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Interação enfermeiros e puérperas: na procura de um cuidado cultural

RESUMO

Objetivo:

Identificar a dimensão do cuidado cultural na interação entre enfermeiras e puérperas.

Método:

Estudo qualitativo assente na análise de conteúdo. Na colheita de dados se utilizou a entrevista semiestruturada, a 21 enfermeiras e 15 puérperas num total de 36 entrevistadas. Se assegurou o consentimento livre e esclarecido bem como respeitaram-se todos os requisitos éticos. A análise de dados foi suportada pelo NVivo 10.

Resultados:

Destacaram-se as categorias: (i) Atitudes das enfermeiras que as puérperas reconhecem imprescindíveis no processo de cuidar; (ii) Exercitar a competência cultural; (iii) Recursos linguísticos utilizados pelas enfermeiras na interação com pessoas de outras culturas; (iv) Constrangimentos manifestados nas interações enfermeiras e puérperas.

Conclusão:

Conclui-se que apesar das enfermeiras, ao nível discursivo, afirmarem que cuidam de forma personalizada, os dados revelaram que nem sempre as enfermeiras foram eficazes nas interações com as puérperas, de forma a demonstrarem a competência cultural, num estadio considerado culturalmente consciente.

Descritores:
Competência Cultural; Puerpério; Enfermeiras; Comunicação; Atitude

ABSTRACT

Objective:

To identify the importance of the cultural care dimension in the nurse-puerperal mother interaction.

Method:

Qualitative study based on content analysis. To collect data, 36 semi structured interviews were applied (21 nurses and 15 women who had recently given birth). The participants’ free and informed consent was ensured and all ethical requirements were respected. Data analysis was supported by NVivo 10 software.

Results:

The following categories were considered the most relevant: (i) nurses’ attitudes that puerperal mothers consider crucial in health care provision; (ii) nurses’ cultural competence; (iii) language resources used by nurses in their interaction with people from other cultures; (iv) the limitations that were observed during nurses-new mothers interactions.

Conclusion:

Evidence shows that, generally speaking, nurses claim to provide personalized health care assistance. However data revealed that the kind of interaction observed between nurses and women who had just given birth has not always been the most effective and that the former often show they lacked the appropriate cultural competence to deal with the latter’s expectations and needs.

Descriptors:
Cultural Competence; Puerperium; Nurses; Communication; Attitude

RESUMEN

Objetivo:

identificar la dimensión de la competencia cultural en la interacción entre enfermeras y mujeres que hayan dado a luz recientemente.

Método:

estudio cualitativo basado en el análisis de contenidos. En la recopilación de datos se utilizó la entrevista semiestructurada. Han participado 21 enfermeras y 15 madres en un total de 36 entrevistas. Se aseguró el consentimiento previo, libre e informado de todos los participantes y todos los requisitos éticos fueron respetados. El análisis de datos fue apoyado por el programa NVivo 10.

Resultados:

las siguientes categorías fueron destacadas: (i) actitudes de las enfermeras que las madres creen ser indispensables en el proceso de cuidar; ii) el ejercicio de la competencia cultural; iii) los recursos lingüísticos utilizados por las enfermeras en la interacción con personas de otras culturas; iv) restricciones y problemas observados en las interacciones entre enfermeras y madres.

Conclusión:

se concluye que, en general, las enfermeras afirman que cuidan de sus pacientes de manera personalizada. Todavía, los datos revelaron que las interacciones entre enfermeras y madres son a menudo poco eficaces y a las enfermeras les resulta difícil demostrar su competencia cultural.

Descriptores:
Competencia Cultural; Puerperio; Enfermeras; Comunicación; Actitud

INTRODUÇÃO

A enfermagem é essencialmente uma profissão do cuidar, em contextos transculturais e interculturais, assumindo a sua centralidade na promoção do cuidado significativo e congruente, respeitando os valores culturais e os estilos de vida dos individuos, familias, e comunidades(11 Leininger M. Transcultural nursing pespectives: basic concepts, principles, and culture care incidents. In: Leininger M, (Ed). Transcultural nursing: concepts, theories, research & practices. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 1998.). O entendimento que hoje se tem da enfermagem transcultural, face ao desenvolvimento do conhecimento no domínio do cuidado e da competência cultural, muito se deve a Madeleine Leininger, enfermeira e antropóloga, autora de uma Teoria de Médio Alcance, a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural. Ela foi uma impulsionadora do desenvolvimento do conhecimento em enfermagem como uma disciplina e profissão, pelo recurso à investigação etnográfica, pelo método da etnoenfermagem e do modelo Observação-Participação-Reflexão (POR), para a compreensão da importância social, da influência cultural, como fator determinante, das crenças em saúde e dos comportamentos das pessoas. Possibilitou a compreensão e a consciencialização cultural para preservar a identidade multicultural e a minimização da imposição cultural. Contribuiu, também, para que a enfermeira adquirisse um conhecimento sobre si mesma, se consciencializasse da sua própria cultura face às restantes, evitando, deste modo, adotar posições etnocêntricas, libertando-se de preconceitos edificados na cultura subjetiva e noutros impostos pela sociedade.

À época essa visão contribuiu para que a enfermeira passasse a valorizar o índividuo como um ser cultural; detentor de uma forma muito particular de ver o mundo, em função de suas crenças, valores, costumes e práticas culturais, em oposição a se centrar apenas nos problemas e ou necessidades biofisiológicas afetadas. A Enfermeira se tornou, então, culturalmente competente ao assumir-se como o elo de ligação entre os cuidados de saúde e a cultura da pessoa sobressaindo esse cuidar como a essência da profissão.

Na edificação de uma nova forma de pensar em enfermagem outros teóricos de enfermagem, adotaram estes e outros principios a partir dos conceitos metaparadigmáticos em enfermagem: pessoa, saúde, ambiente e cuidados de enfermagem. Fizeram emegir outras conceções em enfermagem transcultural, entre as quais Larry Purnell, que contribuiram de forma substantiva para a compreensão cultural e para a competência cultural em enfermagem(22 Sagar P. Transcultural nursing theory and models: application in nursing education, practice, and administration. New York: Springer; 2012.). Ontem, como hojenão é suficiente que as enfermeiras se apropriem dos conceitos ao nivel discursivo. É necessário que a competência cultural seja integrada e operacionalizada, com a devida expressão na ação, de uma forma crítica e consciente, já que o cuidar implica compreender a essência humana, apreender o significado da existência de si e do outro, para prosseguir sob a conduta mais apropriada(33 Parreira V, Coutinho E, Néné M. A competência cultural e a prática de enfermagem no processo de maternidade. In: Néné M, Marques R, Batista MA, (Eds). Enfermagem de saúde materna e obstétrica. Lisboa: Lidel; 2016.).

Neste contexto, a competência cultural é um componente essencial dos cuidados eficazes e culturalmente responsivos(44 Campinha-Bacote J. Delivering patient-centered care in the midst of a cultural conflict: the role of cultural competence. Online J Issues Nurs. 2011;16(2):5. doi: https://doi.org/10.3912/OJIN.Vol16No02Man05
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). É, assim, importante conhecer o contexto cultural, os valores, as crenças, os rituais e o modo de vida dos indivíduos e das suas famílias, numa perspetiva da construção do novo paradigma do cuidar, que integre não só uma abordagem culturalmente competente, vise a promoção da saúde, a qualidade de vida e o bem-estar, como também, permita a construção de práticas emancipatórias com a mulher e casal para ajudar a minimizar os efeitos nefastos dos défices de conhecimento e a mobilizar os recursos internos, para superar as dificuldades inerentes a um processo de maternidade comprometido.

Neste âmbito, considera-se não só as especificidades individuais de cada pessoa enquanto ser único e diferente, mas também os fluxos migratórios em Portugal, com características de uma população heterogénea que recorre aos serviços de saúde e que justifica a premência em se conhecer as estratégias usadas para um cuidado culturalmente competente, na perspetiva de quem cuida e de quem é cuidado. Tal pode permitir às enfermeiras poderem exercer as suas práticas sob o desígnio da competência cultural ao longo do processo de maternidade(33 Parreira V, Coutinho E, Néné M. A competência cultural e a prática de enfermagem no processo de maternidade. In: Néné M, Marques R, Batista MA, (Eds). Enfermagem de saúde materna e obstétrica. Lisboa: Lidel; 2016.).

Nos contextos de saúde, em geral, e de uma forma muito peculiar na área da saúde materna e obstétrica, as puérperas confrontam-se com uma nova cultura, em que podem vivenciar fenómenos de assimilação cultural(55 Pretceille M. L' éducation interculturelle. Paris: PUF; 2017.) ou, pelo contrário processos de trocas em contextos de convivência cidadã e de interculturalidade, nessa comunidade multicultural em que a aceitação, compreensão e o respeito pelo diverso seja uma realidade em que as pessoas nunca perdem especificidades da sua cultura de origem. É realçado que os saberes e práticas tradicionais de educação e os rituais familiares e sociais, são essenciais para manter as suas crenças e valores e cultura de origem, que definem a sua forma de pensar, estar e agir.

Por sua vez, Campinha-Bacote, no seu modelo de competência cultural(44 Campinha-Bacote J. Delivering patient-centered care in the midst of a cultural conflict: the role of cultural competence. Online J Issues Nurs. 2011;16(2):5. doi: https://doi.org/10.3912/OJIN.Vol16No02Man05
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) preconiza a competência cultural como o processo em curso em que o profissional de saúde se esforça continuamente para alcançar a capacidade e a disponibilidade para trabalhar efetivamente no contexto cultural do indivíduo, família e comunidade. Este modelo exige que as enfermeiras se vejam como se fossem culturalmente competentes em vez de serem culturalmente competentes. Purnell e Paulanka(66 Purnell L, Paulanka B. Cuidados de saúde transculturais: uma abordagem culturalmente competente. Loures (PT): Lusodidacta; 2010.), enfatizam a importância da competência cultural a qual inicia com o autoconhecimento e se desenvolve no conjunto integrado de conhecimentos, habilidades e atitudes. Ou seja; Este modelo tem o propósito de servir como um quadro de organização, que as enfermeiras utilizam para efetuar avaliações culturais. A abordagem etnográfica é utilizada para promover a compreensão cultural, bem-estar e promoção da saúde. Dentro do modelo, existem 12 domínios que incluem as diferentes compreensões em termos de saúde e doença. Deste modo, um profissional de saúde culturalmente competente deve avaliar todos os domínios em função do contexto vivido(77 Debiasi LB, Selleck CS. Cultural competence training for primary care nurse practitioners: an intervention to increase culturally competent care. J Cult Divers[Internet]. 2017[cited 2017 Dec 05];24(2):39-45. Available from: https://www.questia.com/library/journal/1P4-1974490916/cultural-competence-training-for-primary-care-nurse
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). Em relação às puerperas, como utilizadoras dos cuidados, Barimani et al.(88 Barimani M, Oxelmark L, Johansson S-E, Hylander I. Support and continuity during the first 2 weeks postpartum. Scand J Caring Sci [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 05];29(3):409-17. Available from: https://doi.org/10.1111/scs.12144
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) no seu estudo, afirmam que uma grande percentagem de puérperas procurara apoio nas duas primeiras semanas após o parto, devido à falta de apoio físico e emocional, baixa perceção de apoio, coping ineficaz, problemas com a saúde do seu filho, problemas com a amamentação, e, sobretudo, complicações pós-parto. Espera-se que o profissional de saúde desenvolva uma consciência cultural de seus próprios padrões culturais, crenças e valores, pois mesmo que a competência cultural tenha sido reconhecida como contínua, evolutiva, dinâmica e de desenvolvimento pela maioria dos investigadores, os modelos atuais de competência cultural não apresentam níveis de desenvolvimento dessa competência(99 Blanchet Garneau A, Pepin J. Cultural competence: a constructivist definition. J Transcult Nurs [Internet]. 2015[cited 2017 Dec 05];26(1):9-15. Available from: https://doi.org/10.1177/1043659614541294
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).

Torna-se então necessário que a enfermeira procure conhecer as necessidades de cuidados da puérpera, face a outras formas de estar, pensar e agir e decorrente dessa apropriação de conhecimento lhe demonstre atenção, e respeito cultural(44 Campinha-Bacote J. Delivering patient-centered care in the midst of a cultural conflict: the role of cultural competence. Online J Issues Nurs. 2011;16(2):5. doi: https://doi.org/10.3912/OJIN.Vol16No02Man05
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).

OBJETIVO

Identificar a dimensão do cuidado cultural na interação entre enfermeiras e puérperas

MÉTODO

Aspectos éticos

Respeitaram-se os princípios éticos, tendo sido previamente obtido o consentimento informado, de cada enfermeira e puérpera que participou no estudo, após o esclarecimento acerca dos objetivos, da proteção do anonimato através da confidencialidade e da possibilidade de cancelar a sua colaboração em qualquer momento.

Previamente à recolha de dados o projeto foi submetido à Comissão Nacional de Proteção de Dados e obtida a autorização para a sua aplicação. Foi igualmente obtida autorização das comissões de ética, emitido parecer pelos respetivos Conselhos de Administração, das duas instituições envolvidas no estudo: uma da Região Centro e a outra da Região Sul de Portugal.

Referencial teórico-metodológico

Partimos do pressuposto que o padrão de uma cultura(1010 Elliot G. Cracking the cultural competency code. Can J Nurs Res. 2006;17(4):12-24.) compreende dimensões subjetivas, interativas e materiais que fornecem os cenários para orientar as pessoas para as suas atividades diárias. O foco principal centrou-se em apreender como as puérperas utilizam as informações que visam os cuidados culturais prestados por enfermeiras, na dinâmica social em que se inserem os cuidados de obstetrícia, tendo como ponto de partida considerar os valores, as crenças e práticas, inerentes às suas atividades específicas do cuidar, no seu quotidiano, desenvolvidas numa interação enfermeira puérpera.

Tipo de estudo

Estudo descritivo, desenvolvido sob um paradigma construtivista, de metodologia de investigação qualitativa e análise de conteúdo(1111 Coutinho E, Amaral S, Parreira V, Chaves C, Amaral O, Nelas P. O cuidado cultural na trajetória da enfermagem transcultural e competência cultural. Inv Qual Saúde [Internet]. 2017 [cited 2019 Mar 15];2:1578-87. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2017/article/view/1510/1467
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), com recurso aos pressupostos de Bardin.

Procedimentos metodológicos

Dando resposta ao objetivo utilizaram-se os procedimentos metodológicos inerentes à análise de conteúdo baseada na entrevista semi-estruturada. Depois de assegurda a autorização institucional para a realização do estudo, contactou-se a enfermeira chefe do serviço, a qual fez as apresentações e informou as enfermeiras de serviço e as puérperas internadas sobre a presença dos investigadores. Cada investigador apresentou o estudo individualmente a uma enfermeira ou puérpera, em gabinete reservado. Uma puérpera se recusou a participar por ter tido alta e ter familiar à sua espera. Apresentam-se mais pormenorizadamente alguns elementos como o cenário do estudo, a fonte de dados, a coleta e organização dos dados, e a análise dos dados.

Cenário do estudo

O estudo foi realizado no serviço de obstetrícia de dois hospitais públicos de Portugal, sendo um hospital da Região Centro e o outro da Região Sul(1111 Coutinho E, Amaral S, Parreira V, Chaves C, Amaral O, Nelas P. O cuidado cultural na trajetória da enfermagem transcultural e competência cultural. Inv Qual Saúde [Internet]. 2017 [cited 2019 Mar 15];2:1578-87. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2017/article/view/1510/1467
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).

Fonte de dados

A fonte de dados foi a entrevista semi-estruturada a amostra de enfermeiras e puérperas.

Os critérios de seleção para a amostra, foram pertencerem ao serviço de obstetrícia, e mostrarem disponibilidade e aceitação em participar no estudo.

Quanto à caracterização sociodemográfica da amostra, há a referir que das 15 enfermeiras, 14 são de nacionalidade portuguesa e uma é de nacionalidade espanhola sendo a média de idades de 40,8 anos. Das 21 puérperas, 19 são de nacionalidade portuguesa, uma argentina, e outra ucraniana, sendo a média de idades de 32,29 anos. Das 36 entrevistadas 60% pertenciam a uma instituição da Região Centro e 40% a uma instituição da Região Sul de Portugal.

Coleta e organização dos dados

As entrevistas foram realizadas num gabinete de enfermagem disponibilizado para o efeito, por quatro investigadores, no período compreendido entre agosto e outubro de 2015, até à saturação dos dados. Cada entrevista foi gravada em áudio e teve a duração média de 45 minutos. Cada entrevistada ouviu a sua gravação para assegurar que tinha dito o que pretendia.

O guião da entrevista foi constituído por duas partes: a primeira conteve variáveis de caracterização sociodemográfica de enfermeiras e puérperas, seguida da pergunta orientadora: Que tipo de cuidado é desenvolvido na interação entre enfermeiras e puérperas na procura de um cuidado cultural? Entre outras questões: O que significa para si o cuidado de enfermagem culturalmente competente? - Comente com base na sua experiência de cuidar na diversidade(1212 Coutinho E, Parreira V, Martins B, Chaves C, Nelas P. The informal intercultural mediator nurse in obstetrics care. In: Costa AP, Reis LP, Souza FN, Moreira A, Lamas D. Computer supported qualitative research. Switzerland: Springer; 2017.). Foi respeitada a privacidade dos dados atribuindo códigos às entrevistas, de duas letras. Às puérperas foi atribuida a letra P e às enfermeiras a letra E, seguida de outra letra que correspondeu à ordem da entrevista (ex; PA - 1ª puérpera entrevistada; EA - 1ª enfermeira entrevistada).

Análise dos dados

As gravações das entrevista foram transcritas e com recurso ao programa Qualitative Analyses Software Certified Partner (NVivo versão 10) foi realizada análise qualitativa de dados, como proposto por Bardin(1313 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2015.), inicialmente foi realizada uma pré-análise; seguiu-se a exploração do material; e concluiu-se com o tratamento dos resultados, nomeadamente através da inferência e da interpretação. Os softwares oferecem variadíssimas possibilidades para a análise qualitativa(1414 Costa AP, Souza FN, Souza DN. Trabalho colaborativo na investigação qualitativa através das tecnologias. In: Souza DN, Costa AP, Souza FN, editors. Investigação qualitativa: inovação, dilemas e desafios. Vol. 3. Oliveira de Azeméis (PT): Ludomedia; 2016. p. 105-27.). Da análise dos dados foram construidas categorias e subcategorias.

RESULTADOS

Dos resultados emergentes, decorrente da análise e codificação do verbatim das entrevistas, a puérperas e enfermeiras, destacaram-se quatro categorias de significado cultural (i) Atitudes das enfermeiras que as puérperas reconhecem imprescindíveis no processo de cuidar; (ii) Exercitar a competência cultural; (iii) Recursos linguísticos utilizados pelas enfermeiras na interação com pessoas de outras culturas; (iv) Constrangimentos manifestados nas interações entre enfermeiras e puérperas. A primeira categoria emerge do discurso das puérperas, a segunda e a terceira emergem do discurso das enfermeiras, e a quarta categoria emerge do discuros de enfermeiras e puérperas.

No que se refere à análise dos discursos das puérperas, sobressaíram as atitudes das enfermeiras que as puérperas reconhecem imprescindíveis no processo de cuidar, com maior destaque para as atitudes capacidade para ajudar, preocupação, ser simpático, estar presente, e competência, seguidas de atitudes de profissionalismo, demonstrar carinho, dar atenção, transmitir confiança, respeito pela singularidade, e humanitude. Outras atitudes menos referidas podem ser consultadas na Tabela 1.

Tabela 1
Atitudes das enfermeiras que as puérperas reconhecem imprescindíveis no processo de cuidar

Os resultados traduzem, também, o sentido, como as enfermeiras se preocupam com as necessidades das puérperas e suas familias, ainda que não seja de uma forma clara, já que o cuidado culturalmene competente, implica ser detentor de algumas habilidades e saberes tais como: interesse, disponibilidade, envolvimento, comunicação, interação, criatividade e imaginação e, sobretudo, ter flexibilidade para olhar e ajudar o outro como um ser único e singular na diversidade

Relativamente às categorias de análise que emergiram dos discursos das enfermeiras verificou-se que quando questionadas acerca do significado de enfermagem transcultural, emergiu a categoria Exercitar a competência cultural, que se tornou visível nas subcategorias apresentadas na Tabela 2, sendo Respeitar as pessoas de outras culturas a mais referenciada pelas enfermeiras.

Tabela 2
Exercitar a competência cultural

Alguns recursos linguísticos são reconhecidos pelos informantes nos encontros culturais, com maior relevo para os diferentes conhecimentos linguísticos das enfermeiras, e a presença de um acompanhante capaz de traduzir a língua, cf. Tabela 3.

Tabela 3
Recursos linguísticos utilizados pelas enfermeiras na interação com pessoas de outras culturas

Na Tabela 4 apresentamos os Constrangimentos manifestados nas interações entre enfermeiras e puérperas, com duas subcategorias emergentes dos discursos das enfermeiras e cinco do discurso das puérperas. Dos constrangimentos manifestados pelas enfermeiras destacaram-se o desconhecimento de outras culturas, e a falta de formação em enfermagem transcultural.

Tabela 4
Constrangimentos manifestados nas interações entre enfermeiras e puérperas

No discurso das puérperas emergiram constrangimentos, que denotam uma diferença entre culturas que pode provocar alguma insegurança e medo de não ser entendido. O constrangimento mais referido refere-se ao apoio deficiente pelo racio enfermeira/puérpera, o que pode traduzir o défice de conhecimento da puérpera e a incompreensão pela linguagem técnica utilizada pelas enfermeiras.

DISCUSSÃO

As “Atitudes das enfermeiras que as puérperas reconhecem imprescindíveis no processo de cuidar”, revelam o sentido do cuidado culturalmente competente, inserido no contexto social da prestação de cuidados de enfermagem, no campo da Enfermagem de saúde materna e obstétrica, importantes para mostrar os atributos críticos associados à competência cultural. O desenvolvimento de competências culturais em profissões de saúde é considerado uma condição essencial para promover a qualidade e a equidade nos cuidados de saúde(99 Blanchet Garneau A, Pepin J. Cultural competence: a constructivist definition. J Transcult Nurs [Internet]. 2015[cited 2017 Dec 05];26(1):9-15. Available from: https://doi.org/10.1177/1043659614541294
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).

A atitude das enfermeiras que as puérperas mais reconheceram imprescindíveis ao cuidar foi a capacidade para ajudar, o que nos permite afirmar que esta desempenha um papel fulcral para as mulheres, na atribuição de significado aos cuidados de enfermagem prestados, interpretando-os como uma ajuda essencial no processo de maternidade. Algumas falas que se apresentam dão maior visibilidade a essa subcategoria.

[as enfermeiras] estão sempre muito dispostos a ajudar. (PD)

[A colaboração que tive por parte das enfermeiras] desde que entrei, sempre foi de ajuda. (PE)

É gratificante [ser cuidada por enfermeiras] porque ajudam-nos, se nos dessem os bebés assim para as mãos sem essa ajuda a gente não sabe fazer muitas coisas principalmente sendo mãe de primeira viagem… [...]. (PO)

Ajudar-nos a prepararmo-nos para cuidar do bebé. (PL)

Sempre fui bem apoiada e ajudada, muito bem tratada por parte das enfermeiras. (PS)

Outras atitudes das enfermeiras que as puérperas reconheceram imprescindíveis no processo de cuidar e que também se destacaram foram a preocupação da enfermeira, referida por dez puérperas, o ser simpático e estar presente, referidos por nove puérperas, o demostrar competência referido por oito puérperas, o profissionalismo, e demonstrar carinho, referidos por sete puérperas, dar atenção referido por seis entrevistadas, transmitir confiança, respeito pela singularidade e humanitude referidos por cinco entrevistadas. Outras atitudes desta categoria foram menos referidas como o caso de atitude de colaboração e ser paciente referido por quatro entrevistadas, a capacidade de reconhecer as diferenças e confortar referidos por três entrevistadas, mostrar-se disponível, escuta ativa, celeridade na resposta, atitude de proximidade nos cuidados e transmitir segurança mencionados por duas puérperas cada, e o apoiar e a delicadeza referidos por apenas uma puérpera.

Estas atitudes são fundamentais para os profissionais que se preocupam com uma interação de qualidade e de proximidade com as puérperas. Parreira(1515 Parreira V. Maternidade: da natureza à cultura: parto e sua complexidade sociocultural. Rev Ass Port Enf Obst. 2007;(8):19-23.) refere que independentemente dos valores e crenças culturais, todas as parturientes têm a necessidade de se sentirem acompanhadas, exigindo profissionalismo, qualidade e competência por parte de quem presta os cuidados. As habilidades de interação e comunicação dos cuidadores podem facilitar a saúde e o bem-estar global(1616 Haugan G. Nurse-patient interaction is a resource for hope, meaning in life and self-transcendence in nursing home patients. Scand J Caring Sci [Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 05];28(1):74-88. Available from: https://doi.org/10.1111/scs.12028
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), quer nacionais ou estrangeiros(1717 Silva RGM, Possas CRSS, Barbosa MR, Araujo HF, Santos MSC. [Nurse communication strategies with foreign patients: experience report]. Arq Cienc Saude UNIPAR [Internet]. 2016 [cited 2017 Dec 05];20(2):145-8. Available from: https://doi.org/10.25110/arqsaude.v20i2.2016.5219 Portuguese.
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).

Relativamente à categoria “Exercitar a competência cultural” emergiram nove subcategorias: Respeitar as pessoas de outras culturas, Ir ao encontro das necessidades da pessoa, Procurar conhecer outras culturas, Procurar adaptar-se às diferentes culturas, Aprender sobre as culturas pelo contacto com as puérperas, Estabelecer uma boa comunicação, Possuir conhecimento de outras culturas, Conhecer os outros para nos conhecermos a nós, e Ajudar a ver outras perspetivas. Face aos discursos analisados, é de salientar o conhecimento das enfermeiras no que respeita à prestação de cuidados culturalmente congruentes, bem como ao esforço de desenvolver uma prática de cuidar no sentido da competência cultural.

A enfermagem é isso, é a gente saber o que é, qual é a cultura da pessoa, adaptarmo-nos também a isso. (EA)

Há outras culturas que podem não aceitar determinados comportamentos que a gente faz aqui, tratamentos e procedimentos e temos de saber compreender e adequarmo-nos à cultura deles. (EB)

Nós devemos cuidar a pessoa de acordo com as suas necessidades culturais e atendendo as necessidades de cada uma. (EN)

Purnell & Paulanka(66 Purnell L, Paulanka B. Cuidados de saúde transculturais: uma abordagem culturalmente competente. Loures (PT): Lusodidacta; 2010.) explicam que a consciência cultural se traduz numa maior satisfação com os cuidados, porquanto reduz contextos geradores de desigualdade assentes em questões de género, etnia e raça, ou outros, os quais acarretam constrangimentos e colocam em causa a qualidade dos cuidados. Com a globalização, as sociedades tornam-se cada vez mais multiculturais e, por tal facto, é necessário que as enfermeiras adquiram novos conhecimentos que os sensibilize e capacitem para as “especificidades dos clientes”(1818 Maier-Lorentz MM. Transcultural nursing: its importance in nursing practice. J Cult Divers. 2008;15(1):37-43.). A este propósito, realça-se o facto de transparecer no discurso de uma enfermeira um certo etnocentrismo e tentativa de imposição cultural na medida em que referiu que procurava ajudar a puérpera a ver outras perspetivas em que ela enfermeira acreditava serem melhores.

há coisas que nós queremos ensinar e na cultura deles não é assim que se faz e é muito complicado. (EK)

Face à categoria Recursos linguísticos utilizados pelas enfermeiras na interação com pessoas de outras culturas emergiram três subcategorias que realçam as estratégias utilizadas para assegurar uma comunicação eficaz entre enfermeira e puérpera. Espera-se que as enfermeiras se relacionem de forma eficaz com a puérpera, na promoção do seu bem-estar geral e família. Quando se cuidam pessoas de culturas diferentes, há que ser particularmente atento na comunicação estabelecida, porquanto as assimetrias entre os interlocutores poderão levar a que o que é dito assuma outro significado que não o pretendido. Purnell e Paulanka(66 Purnell L, Paulanka B. Cuidados de saúde transculturais: uma abordagem culturalmente competente. Loures (PT): Lusodidacta; 2010.) alertam para que os profissionais de saúde escolham palavras de significado “puro”, salientando a importância da adequação do tom de voz no contexto comunicacional. Enfatizam ainda a importância da não tradução de palavras individuais, pois estas podem, à semelhança das variações de pronúncia, alterar o significado das palavras e frases e originar situações inapropriadas. No entanto, outros(1919 Skott C, Lundgren SM. Complexity and contradiction: home care in a multicultural area. Nurs Inq. 2009;16(3):223-31. doi: https://doi.org/10.1111/j.1440-1800.2009.00454.x
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) apontam uma sensação de ambivalência das enfermeiras na presença de intérpretes, sendo estes familiares ou não, face à carência de, por um lado, a presença do tradutor ser constrangedora mas ter de ser necessária para que a comunicação entre quem cuida e quem é cuidado se efetive. Por outro lado, nos contextos de maternidade vivem-se aspetos da vida íntima em que a presença de um familiar pode ser inibitória para a mulher, que ou acaba por se expor perante o familiar, acarretando situações de constrangimento e até comprometimento no seu bem-estar, ou pelo contrário se retrai, não dando a conhecer aos profissionais o que a preocupa, situação que acarreta igualmente constrangimentos e afeta o seu bem-estar e a sua saúde. Estes constrangimentos serão ultrapassados ou minimizados com a presença de um mediador intercultural(1212 Coutinho E, Parreira V, Martins B, Chaves C, Nelas P. The informal intercultural mediator nurse in obstetrics care. In: Costa AP, Reis LP, Souza FN, Moreira A, Lamas D. Computer supported qualitative research. Switzerland: Springer; 2017.,2020 Giménez-Romero C. [La naturaleza de la mediación intercultural]. Rev Migr [Internet]. 1997 [cited 2017 Dec 05];2:125-59. Available from: http://revistas.upcomillas.es/index.php/revistamigraciones/article/view/4888 Spanish.
http://revistas.upcomillas.es/index.php/...
) que por um lado guarda a devida distância no respeito pela privacidade da puérpera e por outro compreende o significado da experiência vivida com maior sentido de propriedade e capacidade de ajuda(2121 Meleis AI. Transitions theory middle-range and situation-specific theories in nursing research and practice. New York: Springer Publishing Company; 2010).

Relativamente aos Constrangimentos manifestados nas interações entre enfermeiras e puérperas, apesar de as enfermeiras Aprenderem sobre as culturas pelo contacto com as puérperas como anteriormente exposto, na categoria Exercitar a competência cultural, há que referir que essa experiência não é suficiente para que a enfermeira obtenha o conhecimento cultural necessário a uma prática culturalmente sensível. E isso mesmo foi evidenciado por sete enfermeiras que referiram desconhecimento de outras culturas e três manifestaram a falta de formação em enfermagem transcultural

… porque não tenho informações suficientes para saber que aquilo vai infligir algum mal-estar na parte cultural daquela pessoa […] se não o fizer é por ausência de conhecimento. (EI)

Se tiver uma senhora muçulmana já estou mais alerta caso ocorra de novo esta situação, porque sinceramente não estava alertada para isso, nem me passou pela cabeça que lhe causaria tanto transtorno a senhora vir acompanhada por um senhor. (EL)

Um outro constrangimento que emergiu do discurso de uma enfermeira tem a ver com o facto de pensar que algumas crenças são erradas revelando uma certa imposição cultural. Por sua vez algumas puérperas revelaram-se sensíveis a esta incapacidade cultural das enfermeiras ao sentirem Apoio deficiente pelo rácio de enfermeira /puérpera, Falta de apoio contínuo no processo de amamentar, Uso de uma linguagem técnica, e Défice de conhecimentos. Esta evidência é também apoiada por outros(88 Barimani M, Oxelmark L, Johansson S-E, Hylander I. Support and continuity during the first 2 weeks postpartum. Scand J Caring Sci [Internet]. 2015 [cited 2017 Dec 05];29(3):409-17. Available from: https://doi.org/10.1111/scs.12144
https://doi.org/10.1111/scs.12144...
,2222 Almalik M. Understanding maternal postpartum needs: a descriptive survey of current maternal health services. J Clin Nurs. 2017;26:4654-63. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.13812
https://doi.org/10.1111/jocn.13812...
) que comentaram o apoio insuficiente, incluindo a falta de continuidade na cadeia de cuidados e o apoio insuficiente à saúde física e emocional das puérperas. Apesar de compreenderem que não pode existir uma enfermeira por cada mulher, as puérperas destacaram esses sentimentos de falta de apoio, como se pode verificar no testemunho de uma delas:

Entendo que não dá para estar uma enfermeira para cada utente, é tanta gente, mas nós só queríamos apoio. (PP)

Realçaram-se outros constrangimentos vividos pelas mulheres como a incompreensão pelo uso de uma linguagem técnica pelas enfermeiras, e Défice de conhecimentos o que denota as preocupações vividas pelas puérperas. Neste contexto, é notória a necessidade de uma imbricação intercultural efetiva entre as enfermeiras e as puérperas, já que por vezes as enfermeiras não têm consciência crítica sobre a cultura profissional que, obviamente o significado atribuído aos conceitos e termos utilizados na cultura profissional, não são de fácil apreensão pelas puérperas o que pode ser gerador de sentimentos negativos, ou seja, vem confirmar a versão de outros estudos que fazem mas não explicam. É fundamental reconhecer que a competência cultural em enfermagem vai além de uma resposta cultural, sensível e adequada. É necessária a perceção da intencionalidade, das ações. Neste sentido, a abordagem competente abrange a compreensão das interações entre enfermeira e puérpera, numa consciência crítica das ações, condutas e dos seus impactos. As boas práticas estão associadas à valorização das vivências de tais sentimentos e da sua expressão enquanto intervenção terapêutica, porquanto, os mesmos poder-se-ão refletir, não apenas na saúde e bem-estar da mulher(2323 Nelas P, Coutinho E, Chaves C, Amaral O, Cruz C. Dificuldades na amamentação no primeiro mês de vida: impacto dos contextos de vida. Int J Dev Educ Psychol [Internet]. 2017 [cited 2017 Dec 05];3(1):183-92. Available from: http://www.redalyc.org/html/3498/349853365019/
http://www.redalyc.org/html/3498/3498533...
) acarretar consequências nefastas na sua vivência e ajustamento à maternidade, mas a conduta adotada por algumas mulheres, as suas opções de vida, poderão ter implicações diretas também na criança(2424 Mendes IM. Ajustamento materno e paterno: experiências vivenciadas pelos pais no pós parto. Coimbra (PT): Mar da Palavra; 2009.). Em diversas sociedades e culturas a gravidez é vivida de forma distinta, de acordo com os conceitos, crenças, valores, mitos, tradições e cultura exigindo que a enfermeira se aproprie desse conhecimento, práticas, e formas de ser e estar no mundo, para além dos recursos linguisticos(2525 Governo de Portugal. ACM: Alto Comissariado para as Migrações. Serviço de Tradução Telefónica[Internet]. Available Portugal: ACM; c2018 [cited 2018 Mar 27]. Available from: https://www.acm.gov.pt/pt/-/servico-de-traducao-telefonica#
https://www.acm.gov.pt/pt/-/servico-de-t...
), que na interação com as puérperas determinará o cuidado cultural.

Limitações do estudo

Enquanto estudo qualitativo apresenta-se como limitação o facto de que foram quatro investigadores na recolha de dados, cada um com a sua subjetividade e com o seu olhar específico sobre o objeto, cada um com experiências e histórias de vida diferentes, cada um com a sua forma peculiar de conduzir a entrevista. Estamos cientes de que perante um objeto, o conhecimento de cada investigador influencia a forma como ele interpreta esse objeto e que o olhar de cada investigador é específico e único. Procurou-se controlar o viés do investigador validando a análise dos dados entre todos os investigadores.

Outra limitação prende-se com o facto de a amostra ter sido selecionada em função da disponibilidade das enfermeiras e puérperas e não da capacidade de cada uma para relatar a experiência. Acerca da qualidade nas pesquisas qualitativas em enfermagem(2626 Egry EY, Fonseca RMGSF. Acerca da qualidade nas pesquisas qualitativas em enfermagem. In: Souza DN, Costa AP, Souza FN, editors. Investigação qualitativa: inovação, dilemas e desafios. Oliveira de Azeméis (PT): Ludomedia; 2015. p. 75-102.), teria sido uma mais-valia, a considerar em futuras investigações, iniciar a pesquisa suportada por Critérios de Avaliação e Construção de Artigos em Investigação Qualitativa na medida em que os modelos facilitam o trabalho dos autores na preparação do artigo(2727 Costa AP, Souza FN. Critérios de avaliação e construção de artigos em investigação qualitativa (CACAIQ). In: Costa AP, Souza FN, Souza DN, editors. A prática na investigação qualitativa: exemplos de estudos. Oliveira de Azeméis (PT): Ludomedia; 2017. p. 17-25.) mas também durante a investigação.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política publica

Este estudo de investigação qualitativa permitiu compreender o sentido que as enfermeiras e puérperas atribuem às suas intervenções, na interação do cuidar, tendo como foco o cuidado culturalmente competente, em enfermagem obstétrica. Desocultaram-se atitudes das enfermeiras que as puérperas reconhecem imprescindíveis no processo de cuidar; o trabalho desenvolvido pelas enfermeiras exercitar a competência cultural; os recursos linguísticos utilizados pelas enfermeiras na interação com pessoas estrangeiras e a não referência ao mediador cultural; bem como os constrangimentos manifestados nas interações entre enfermeiras e puérperas e as implicações que têm na prática de enfermagem. Permitem antever um caminho a percorrer, assumida que é, por estas enfermeiras, a necessidade de formação, que permita maior conhecimento das especificidades e contributos para desenvolver a competência cultural profissional. Neste sentido, com base nos resultados do estudo, sugere-se maior investimento na preparação dos profissionais, na formação e autoformação. É de salientar a mais valia desta formação, em programas já implementados, em instituições de ensino de enfermagem, na formação inicial e com maior desenvolvimento na formação pós-graduada.

CONCLUSÃO

Na cultura estudada há convergência de sentidos entre os discursos de puérperas e enfermeiras.

Por um lado, as puérperas reconhecem as atitudes das enfermeiras imprescindíveis ao processo de cuidar, como ajudar e estar presente. As enfermeiras valorizam o próprio esforço em exercitarem a competência cultural, como respeitar as pessoas de outras culturas; e valorizam os recursos linguísticos utilizados na interação, como o seu próprio conhecimento linguístico enquanto fator facilitador da competência cultural, a existência de tradutores nos hospitais, e também os acompanhantes com a capacidade de fazer a tradução, apesar dos constrangimentos que o recurso a estes possa acarretar à mulher.

Por outro lado enfermeiras e puérperas apontam constrangimentos nas interações entre si. Uma parte das enfermeiras não reconhece que a competência cultural não se limita ao contacto com pessoas estrangeiras mas que se refere a qualquer pessoa independentemente da sua cultura; assumiu ser culturalmente incompetente, e, por isso, referiu a necessidade de aprofundar e adquirir outros conhecimentos, em relação à interculturalidade. Por sua vez uma parte das puérperas sente essa falta de apoio pelas enfermeiras quer em termos de procedimentos na amamentação quanto nas características técnicas do discurso utilizado que se torna incompreensível aos olhos das puérperas. Estes constrangimentos e a ausência do conceito de mediador intercultural no discurso das enfermeiras colocam o acento tónico no que será necessário investir ao nível da formação das enfermeiras no sentido de desenvolverem uma consciência critica para se tornarem inconscientemente culturalmente competentes.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos são devidos ao Instituto Politécnico de Viseu, CI&DETS, Alto Comissariado para as Migrações no âmbito da Rede de Ensino Superior para a Mediação Intercultural (RESMI) e ao Chapter Phi Xi – Sigma Theta Tau International.

  • FINANCIAMENTO
    Este estudo é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., no âmbito do projecto UID / Multi / 04016/2016. Financiamento suportado pela FCT e CIDETS - Centro de Estudos em Educação Tecnologia e Saúde, Portugal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2018
  • Aceito
    18 Ago 2018
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