RESUMO
Objetivo: avaliar a conformidade da assistência de enfermagem em relação às melhores evidências na transição do cuidado da pessoa idosa internada em hospital para o domicílio.
Métodos: projeto de implementação de melhores evidências, a partir do modelo Joanna Briggs Institute, em hospital universitário, com idosos, cuidadores e enfermeiros, entre julho e agosto de 2019. Foram auditados oito critérios baseados em evidências, por meio de entrevistas, prontuário e sistema informatizado, apresentados em percentuais.
Resultados: na auditoria de base, o maior índice de não conformidade foi a ausência de formação continuada sobre transição do cuidado e plano de alta hospitalar. A identificação das barreiras às melhores práticas incluiu programas educativos. Após, verificou-se melhora nos índices de conformidade em todos os critérios avaliados.
Considerações finais: os critérios baseados em evidências auditados apresentaram ampliação nos índices de conformidade com as estratégias implementadas, contribuindo para melhora da transição do cuidado da pessoa idosa.
Descritores: Atenção Primária à Saúde; Alta do Paciente; Continuidade da Assistência ao Paciente; Enfermagem; Cuidado de Transição
ABSTRACT
Objective: to assess the conformity of nursing care concerning best evidence in transitional care from hospital to home for older people.
Methods: a project to implement best evidence based on the model proposed by the Joanna Briggs Institute in surgical clinic of a university hospital with older people, caregivers or family members, and nurses, between July and August 2019. Eight evidence-based criteria have been audited through interviews, medical records and computerized system, presented in percentages.
Results: the highest non-compliance rate found in a baseline audit was absence of continued training on transitional care and hospital discharge plan. Identifying barriers to best practices included educational programs; afterwards, there was an improvement in compliance rates in all the criteria assessed.
Final considerations: the criteria based on audited evidence showed an increase in compliance rates with the strategies implemented, contributing to improving transitional care for older people.
Descriptors: Primary Health Care; Patient Discharge; Continuity of Patient Care; Nursing; Transitional Care
RESUMEN
Objetivo: evaluar la conformidad de los cuidados de enfermería en relación a la mejor evidencia en la transición del cuidado de los ancianos ingresados en un hospital al domicilio.
Métodos: proyecto de implementación de mejor evidencia, basado en el modelo del Joanna Briggs Institute, en un hospital universitario, con ancianos, cuidadores y enfermeras, entre julio y agosto de 2019. Se auditaron ocho criterios basados en evidencia a través de entrevistas, historias clínicas y sistema informático, presentado en porcentajes.
Resultados: en la auditoría de línea de base, la mayor tasa de incumplimiento fue la ausencia de capacitación continua sobre transición de atención y plan de alta hospitalaria. La identificación de barreras a las mejores prácticas incluyó programas educativos. Posteriormente, hubo una mejora em las tasas de cumplimiento en todos los criterios evaluados.
Consideraciones finales: los criterios basados en evidencia auditada mostraron un aumento en las tasas de cumplimiento de las estrategias implementadas, contribuyendo a mejorar la transición de la atención a las personas mayores.
Descriptores: Atención Primaria de Salud; Alta del Paciente; Continuidad de la Atención al Paciente; Enfermería; Cuidado de Transición
INTRODUÇÃO
Com o crescimento demográfico da população brasileira acima de 60 anos, estabeleceram-se alterações nos padrões de saúde, com a redução da morbidade e mortalidade por doenças infecciosas e o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis. Assim, é necessária a implantação de modelos de atenção que respondam adequadamente às condições crônicas. Diante desta nova agenda, muitos países vêm reformulando seus sistemas de saúde nos últimos anos, redirecionando-os a uma estrutura integrada, com foco no fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) e do cuidado integral(1-3).
A situação das doenças crônicas, hoje considerada como verdadeira epidemia, é agravada pela transição demográfica acelerada, que ocorre em âmbito mundial, assim como no Brasil, onde se observa que a proporção de pessoas com 65 anos ou mais dobrou em um período de apenas duas décadas, elevando a expansão do percentual de pessoas idosas maiores de 65 anos de 2,7% em 1960 para 5,4% em 2000; estima-se alcançar 19% em 2050, superando, então, o número de jovens(4).
Estudos realizados nos Estados Unidos estimam que, pelo menos, 20% dos idosos com cinco ou mais condições crônicas requerem internação, apresentando problemas complexos de saúde e necessitando de transição do cuidado para o domicílio. A transição do cuidado é um termo amplo que promove a transferência segura e oportuna de pacientes entre os níveis de atenção, incluindo atividades desde a admissão, alta hospitalar e acompanhamento imediato pós-alta e sendo considerada uma parte do cuidado integrado e um programa de prevenção à reinternação. Assim, a transição do cuidado possui vários elementos essenciais, como a comunicação entre os profissionais sobre a alta hospitalar; elaboração do plano de alta; preparação do paciente e cuidador para a transição do cuidado; adesão ao medicamento; acompanhamento na pós-alta; educação do paciente sobre a autogestão/autocuidado(5).
O sucesso da transição do cuidado, especialmente para os idosos, depende do planejamento da alta hospitalar, acompanhamento pós-alta e apoio domiciliar, reduzindo, consequentemente, eventos adversos evitáveis, como erros de medicação, quedas e infecções pós-operatórias, e, quando realizada com qualidade, reduz a taxa de reinternação. Revisão sistemática demonstrou que, em seis de 12 estudos realizados nos Estados Unidos da América, Dinamarca, França e Austrália, houve redução no tempo e na taxa de reinternação em um período de até seis meses pós-alta hospitalar(5).
Os profissionais devem preparar os pacientes, bem como os seus cuidadores, para que estes mantenham desvelos contante e se envolvam ativamente na decisões relacionadas à formulação e execução do plano de cuidados(6-7).
Os estudos apontam que é necessário realizar o planejamento da alta individualizado a cada internação, com a participação dos profissionais de saúde, idosos, familiares/cuidadores, e a transição do cuidado para o domicílio com qualidade(8-9).
Um levantamento dos recursos extra-hospitalares deve ser realizado pelas enfermeiras, para que possam se certificar de que, após a alta hospitalar, os pacientes receberão os cuidados de acordo com as suas necessidades. Recursos aqui se referem à presença de uma unidade de atenção primária, um médico de família, uma enfermeira que poderá dar continuidade aos cuidados recebidos no hospital, disponibilidade de equipamentos, medicamentos necessários ao tratamento do paciente, entre outros(8).
É essencial que o enfermeiro oriente o paciente e seus familiares acerca da necessidade de prosseguir com o tratamento, envolvendo, nesse processo de transição, os demais membros da equipe assistencial a favor de uma ação conjunta e de uma assistência mais qualificada(10).
Diversas estratégias podem ser adotadas na alta hospitalar, como um sistema de partilha de informações entre o hospital e a unidade de saúde; planejamento da alta; gerenciamento de caso; acompanhamento por telefone pós-alta; telefone de contato da enfermeira responsável pelo cuidado durante a hospitalização; plano de cuidado impresso; material educativo escrito; folhetos com telefones e websites de serviços na comunidade(11).
Assim, este projeto visa melhorar as práticas em relação à transição do cuidado da pessoa idosa do hospital para o domicílio, construindo um protocolo de plano de alta em um hospital universitário paulista, por meio da utilização do modelo de implementação de evidências desenvolvido pelo Joanna Briggs Institute, de auditoria clínica e feedback do JBI (PACES)(12), para promover uma assistência de melhor qualidade e trazer melhores resultados para a saúde dessa população.
OBJETIVO
Avaliar a conformidade da assistência de enfermagem em relação às melhores evidências na transição do cuidado da pessoa idosa internada em hospital para o domicílio.
MÉTODOS
Aspectos éticos
O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética, de acordo com as diretrizes da Resolução 466/12 e do Conselho Nacional de Saúde, garantindo a confidencialidade e sigilo dos dados, bem como a não identificação dos participantes. Os que aceitaram participar do projeto assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo que uma cópia ficou com a líder do projeto, e a outra cópia, com o participante da pesquisa.
Desenho, local do estudo e período
Este projeto de implementação de melhores práticas utilizou a ferramenta de auditoria e feedback do Joanna Briggs Institute (JBI) “JBI Practical Application of Clinical Evidence System” (PACES) e “Getting Reasearch into Practice” (GRiP)(13). Foram seguidas as três fases desta ferramenta: estabelecer uma equipe para o projeto e realizar uma auditoria de base, a partir dos critérios informados por evidências; analisar os resultados da auditoria de base, planejar e implementar estratégias visando melhorias nas não conformidades encontradas na auditoria de base, com auxílio da ferramenta GRiP; realizar uma auditoria de seguimento para avaliar os resultados das intervenções implementadas, para melhorar a prática e identificar questões futuras a serem abordadas em auditorias subsequentes.
O estudo foi desenvolvido em um hospital público, de ensino, com complexidade de atenção secundária, com 153 leitos, distribuídos nas áreas clínica médica, cirúrgica, pediátrica e obstétrica, localizado na zona oeste da cidade de São Paulo, Brasil. A coleta de dados ocorreu na unidade de clínica cirúrgica, que possui 27 leitos operacionais e destina-se ao atendimento de pacientes adultos que necessitam de cirurgia geral ou ortopédica.
No período entre 01 de abril de 2018 e 06 de março de 2019 foram internados na clínica cirúrgica, por mês, em média, 40 idosos (com 60 anos e mais) para tratamento cirúrgico. As internações foram atribuídas a fraturas (81;18,2%), hérnia (66;14,8%) e colelitíase (28;8,5%). Em relação à faixa etária, a maioria estava entre 60 e 69 anos (190; 42,7%); 70 e 79 anos (136; 30,5%); 80 e 89 anos (106; 23,8%); 90 e 99 anos (12; 2,7%); 100 anos e mais (1; 0,2%).
O quadro de pessoal da equipe de enfermagem da clínica cirúrgica é composto por um enfermeiro chefe, 13 enfermeiros assistenciais e 26 auxiliares/técnicos de enfermagem, distribuídos em quatro turnos de trabalho.
A unidade de clínica cirúrgica utiliza o Sistema de Classificação de Pacientes (SCP)(14) conforme o grau de dependência da assistência de enfermagem, em diferentes cuidados: mínimos, intermediários, de alta dependência e intensivos. Os enfermeiros e os residentes de enfermagem são responsáveis pelo Processo de Enfermagem (avaliação do paciente, levantamento dos diagnósticos de enfermagem, planejamento, execução e avaliação dos cuidados de enfermagem) e pela execução dos cuidados. Os técnicos de enfermagem são responsáveis pela execução dos cuidados de enfermagem. O estudo foi desenvolvido no período entre março e setembro de 2019.
População: critérios de inclusão e exclusão
A amostra foi composta de sete idosos internados na clínica cirúrgica com 60 anos e mais, e 10 enfermeiros da clínica cirúrgica atuantes na unidade. Excluíram-se aqueles que se encontravam em período de férias ou licença médica, bem como as enfermeiras que fizeram parte deste time de implementação.
Protocolo do estudo
A primeira fase foi constituir a equipe de auditoria, composta pelo líder deste projeto de implementação, responsável pelo planejamento, supervisão e coordenação do processo de auditoria clínica e implementação das melhores práticas na transição do cuidado do hospital para a casa da pessoa idosa; os enfermeiros da unidade auditada; o enfermeiro do Serviço de Ensino e Qualidade, que auxiliaram no planejamento da auditoria, na elaboração do protocolo de alta hospitalar, na coleta de dados, no planejamento e execução das ferramentas utilizadas para a implementação das melhores práticas e na capacitação dos profissionais.
Para determinar os níveis atuais de conformidade com as recomendações das melhores práticas na transição do cuidado da pessoa idosa internada em hospital para o domicílio, este projeto utilizou oito critérios de auditoria inseridos no programa JBI PACES(12). As recomendações de melhores práticas baseadas em evidências para a auditoria estão descritas no Quadro 1.
Critérios de auditoria, amostra e abordagem para a medição da conformidade com as melhores práticas, São Paulo, Brasil, 2019
A auditoria de base ocorreu durante o período de 15 dias, a partir de 01 de julho de 2019. Para a coleta de dados, construiu-se um instrumento para verificar se os critérios auditados estavam ou não em conformidade com as recomendações baseadas em evidências.
Análise dos resultados e estatística
Na fase dois, toda equipe do projeto analisou os resultados da auditoria de base e foram discutidas estratégias para aumentar o nível de conformidade dos critérios auditados. A ferramenta GriP foi utilizada para documentar as barreiras encontradas, com o objetivo de buscar estratégias e recursos para superá-las e melhorar o nível de conformidade. Os resultados do GRiP são relatados no Quadro 2, na seção de resultados.
As principais ações desenvolvidas foram: a elaboração de folhetos educativos de alta, contendo conceito, cuidados gerais e cuidados com a ferida operatória de cirurgias de herniorrafia, colecistectomia e fratura de quadril, a capacitação dos enfermeiros da unidade de clínica cirúrgica sobre as melhores evidências na prática clínica na transição do cuidado da pessoa idosa internada para o domicílio, bem como a demonstração dos novos folhetos educativos elaborados.
Após a implementação das melhores práticas, foi realizada uma auditoria de seguimento nos moldes idênticos aos da auditoria de base, utilizando-se os mesmos critérios e instrumento de coleta de dados, totalizando quatro idosos e profissionais. Houve diferença no número de idosos entre a auditoria de base e a de seguimento, devido ao número de internações, altas e tempo de permanência no leito. Os resultados dos percentuais de conformidade de cada critério auditado foram comparados antes e após a implementação das melhores práticas, permitindo verificar o impacto deste projeto na prática clínica.
RESULTADOS
Os critérios auditados emergiram a partir da busca sistemática de evidência em literatura.
Auditoria de Base
Foram incluídos sete pacientes e 10 profissionais na auditoria de base. As taxas de conformidade da auditoria de base estão apresentadas na Figura 1.
“Baseline Compliance with best practice for audit criteria” (%), São Paulo, Brasil, 2019
Criteria Legend
1 AII staff involved in transitional care have received education regarding transitional care from hospital to home for older people. (10 of 10 samples taken)
2 Patients/caregivers have received education regarding self-management interventions. (7 of 7 samples taken)
3 An individualized discharge plan has been documented for all patients transitioning from hospital to home. (7 of 7 samples taken)
4 Patients/caregivers have been involved in lhe discharge planning process. (7 of 7 samples taken)
5 Transitional care services have been coordinated between the hospital and community setting. (7 of 7 samples taken)
6 Patient care needs have been communicated between the hospital and community healthcare providers. (7 of 7 samples taken)
7 Post discharge follow-up has occurred. (7 of 7 samples taken)
8 A multifaceted, approach is used for transition ing older people from hospital to home (e.g. may include telephone follow-up, home-based exercise programs, patient-centered discharge instruction) (7 of 7 samples taken)
Os critérios 1, 3 e 6 apresentaram os menores índices de conformidade, e estiveram relacionados à ausência de treinamentos específicos, nos últimos seis meses, sobre a transição do cuidado do hospital para o domicílio da pessoa idosa e de registros de enfermagem sobre as necessidades de atendimento ao paciente no momento da alta. Contudo, os idosos entrevistados relataram receber orientações verbais sobre o autocuidado na alta hospitalar, conforme apontam os demais critérios analisados.
“Strategies for Getting Research into Practice” (GRiP)
Com a discussão dos resultados encontrados na auditoria de base, a equipe do projeto identificou as principais barreiras ao cumprimento das melhores práticas, e desenvolveu estratégias para abordar e ultrapassá-las. As barreiras encontradas, as estratégias para superá-las, os recursos necessários e os resultados alcançados estão apresentados no Quadro 2.
Para a barreira “ausência de plano de alta individualizado”, foi necessário identificar as necessidades dos idosos para o autocuidado no domicílio, ao realizar as AVD (alimentar-se, banhar-se, vestir-se) e as AIVD (falar no telefone, fazer compras, lidar com as finanças). A partir deste levantamento, foi proposto um plano de alta individualizado para ser registrado na evolução de enfermagem de todos os idosos internados na unidade, na alta hospitalar.
Em relação à falta de conhecimento dos idosos, cuidadores/familiares, foi elaborado material educativo impresso sobre os cuidados prescritos na alta hospitalar contendo orientações sobre as cirurgias (herniorrafia, colecistectomia e cirurgia ortopédica de quadril), cuidados gerais e com a ferida operatória e de retorno ao ambulatório. A entrega deste impresso é feita pelo enfermeiro, além das orientações verbais essenciais que são realizadas.
Para a ausência de registro completo no prontuário das necessidades de saúde dos idosos, foi realizado treinamento na unidade do estudo com oito enfermeiros (80%), a coordenadora do projeto, a enfermeira chefe e a enfermeira do Serviço de Ensino e Qualidade. Discutiu-se sobre a importância de realizar o plano de cuidados na alta hospitalar, o registro no prontuário do paciente e o material educativo. O treinamento ocorreu no período de uma semana, com duração de aproximadamente 20 minutos, e todos os participantes aprovaram o material educativo.
Auditoria de seguimento
A auditoria de seguimento foi conduzida 15 dias após a implementação dos pacotes de intervenção.
As taxas de conformidade dos critérios auditados na auditoria de seguimento, comparadas com os resultados da auditoria de base, estão apresentadas na Figura 2.
Conformidade com os critérios de auditoria de melhores práticas na auditoria de seguimento, em comparação com a auditoria de base (%), São Paulo, Brasil, 2019
Criteria Legend
1 All staff involved in transitional care have received education regarding transitional care from hospital to home for older people. (10 of 10 samples taken)
2 Patients/caregivers have received education regarding self-management interventions. (4 of 4 samples taken)
3 An individualized discharge plan has been documented for all patients transitioning from hospital to home. (4 of 4 samples taken)
4 Patients/caregivers have been invotved in the discharge planning process. (4 of 4 samples taken)
5 Transitional care services have been coordinated between the hospital and community setting. (4 of 4 samples taken)
6 Patient care needs have been communicated between the hospital and community healtthcare providers. (4 of 4 samples taken)
7 Post discharge fo/low-up has occurred. (4 of 4 samples taken)
8 A multifaceted, approach is used for transitioning older people from hospital to home (e.g. may include telephone follow-up, home-based exercise programs, patient-centered discharge instruction) (4 of 4 samples taken)
Observou-se que, após o treinamento de oito enfermeiros (80%) sobre a transição do cuidado para o domicílio, o plano de alta individualizado de todos os idosos (100%) passou a ser preparado e registrado na evolução de enfermagem. Todos os idosos (100%) continuaram a receber verbalmente orientações sobre o autocuidado no domicílio até que o material educativo impresso fosse confeccionado.
DISCUSSÃO
A transição do cuidado para o domicílio tem um papel importante nos sistemas de saúde. O planejamento da alta do paciente idoso pode ser realizado por toda a equipe multidisciplinar, mas observa-se que, frequentemente, cabe ao enfermeiro a sua realização. O planejamento da alta fortalece a própria entidade de enfermagem, sua autonomia profissional, favorecendo o desenvolvimento e reconhecimento profissional e social(16).
O tipo de tratamento realizado no hospital pode acarretar risco à saúde da pessoa idosa no domicílio, e o planejamento da alta é o principal canal para a transferência de informações entre o hospital e o domicílio, devendo incluir informações sobre os cuidados inevitáveis na alta hospitalar.
No entanto, conforme demonstrado pela presente investigação, é imprescindível melhorar a qualidade da transição dos cuidados, principalmente para idosos com necessidades complexas. Considerando que o comprometimento cognitivo em idosos seja comum, faz-se necessário envolver cuidadores/familiares no planejamento dos cuidados, além de fornecer orientações, por escrito, dos cuidados necessários após a alta(17-18). Os profissionais devem preparar os pacientes e seus cuidadores, envolvendo-os ativamente nas decisões relacionadas à formulação e execução do plano de cuidados. Devem-se desenvolver indicadores de desempenho para medir a eficácia da transição dos cuidados e proporcionar comunicação ativa (telefone e e-mail) entre os profissionais de saúde e a coordenação do plano de cuidados, para o próximo nível de atendimento(6-7).
A realização do plano de alta, com a integração do cuidador, foi associada a uma redução de 25% das reinternações em 90 dias e de 24% em 180 dias. Estudo de meta-síntese relatou redução do tempo de internação hospitalar associado a cuidadores mais preparados e informados para acompanhar os tratamentos cada vez mais complexos; além disso, a maioria das investigações observou reinternações mais curtas e com menor custo nos cuidados após a alta(6).
Assim, o planejamento da alta, isto é, o desenvolvimento de um plano personalizado para cada paciente que está saindo do hospital, é uma característica rotineira dos sistemas de saúde em muitos países, cujo objetivo é reduzir o tempo de internação e reinternação não planejada com a finalidade de conter os custos, assegurando que a alta ocorra em momento apropriado, com a devida antecedência e a prestação de serviços organizada para após a alta8,9.
A transição ocorre em contexto que inclui o paciente, seus familiares e cuidadores e os profissionais que prestaram atendimento e os que continuarão a assistência. Portanto, é um processo complexo que exige coordenação e comunicação entre pessoas de diferentes formações, experiências e habilidades. A alta hospitalar é um momento de mudanças no cotidiano dos pacientes, com o acréscimo de medicações e cuidados no domicílio. Essas mudanças, por vezes, não são abordadas de modo eficaz durante a internação hospitalar, proporcionando fragmentação dos cuidados pós-alta. É momento que requer planejamento, preparação e educação em saúde do paciente e da família, principalmente de idosos e pessoas com doenças crônicas, que têm necessidades de saúde persistentes. Porém, as orientações na alta, muitas vezes, são realizadas de forma mecânica e/ou apressadas, sem considerar as condições e as necessidades de cada paciente, frequentemente fornecidas apenas no momento da saída do hospital(19).
Estratégias de educação desenvolvidas utilizando comunicação clara e objetiva, uso de linguagem simples, encartes ilustrativos e feedback de informações contribuem para o entendimento dos cuidados pelos pacientes e familiares. As orientações disponibilizadas pelos enfermeiros são essenciais para transições bem sucedidas, pois favorecem o uso das medicações e o gerenciamento do autocuidado, aumentam a adesão ao tratamento, reduzem a taxa de reinternação e de mortalidade. Processos de transições de maior qualidade pressupõem foco nas necessidades individuais do paciente e família e no cuidado compartilhado. Dessa forma, profissionais, pacientes e familiares se tornam parceiros no cuidado desde o momento de internação até os dias subsequentes ao regresso ao domicílio(19).
Os gerentes e prestadores de cuidados hospitalares precisam implementar estratégias consistentes de transição de cuidados para prevenir eventos que gerem visitas de retorno ao departamento de emergência ou ao hospital. A coordenação das transições de atendimento é especialmente importante para pacientes com diversas necessidades de saúde e comorbidades múltiplas, muitas vezes dependentes de tecnologias e dispositivos para a continuidade do cuidado em seus residências ou outros locais de atendimento, requerendo profissionais treinados e recursos de apoio no momento da alta(20).
O trabalho dos enfermeiros é fundamental na implementação de ações educativas; estratégias para aumentar a adesão ao tratamento; criação de planos de atendimento personalizados com base nas necessidades dos pacientes; acompanhamento pós-alta dos pacientes através de visitas domiciliares e telefonemas; treinamento de equipes de cuidados primários. Entre os membros de equipes multiprofissionais, os enfermeiros são agentes qualificados para a realização de atividades relacionadas à promoção e proteção da saúde, devido à contextualização amplo conhecimento de seu treinamento e por acompanharem pacientes durante a maior parte de seu hospital permanência, principalmente em locais institucionais(20).
Alguns recursos foram identificados para a estruturação do trabalho da equipe multidisciplinar no planejamento da alta. Protocolos de alta e planos de gestão para a alta têm sido apresentados como base para a linearidade do cuidado (durante e após internação), uma vez que favorecem a avaliação detalhada das necessidades dos pacientes e influenciam positivamente o trabalho da equipe, ao fornecerem perspectivas da integralidade das ações e do planejamento de ações de saúde. Os recursos utilizados para a educação em saúde podem ser considerados fundamentais para o manejo adequado do cuidado e recuperação de saúde dos pacientes. Nesse sentido, por meio de materiais educativos escritos, fitas de áudio e acompanhamento por telefone após a alta, enfermeiros ensinam e reforçam os cuidados necessários para a recuperação e/ou manutenção da saúde pós-alta hospitalar(21).
Sobre a estratégia para um planejamento de alta seguro, centrado no paciente e com comunicação entre a equipe multidisciplinar, foi identificada a integração entre atenção primária, especializada e serviços sociais com a alta hospitalar, assim como a implementação de registro eletrônico de saúde (prontuário eletrônico) e plano de cuidados impresso. Dessa forma, é possível o acesso em uma rede online por profissionais de serviços hospitalares e da comunidade às informações relevantes do paciente para a continuidade do cuidado, a fim de garantir ao paciente alta segura e continuidade do cuidado(22).
No decorrer da experiência de transição, o cliente/indivíduo deve se sentir situado, ou seja, ser parte integrante do contexto em que se encontra inserido. Este padrão é indispensável, porque a transição envolve a criação de novos significados e percepções e a reformulação das significações em relação ao ambiente que o envolve. Este é um estado dinâmico que nos remete para a noção de adaptação ao meio envolvente, e, subsequentemente, para o desenvolvimento da confiança, que ocorre quando se experiencia a transição, demonstrando um conhecimento mais aprofundado e uma maior compreensão acerca dos aspetos essenciais e críticos(23).
Finalmente, estimula-se a realização de estudos relacionados à transição de cuidado, especialmente atentando-se a populações específicas, tais como pacientes idosos cirúrgicos ou clínicos, descrevendo as melhores estratégias e intervenções.
Limitações do estudo
A principal limitação do estudo esteve relacionada à amostragem de pacientes acompanhados e tempo de acompanhamento das intervenções e consolidação das ações implementadas. Portanto, sugere-se que estudos posteriores ampliem os prazos de execução das auditorias e seguimentos, com maior número amostral e acompanhamento de complicações relacionadas a saúde dos pacientes.
Contribuições para a área da enfermagem
O presente estudo contribui para a enfermagem, ao apresentar um método internacional de implementação de melhores evidências, sugerindo ferramentas, além de demonstrar a viabilidade de implementação de um plano de transição do cuidado da pessoa idosa do hospital para casa com resultados positivos, com baixo investimento financeiro e em pequeno período de tempo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este projeto de implementação de melhores práticas contribuiu para o estabelecimento destas, baseadas em evidências satisfatórias e mais adequadas na transição do cuidado da pessoa idosa do hospital para casa em um hospital universitário no Brasil.
Através desta auditoria, várias estratégias foram utilizadas, como treinamento de enfermeiros, desenvolvimento de protocolo e elaboração de material educativo com orientações para cuidados no domicilio. Entretanto, este projeto demonstra a necessidade de aumentar a conformidade de alguns critérios para 100% através de educação permanente de toda a equipe que assiste o idoso e de auditorias de seguimento cíclicas, que permitam avaliar continuamente a execução desta melhor prática baseada em evidência, que pode acarretar grande impacto no cuidado e na saúde desse paciente, assim como contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas e o sistema de referência e contrarreferência na Rede de Atenção à Saúde.
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Editado por
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EDITOR CHEFE: Dulce BarbosaEDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Nov 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
22 Mar 2020 -
Aceito
07 Ago 2020