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Modo de vida da população em situação de rua como potencializador do cuidado de COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Analisar o modo de vida da População em Situação de Rua para potencializar o cuidado em saúde na pandemia.

Métodos:

Pesquisa qualitativa, interdisciplinar, com observação participante e 24 entrevistas com população em situação de rua. Categorias empíricas e busca bibliográfica sobre essa população e COVID-19 pautaram proposições simples voltadas ao cuidado.

Resultados:

O grupo de maior risco para COVID-19 faz uso compulsivo de drogas; passa fome constantemente; interrompe tratamento medicamentoso para Tuberculose, HIV e Diabetes; tem subdiagnóstico de Depressão; tem dificuldade de abrigamento; usa drogas inalatórias. Esse modo de vida aumenta risco de agravamento da COVID-19 e impõe maiores desafios aos serviços de saúde. Diversas propostas para orientar o cuidado levaram em conta esses resultados e a nova rotina impressa pela pandemia.

Considerações Finais:

O modo de vida da população estudada ampliou sua vulnerabilidade na pandemia, bem como a percepção de risco de transmissão da doença pela população em geral.

Descritores:
Pessoas em Situação de Rua; COVID-19; Vulnerabilidade Social; Atenção Primária à Saúde; Estilo de Vida

ABSTRACT

Objective:

To analyze the way of life of the unhoused people to enhance health care in the pandemic.

Methods:

A qualitative, interdisciplinary research, with participant observation and 24 interviews with the unhoused people. Empirical categories and bibliographic search on this population and COVID-19 guided simple actions aimed at care.

Results:

The group at greatest risk for COVID-19 use drugs compulsively; starves constantly; discontinues drug treatment for tuberculosis, HIV, and diabetes; has underdiagnosis of Depression; has difficulty sheltering and uses inhaled drugs. This way of life increases the risk of worsening COVID-19 and brings great challenges to health services. Several proposals to guide care considered these results and the new routine caused by the pandemic.

Final considerations:

The way of life of the studied population increased their vulnerability in the pandemic, as well as the perception of risk of disease transmission by the population in general.

Descriptors
Homeless Persons; Coronavirus Infections; Social Vulnerability; Primary Health Care; Life Style

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el modo de vida de la población en situación de calle (PSC) para potenciar el cuidado en salud en la pandemia.

Métodos:

Investigación cualitativa, interdisciplinaria, con observación participante, y 24 entrevistas con población en situación de calle. Categorías empíricas y búsqueda bibliográfica sobre dicha población y COVID-19 determinaron propuestas simples orientadas al cuidado.

Resultados:

El grupo más vulnerable a COVID-19 usa drogas compulsivamente, pasa hambre, interrumpe tratamiento médico para tuberculosis, VIH y diabetes; tiene subdiagnóstico de depresión, dificultad para hallar refugio y usa drogas inhalantes. Dicho modo de vida incrementa el riesgo de agravamiento del COVID-19, imponiendo mayores desafíos a los servicios de salud. Diversas propuestas de orientación del cuidado consideraron estos resultados y las nuevas rutinas impuestas por la pandemia.

Consideraciones finales:

El modo de vida de la población estudiada incrementó su vulnerabilidad en pandemia, así como la percepción de riesgo de transmisión de la enfermedad a la población en general.

Descriptores:
Personas sin Hogar; Infecciones por Coronavirus; Vulnerabilidad Social; Atención Primaria de Salud; Estilo de Vida

INTRODUÇÃO

A COVID-19, doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, já provocou infecções, mortes e perda de renda em todo planeta. Fatores como idade, fumar e ter certas comorbidades podem elevar o risco para o desenvolvimento da forma severa da doença, enquanto a dificuldade de acesso aos serviços de saúde de alta complexidade, para pacientes com quadros graves, aumenta a probabilidade de morte(11 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public[Internet] 2020[cited 2020 Jun 08]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public
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). Precauções como lavagem das mãos com água e sabão, uso de álcool em gel, distanciamento social (#Fiqueemcasa!) e alimentação saudável são formas eficientes de prevenir o contágio(11 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public[Internet] 2020[cited 2020 Jun 08]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public
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). Contudo, a introdução de simples ações no cotidiano das pessoas com renda e moradia mostrou-se exaustiva, e bastante desafiante para os mais vulneráveis. Por outro lado, tais recomendações incidem de forma inexequível sobre aqueles sem casa, renda ou acesso à alimentação suficiente e à água corrente.

Esse aspecto da pandemia mostra que ela não se restringe a números, fármacos, tecnologias ou vacina. Particularidades sobre desigualdades sociais(22 Silva FV. Enfermagem no combate à pandemia da COVID-19. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 2):e2020sup2. doi: 10.1590/0034-7167-202073
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-33 Chaparro L. A medicina não é suficiente: por que precisamos das ciências sociais para acabar com essa pandemia. In: Café História: história feita com clique[Internet]. 2020[cited 2020 Jun 01]. Available from: https://www.cafehistoria.com.br/ciencias-sociais-novo-coronavirus-pandemia/
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), ética(44 Lewnard JA, Lo NC. Scientific and ethical basis for social-distancing interventions against COVID-19. Lancet Infect Dis. 2020;20(6):631-3. doi:10.1016/S1473-3099(20)30190-0
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), comportamentos, culturas e modos de vida são fundamentais para enfrentá-la de forma adequada(33 Chaparro L. A medicina não é suficiente: por que precisamos das ciências sociais para acabar com essa pandemia. In: Café História: história feita com clique[Internet]. 2020[cited 2020 Jun 01]. Available from: https://www.cafehistoria.com.br/ciencias-sociais-novo-coronavirus-pandemia/
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,55 Shah H. Global problems need social science. Nature. 2020;577(7790):295. doi:10.1038/d41586-020-00064-x
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), principalmente porque seus efeitos podem se perpetuar no pós-pandemia, dada a crise econômica deflagrada a partir dela.

A emergência da COVID-19 espelha a desigualdade, pois embora sua disseminação seja democrática, condições desiguais da população provocam riscos de adoecimento e morte de modo distinto. Nesse sentido, apesar de atingir números universais, os fenômenos decorrentes da pandemia são singulares, portanto, a contribuição das ciências humanas é imprescindível, principalmente nesse contexto(66 Segata J. A importância das Ciências Humanas na pesquisa e combate às pandemias[Internet]. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)/UFRGS. 2020[cited 2020 Jun 01] Available from: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/a-importancia-das-ciencias-humanas-na-pesquisa-e-combate-as-pandemias
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).

A População em Situação de Rua (PSR), no Brasil, caracteriza-se pela pobreza extrema, alimentação irregular, baixa higiene, privação de sono, exposição às variações climáticas(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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), baixa procura e dificuldade de acesso aos serviços públicos(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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-88 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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), além de que a maioria não é coberta por programas de inclusão social(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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), todos condicionantes para o contágio e agravamento da doença. Ademais, o grande desconhecimento sobre seu cotidiano e a disseminação de “verdades” parciais(99 Raup LM, Adorno RCF. Jovens em situação de rua e usos de crack: um estudo etnográfico em duas cidades. Rev Bras Adolesc Conflit. 2011;(4):52-67. doi: 10.17921/2176-5626
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) sobre a PSR dificultam políticas públicas efetivas.

A alta prevalência de Tuberculose, HIV/Aids, Hepatites, comorbidades psiquiátricas, gravidez de risco, problemas bucais, uso abusivo de álcool e outras drogas na PSR em contexto brasileiro(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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) também são fatores que aumentam sua vulnerabilidade no enfrentamento da COVID-19. Bem como colocam um desafio adicional ao SUS, exigindo articulação entre saúde e assistência social. Ainda, a PSR enfrenta a dificuldade de reconhecimento de seus direitos e cidadania.

Este artigo nasce do interesse dos pesquisadores e dos profissionais de saúde, de um Consultório na Rua (CnaR), em aprofundar o conhecimento acerca do modo de vida da PSR, para refletir sobre o cuidado em saúde em tempo de pandemia.

O CnaR caracteriza-se por equipes multiprofissionais, integrados à Atenção Primária em Saúde (APS), que trabalham de forma itinerante, com o intuito de ampliar a oferta de cuidado integral e adequado às demandas e necessidades da PSR.

A motivação para a pesquisa decorre da complexidade clínica da PSR, da gravidade dessa pandemia e da necessidade de precauções adicionais em situação de maior risco e vulnerabilidade, tornando ainda mais desafiador o trabalho dos profissionais de saúde. Além disso, ela foi possibilitada por termos conduzido uma pesquisa qualitativa mais ampla, recém-finalizada, que investiga o cuidado de saúde à PSR. O conjunto de resultados estimulou reflexões sobre o cuidado em momento de COVID-19, iniciando-se pelas seguintes perguntas: como contribuir com novos olhares e ações para o enfrentamento da COVID-19 junto a esta população vulnerável? Como a produção de sentido sobre o modo de vida da PSR pode potencializar a provisão do cuidado?

Outros estudos já abordaram a imbricação entre o modo ou estilo de vida e saúde, seja relativo à adolescência(1010 Ferreira MA, Alvim NAT, Teixeira MLO, Veloso RC. Saberes de adolescentes: estilo de vida e cuidado à saúde. Texto Contexto Enferm. 2007;16(2):217-24. doi: 10.1590/S0104-07072007000200002
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), à usuário de crack em situação de rua(99 Raup LM, Adorno RCF. Jovens em situação de rua e usos de crack: um estudo etnográfico em duas cidades. Rev Bras Adolesc Conflit. 2011;(4):52-67. doi: 10.17921/2176-5626
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) ou ao processo saúde-doença da PSR(1111 Paiva IKS, Lira CDG, Justino JMR, Miranda MGO, Saraiva AKM. Direito à saúde da população em situação de rua: reflexões sobre a problemática. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(8):2595-606. doi: 10.1590/1413-81232015218.06892015
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). Dada a polissemia do termo “modo de vida”(1212 Braga GB, Fiúza ALC, Remoaldo PCA. O conceito de modo de vida: entre traduções, definições e discussões. Sociol. 2017;19(45):370-96. doi: 10.1590/15174522-019004521
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), nesta pesquisa ele é compreendido como a forma pela qual pessoas vivenciam o mundo, diferenciando-se entre grupos específicos, por meio de característica comportamental, linguagem, hábitos, rotinas e padrões de consumo.

As ciências humanas propiciam partilhar experiências singulares, na qual cada uma é importante e nos possibilitam pensar de forma situada seus efeitos(66 Segata J. A importância das Ciências Humanas na pesquisa e combate às pandemias[Internet]. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)/UFRGS. 2020[cited 2020 Jun 01] Available from: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/a-importancia-das-ciencias-humanas-na-pesquisa-e-combate-as-pandemias
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). Assim, ações mitigadoras para o enfrentamento da pandemia beneficiam-se tanto das sensibilidades coletivas, quanto das individuais. O conhecimento proveniente da área de Ciências Sociais e Humanas foi fundamental para a detenção de epidemias devastadoras(33 Chaparro L. A medicina não é suficiente: por que precisamos das ciências sociais para acabar com essa pandemia. In: Café História: história feita com clique[Internet]. 2020[cited 2020 Jun 01]. Available from: https://www.cafehistoria.com.br/ciencias-sociais-novo-coronavirus-pandemia/
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), tendo em vista que elas não são fenômenos exclusivamente biológicos, mas também sociais(55 Shah H. Global problems need social science. Nature. 2020;577(7790):295. doi:10.1038/d41586-020-00064-x
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). Ao lidar com pobreza e desigualdade, torna latente a necessidade de não se restringir aos conhecimentos das ciências médica e exatas.

OBJETIVO

Analisar o modo de vida das pessoas em situação de rua, com intuito de potencializar o cuidado em saúde durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Esta pesquisa seguiu as resoluções CNS/MS nº510, de 07/04/2016, e CNS/MS nº466, de 12/12/2012; e foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.

Desenho e Tipo de estudo

Trata-se de estudo descritivo-exploratório, abordagem qualitativa, perspectiva compreensiva e fenomenológica heideggeriana, caráter interdisciplinar e postura reflexiva, seguindo as recomendações do Standards for Reporting Qualitative Research (SRQR). Utilizou-se entrevistas com a PSR sob cuidado do CnaR e observação participante sobre esse cuidado, realizadas durante os meses de 03/2017 a 09/2018, período anterior a pandemia de SARS-CoV-2.

Cenário e participantes do estudo

A abordagem ao entrevistado foi realizada dentro de uma Clínica de Saúde da Família do município do Rio de Janeiro, no espaço de espera do CnaR, visto que o território ocupado pela PSR sofria intensa incursão da segurança pública e desfechos com tiroteios súbitos. A escolha dos pacientes foi feita pelos profissionais do CnaR, em companhia do pesquisador para apresentação da pesquisa, e mediante concordância o paciente e o pesquisador dirigiam-se à uma sala reservada com garantia de privacidade. Não foi utilizado critério prévio ou padrão específico nesse processo de escolha dos entrevistados, ao invés disso, a observação participante auxiliou para incluir os pacientes em sua pluralidade, sem intuito de representatividade, mas sim de diversidade.

Todos os entrevistados eram maiores de 18 anos e estavam sob cuidado do CnaR, que conta com Assistente Social, Enfermeiro, Médico, Odontólogo, Psicólogo, Técnico de Enfermagem e Agentes Sociais. Foram excluídos pacientes com Tuberculose ainda infectantes, tendo em vista que a entrevista era realizada em sala fechada.

Coleta e organização dos dados

A observação participante foi realizada junto a atuação do CnaR nos seguintes espaços: recepção, área de espera, consultório do CnaR, sala de procedimentos, território (barracos, cenas de uso de drogas, ruas, UPA, Hospitais, equipamentos sociais, entre outros) e reuniões de equipe.

Foram realizadas vinte e quatro entrevistas, partindo de um roteiro prévio, mas conduzidas de forma aberta, com a possibilidade de livre fluir do relato, permitindo que o fenômeno se mostrasse na própria linguagem. O pressuposto é que a narrativa é só (e tudo) o que se tem, uma vez que não se logra acesso aos “fatos”, ao vivido. Assim, considerando que a narrativa procede da experiência compartilhada com o outro, tomamos os conteúdos das entrevistas como narrativas, pelo reconhecimento do papel do relato na formação dos fenômenos sociais.

Como medida de ampliar as possibilidades no enfrentamento da atual pandemia da PSR, foi realizada busca bibliográfica sobre PSR e COVID-19 em bases nacionais e internacionais, obtendo 33 documentos para análise, que foram publicados até 07/2020.

Dados de pesquisa anterior à pandemia, alicerçados por revisão bibliográfica sobre SARS-CoV-2, possibilitaram elaboração do presente artigo sobre como potencializar o cuidado em saúde da PSR no enfrentamento da COVID-19.

Análise dos dados

Além do material oriundo da transcrição dos áudios das entrevistas, também foi utilizado o diário de campo dos pesquisadores. Com isso, iniciou-se a leitura do material e o agrupamento em unidades de sentido, utilizando-se o método da narrativa fenomenológica(1313 Moreira DA. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thompson; 2002.), que possibilita a descrição dialógica entre os sujeitos, tornando-a histórica, singular e coletiva. A partir do agrupamento dos dados foram construídas as seguintes categorias empíricas sobre o modo de vida da PSR: trabalho/renda, benefício, enfermidades, viver na rua, fome, rede de apoio, abrigo, droga e sentimentos. Utilizou-se essas categorias para fundamentar a construção de ações passíveis de potencializar o enfrentamento à COVID-19.

Apoiou-se na abordagem etnográfica de Evans-Pritchard(1414 Evans-Pritchard EE. Os Nuer. São Paulo: Perspectiva; 1978.) de “levar a sério” as pessoas, adotando as categorias que fazem sentido para elas, refletindo sobre a indagação: “De que modo o (a) narrador (a) se conta?”. Essa metodologia, que se contrapõe e justapõe as narrativas (entre si), é eficaz no sentido de fornecer não uma “verdade acabada”, mas uma “versão provável” (e refutável) entre tantas, à semelhança do princípio do pensamento científico. Na apresentação dos resultados, fragmentos dessas narrativas ipsi literis estão assinaladas com aspas na descrição das análises.

A partir da revisão bibliográfica e das categorias empíricas deste estudo, propomos ações simples e que são potencializadoras do cuidado à PSR.

RESULTADOS

Impressões e características sociodemográficas

Das 24 pessoas entrevistadas, 14 eram do sexo masculino e 10 do feminino. A maioria era adulto (de 30 a 60 anos), com maior concentração entre a faixa etária de 40 a 50 anos; variando de 20 a 66 anos. A raça negra era predominante, sendo 1/3 da raça branca e um indivíduo caboclo. Todos nasceram na Região Sudeste, sendo a grande maioria (83%) do Estado do Rio de Janeiro. Sobre escolaridade, 1/3 era analfabeto ou até o 1º seguimento do ensino fundamental e metade tinha ensino médio ou superior completo.

Apesar da idade adulta do grupo, a frequência de pessoas usando chupeta ou portando colares com ela pendurada saltou aos olhos e, apesar de não se ter informação sobre compartilhamento desse objeto, a higienização não parecia ser adequada. Uso de vocabulário no diminutivo ou linguagem tatibitate por alguns, compatível com comportamento infantilizado, também foi marcante nesta pesquisa.

No contexto da pandemia, faz-se importante a orientação quanto a limpeza e não compartilhamento de chupetas, objeto pouco mencionado nas diretrizes para enfrentamento da COVID-19 destinado à PSR. Ademais, pacientes infantilizados merecem maior ênfase na orientação para evitar contágio e agravamento da doença.

O sentimento dos pesquisadores diante de certas situações arriscadas e insalubres de moradia permite-nos inferir sobre a elasticidade do conceito de vulnerabilidade, sobretudo quando nos deparamos com um modo de vida exposto e frágil: a vulnerabilidade da vulnerabilidade. A atual pandemia não deixa dúvidas sobre a necessidade de aumento de ofertas de abrigamento e de alternativa para acesso a água corrente. Além disso, esses empecilhos podem agravar o enfrentamento da COVID-19 na PSR, bem como o sofrimento dos profissionais do CnaR.

O biscate, o garimpo e a catação representam as principais atividades de trabalho e renda para esse grupo (62,5%); seguido por trabalhadores informais (ambulante, banquinhas, obra, flanelinha, artesanato); beneficiários, aposentados e pensionistas; ato de pedir e “manguear”; e apenas poucos não faziam absolutamente nada, viviam recebendo coisas e comida, não implicando em nenhuma atitude ativa de buscar sustento. Esse modo de vida, de trabalho e renda descrita pela PSR, tem implicação direta com a pandemia. O isolamento social incide de forma incisiva sobre essa forma de sustento, tendo em vista que as atividades não essenciais foram suspensas e o movimento urbano desacelerou, implicando em maiores restrições entre uma população sem condições mínimas de sustento. A própria atividade de catação pode facilitar o contágio da COVID-19.

Benefício e População em Situação de Rua

Frequentemente a PSR faz referência aos benefícios sociais como não sendo fácil de consegui-los ou o valor ser insuficiente para sair das ruas. Entretanto, a maioria não o considera como um direito:

É muito difícil conseguir o dinheiro a que tem direito. (Sujeito 9)

É que o valor do benefício é insuficiente para pagar uma moradia e viver fora da rua. (Sujeito 2)

É falta de vergonha na cara. (Sujeito 4)

Não concordo com a doação de comida, roupa, tudo, por crentes, porque eles [PSR] precisam se responsabilizar por conseguir se alimentar, conseguir roupa, tudo. (Sujeito 8)

O baixo reconhecimento de si como uma pessoa dotada de direito, aliado à falta de informação e de acesso digital, aumentam as barreiras para a busca do benefício emergencial(1515 Presidência da República (BR). Lei Nº 13.982, de 02/04/2020 [Internet]. Dou, 02/04/2020, P. 1 - Edição Extra. [cited 2020 Jun 14] Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13982.htm
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), criado no contexto da pandemia, tornando sua obtenção improvável.

Problemas de Saúde da População em Situação de Rua

Os problemas de saúde em tratamento, no momento da entrevista, foram: Tuberculose (TB) (25%), HIV (17%), problemas de pele (17%), dependência química (17%), doença mental (17%), Diabetes (8%), outras DST (8%), doenças respiratórias (8%), gripe (8%), problemas oftalmológicos (8%), Epilepsia (4%) e questões odontológicas (4%). Sintomas compatíveis com diagnóstico de depressão estiveram muito presente nas entrevistas, sobretudo relacionados ao uso de drogas, às rupturas familiares, às mortes de parentes e a um cotidiano de solidão. Apesar disso, optou-se por não a incluir na descrição acima, por não ter sido mencionada voluntariamente como problema de saúde. Todavia, a depressão aparece como importante problema de saúde subestimado entre a PSR, pouco valorizado pelos serviços de saúde e subtratado, apesar do sofrimento gerado.

Entrevistas e Observação Participante mostraram a frequente descontinuidade de tratamentos de saúde em decorrência do uso compulsivo de droga, como será explorado adiante. O perfil de enfermidades da PSR, a quantidade de pacientes com comorbidades e as interrupções no tratamento suscitam ao potencial desenvolvimento mais severo da COVID-19 e merecem vigilância redobrada do CnaR junto àqueles mais vulneráveis.

Modo de vida: o viver na rua

Metade dos entrevistados tem longos anos em situação de rua (de 5 a mais de 30), enquanto outra metade alterna episódios de ida e volta para rua. Dos últimos, quatro entrevistados estavam em situação de rua há menos de um ano.

Nesse revezamento entre moradia (família/abrigos) e rua, as idas para casa são motivadas pelo emagrecimento, falta de alimentação e piora das condições de saúde pela descontinuidade da medicação. Essa narrativa foi muito frequente entre os entrevistados:

Vou pra casa, vou pra rua, vou pra casa, vou pra rua. (Sujeito 23)

Depois de magrinha eu volto pra casa. (Sujeito 5)

Porque a rua para mim não é lugar. É lugar de ir e vim, não de morar. (Sujeito 20)

A nova dinâmica social, que preconiza isolamento por 14 dias mediante possibilidade de contágio, pode potencializar questões sobre esse modo de vida. Isso pode criar barreiras de acolhimento em abrigos e nas casas, aumentando o desamparo e diminuindo as chances de recuperação do estado de saúde da PSR, além de colocar em risco os próprios familiares.

Para quase a totalidade (23), a rua não tem nada de bom, sendo narrada por alguns com as seguintes palavras: “difícil”, “muita sujeira”, “não tem amigos”, “lugar de privação”, “passam fome”, “passam frio”, “moro por necessidade” ou, ainda, que existem lugares e pessoas que ajudam e outros que discriminam, além de que a rua é cheia de recaídas de drogas e impossibilidades.

Modo de vida: fome e redes de apoio

Três pessoas disseram não passar fome na rua devido a ajuda de pessoas, do comércio e de entidades religiosas. Alguns se mudam para locais onde tem a “comida que passa”, em analogia a distribuição de comida por grupos ou indivíduos à PSR. Quem disse não passar fome, não usa ou faz uso moderado de drogas, conseguindo se organizar para o recebimento de refeições por comerciantes locais.

Aqueles que disseram passar fome (88%) por vezes recorrem às mesmas estratégias descritas acima, mas cotejaram essa situação com uso intensivo de droga. Sete entrevistados resumiram que todo dinheiro é para droga (crack) e não para comida.

Como o custo de drogas como crack ou cachaça é baixo, inferior ao valor de uma refeição, a obtenção de pequena quantia em dinheiro já impulsiona a pessoa a parar qualquer atividade rentável e comprar a droga. Dois relatos frequentes são:

[Quando] não como, aí é só droga, droga, droga, droga, droga, procuro usar mais droga, mais droga para alimentar a fome. (Sujeito 7)

É do lixo que eu tiro a minha comida também. Quando eu não consigo [arrumar dinheiro]. (Sujeito 16)

Assim, a fome é narrada como “muito ruim”, “sofrimento” e a maioria acredita que precisa de ajuda, pois, caso contrário, não comerá por vários dias, causando emagrecimento vertiginoso. Com “o vício que vence a fome”, receber ajuda ou voltar para casa são as únicas maneiras que vários entrevistados têm de se alimentar.

Sobre redes de apoio estabelecidas na rua, foi quase unanimidade que na rua não se confia em ninguém, nem mesmo na própria PSR. A ausência de apoio interpessoal revelou-se como um sentimento profundo de solidão e desconfiança, sobretudo relacionada à droga. Frases emblemáticas traduzem esse sentimento:

Quanto mais eu conheço o ser humano, mais eu sinto falta do meu cachorro. (Sujeito 4)

Só tem amigos quando você tem alguma coisa pra oferecer. (Sujeito 13)

Sem apoio entre si, outras redes de ajuda citadas foram: família, profissionais de saúde, amante, amigos de infância e moradores/comerciantes do bairro.

Para quem vive na rua, a fome é suavizada por comerciantes, entidades religiosas, serviços de saúde e pessoas do bairro. Entretanto, o fechamento do comércio, o funcionamento reduzido dos restaurantes e a diminuição da circulação de pessoas na quarentena prejudica o suprimento dessa necessidade básica, além de agudizar sentimento de solidão e desamparo. A mobilização para fornecimento de refeições por atores com maior protagonismo na sociedade, incluindo profissionais da assistência social e saúde, representa uma ação simples, mas fundamental e diferencial na manutenção de vidas e no enfrentamento do SARS-CoV-2.

Modo de vida: abrigamento

Dificuldades e inadequações narradas pela PSR sobre se manter nos abrigos, que podemos cotejar no contexto da pandemia, são: disciplina rígida; más condições; falta de estrutura e de higiene; atividades restritas a jogos. Para quem busca abstinência, os abrigos ora são vistos como permissivo ao uso de drogas, ora como lugares onde nem se pode falar sobre o assunto. Essa relação conflituosa da PSR com abrigos é narrada com as seguintes expressões: “não recupera ninguém”, “indigno” e “igual à cadeia”. Aqueles que tiveram experiência positiva, acharam que abrigamento é bom para “idosos”, para “sair da rua” ou pra quem “não tem alternativa”.

A pandemia ampliou o risco da PSR e suas exigências sanitárias aumentaram a necessidade de abrigamento para fornecer as condições adequadas (acesso à água corrente, ao sabão, à alimentação e menor exposição climática) à prevenção do contágio e ao distanciamento social. No entanto, a observação participante, realizada antes da pandemia, já mostrava que os abrigos se ressentiam de admitir pacientes com problemas de saúde, isso por não dispor de estrutura para ampará-los. Esse fato torna-se mais relevante, sobretudo porque a COVID-19 pode ter agravamento súbito.

Diante disso, nossa proposta de implementação das modalidades de teleconsulta, teleorientação e telemonitoramento pelo CnaR aos abrigados - com mediação dos trabalhadores dos abrigos e avaliação criteriosa das indicações de atendimento presencial ou direcionamento à assistência emergencial - traz múltiplos benefícios. Essa nova forma assistencial requer aumento da articulação com assistência social (abrigos e hotel popular) e uso de tecnologia de comunicação à distância. Ela possibilita melhorar condições de abrigamento, diminuir risco de contaminação pela redução da circulação de profissionais e PSR, além de apoiar trabalhadores dos abrigos com orientações sobre contágio e manejo do uso compulsivo de drogas. Outra vantagem é a existência de recursos humanos especializados para sua implementação, fator de maior desafio na atualidade, e requerer baixo investimento de infraestrutura para ampliação do acesso, melhoria de ações e resultados de saúde.

Modo de vida e uso de drogas

Todos entrevistados já haviam usado ou estavam em uso de drogas, sendo que alguns consumiam vários tipos. As drogas mais usadas eram: crack, cocaína e cachaça. As com menor uso: thinner/cola, loló e ecstasy.

Os efeitos narrados como deletérios estão ligados ao sentimento de perda em geral. No contexto da pandemia, as perdas referem-se à saúde, à autoestima e à família. A drogadição prejudica o autocuidado, a alimentação e o uso regular de medicamentos. Além disso, faz emagrecer, causa pânico, causa perdas de dinheiro, de relações familiares, de emprego e de dignidade. A autoimagem é deturpada porque a pessoa frequentemente fica suja, tem dentes ruins ou se sente desleixada, enquanto outros entrevistados veem a droga como companheira ou barata:

Eu vou morrer [...] se eu ficar só visando o crack, eu já estou seca, eu estou na pele e no osso. (Sujeito 17)

Como eu me decepcionei muito com o ser humano, a droga virou minha companhia. (Sujeito 1)

No contexto da pandemia, fatores correlacionados ao uso de droga que foram narrados, agravados por uso de drogas inaladas, corroboram para a inclusão da PSR como população de risco.

Sentimentos de quem vive na rua

Sentimentos a partir da experiência de viver na rua foram de solidão, tristeza, medo, desgosto e desconfiança. O sofrimento narrado pela PSR relaciona-se principalmente com uso de droga e pelo próprio modo de vida. A pesquisa descortinou particularidades dessa população, desprovida de domicilio, relações familiares, amizade, emprego formal, acesso aos cuidados básicos, autoestima e sentimento de importância e dignidade. A diminuição do movimento de pedestres e o fechamento do comércio, como medida mitigadora do contágio, podem ter intensificado o sofrimento vivenciado pela PSR.

Para afirmar a própria solidão, seja em situação de rua, seja em relação aos problemas da vida, a expressão “sou só eu e Deus” é repetida correntemente. Deus é sempre considerado como estando presente, mesmo quando todos os outros faltam ou quando se encontram na mais profunda solidão, há também uma alusão à inadequação ao sistema, como pode ser percebido nas narrativas a seguir:

Eu não tenho nada, moço. Só tenho Jesus. (Sujeito 8)

Eu não consigo me encaixar nem no inferno e nem no céu. (Sujeito 15)

O medo de morrer, seja por violência, descontinuidade do tratamento de saúde ou uso de drogas, faz parte da vida da PSR. Também apareceu o medo de ser atendido em serviços de saúde desconhecidos, de sofrer preconceito por ser usuário de droga e por ser morador de rua.

Muitos expressam medo das consequências da violência contra a PSR: sofrer “covardias” ou ser alvo de grupos de extermínio. O esvaziamento das ruas oportuniza episódios de violência contra essa população, aumentando sentimentos de insegurança e propiciando quadros de transtorno de ansiedade, pânico, paranoia ou outros sintomas de sofrimento mental.

COVID-19 e população de risco

Entre a PSR existe um grupo com modo de vida convergente, quem faz uso compulsivo de droga também passa fome constantemente, descontinua medicamentos para doenças, tem problemas de asseio, sente medo de morrer e tem mais dificuldade de se manter em abrigos. Essas pessoas têm em comum, igualmente, o uso de crack (a droga mais prevalente entre usuários compulsivos), cuja fumaça pode aumentar a agressão do trato respiratório dos usuários. É plausível que esse grupo seja o de maior vulnerabilidade no contexto da pandemia e imponha os maiores desafios aos profissionais de saúde, uma vez que seu modo de vida pode levar à debilitação do corpo e ao agravamento da COVID-19. Adicionalmente, são modos de vida associados ao preconceito e discriminação da sociedade em geral, sobretudo em contexto de escassez de unidades de tratamentos intensivos e respiradores artificiais.

A APS como locus ideal para estratégias rápidas e de amplo alcance oportuniza novas possibilidades de atuação intersetorial para a PSR, tendo o CnaR papel fundamental. Essa ampliação da assistência pela Telemedicina visa mitigar contágio, potencializar cuidado e otimizar o diagnóstico clínico da COVID-19 na PSR, além de já estar autorizada pelo Ministério da Saúde(1616 Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria Nº 467 de 20/03/2020 [Internet]. Dou, 23/03/2020, Edição: 56-B, Seção: 1 - Extra, Página: 1[cited 2020 Jun 10] Available from: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996
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).

O aumento do contexto de estresse, em decorrência da pandemia, pode levar ao maior uso compulsivo de drogas pela PSR. A modalidade de assistência proposta também auxilia na redução do sentimento de ansiedade, solidão e desamparo, com potencial de aplacar esse sofrimento psíquico.

Para aqueles com modo de vida de maior risco e vulnerabilidade na circunstância da COVD-19, mas sem possibilidade de abrigamento, independente do motivo (recusa pessoal ou contraindicação profissional), recomenda-se atenção redobrada do CnaR.

Paradoxalmente, o modo de vida da PSR ampliou sua vulnerabilidade na pandemia e, diametralmente, pode ser percebido por terceiros como produtor de risco de transmissão da doença, aumentando o preconceito contra ela. E, assim, de forma súbita, a pandemia pode ter incidido por duas vias contra essa população.

DISCUSSÃO

A Organização Mundial da Saúde(1717 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) Q&As on COVID-19 and related health topics[Internet] 2020. [cited 2020 Jun 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub
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) (OMS), na circunstância da pandemia, recomenda engajamento ativo dos serviços de saúde junto aos doentes sob diversas condições. A semelhança sintomatológica (tosse, febre e dispneia) da TB com a COVID-19 dificulta diagnóstico diferencial. Além do mais, a interrupção do tratamento da primeira sugere piores prognósticos para a segunda. Pessoas vivendo com HIV avançado (ou sem tratamento antirretroviral) e com diabetes têm maiores riscos de infecções ou complicações associadas à COVID-19(1717 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) Q&As on COVID-19 and related health topics[Internet] 2020. [cited 2020 Jun 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub
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). O ato de fumar eleva a vulnerabilidade de contraí-la pelo contato dos dedos com lábios, além de prejudicar a função pulmonar, dificultando o combate da doença, recomendando maiores cuidados com fumantes(1717 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) Q&As on COVID-19 and related health topics[Internet] 2020. [cited 2020 Jun 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub
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).

A heterogenia sociodemográfica e o perfil de morbidade da PSR destacados nesta pesquisa, e endossados por outras(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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-88 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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,1818 Aguiar MM, Iriart JAB. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(1):115-24. doi: 10.1590/S0102-311X2012000100012
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), apresentam semelhanças com aquelas de maior risco da COVID-19(1717 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) Q&As on COVID-19 and related health topics[Internet] 2020. [cited 2020 Jun 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub
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). Por vezes não é a enfermidade em si, mas a não-persistência no tratamento que implica maior gravidade. Além disso, o comportamento bastante comum da PSR de negar, não perceber/valorizar a presença de sintomas e descontinuar medicações(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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-88 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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,1818 Aguiar MM, Iriart JAB. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(1):115-24. doi: 10.1590/S0102-311X2012000100012
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), faz dela uma população de alta vulnerabilidade. Esse conhecimento tenciona a abordagem do cuidado dessas pessoas, dada a piora repentina, contudo, possibilita ações estratégicas em situação de maior risco.

Outro aspecto muito associado à PSR é o uso compulsivo de drogas(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
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8 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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-99 Raup LM, Adorno RCF. Jovens em situação de rua e usos de crack: um estudo etnográfico em duas cidades. Rev Bras Adolesc Conflit. 2011;(4):52-67. doi: 10.17921/2176-5626
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,1818 Aguiar MM, Iriart JAB. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(1):115-24. doi: 10.1590/S0102-311X2012000100012
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), o qual foi mencionado por todos entrevistados, mesmo aqueles abstinentes há anos. Esse comportamento acentua outros fatores como: fome, emagrecimento, descontinuidade medicamentosa para controle de doenças, diminuição do autocuidado, estigma social, sentimento de tristeza, baixa autoestima, medo e descontrole sobre suas vidas. E todos eles atuam como potencializadores de quadros graves da COVID-19(1616 Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria Nº 467 de 20/03/2020 [Internet]. Dou, 23/03/2020, Edição: 56-B, Seção: 1 - Extra, Página: 1[cited 2020 Jun 10] Available from: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996
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,1919 World Health Organization (WHO). Risk communication and community engagement (RCCE) Action Plan Guidance Covid-19 preparedness and response [Internet]. 2020. [cited 2020 Jun 22] Available from: https://www.who.int/publications/i/item/risk-communication-and-community-engagement-(rcce)-action-plan-guidance
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-2020 United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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). Em analogia ao ato de fumar, as mesmas preocupações recaem sobre usuários de drogas por via respiratória, como crack, maconha, loló, thiner e cocaína.

Orientações revisadas em documentos técnicos(2121 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Recomendações para os profissionais no âmbito das equipes de consultório na rua referentes ao COVID-19[Internet]. 2020[cited 2020 Jul 10]. Available from: http://docs.bvsalud.org/biblioref/2020/05/1096382/recomendacoes-pop-rua-covid19-17abril2020.pdf
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-2222 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Prevenção ao Covid-19 no âmbito das equipes de consultórios na rua[Internet]. 2020[cited 2020 Jul 15]. Available from: https://www.unasus.gov.br/especial/covid19/pdf/54
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), tais como não compartilhar objetos de uso pessoal, higienizá-los antes e após o uso e abrigamento como proposta única, não levam em conta o modo de vida da PSR, estando inclusive em desacordo com ele.

A presente pandemia evidenciou o estigma social e o comportamentos discriminatórios contra pessoas com maior contato com vírus(1919 World Health Organization (WHO). Risk communication and community engagement (RCCE) Action Plan Guidance Covid-19 preparedness and response [Internet]. 2020. [cited 2020 Jun 22] Available from: https://www.who.int/publications/i/item/risk-communication-and-community-engagement-(rcce)-action-plan-guidance
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). A associação da PSR à sujeira e aos insucessos de toda ordem(88 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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), tensionada pelas preocupações atuais, propicia aumento de preconceito e violência contra ela.

A Organização das Nações Unidas(2020 United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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) (ONU) reportou crescimento de até três vezes dos sintomas de depressão e ansiedade relativo à pandemia. E pessoas com doença mental estão em risco particular. Aumento no consumo de álcool e outras drogas é outra preocupação dos especialistas(2020 United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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), e questões que envolvem saúde mental e bem estar da PSR têm sido pouco discutidas no atual contexto(2323 Lima NNR, Souza RI, Feitosa PWG, Moreira JLS, Silva CGL, Rolim Neto ML. People experiencing homelessness: their potential exposure to COVID-19. Psychiatr Res. 2020;288:ID112945. doi: 10.1016/j.psychres.2020.112945
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). Nesse tocante, a ONU(2020 United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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) sublinha ações que busquem reduzir a solidão e proteger e promover os direitos humanos das pessoas com graves problemas de saúde mental e deficiências psicossociais, uma vez que eles são frequentemente negligenciados em grandes emergências(2020 United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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). A deficiência na consolidação de direitos sociais fundamentais de países como Brasil, além de políticas sociais que reforçam a exclusão desses direitos(1111 Paiva IKS, Lira CDG, Justino JMR, Miranda MGO, Saraiva AKM. Direito à saúde da população em situação de rua: reflexões sobre a problemática. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(8):2595-606. doi: 10.1590/1413-81232015218.06892015
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), produz miséria, desemprego, violência, falta de acesso à saúde e à educação(88 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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). A contraproposta é produzir conhecimento, ações e políticas sociais coerentes com as necessidades sociais dos mais excluídos.

As atividades remotas de saúde, tanto para COVID-19 quanto para demandas de Saúde Mental e Apoio Psicossocial, potencializam e integram(2424 Koopmans FF, Daher DV, Acioli S, Sabóia VM, Ribeiro CRB, Silva CSSL. O viver na rua: revisão integrativa sobre cuidados a moradores de rua. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):211-20. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0653
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) o cuidado prestado à PSR e estão inseridas nas recomendações de vários organismos(1616 Ministério da Saúde (BR). Gabinete do Ministro. Portaria Nº 467 de 20/03/2020 [Internet]. Dou, 23/03/2020, Edição: 56-B, Seção: 1 - Extra, Página: 1[cited 2020 Jun 10] Available from: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portar...
,1919 World Health Organization (WHO). Risk communication and community engagement (RCCE) Action Plan Guidance Covid-19 preparedness and response [Internet]. 2020. [cited 2020 Jun 22] Available from: https://www.who.int/publications/i/item/risk-communication-and-community-engagement-(rcce)-action-plan-guidance
https://www.who.int/publications/i/item/...
-2020 United Nations. Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health[Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 20]. Available from: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
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).

A precariedade do cotidiano da PSR impõe políticas específicas para garantir condições de vida adequadas, acesso à saúde(1818 Aguiar MM, Iriart JAB. Significados e práticas de saúde e doença entre a população em situação de rua em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(1):115-24. doi: 10.1590/S0102-311X2012000100012
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) e à práticas de cuidado que absorvam o inesperado(2424 Koopmans FF, Daher DV, Acioli S, Sabóia VM, Ribeiro CRB, Silva CSSL. O viver na rua: revisão integrativa sobre cuidados a moradores de rua. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):211-20. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0653
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) e considerem aspectos importantes de suas vidas(88 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
https://doi.org/10.1590/0102-311x0003751...
-99 Raup LM, Adorno RCF. Jovens em situação de rua e usos de crack: um estudo etnográfico em duas cidades. Rev Bras Adolesc Conflit. 2011;(4):52-67. doi: 10.17921/2176-5626
https://doi.org/10.17921/2176-5626...
,1111 Paiva IKS, Lira CDG, Justino JMR, Miranda MGO, Saraiva AKM. Direito à saúde da população em situação de rua: reflexões sobre a problemática. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(8):2595-606. doi: 10.1590/1413-81232015218.06892015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015218...
,2424 Koopmans FF, Daher DV, Acioli S, Sabóia VM, Ribeiro CRB, Silva CSSL. O viver na rua: revisão integrativa sobre cuidados a moradores de rua. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):211-20. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0653
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). A pesquisa reforça essa recomendação de forma ampla, em especial nesta emergência global, uma vez que epidemias são fenômenos sociais e biológicos. Por esse ângulo, Segata(66 Segata J. A importância das Ciências Humanas na pesquisa e combate às pandemias[Internet]. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)/UFRGS. 2020[cited 2020 Jun 01] Available from: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/a-importancia-das-ciencias-humanas-na-pesquisa-e-combate-as-pandemias
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) enfatiza que as Ciências Sociais e Humanas têm aportes e ferramentas para ajudar nessa questão, sobretudo porque até uma recomendação simplória como “água com sabão salva vidas” necessita ser contextualizada.

Nessa perspectiva, lembramos que tecnologias rígidas nem sempre são insuficientes para resolver problemas sociais complexos(55 Shah H. Global problems need social science. Nature. 2020;577(7790):295. doi:10.1038/d41586-020-00064-x
https://doi.org/10.1038/d41586-020-00064...
). Além disso, sabidamente a PSR não tem acesso à água limpa regular, sabão é supérfluo e “#Fiqueemcasa!” pressupõe ter casa.

Qualquer recomendação, mesmo embasada, é insuficiente porque para ser implementada é mister levar em conta diferentes contextos(33 Chaparro L. A medicina não é suficiente: por que precisamos das ciências sociais para acabar com essa pandemia. In: Café História: história feita com clique[Internet]. 2020[cited 2020 Jun 01]. Available from: https://www.cafehistoria.com.br/ciencias-sociais-novo-coronavirus-pandemia/
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) e as pesquisas podem apoiar essas ações.

Considerando que as características (sociodemográfica, morbidade e modo de vida) da PSR também são mencionadas por outros estudos(77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua [Internet]. Brasília: MS; 2012[cited 2020 Jun 01]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/publicaco...

8 Halpern SC, Scherer JN, Roglio V, Faller S, Sordi A, Ornell F, et al. Vulnerabilidades clínicas e sociais em usuários de crack de acordo com a situação de moradia: um estudo multicêntrico de seis capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2017;33(6):e00037517. doi: 10.1590/0102-311x00037517
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), as ações propostas neste artigo são passíveis de adoção por outros serviços de saúde com propósitos semelhantes. Contudo, algumas limitações precisam ser reconhecidas.

Limitações do Estudo

O estudo foi realizado com PSR em território de alta prevalência de cracolândias, em função de o crack apresentar “bom preço e qualidade”, segundo entrevistados. Nesse sentido, categorias aqui apresentadas podem estar relacionadas com essa especificidade da pesquisa, merecendo novas investigações em locais de menor oferta de drogas.

Outro limitador é que o modo de vida pode se diferenciar entre PSR e a pandemia pode ter alterado os jeitos de viver, mas a plausibilidade é que tenha modificado no sentido de maiores riscos.

As propostas elencadas para enfrentamento da COVID-19 foram pensadas como respostas rápidas, por meio de ações simples, mas requerem engajamento, compromisso e protagonismo da equipe. Contudo, o teleatendimento com abrigos, como potencializador do cuidado, necessita de profissionais aptos a atuar nesse novo modelo e vigilância, para evitar que os abrigos se tornem epicentros de novos surtos e preconceito. A esse respeito, o teleatendimento também pode ser um diferencial, promovendo orientações dos profissionais de saúde para impedir esse contra efeito.

Contribuições para Área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

No contexto da Saúde Pública, o presente estudo pode contribuir para manutenção de vidas no enfrentamento da pandemia, por meio de ações de baixo investimento. Essas ações visam melhoria do cuidado de população vulnerável e diminuição do contágio pela redução da circulação de profissionais e PSR. Ademais, a pesquisa reforça o olhar da PSR como cidadãos de direito e o diálogo com profissionais de saúde em momento de extremo desafio. Isso propiciará solidariedade e elementos reflexivos para o rompimento do cuidado apenas prescritivo e maior protagonismo de trabalhadores que estão vivendo medos e sofrimentos diversos.

Especificamente, em relação aos profissionais de enfermagem, acreditamos que as informações contidas neste artigo trarão benefício adicional às suas práticas, dada a natureza de sua atuação, que pressupõe contato mais próximo e contínuo com o paciente.

Recomenda-se novos estudos multidisciplinares e interdisciplinares que possibilitem o aprofundamento sobre a pluralidade do modo de vida, crença, valores e cultura dos sujeitos para a transformação participativa no processo saúde-doença e apoio na construção de ações de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A desvalorização da diversidade de condições, identidades, valores e crenças, além da predominância dos saberes das ciências biomédicas na saúde, reduz a complexidade dos sujeitos do cuidado, a interpretação de suas demandas e os modos de ampará-las.

Nossa perspectiva foi compartilhar novas formas de prestação do cuidado a uma população altamente vulnerável, por meio da superação das ações de saúde orientadas exclusivamente pela doença e suas determinações biológicas. Almejamos agregar e realçar no cuidado o contexto de vida e os processos psíquicos singulares das pessoas, possibilitando ações pensadas de forma interdisciplinar.

Esperamos que essas reflexões sejam úteis para destacar as contribuições das pesquisas qualitativas em resposta à pandemia.

  • FOMENTO
    A pesquisa que possibilitou o presente artigo teve financiamento do Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-016-FIO-17).

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2020
  • Aceito
    04 Dez 2020
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