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A enfermagem pode contribuir para redução da mortalidade por acidentes por transporte terrestre?

A morbimortalidade por causas externas, especialmente a decorrente dos acidentes por transporte terrestre (ATT), persiste como um desafio global, haja vista que é responsável por cerca de 2 milhões de vidas perdidas anualmente, impactando vários segmentos da sociedade, sobretudo nos serviços e sistemas de saúde(11 Azami-Aghdash S, Gorji HA, Gharaee H, Moosavi A, Sadeghi-Bazargani H. Role of health sector in road traffic injuries prevention: a public health approach. Int J Prev Med. 2021;26(12):150. https://doi.org/10.4103/ijpvm.IJPVM_225_19
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).

As evidências indicam que os ATT podem ser preveníveis, embora historicamente sejam considerados inevitáveis. Contudo, ações isoladas comumente não são efetivas e exigem medidas intersetoriais, com convergência de esforços de setores, como planejamento urbano, financeiro, jurídico e da saúde(11 Azami-Aghdash S, Gorji HA, Gharaee H, Moosavi A, Sadeghi-Bazargani H. Role of health sector in road traffic injuries prevention: a public health approach. Int J Prev Med. 2021;26(12):150. https://doi.org/10.4103/ijpvm.IJPVM_225_19
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).

No contexto brasileiro, o cenário não é diferente. Desde a década de 1970, o país tem enfrentado taxas de mortalidade crescentes, decorrentes de fatores como aumento da frota de motocicletas, malha viária precária, com problemas de manutenção e sinalização, excesso de velocidade e infrações persistentes, como direção sob efeito de álcool(22 Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet. 2011;75-89. http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf
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).

Diante dessa realidade, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu como meta, inserida no terceiro Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), a redução pela metade das mortes e lesões por acidentes de trânsito até 2020(33 United Nations (UN). Department of Economic and Social Affairs. The 17 Goals [Internet]. 2022 [cited 2024 Jan 26]. Available from: https://sdgs.un.org/goals
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).

Apesar das iniciativas para mitigar os efeitos dos ATT, o Brasil precisa avançar na implementação de ações que visem à prevenção dos agravos, bem como ao adequado aporte para assistência e recuperação das vítimas.

Esse desafio demanda uma abordagem multifacetada, considerando as desigualdades regionais características de uma nação de proporções continentais(44 Aquino EC, Antunes JLF, Morais Neto OL. Mortality by road traffic injuries in Brazil (2000–2016): capital cities versus non-capital cities. Rev Saúde Pública. 2020;54-122. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001703
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). Isso implica a necessidade de uma compreensão cuidadosa acerca dos fatores intrínsecos ao comportamento de risco no tráfego(55 Freitas CKAC, Rodrigues MA, Fontes VS, Barreiro MSC, Santos ACFS, Lima SVMA, et al. Risk and preventive factors for traffic accidents: analysis of children's perception using the Edutherapeutic method. Rev Paul Pediatr. 2020. 38:e2018281. https://doi.org/10.1590/1984-0462/2020/38/2018281
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). De fato, não é possível propor soluções simples para problemas tão complexos; é preciso que se considere uma variedade de recursos para o alcance de soluções sistêmicas.

Esse panorama desperta reflexões sobre a potencialidade da enfermagem de contribuir com o objetivo de reduzir a mortalidade relacionada aos ATT, quando analisada a interface do campo da saúde com a problemática em tela.

Considera-se que a enfermagem, entre as profissões de saúde, possui a maior capilaridade, e sua força laboral é um componente crítico para o funcionamento dos serviços e sistemas de atenção à saúde(66 Mendes M, Martins MS, Acordi I, Ramos FRS, Brehmer LCF, Pires DEP. Força de trabalho de enfermagem: cenário e tendências. Rev Enferm UFSM. 2022;12:e11. https://doi.org/10.5902/2179769267928
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). Nessa perspectiva, suas ações são fundamentais para integração intersetorial e podem representar um recurso valioso para avanços, particularmente na prevenção primária e terciária dos ATT.

Nesse sentido, no âmbito da prevenção primária, as ações de enfermagem no campo da educação escolar, resultantes de parceria entre a Atenção Primária à saúde e o setor de educação, podem configurar ferramenta para fomentar novas aprendizagens que se traduzam por comportamentos mais seguros no trânsito, particularmente em relação ao público infantil.

No que tange à prevenção terciária, ou seja, na atenção inicial às vítimas de trânsito, a enfermagem também se desponta como recurso humano imprescindível. Os profissionais da área inserem-se em todos os segmentos da Rede de Atenção às Urgências (RAU), perpassando desde as Estratégias Saúde da Família (ESF) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU-192), com suas Unidades Básicas, Intermediárias (em algumas localidades) e Avançadas de Suporte à Vida, até as portas hospitalares de urgência(77 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília, DF; 2013 [cited 2024 Jan 26]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_instrutivo_rede_atencao_urgencias.pdf
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). Dessa forma, pode-se inferir que o atendimento inicial às vítimas de ATT, por vezes, é dependente da força de trabalho da enfermagem, de modo especial em localidades de difícil acesso, o que no Brasil é agravado pelas diferenças geográficas e populacionais.

Considera-se, portanto, que se a redução da mortalidade por ATT é inseparável da qualidade do atendimento inicial às vítimas e, nesse atendimento, a equipe de enfermagem é fundamental, consequentemente a qualidade da formação dos trabalhadores é ponto crucial na melhoria dos indicadores.

Não se pretende afirmar que uma meta tão desafiadora pode ser alcançada unicamente com estratégias de cunho educacional, mas não se pode perder de vista que as melhorias esperadas passam necessariamente por esse eixo de ações, o que, para a área, implica reconhecer a necessidade de avanços nos saberes e nas práticas da enfermagem de emergência, além de esforços micro e macropolíticos para garantia do adequado preparo dos futuros profissionais e daqueles que já atuam no campo.

REFERENCES

  • 1
    Azami-Aghdash S, Gorji HA, Gharaee H, Moosavi A, Sadeghi-Bazargani H. Role of health sector in road traffic injuries prevention: a public health approach. Int J Prev Med. 2021;26(12):150. https://doi.org/10.4103/ijpvm.IJPVM_225_19
    » https://doi.org/10.4103/ijpvm.IJPVM_225_19
  • 2
    Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet. 2011;75-89. http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf
    » http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf
  • 3
    United Nations (UN). Department of Economic and Social Affairs. The 17 Goals [Internet]. 2022 [cited 2024 Jan 26]. Available from: https://sdgs.un.org/goals
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  • 4
    Aquino EC, Antunes JLF, Morais Neto OL. Mortality by road traffic injuries in Brazil (2000–2016): capital cities versus non-capital cities. Rev Saúde Pública. 2020;54-122. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001703
    » https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001703
  • 5
    Freitas CKAC, Rodrigues MA, Fontes VS, Barreiro MSC, Santos ACFS, Lima SVMA, et al. Risk and preventive factors for traffic accidents: analysis of children's perception using the Edutherapeutic method. Rev Paul Pediatr. 2020. 38:e2018281. https://doi.org/10.1590/1984-0462/2020/38/2018281
    » https://doi.org/10.1590/1984-0462/2020/38/2018281
  • 6
    Mendes M, Martins MS, Acordi I, Ramos FRS, Brehmer LCF, Pires DEP. Força de trabalho de enfermagem: cenário e tendências. Rev Enferm UFSM. 2022;12:e11. https://doi.org/10.5902/2179769267928
    » https://doi.org/10.5902/2179769267928
  • 7
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília, DF; 2013 [cited 2024 Jan 26]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_instrutivo_rede_atencao_urgencias.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_instrutivo_rede_atencao_urgencias.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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