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CONDIÇÕES DE TRABALHO DO PESSOAL DE ENFERMAGEM 61.ª CONFERÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) - COMUNICAÇÃO

O tema "emprego e condições de trabalho e vida do pessoal de enfermagem" tem estado em foco nestes últimos anos, debatido nas reuniões conjuntas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial de Saúde (OMS). Dada a grande importância do assunto torna-se mister que dele se faça a mais ampla divulgação a fim de que os profissionais de enfermagem possam acompanhar o que vem sendo feito pelas organizações internacionais e auxiliar, em âmbito nacional, na implantação de medidas que favoreçam o trabalhador da área de saúde, especialmente o pessoal de enfermagem. Qualquer progresso nesse sentido poderá significar melhora na assistência à saúde das populações, o que constitui a meta das autoridades governamentais e de todos os elementos que trabalham em instituições assistenciais de saúde.

Em quase todos os países do mundo as condições de trabalho do pessoal de enfermagem não são satisfatórias. A carência de profissionais, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo, considerada crítica em alguns deles, decorre de fatores diversos entre os quais podem ser citados, entre outros: remuneração inadequada, horário de trabalho muito longo, sem períodos de descanso, plantões em domingos e feriados sem a justa compensação, períodos incômodos ou fatigantes de trabalho, como os turnos da tarde e da noite, também sem a devida compensação, e quase que impossibilidade em ascender na carreira, por falta de uma carreira estruturada ou pela carência de condições de estudo e aperfeiçoamento. Além disso, a diversidade de categorias de trabalhadores nesse campo aumenta a dificuldade de se planejar uma boa formação técnica e ético-profissional para os elementos de cada uma delas. Agrava a situação o fato, prevalente em muitos países, do enfermeiro não ser ouvido quando do planejamento e da tomada de decisões sobre o ensino e a prática da enfermagem e sobre suas condições de emprego e trabalho.

Esta situação torna a enfermagem sem muitos atrativos para a juventude atual, dificultando o recrutamento de candidatos às escolas, e gera descontentamento entre os profissionais em atividade, com possíveis reflexos na qualidade de atendimento nos serviços de saúde. Em alguns países, o êxodo para profissões que apresentam melhores condições de trabalho é constante, ocasionando alto índice de "turn over" nos serviços de enfermagem.

É comum, ainda, a má utilização desse pessoal nos hospitais, na execução de tarefas que outros elementos com menos qualificação poderiam executar; isto leva ao desinteresse pelo aperfeiçoamento profissional e à acomodação às condições da instituição; quando não, à procura de outra atividade, mais gratificante.

É oportuno, portanto, trazer ao conhecimento da classe o que vem sendo feito pela OIT, com a colaboração da OMS, às quais o assunto está afeto.

De 1930 a 1939 houve, por parte da OIT, algumas intervenções com o objetivo de melhorar a situação, considerada muito má, em que se encontravam os trabalhadores da área de saúde, principalmente os ligados ao serviço de enfermagem. Em 1960, essa Organização publicou um estudo sobre problemas relacionados com as condições de emprego e de trabalho do pessoal de enfermagem, realizado em colaboração com a OMS, cujos resultados mostravam uma condição de crise aguda.

Em 1967, a Comissão Consultiva de Empregados e de Trabalhadores Intelectuais sugeriu à OIT que, ouvida a OMS, prepusesse a "elaboração de um instrumento internacional sobre as condições do pessoal de enfermagem". Isso foi feito e, dado o interesses comum no assunto, essas duas organizações realizarem uma reunião conjunta, em novembro de 1973, que resultou na elaboração de um relatório que foi examinado, respectivamente, pelo Conselho Executivo da OMS e pelo Conselho de Administração da OIT (maio-junho de 1974). Este último autorizou seu encaminhamento aos governos dos países membros para apreciação e colocou o assunto na ordem do dia da 61.ª Conferência Internacional do Trabalho, a ser realizada em junho de 1976.

A reunião conjunta OIT-OMS contou com peritos das áreas governamental, dos empregadores e dos empregados, além de representantes de entidades não governamentais, como o Conselho Internacional de Enfermeiras (ICN) e o Comitê Internacional Católico de Enfermeiras e Assistentes Médico-Sociais (CICIAMS), entre outras.

O Relatório VII (1), como foi denominado, teve divulgação restrita. O COFEN recebeu uma cópia, enviada pelo Ministério do Trabalho, que solicitou à sua diretoria que o estudasse e apresentasse seu ponto de vista sobre a matéria, respondendo um questionário anexado ao Relatório da OIT. A presidente do COFEN encaminhou resposta àquele Ministério, em fins de 1975, concordando com o Relatório VII (1) em sua totalidade e fazendo algumas considerações sobre a situação da enfermagem brasileira, especialmente na parte relativa à legislação profissional.

O ICN enviou à ABEn cópias desse mesmo relatório, pedindo à entidade que trabalhasse no sentido de influenciar os poderes competentes para que aprovassem o conteúdo do documento em sua totalidade e opinassem em favor da aprovação de um instrumento internacional sob a forma de uma Convenção, e não de uma Recomendação apenas, como queriam alguns países. O motivo óbvio é que a primeira obriga os governos ao cumprimento do disposto no documento aprovado, por meio da ratificação; a segunda torna-se inócua, uma vez que as recomendações poderão ou não ser levadas em conta.

O Conselho Internacional de Enfermeiros, como entidade representativa dos enfermeiros, deseja que todos os países fiquem obrigados a levar em consideração esse instrumento, que objetiva melhorar as condições de trabalho do pessoal de enfermagem, consideradas más em quase todos os países do mundo.

A ABEn, reconhecendo a maior autoridade do COFEN em relação à matéria, deixou ao encargo da Autarquia toda a decisão sobre o assunto, inclusive a solicitação para que duas enfermeiras fizessem parte da delegação do Ministério do Trabalho à 61.ª Conferência Internacional do Trabalho, o que foi feito. O Exmo. Sr. Ministro do Trabalho credenciou a Vice-Presidente e a l.ª Secretária do COFEN como Conselheiras Técnicas, na Delegação Brasileira, junto à Comissão de Pessoal de Enfermagem da Conferência, no grupo governamental.

O presente trabalho é o resultado da participação do COFEN nessa reunião, realizada em Genebra, de 2 a 23 de junho de 1376.

O Relatório VII (1) constitui um documento extenso que contém as conclusões aprovadas pelo grupo OIT-OMS. Enviado aos governos dos países membros, para apreciação, juntamente com o já citado questionário, destinado a obter a opinião de cada um deles sobre o seu conteúdo, 53 países responderam, a maioria concordando em que deveria ser adotado um instrumento internacional para dispor sobre as condições de emprego e trabalho do pessoal de enfermagem, sob a forma de uma recomendação. Foram poucos os países que indicaram a forma de convenção, ou de ambos, convenção e recomendação.

Houve divergência de opiniões de alguns países sobre diversos pontos das conclusões do Relatório VII (1), por isso a OIT elaborou um novo Relatório, VII (2), baseado nas respostas dos governos. Esse, composto de 16 capítulos e 73 itens, suprimiu muito no que constava no primeiro, mas continuou apresentando matéria de substancial importância para a prática de enfermagem em qualquer país do mundo, sob a forma de princípios a serem observados.

O Relatório VII (2) foi o documento discutido na 61.ª Conferência Internacional do Trabalho. A Comissão de Pessoal de Enfermagem, como as demais, era tripartida, constituída pelos grupos governamental, dos empregadores e dos trabalhadores, todos com direito de apresentar emendas ao documento. Grande número de enfermeiras integraram os grupos governamental e dos trabalhadores; entre os empregadores havia poucos profissionais de enfermagem e este fato constituiu fator de equilíbrio nas votações determinando, muitas vezes, a queda de emendas apoiadas pelos empregadores.

Alguns comentários sobre o conteúdo do Relatório VII (2) e das conclusões da Conferência são oportunas e válidas, para conhecimento geral.

A justificativa da urgência de um instrumento internacional sobre as condições de trabalho do pessoal de enfermagem foi baseada na gravidade dessas condições em muitos países, com reflexos na assistência à saúde das populações, e na grande importância do papel que esses profissionais desempenham na proteção e melhora da saúde da comunidade.

Os objetivos desse instrumento incluem "garantir a qualidade de uma assistência de enfermagem adequada às necessidades da comunidade e por ela aceita... e zelar para que o pessoal de enfermagem desfrute de condições econômicas aceitáveis e obtenha proteção social adequada, bem como os meios para defender seus interesses..."* * Conferência Internacional del Trabajo, 61.ª reunion 1976, Informe VII (1) - Empleo y condicones de trabajo y de vida del personal de enfermeria, p. 95.

Um dos capítulos das conclusões trata do preparo do pessoal, onde foram definidas três categorias: enfermeiro profissional, preparado em instituição educacional de nível superior: auxiliar de enfermagem, (ou enfermeiro auxiliar) preparado em cursos de nível médio (2.º grau) e atendente treinado em serviço. A descrição do auxiliar de enfermagem corresponde a um elemento intermediário entre o enfermeiro e o atendente e que mais se aproxima, entre nós, do técnico de enfermagem.

Foram aprovadas na Conferência as mesmas três categorias, mas sem a exigência de formação universitária para o enfermeiro profissional, visto a medida não ser aceita por muitos países da Europa. Foi recomendada a existência de programas de ensino superior com o objetivo de preparar pessoal para administração, ensino e pesquisa. As disposições aprovadas são flexíveis, adaptáveis ao sistema de ensino de enfermagem de qualquer país. Não obriga a colocação das escolas de enfermagem nas universidades, mas recomenda, dentro do possível.

O capítulo que trata do Exercício Profissional possui um item que salvaguarda, especificamente, o direito do pessoal de enfermagem de recusar tarefas que estejam em desacordo com suas convicções religiosas, morais e éticas, desde que fique garantida a assistência de enfermagem; esse direito, já previsto no Código de Deontologia de Enfermagem do COFEN ainda não é reconhecido em alguns países e sua aceitação por parte de grupo dos empregadores foi coagida pelo resultado da votação do plenário.

Havia, no Relatório VII (1), um ponto específico que assegurava a todo o pessoal de enfermagem o direito de greve. Retirado do Relatório VII (2), esse ponto foi objeto de uma emenda que foi discutida e votada em plenário, sem êxito. Ficaram assegurados, entretanto, mecanismos conjuntos, trabalhadores-empregadores, tais como mediação, conciliação e arbitração voluntária, para resolver problemas de emprego a fim de evitar que o pessoal de enfermagem recorra a recursos mais drásticos na defesa de seus interesses.

Foram aprovadas quase todas as disposições sobre justa remuneração, horário de trabalho, períodos de repouso, proteção contra doenças ocupacionais, previdência social e proteção à maternidade e infância, bem como os pontos que se referem especificamente aos direitos dos estudantes de enfermagem, na escola e nos campos de prática.

O capítulo referente à Cooperação Internacional é de suma importância na atualidade, quando o intercâmbio de profissionais entre os países está sendo incentivado como meio de promover intercâmbio também de idéias e conhecimentos, com o objetivo de melhorar a qualidade de assistência de enfermagem. Trata do direito e das obrigações do pessoal que estuda ou trabalha em país estrangeiro.

Como se pode ver por este resumo do Relatório VII (2) e dos resultados de reuniões que se prolongaram por três semanas consecutivas, o assunto foi tratado com muita seriedade. Foram levantados todos os pontos que devem merecer a atenção dos legisladores e empregadores com relação ao pessoal de enfermagem. Houve consenso sobre a precariedade de suas condições de emprego e trabalho e sobre a necessidade de medidas urgentes para melhorá-las, visando tornar a profissão mais atraente de modo a facilitar o recrutamento de estudantes o que, em última análise, significa minimizar a carência desses profissionais, realidade atual no mundo inteiro.

O tratamento do assunto em nível internacional, porém, ainda não terminou. O documento, depois de aprovado pelo Plenário da Conferência, será enviado novamente aos governos dos países membros da OIT para apreciação e será colocado na agenda da próxima reunião, em 1977, para discussão e aprovação final. Nessa oportunidade o pessoal de enfermagem tomará conhecimento do tipo de instrumento que será adotado, possivelmente uma Recomendação, e do conteúdo do documento.

O objetivo da presente comunicação foi despertar o interesse dos enfermeiros para o tema e prepará-los para as futuras discussões sobre o assunto considerado de vital importância para a enfermagem, e para a assistência à saúde em geral.

A insistência com a qual foi justificada a necessidade de um instrumento internacional específico, somente para o pessoal de enfermagem, completamente à parte de qualquer legislação trabalhista em vigor, deixa entrever a possibilidade de ser dada maior atenção, de agora em diante, a um assunto que, embora prioritário pela sua importância, em muitos países, não tem merecido tratamento justo pelas respectivas autoridades competentes.

O pessoal de enfermagem pode presumir que terá suas condições de em prego, trabalho e vida melhoradas dentro de algum tempo, melhora essa provocada pela aceitação, por parte dos países, de recomendações enfáticas sobre o modo de tratar os problemas decorrentes da prática profissional dos enfermeiros. O equilíbrio entre os deveres e os direitos desses profissionais deverá corrigir a concepção já estruturada de que o pessoal de enfermagem só tem deveres e constitui o único grupo que deve servir a comunidade com espírito de sacerdócio dando tudo de sí e pouco recebendo em troca.

Em âmbito nacional, urge a tomada de consciência dos enfermeiros de que o planejamento e as decisões sobre o ensino e a prática profissional são responsabilidade sua, que a nenhum outro grupo deverá ser delegada. Uma vez aceita essa premissa, todos os demais benefícios em relação a condições adequadas ao ensino e à prática da enfermagem serão conseguidas, paulatinamente. A autoridade para planejar e decidir sobre as questões que afetam o trabalho dos enfermeiros constituirá, sem dúvida, a primeira etapa para que sejam atendidos os propósitos dos serviços de enfermagem, ou seja, melhorar, em quantidade e qualidade, a assistência de enfermagem a que a comunidade tem direito.

  • CARVALHO, A.C. - Condições de trabalho do pessoal de enfermagem 61.a conferência da organização internacional do trabalho (OIT) - comunicação. Rev. Bras. Enf. DF, 30 : 157-161 1977.
  • *
    Conferência Internacional del Trabajo, 61.ª reunion 1976, Informe VII (1) - Empleo y condicones de trabajo y de vida del personal de enfermeria, p. 95.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1977
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