhamento dos idosos com sintomas depressivos nessa população. Em estudo realizado com idosos cadastrados nas Unidades de Saúde da Família de João Pessoa, estado da Paraíba, Brasil, os sintomas depressivos foram inferiores aos do presente estudo. Os autores concluem que a felicidade se constitui como um indicador de bem-estar, podendo figurar como fatores de proteção contra os sintomas depressivos(28).

Por outro lado, na avaliação da incontinência urinária, a proporção de respostas positivas pelos idosos foi representativa para ambos os instrumentos. De acordo com a International Continence Society (ICS), incontinência urinária (IU) é definida como uma condição na qual ocorre queixa de qualquer perda involuntária de urina. As causas são multifatoriais, e as consequências são alterações na qualidade de vida da população. Estudo internacional de revisão sistemática e metanálise aponta prevalência semelhante à encontrada neste estudo(29). No Brasil, ainda não dispomos de dados estatísticos mais claros a esse respeito, uma vez que são escassos os estudos epidemiológicos(30).

Quanto à cognição, vale ressaltar que os instrumentos usam parâmetros diferentes de avaliação. No IVCF-20, são utilizadas apenas três perguntas para avaliação da cognição. Já na EFE, emprega-se o teste do relógio. A porcentagem de rastreio de declínio cognitivo foi superior quando adotada a EFE, o que pode ser atribuído à avaliação das habilidades visuoespaciais, habilidades construtivas e funções executivas incluídas no instrumento; logo, acredita-se que a complexidade da avaliação cognitiva é ampliada quando essa escala é comparada ao IVCF-20.

O envelhecimento vem acompanhado de várias alterações fisiológicas e, dentre elas, está a perda de massa e força muscular, que afeta diretamente a qualidade de vida de indivíduos idosos. Assim, nos itens de mobilidade e independência funcional, os participantes apresentaram resultados semelhantes para ambos os instrumentos. Esses itens referem-se à habilidade do idoso em corresponder às demandas cotidianas e possuem importante associação com maior risco de fragilidade(31).

Em relação às comorbidades múltiplas, ambos os instrumentos mostram que os idosos possuem polifarmácia, cuja ocorrência é frequente na população idosa e muitas vezes está associada à polipatologia(23). Sabe-se que as comorbidades múltiplas estão ligadas ao declínio clínico funcional e posterior fragilidade, principalmente quando avaliadas na APS, conforme descrito na literatura(4). Já em relação ao histórico de internações, não é possível comparar esse item entre os instrumentos, visto que o tempo não está determinado na EFE.

A identificação precoce dos idosos mais vulneráveis ao processo de fragilização pode proporcionar à equipe de saúde na APS a possibilidade de adotar as medidas protetoras para impedir, retardar ou recuperar a autonomia e independência dessa parcela da população.

Limitações do estudo

É importante considerar algumas limitações deste estudo, entre as quais está a amostra pertencer a apenas uma região do município; portanto, há limite de generalização.

O aumento de idosos frágeis em idades avançadas sugere condição progressiva da fragilidade, associada à perda da capacidade funcional, problemas incapacitantes de saúde, suporte social inadequado, entre outros(32). No presente estudo, a maioria da amostra corresponde a idosos jovens, o que pode tornar-se uma limitação para a análise de rastreio da fragilidade na APS.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Este estudo contribui para a o fortalecimento e direcionamento de políticas e ações de saúde integral para a população idosa na APS, por meio da compreensão e necessidade de enfoque para o rastreio da fragilidade nesse nível de atenção à saúde. A identificação precoce dos idosos mais vulneráveis ao processo de fragilização pode proporcionar à equipe de saúde na APS a possibilidade de adotar as medidas para impedir, retardar ou recuperar a autonomia e independência dessa parcela da população. Ambos os instrumentos são de avaliação multidimensional; entretanto, o IVCF-20, por ser um instrumento de triagem rápida e fácil aplicação por qualquer profissional de saúde, pode ser adotado em locais de atendimento onde há escassez de tempo e de recursos humanos especializados, tais como na APS.

CONCLUSÕES

Este estudo possibilitou avaliar a fragilidade em idosos. Ambos os instrumentos apresentaram características similares em relação às dimensões. A prevalência de fragilidade apontada se mostrou maior quando utilizada a EFE, o que pode estar relacionado à avaliação da dimensão “cognição” por esse instrumento. Além disso, o IVCF-20 e a EFE apresentaram concordância moderada pelo coeficiente kappa e correlação positiva pelo teste de Spearman.

Referências bibliográficas

  • 1 Leite BC, Oliveira-Figueiredo DST, Rocha FL, Nogueira MF. Multimorbidity due to chronic noncommunicable diseases in older adults: a population-based study. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(6):e190253. https://doi.org/10.1590/1981-22562019022.190253
    » https://doi.org/10.1590/1981-22562019022.190253
  • 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo [internet]. 2010. [cited 2020 Jul ]. Available from: www.ibge.gov.br.
    » www.ibge.gov.br.
  • 3 Venturini C, Sampaio RF, Moreira BS, Ferriori E, Neri AL, Lourenço RA, Lustosa LP. A multidimensional approach to frailty compared with physical phenotype in older Brazilian adults: data from the FIBRA-BR study. BMC Geriatr. 2021;21:246. https://doi.org/10.1186/s12877-021-02193-y
    » https://doi.org/10.1186/s12877-021-02193-y
  • 4 Maia LC, Moraes EN, Costa SM, Caldeira AP. Fragilidade em idosos assistidos por equipes da atenção primária. Cienc Saude Colet. 2020;25(12):5041-50. https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.04962019
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.04962019
  • 5 Travers J, Romero-Ortuno R, Bailey J, Cooney MT. Delaying and reversing frailty: a systematic review of primary care interventions. British J Gen Pract. 2019;69(678):e61-e69. https://doi.org/10.3399/bjgp18X700241
    » https://doi.org/10.3399/bjgp18X700241
  • 6 Moraes EN, Carmo JA, Lanna FM, Azevedo RS, Machado CJ, Romero DEM. Clinical-Functional Vulnerability Index-20 (IVCF-20):rapid recognition of frail older adults. Rev Saúde Pública. 2016;50:81. https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2016050006963
    » https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2016050006963
  • 7 Binotto MA, Lenardt MH, Rodriguez-Martinez MC. Physical frailty and gait speed in community elderly: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2018;52: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017028703392
    » https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017028703392
  • 8 Lourenço RA, Moreira VG, Banhato EFC, Guedes DV, Silva KCA, Delgado FEF, Marmora CHC. Prevalence of frailty and associated factors in a communitydwelling older people cohort living in Juiz de Fora, Minas Gerais, Brazil: Fibra-JF Study. Cienc Saude Colet. 2019;24(1):35-44. https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.29542016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.29542016
  • 9 Stuart GB, Silvia E, Giorguli S, Sergei S. Prospective measures of aging for Central and South America. Plos One. 2020;24. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0236280
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0236280
  • 10 Freitas FFQ, Rocha AB, Moura ACM, Soares SM. Older adults frailty in Primary Health Care: a geoprocessing-based approach. Cien Saude Colet. 2020;25(11):4439-50. https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.27062018
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320202511.27062018
  • 11 Faller JW, Pereira DDN, de Souza S, Nampo FK, Orlandi FS, Matumoto S. Instruments for the detection of frailty syndrome in older adults: a systematic review. PLoS One. 2019;29;14(4):e0216166. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0216166
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0216166
  • 12 Fabrício-wehbe SCC, Schiaveto FV, Vendrusculo TRP, Haas VJ, Dantas RAS, Rodrigues RAP. Cross-cultural adaptation and validity of the “Edmonton Frail Scale - EFS” in a Brazilian elderly sample. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(6):1043-49. https://doi.org/10.1590/S0104-11692009000600018
    » https://doi.org/10.1590/S0104-11692009000600018
  • 13 Ribeiro EG, Mendoza IYQ, Moraes EN, Alvarenga MRM, Cintra MTG, Guimarães GL. Psychometric properties of the clinical-functional vulnerability index - 20 in Primary Health Care. Rev Min Enferm. 2020. https://doi.org/10.5935/1415.2762.20200069
    » https://doi.org/10.5935/1415.2762.20200069
  • 14 Pacheco RL, Martimbianco ALC, Garcia CM, Logulho P, Riera R. Guidelines para publicação de estudos científicos. Parte 2: como publicar estudos observacionais (coorte, caso-controle e transversal). Diagn Tratamento. 2017;22(3):121-6. Available from: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2017/08/848018/rdt_v22n3_121-126.pdf
    » http://docs.bvsalud.org/biblioref/2017/08/848018/rdt_v22n3_121-126.pdf
  • 15 Secretaria de Estado da Saúde de Belo Horizonte (SES-MG). Região Centro-Sul [Internet]. 2018. [cited 2021 May 20]. Available from: http://www.saude.mg.gov.br
    » http://www.saude.mg.gov.br
  • 16 Bolfarine H, Bussab W. O. Elementos de Amostragem. São Paulo: Blucher, 2005. 290 p.
  • 17 Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-Exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuro-Psiquiatr. 1994;52(1):1-7. https://doi.org/10.1590/S0004-282X1994000100001
    » https://doi.org/10.1590/S0004-282X1994000100001
  • 18 Lu L, Chen L, Wu W, Wang Y, Liu Z, Xu J, et al. Consistency and applicability of different brief screen instrument of cognitive function in elderly population. BMC Neurol. 2021;21:95. https://doi.org/10.1186/s12883-021-02048-4
    » https://doi.org/10.1186/s12883-021-02048-4
  • 19 Dancey C, Reidy J. Estatística sem matemática para psicologia. Penso; 7ª edição. 2018. 624p.
  • 20 Ceccon RF, Vieira JES, Brasil CCP, Soares KG, Portes VM, Garcia JCAS. Envelhecimento e dependência no Brasil: características sociodemográficas e assistenciais de idosos e cuidadores. Ciênc Saúde Colet. 2021;26(1):17-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30352020
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30352020
  • 21 Alves VMC, Soares VN, Oliveira D, Fernandes PT. Sociodemographic and psychological variables, physical activity and quality of life in elderly at Unati Campinas, São Paulo. Fisioter Mov. 2020;33:e003310. https://doi.org/10.1590/1980-5918.033.ao10
    » https://doi.org/10.1590/1980-5918.033.ao10
  • 22 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-59. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300022
    » https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000300022
  • 23 Nunes DP, Duarte YA, Santos JL, Lebrão ML. Screening for frailty in older adults using a self-reported instrument. Rev Saúde Pública. 2015;49:1-9. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005516
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005516
  • 24 Carneiro JA, Ramos GCF, Barbosa ATF, Mendonça JMG, Costa FM, Caldeira AP. Prevalência e fatores associados à fragilidade em idosos não institucionalizados. Rev Bras Enferm. 2016;69(3):435-42. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690304i
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690304i
  • 25 Fernandes HCL, Gaspar JC, Yamashita CH, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MMC. Avaliação da fragilidade de idosos atendidos em uma unidade da Estratégia Saúde da Família. Texto Contexto Enferm. 2013;22(2):423-31. https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000200019
    » https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000200019
  • 26 Carneiro JA, Gomes CAD, Durães W, Jesus DR, Chaves KLL, Lima CA, et al. Negative self-perception of health: prevalence and associated factors among elderly assisted in a reference center. Ciênc Saúde Colet. 2020;25:(3). https://doi.org/10.1590/1413-81232020253.16402018
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020253.16402018
  • 27 Maia LC, Colares TFB, Moraes EN, Costa SM, Caldeira AP. Robust older adults in primary care: factors associated with successful aging. Rev Saúde Pública. 2020;54:35. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001735
    » https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001735
  • 28 Abrantes GG, Souza GG, Cunha NM, Rocha HNB, Silva AO, Vasconcelos SC. Sintomas depressivos em idosos na atenção básica à saúde. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(4). doi:10.1590/1981-22562019022.190023
    » 10.1590/1981-22562019022.190023
  • 29 Batmani S, Jalali R, Mohammadi M, Bokaee S. Prevalence and factors related to urinary incontinence in older adults women worldwide: a comprehensive systematic review and meta-analysis of observational studies. BMC Geriatrics. 2021;21:212. https://doi.org/10.1186/s12877-021-02135-8
    » https://doi.org/10.1186/s12877-021-02135-8
  • 30 Tomasi AVR, Santos SMA, Honório GJS, Locks MOH. Urinary incontinence in elderly people: care practices and care proposal in primary health care. Texto Contexto Enferm. 2017;26(2). https://doi.org/10.1590/0104-07072017006800015
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072017006800015
  • 31 Chang HK, Lee JY, Gil CR, Kim MK. Prevalence of sarcopenia in community-dwelling older adults according to simplified algorithms for sarcopenia consensus based on Asian Working Group for Sarcopenia. Clin Interv Aging. 2020;15:2291-99. https://doi.org/10.2147/CIA.S281131
    » https://doi.org/10.2147/CIA.S281131
  • 32 Grden CRB, Lenardt MH, Sousa JAV, Kusomota L, Dellaroza MSG, Betiolli SE. Associação da síndrome da fragilidade física às características sociodemográficas de idosos longevos da comunidade. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1770.2886
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.1770.2886

Editado por

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2020
  • Aceito
    26 Maio 2021
location_on
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro