RESUMO
Objetivos:
analisar a percepção dos coordenadores de curso de graduação em enfermagem sobre a formação do enfermeiro em cuidados paliativos.
Métodos:
estudo descritivo, de abordagem qualitativa e análise de conteúdo temática, realizado com coordenadores dos cursos de enfermagem em Instituições de Ensino Superior do Rio Grande do Norte.
Resultados:
emergiram três categorias temáticas: Formação do enfermeiro em cuidados paliativos; Potencialidades para o ensino dos cuidados paliativos; e Desafios do ensino em cuidados paliativos. Os coordenadores descreveram como potencialidades: transversalidade, abordagem teórica e prática, disciplina optativa, extensões universitárias, interdisciplinaridade e abordagem transdisciplinar, e como desafios: modelo biomédico na formação em saúde e formação docente insuficiente.
Considerações Finais:
o ensino dos cuidados paliativos nas instituições pesquisadas no processo de formação do enfermeiro é abordado de forma incipiente e fragmentado, e quase sempre sem ter um componente curricular específico sobre o tema, estando presente como um de seus conteúdos.
Descritores:
Cuidados Paliativos; Capacitação Profissional; Educação em Enfermagem; Instituições de Ensino Superior; Ensino
ABSTRACT
Objectives:
to analyze undergraduate nursing course coordinators’ perception about nursing training in palliative care.
Methods:
a descriptive study, with a qualitative approach and thematic content analysis, carried out with coordinators of nursing courses in Higher Education Institutions in Rio Grande do Norte.
Results:
three thematic categories emerged: Nursing training in palliative care; Potentialities for teaching palliative care; and Challenges of teaching in palliative care. The coordinators described as potentialities: transversality, theoretical and practical approach, optional subject, university extensions, interdisciplinarity and transdisciplinary approach, and as challenges: biomedical model in health education and insufficient professor training.
Final Considerations:
palliative care teaching in the researched institutions in the nursing education process is approached in an incipient and fragmented way, and almost always without having a specific curricular component on the subject, being present as one of its contents.
Descriptors:
Palliative Care; Professional Training; Education; Nursing; Higher Education Institutions; Teaching
RESUMEN
Objetivos:
analizar la percepción de los coordinadores de cursos de graduación en enfermería sobre la formación de enfermería en cuidados paliativos.
Métodos:
estudio descriptivo, con abordaje cualitativo y análisis de contenido temático, realizado con coordinadores de cursos de enfermería en Instituciones de Educación Superior de Rio Grande do Norte.
Resultados:
surgieron tres categorías temáticas: Formación de enfermeros en cuidados paliativos; Potencialidades para la enseñanza de cuidados paliativos; y Desafíos de la enseñanza en cuidados paliativos. Los coordinadores describieron como potencialidades: transversalidad, enfoque teórico y práctico, materia optativa, extensiones universitarias, interdisciplinariedad y abordaje transdisciplinar, y como desafíos: modelo biomédico en educación para la salud e insuficiente formación docente.
Consideraciones Finales:
la enseñanza de los cuidados paliativos en las instituciones investigadas en el proceso de formación de enfermería es abordada de forma incipiente y fragmentada, y casi siempre sin tener un componente curricular específico sobre el tema, estando presente como uno de sus contenidos.
Descriptores:
Cuidados Paliativos; Capacitación Profesional; Educación en Enfermería; Instituciones de Enseñanza Superior; Enseñanza
INTRODUÇÃO
Cuidados paliativos (CP) são definidos como uma abordagem que melhora a qualidade de vida do paciente e suas famílias que enfrentam problemas associados às doenças graves e potencialmente fatais, através da prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de problemas físicos, psicossociais ou espirituais. A necessidade global por CP continuará a aumentar como resultado da carga crescente de condições crônicas e envelhecimento da população(11 Wantonoro W, Suryaningsih EK, Anit DC, Van Nguyen T. Palliative Care: a concept analysis review. Sage Open Nurs, 2022;8:1-9. https://doi.org/10.1177/23779608221117379
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).
Na assistência em CP, um componente essencial é o trabalho multidisciplinar, com destaque para o trabalho dos profissionais de enfermagem, devido ser esses que na maioria das vezes prestam maior assistência ao paciente em CP(22 Ribeiro BS, Coelho TO, Boery RNSO, Vilela ABA, Yarid SD, Silva RS. Ensino dos cuidados paliativos na graduação em enfermagem do Brasil. Enferm Foco. 2019;10(6):131-6. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.2786
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). Isso lhes possibilita estabelecer uma relação interpessoal de maior aproximação e auxílio, além da realização das práticas do cuidar, tendo a oportunidade de conhecer o sentido existencial do adoecimento.
Para o alcance de uma assistência de enfermagem em CP, é necessário olhar para o processo de formação em saúde. Embora essa assistência se trate de um dever(33 Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Resolução Cofen nº 0564/2017. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Brasília (DF): COFEN; 2017.), observa-se que, em geral, os enfermeiros ou graduandos em enfermagem não são suficientemente capacitados para lidar com o paciente em CP(44 Dominguez RGS, Freire ASV, Lima CFM, Campos NAS. Cuidados paliativos: desafios para o ensino na percepção de acadêmicos de enfermagem e medicina. Rev Baian Enferm. 2021;35:1-10. https://doi.org/10.18471/rbe.v35.38750
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-55 Arrieira ICO, Thofehrn MB, Porto AR, Moura PMM, Martins CL, Jacondino MB. Spirituality in palliative care: experiences of an interdisciplinary team. Rev Esc Enferm USP. 2018;52. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017007403312
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).
Apesar de muitos cursos de graduação em enfermagem terem experienciado reformulações curriculares recentes, percebe-se que o ensino dos CP na formação do profissional de enfermagem possui forte influência do ensino clínico e teórico, baseado no modelo biomédico e curativo, em detrimento de um ensino mais voltado para o enfrentamento das situações de morte e morrer na assistência paliativa(44 Dominguez RGS, Freire ASV, Lima CFM, Campos NAS. Cuidados paliativos: desafios para o ensino na percepção de acadêmicos de enfermagem e medicina. Rev Baian Enferm. 2021;35:1-10. https://doi.org/10.18471/rbe.v35.38750
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,66 Morais EN, Conrad D, Mattos EM, Cruz SAC, Machado GC, Abreu MO. Cuidados paliativos: enfrentamento dos enfermeiros de um hospital privado na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Rev Pesq Cuid Fundam. 2018;10(2):318-25. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i2.318-325
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), embora a morte faça parte da vida e esteja no cotidiano dos profissionais da enfermagem.
Em nível mundial, as evidências(66 Morais EN, Conrad D, Mattos EM, Cruz SAC, Machado GC, Abreu MO. Cuidados paliativos: enfrentamento dos enfermeiros de um hospital privado na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Rev Pesq Cuid Fundam. 2018;10(2):318-25. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i2.318-325
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7 Davis A, Lippe M, Glover TL, McLeskey N, Shillam C, Mazanec P. Integrating the ELNEC undergraduate curriculum into Nursing Education: lessons learned. J Profes Nurs. 2021;37:286-90. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2020.12.003
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-88 Shushtari SSG, Molavynejad S, Adineh M, Savaie M, Sharhani A. Efect of end-of-life nursing education on the knowledge and performance of nurses in the intensive care unit: a quasi-experimental study. BMC Nurs. 2022;21(102):1-8. https://doi.org/10.1186/s12912-022-00880-8
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) demonstram ser essencial o desenvolvimento profissional nessa área para todos os enfermeiros e demais profissionais de saúde, pois os CP, além de conhecimentos científico e técnico, requer uma base das ciências humanas que os conduzam a competência e autocontrole diante dos desafios a serem enfrentados, de maneira que resulte em um maior comprometimento para com a assistência prestada, bem como o alcance das necessidades do crescente número de pessoas com doenças graves potencialmente fatais e de seus familiares.
Sobressaem-se na literatura(44 Dominguez RGS, Freire ASV, Lima CFM, Campos NAS. Cuidados paliativos: desafios para o ensino na percepção de acadêmicos de enfermagem e medicina. Rev Baian Enferm. 2021;35:1-10. https://doi.org/10.18471/rbe.v35.38750
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-55 Arrieira ICO, Thofehrn MB, Porto AR, Moura PMM, Martins CL, Jacondino MB. Spirituality in palliative care: experiences of an interdisciplinary team. Rev Esc Enferm USP. 2018;52. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017007403312
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,99 Sarmento WM, Araújo PC, Silva BN, Silva CR, Dantas RC, Véras GC, et al. Formação acadêmica e qualificação profissional dos enfermeiros para a prática em cuidados paliativos. Enferm Foco. 2021;12(1):33-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021.v12.n1.3805
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10 Sartori A, Battistel ALHT. Approaching death in the training of nursing, medicine and occupational therapy professionals. Cad Bras Ter Ocup. 2017;25(3):497-508. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO0770
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11 Guimarães TM, Silva LF, Espírito Santo FH, Moraes JRMM, Pacheco STA. Cuidado paliativo em oncologia pediátrica na formação do enfermeiro. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1). https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.65409
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-1212 Pereira LM, Andrade SMO, Theobald MR. Cuidados paliativos: desafios para o ensino em saúde. Rev Bioét. 2022;30(1):149-61. https://doi.org/10.1590/1983-80422022301515PT
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) dificuldades vivenciadas pelos profissionais e estudantes de enfermagem, na prática clínica em CP, sendo citadas: ausência de conhecimento; carência de formação adequada; lacuna na uniformização das condutas; problemas de comunicação e envolvimento dos integrantes da equipe multiprofissional; pouca participação da enfermagem no processo de tomada de decisão; precária habilidade com questões religiosas e espirituais; e sentimentos negativos, como medo, angústia, ansiedade e culpa.
Diante do exposto, entende-se tratar de um cenário que exige dos gestores educacionais atenção para o estabelecimento de estratégias com foco no fortalecimento da formação dos enfermeiros em CP, pois possivelmente tais dificuldades encontradas nessa assistência estejam relacionadas ao processo formativo.
OBJETIVOS
Analisar a percepção dos coordenadores de curso de graduação em enfermagem sobre a formação do enfermeiro em CP.
MÉTODOS
Aspectos éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Solicitou-se o consentimento das instituições envolvidas. Os participantes foram esclarecidos em relação aos objetivos da pesquisa e autorizaram o uso das informações para fins científicos, com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Garantiu-se o anonimato dos participantes mediante a utilização de pseudônimos de espécies de borboletas, visto que a borboleta é o símbolo dos CP que, por sua vez, assistem e confortam o processo de mudança na vida dos pacientes e familiares, até que a borboleta saia de seu casulo e conquiste sua liberdade, sendo essa uma representação simbólica da alma e do corpo, respectivamente(1313 Costa MF, Soares JC. Livre como uma borboleta: simbologia e cuidado paliativo. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):631-41. https://doi.org/10.1590/1809-9823.2015.14236
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).
Tipo de estudo
Estudo do tipo descritivo, com abordagem qualitativa, conduzido e estruturado em consonância com o instrumento de verificação Standards for Reporting Qualitative Research (SRQR)(1414 O'Brien BC, Harris IB, Beckman TJ, Reed DA, Cook DA. Standards for reporting qualitative research: a synthesis of recommendations. Acad Med. 2014;89(9):1245-51. https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000000388
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). Este manuscrito foi extraído da dissertação de mestrado intitulada de “Formação do enfermeiro em cuidados paliativos no estado do Rio Grande do Norte”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Cenário e participantes do estudo
O estudo foi realizado em Instituições de Ensino Superior (IES) localizadas no estado do Rio Grande do Norte. A identificação dessas IES foi através de busca online no Sistema e-MEC, obtendo-se um quantitativo de 19 IES. Dessas, seis foram excluídas por não terem ainda turma egressa de graduação em enfermagem até o período estabelecido para coleta de dados (agosto a outubro de 2018) e outras duas, cujos representantes se recusaram a participar. Portanto, incluíram-se 11 IES do Rio Grande do Norte com curso de graduação em enfermagem presencial, com turmas concluintes e ativas no ano de 2018. Dentre essas, sete estão localizadas na capital - seis privadas e uma pública - e as demais, quatro, estão situadas em outros municípios do estado, e são públicas.
A amostra foi do tipo intencional e sua população incluiu representantes das coordenações de cursos das IES selecionadas. Foram incluídos coordenadores de curso - titular ou vice -, com atuação oficializada há pelo menos três meses. Foram excluídos os coordenadores de licença no período da coleta ou apresentassem conflitos de interesse como colaboradores na pesquisa. Cada IES contava com um coordenador de curso, o que representou 11 participantes, e, dessas, sete tinham vice-coordenadores. Ao final, 18 participantes atenderam aos critérios de inclusão. As entrevistas foram priorizadas com o coordenador titular da IES, e, após aplicação dos critérios de exclusão, excluíram-se dois coordenadores titulares, sendo, portanto, realizada entrevista com os seus respectivos vice-coordenadores. Dessa forma, participaram do estudo 11 participantes, sendo nove coordenadores titulares e dois vice-coordenadores.
Coleta dos dados
Utilizou-se a técnica de entrevista do tipo semiestruturada, guiada por um formulário contendo questões relacionadas às informações pessoais e profissionais dos participantes, o perfil do enfermeiro egresso, abordagem dos CP no curso de graduação e os métodos ou estratégias adotadas no processo de ensino-aprendizagem sobre os CP. As entrevistas foram realizadas pelo pesquisador principal entre agosto e outubro de 2018, após contato prévio e conforme a disponibilidade do participante, em local confortável e reservado, nas IES. Foram áudio gravadas em aparelho MP4 e transcritas na íntegra. Para a realização de algumas entrevistas, foi necessário o deslocamento do pesquisador até outros municípios.
Análise dos dados
A análise dos dados utilizada foi a análise de conteúdo temática(1515 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70; 2011.), estruturada por Minayo(1616 Minayo MCS. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis (RJ): Vozes; 2015.), conforme as seguintes etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados/inferência/interpretação. Realizou-se uma leitura compreensiva do conjunto do material selecionado e obtido em todas as entrevistas áudio gravadas de forma exaustiva. Em seguida, a exploração do material consistiu em: 1) distribuição dos trechos; 2) leitura, dialogando com as partes dos textos da análise; 3) identificação dos núcleos de sentido apontados pelas partes dos textos; 4) diálogo com talvez os núcleos de sentido e os pressupostos iniciais; 5) análise dos diferentes núcleos de sentido em busca de temáticas mais amplas; 6) reagrupamento das partes dos textos por temas encontrados; e 7) elaboração de uma redação por tema, de modo a dar conta dos sentidos dos textos e de sua articulação com os conceitos que orientam a análise, inter-relacionando-as com os resultados obtidos, dados de outros estudos e conceitos teóricos(1616 Minayo MCS. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis (RJ): Vozes; 2015.).
Da análise, emergiram quatro categorias temáticas e, para contemplar o objetivo do presente manuscrito, realizou-se um recorte com discussão referente às três categorias temáticas principais, apresentadas a seguir. Durante o processo de análise e redução do texto em relação às palavras e expressões significativas, essas categorias possibilitaram a construção de subcategorias.
Os resultados alcançados são apresentados e discutidos de acordo com a fundamentação teórica do pensamento complexo proposta por Edgard Morin(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.), além da comparação com a literatura científica atualizada sobre o tema.
A escolha do pensamento complexo sistematizado do filósofo Edgar Morin como referencial teórico se deu em razão de ele tratar as questões que envolvem a educação com base em uma perspectiva de mudança e com objetivo de desenvolver sujeitos reflexivos acerca de si e do mundo, a partir da crítica e da reflexão transformadora. Além disso, contribui para uma melhor compreensão dos fenômenos relacionados ao CP, por tratar-se de um tema amplo em sua complexidade e compreender o homem como exemplo de complexidade.
O desafio da complexidade se apresenta com base na necessidade de religar o que, habitualmente, é separado, em contextualizar o saber e proporcionar a interação entre certeza e incerteza. Assim, o que é complexo necessita captar inter-relações, realidades distintas e conflitantes, por meio de um pensamento que respeite a diversidade, buscando unir ao invés de simplificar(1818 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina; 2015.).
Morin traz sete princípios que ajudam a entender o pensamento complexo, são eles: recursividade organizacional; hologrâmico; circuito retroativo; circuito recursivo; autonomia/dependência; dialógico; e reintrodução do conhecimento em todo conhecimento(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.). Desses, a recursão organizacional, o hologramático e o dialógico são os três princípios fundamentais(1818 Morin E. Introdução ao pensamento complexo. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina; 2015.) e forneceram fundamentação teórica ao estudo.
RESULTADOS
Os participantes deste estudo correspondem a um total de nove coordenadores titulares e dois vice-coordenadores de cursos de graduação em enfermagem do estado do Rio Grande do Norte. Dos 11 participantes, seis eram do sexo feminino, e cinco, masculino; a idade variou de 27 a 54 anos; a maioria com estado civil casado, e todos eles graduados em enfermagem, com tempo de conclusão do curso variando entre cinco e 30 anos.
Todos os participantes exerciam, além da função de coordenador de curso, atividades de docência, com tempo de atuação em serviço na instituição variando de nove meses a 15 anos, e a maioria tinha mais de 12 anos nas instituições. Verificou-se que seis desses participantes estavam em seu primeiro mandato, com tempo de atuação de três meses a quatro anos, e os demais, ou seja, cinco participantes, já estavam em seu segundo mandato, portanto, com mais de quatro anos na função de coordenador de curso. Em relação ao nível de formação, quatro possuíam doutorado, outros quatro, mestrado, e três, especialização. Apenas três participantes afirmaram já terem realizado cursos de capacitação na temática do estudo.
Após a fase de exploração do material, analisaram-se três categorias temáticas que emergiram a partir das falas dos participantes do estudo, sendo apresentadas na seguinte ordem: Formação do enfermeiro em cuidados paliativos; Potencialidades para o ensino dos cuidados paliativos; e Desafios do ensino em cuidados paliativos.
Categoria 1 - Formação do enfermeiro em cuidados paliativos
Esta categoria aborda, em sua essência, elementos e características do ensino em CP, e deu origem às duas seguintes subcategorias: Cuidados paliativos no ensino de graduação em enfermagem; e Ensino insuficiente em cuidados paliativos.
Cuidados paliativos no ensino de graduação em enfermagem
Esta subcategoria evidencia, na perspectiva dos coordenadores de curso, como os CP se apresentam no ensino de graduação em enfermagem. Para a maioria dos entrevistados, trata-se de um conteúdo oferecido dentro de outros componentes curriculares, conforme as falas a seguir:
Nós não temos uma disciplina específica em cuidados paliativos. São conteúdos discutidos no transcurso, no decorrer do curso. [...] nós trabalhamos os cuidados paliativos dentro do ciclo de vida. (Borboleta Almirante Vermelho)
A gente tem a disciplina de tanatologia, disciplinas de saúde do adulto, têm as disciplinas eletivas como cuidados ao paciente oncológico. [...] termina que todas essas disciplinas abordam de modo direto ou indireto esse conteúdo. (Borboleta Rainha Alexandra)
Acredito que na disciplina de oncologia ou saúde do idoso fale alguma coisa sobre isso, mas não relacionado a cuidados paliativos mesmo, mas sobre o processo de morte e morrer, a questão do idoso que está adoentado e não tem mais um tempo de vida a mais. E se for tratado, é mais na teoria. (Borboleta Cauda-de-Andorinha)
[...] a gente trabalha dentro dessas disciplinas que contemplam a saúde do adulto, onde vê UTI, pronto-socorro, clínica médica, centro cirúrgico, ética, e aí, dentro desse conteúdo, a gente também contempla cuidados paliativos. (Borboleta-Folha)
[...] ele é trabalhado principalmente na disciplina de saúde do adulto. (Borboleta Coruja)
Dizer que existe especificamente uma disciplina, não existe, ela está difundida nos contextos. (Borboleta Pieridae)
Além da abordagem teórica difundida nas disciplinas, nota-se o incremento dos CP durante as atividades práticas curriculares vivenciadas pelos estudantes no decorrer da graduação no cenário hospitalar ou na Atenção Primária à Saúde. Citam-se ainda experiências em estágios extracurriculares em centros de alta complexidade de oncologia. Contudo, pode-se afirmar que ainda não há campos específicos de ensino clínico na graduação de enfermagem para a abordagem teórico-prática dos CP, considerando-se que todos os estudantes vivenciarão essas experiências.
Então, a metodologia, ela vai além das aulas teóricas. [...] temos as intervenções práticas, as intervenções práticas, elas se dão em relação aos cuidados paliativos mais no campo hospitalar e em domicílio. [...] no hospital, ele [aluno do oitavo período e nono] roda pelos diversos setores, centro cirúrgico, urgência, nas clínicas, Unidade de Terapia Intensiva. Nesses momentos, ele atua diretamente com indivíduos que podem estar em cuidados paliativos. Eles têm contato com pacientes terminais ou que necessitam de cuidados paliativos, por exemplo, em visitas domiciliares, em acompanhamento de pacientes acamados, ou em alguns casos mais críticos a nível hospitalar. (Borboleta Flambeau)
Então, se a gente tem aqui na teoria, vai ter quase que na prática, não vou dizer que vai ter sempre, por exemplo, pronto-socorro não tem como, né? Semiotécnica, por exemplo, mas existem disciplinas que tem como se trabalhar, como se ter uma percepção mais observatória. (Borboleta Pieridae)
A gente sabe que necessariamente não vai ter essa vivência em todas as práticas. (Borboleta Rainha Alexandra)
Talvez o nosso aluno que esteja na prática, no estágio final do curso, ele tenha contato da atenção básica com esse tipo de paciente. (Borboleta-Folha)
[...] a gente tem alunos que estão em centros de alta complexidade de oncologia, que é um lugar aonde as pessoas chegam com diagnóstico irreversível de câncer, e é onde eles têm um choque maior. [...] lembrando que não são todos os alunos que vão para esse centro, é só uma parte, quando vai algum aluno que passa por um processo seletivo, e assim não são todos. Então, a gente não pode afirmar que todos passam por essa experiência. (Borboleta Morpho Azul)
Ensino insuficiente em cuidados paliativos
Pode-se dizer que, diante da atual necessidade de saúde da população, há pouco enfoque sobre CP no ensino e formação profissional de enfermagem nas IES pesquisadas. Desde a abordagem teórica, com conteúdos transversais mínimos ao longo da grade curricular, até o ensino prático, onde as experiências em CP se realizam ocasionalmente, sem planejamentos prévios com objetivos a alcançar. Tal contexto, é reconhecido nas falas a seguir:
Nós não temos uma unidade específica sobre cuidados paliativos, inclusive, é uma lacuna que nós temos. Sempre que estamos avaliando o currículo, encontramos essas necessidades, pela amplitude das necessidades de saúde. (Borboleta Flambeau)
Cuidados paliativos são algo que vem sendo abordado agora, e de uma maneira muito limitada. Eu acredito que esta não seja uma vivência exclusiva desta instituição. É preciso evolução, tendo em vista as informações epidemiológicas [...]. O aluno não precisa sair especialista, mas ele precisa sair com o conhecimento sobre e acredito que o conhecimento sobre ainda é incipiente. (Borboleta Sylphina Angel)
Na graduação, os cuidados paliativos são bem carentes, o reflexo disso somos nós, e isso não é da minha instituição [...]. Compreendo que essa temática não fosse tão necessária há 50 anos, hoje sim, porque o conteúdo deve acompanhar a mudança de uma sociedade. [...] a gente sai da graduação como se a gente tivesse vestindo uma roupa, e as nossas roupas estão cheias de buracos, uns buracos maiores e outros buracos menores. Uns buracos, porque a formação não te ofereceu, e outros, porque você não fechou enquanto aluno, alguns buraquinhos são menores e alguns maiores. Hoje, o buraco causado pela ausência de cuidados paliativo, é um buraco grande. (Borboleta-Esmeralda)
Categoria 2 - Potencialidades para o ensino dos cuidados paliativos
Trata-se de uma categoria que originou seis subcategorias: Cuidados paliativos como tema transversal; Ensino teórico e prático dos cuidados paliativos; Concepção de disciplina optativa em cuidados paliativos; Extensão universitária no ensino em cuidados paliativos; Interdisciplinaridade e abordagem transdisciplinar no ensino dos cuidados paliativos; A enfermagem como potencial para desenvolver o cuidado paliativo.
Cuidados paliativos como tema transversal
Segundo alguns dos coordenadores, os CP podem ser abordados no ensino de enfermagem desde os primeiros períodos de formação, a partir de uma abordagem mais geral, complexificando-se no decorrer da graduação.
Apesar da gente entender que cuidados paliativos são uma temática transversal. Esse conteúdo não deve estar preso a uma disciplina. (Borboleta-Esmeralda)
Eu imagino que precisaria esse tema de ser tratado de forma transversal, em todas as disciplinas que pudessem, desde o início do curso. [...] e com o avançar da complexidade das disciplinas, pudesse ser tratado de uma forma mais específica. (Borboleta Apolo)
Então, eu acredito que a gente tem que pensar na transversalidade, realmente, e introduzir esses temas que são mais complexos, de modo primário, inicial, em todas as disciplinas que tiver abertura para isso. [...] a gente pode ter esses cuidados paliativos sendo introduzidos de uma forma mais leve, até chegar ao modo mais complexo de ser. (Borboleta Rainha Alexandra)
Observa-se uma tendência de alguns entrevistados em focar os CP como um conhecimento transversal, abordado ao longo de toda estrutura curricular. No entanto, ao mesmo tempo, receiam que, dessa forma, haja liberdade não controlada sobre os conteúdos em seus componentes, e isso cause uma implantação pouco organizada da temática pelos docentes, conforme a fala a seguir:
Eu aposto na transversalidade, mas eu também tenho medo [...] o meu temor é colocar cuidados paliativos como tema transversal em todas as disciplinas, vai ficar a critério do docente incluí-la, e é arriscado. (Borboleta Apolo)
Percebe-se a necessidade dos princípios teóricos que embasam a filosofia dos CP estarem presentes de forma transversal nos currículos de graduação durante a formação do enfermeiro, com vistas à aprendizagem contínua do processo formativo.
E se todos os componentes que têm essa transversalidade precisam ser enfocados como componente, a gente, muitas vezes, se perde com muitas de disciplinas que não dão conta do todo. [...] esse é o grande problema, é estar sempre com outros componentes, mas fragmentando novamente a formação dos profissionais e não contribuindo para pensar na complexidade do ser humano. (Borboleta Morpho Azul)
[...] ela pode estar presente de forma transversal durante a formação [...] porque isolar em uma única disciplina pode ser reducionista e ela não dar conta da realidade. (Borboleta Flambeau)
Ensino teórico e prático dos cuidados paliativos
Para o processo de ensino aprendizagem dos CP, os coordenadores sugeriram que a abordagem no ensino teórico seja sequenciada pelo contexto do ensino prático, através de imersões clínicas, em estágios obrigatórios ou aulas práticas em cenários reais e não controlados, conforme idealizam as falas:
A melhor forma de abordar isso é na prática. [...] é nesse momento em que o indivíduo descobre que cuidar não é só cuidar de um corpo físico, de uma doença específica, mas é cuidar de um humano, de alguém que tem várias relações. [...] é quando nasce certa postura, certa conduta diante desse processo. [...] é a oportunidade do docente discutir: que outras formas de cuidados a gente tem? O que a gente pode nesse momento proporcionar de bem-estar ao outro? Ao vivenciar a prática, consegue fazer articulações com a teoria e, então, resgatar a experiência que os estudantes têm no hospital e trazer para discutir, para ressignificar aquilo. (Borboleta Morpho Azul)
Então, acho que a estratégia melhor seria essa, a gente trazer o conhecimento em sala de aula e levar ele para ter essa vivência, essa prática, para que ele possa realmente ter o contato com essa problemática no serviço. (Borboleta Coruja)
[...] o ideal seria rodar esse aluno para o campo real, onde ele vai ter realmente o conhecimento da situação, na lapidação final desse aluno, ele precisa que a gente desenvolva cenários com casos [...]. (Borboleta-Esmeralda)
Concepção de disciplina optativa em cuidados paliativos
Outros relatos evidenciaram também a possibilidade de concepção de uma disciplina optativa para abordagem dos CP:
[...] acredito que a gente poderia ter uma disciplina optativa, já que as coisas precisam ser agregadas com o tempo. (Borboleta Sylphina Angel)
[...] esse conteúdo, a gente está querendo trabalhar mais, inclusive colocar uma disciplina optativa. (Borboleta-Folha)
A criação de disciplina optativa é uma alternativa que pode suplantar possíveis lacunas na formação do enfermeiro e responder à atual necessidade de saúde da população, mas não consegue abranger e gerar interesse sobre o tema para todos os graduandos, conforme evidencia a fala a seguir:
Está sendo discutido a inclusão da disciplina optativa, porém eu não sei se ela vai surtir impacto, porque, por ela ser optativa, alguns alunos vão cursar, outros não. Então, o egresso que não cursou vai sair com as fragilidades. (Borboleta Apolo)
Extensão universitária no ensino em cuidados paliativos
Esta subcategoria refere-se a outros resultados encontrados entre os depoimentos, que evidenciaram também a possibilidade das atividades de extensão universitária, sendo citada como uma estratégia no ensino dos CP para a formação do enfermeiro, pois a integração dos serviços de saúde com as IES pode proporcionar benefícios para ambos e avançar no conhecimento em CP, conforme a fala a seguir:
A extensão universitária seria uma das formas que a gente poderia chegar mais junto ao serviço. [...] e criar essa troca entre a instituição e a universidade, e, assim, contribuir com o serviço no sentido de melhorar. [...] e eu acredito que a extensão possa ser uma porta para nós docentes se apropriar mais do conhecimento, e aí possa fluir melhor dentro da própria universidade. (Borboleta Coruja)
Interdisciplinaridade e abordagem transdisciplinar no ensino dos cuidados paliativos
Outra possibilidade presente nas falas dos coordenadores se relaciona com a importância da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade no ensino dos CP, com a criação de oportunidades educacionais em que os estudantes de diferentes áreas da saúde adquiram as habilidades necessárias para a prática centrada no paciente:
O processo de formação poderia ter disciplinas concomitantes com todos os membros da equipe multiprofissional [...]. (Borboleta Sylphina Angel)
[...] o integral é cuidar de um todo que está dentro de um todo, porque, uma pessoa que parte, ela vai deixar consequências sociais, econômicas, psicológicas, a história dela dentro de uma sociedade. [...] o egresso de enfermagem precisa sair com esse conhecimento arraigado de que ele precisa cuidar desse sujeito, fazer com que ele viva bem até o último momento. Porém, ele não vai conseguir fazer isso só, ele precisa de psicólogo, assistente social, médico, fisioterapeuta, porque, para dar condições dele viver bem, ele precisa de uma equipe multidisciplinar, a enfermagem sozinha não dá conta, inclusive, ele precisa também da família, então precisa de todo um conjunto [...]. (Borboleta Almirante Vermelho)
[...] cuidados paliativos deveriam ter em todas, começando que tem que se trabalhar no multiprofissional, no interprofissional. Mas a gente não tem essa realidade, quem sabe, em um futuro próximo. Acho que, para o aluno, é fundamental. (Borboleta Pieridae)
A enfermagem como potencial para desenvolver o cuidado paliativo
Os participantes coordenadores reconheceram que, dentre as profissões da saúde, a enfermagem tem potencial para desenvolver os CP, considerando sua posição de maior proximidade na assistência.
[...] o enfermeiro é um ator fundamental e principal nos cuidados paliativos, muitas vezes a atenção médica ou de outros profissionais fica restrito a momentos específicos e quem vai acompanhar continuamente o paciente em cuidados paliativos é o enfermeiro. (Borboleta Apolo)
[...] a enfermagem atua diretamente com essa parte de cuidados paliativos. [...] a enfermagem lida diretamente com esse paciente, principalmente na parte de oncologia. (Borboleta-Cauda-de-Andorinha)
[...] porque é nossa essência, a gente vai lidar diariamente com isso [...]. (Borboleta Morpho Azul)
Categoria 3 - Desafios do ensino em cuidados paliativos
Esta terceira categoria temática evidencia, de acordo com os resultados emitidos pelos entrevistados, os desafios/obstáculos que se anunciam na inserção desse conteúdo no ensino em CP na formação do enfermeiro, originando as duas seguintes subcategorias: Modelo biomédico na formação em saúde; e a Formação docente insuficiente em cuidados paliativos.
Modelo biomédico na formação em saúde
No que diz respeito a essa subcategoria, a fala da Borboleta Morpho Azul reflete que a formação em saúde se insere em uma lógica positivista e curativista e que, de certa forma, com o paliativismo, apresenta um contraponto, diante do contexto mais complexo:
Nossa formação não nos deixa muita possibilidade de pensar sobre essas questões. Nós pensamos numa forma prevalentemente positivista [...] grande limitação na área da saúde. Precisamos ter um pouco mais de percepção sobre os nossos limites. [...] precisa mudar essa formação, ainda mais no sentido de pensar o ser humano de forma mais complexa, ainda estamos muito preso a essa questão da doença, em acreditar que o cuidado envolve uma cura. (Borboleta Morpho Azul)
Formação docente insuficiente em cuidados paliativos
Esta subcategoria sinaliza sobre certo distanciamento e dificuldades por parte dos docentes entre o ensino teórico e prático em CP, bem como das barreiras existentes para realizar uma capacitação e atender os déficits do conhecimento dos docentes, de forma que possa preencher essa lacuna, como corroboraram as falas a seguir:
[...] a gente não tem formação na área e nem tem uma segurança para abordar a temática dentro das disciplinas. [...] o corpo docente, precisa ser qualificado para essa geração de conhecimento. [...] os professores que estão hoje em sala de aula vivenciaram a enfermagem de ontem, e a enfermagem de ontem não nos preparou para isso. [...] a gente não consegue levar para a sala de aula aquilo que a gente não compreendeu ou aprendeu. E a gente não tem buscado, por diversos motivos, a formação não é barata para cuidados paliativos. (Borboleta-Esmeralda)
[...] é necessário que os professores sejam capacitados sobre a temática. Eu não tenho certeza se os professores que trabalham diretamente ligados a esses campos [...] são qualificados para isso, eu particularmente não sou. (Borboleta Apolo)
[...] tem, sim, uma necessidade de formação específica para a gente não aprender fazendo. Seria interessante que os cursos passassem a ter pessoas com formações específicas nesse assunto [...]. (Borboleta Flambeau)
DISCUSSÃO
A prática profissional, no contexto dos CP, mostra-se ser fundamental e uma necessária área de aprendizado na formação do enfermeiro, ao considerar os atuais perfis de saúde da população. Todavia, os resultados deste estudo desvelam uma ausência de disciplinas e de campos de ensino clínico na graduação de enfermagem específicos para a abordagem do ensino teórico-prático em CP, e pode estar comprometendo a formação profissional dos enfermeiros. Resultados semelhantes foram confirmados na literatura nacional e internacional(22 Ribeiro BS, Coelho TO, Boery RNSO, Vilela ABA, Yarid SD, Silva RS. Ensino dos cuidados paliativos na graduação em enfermagem do Brasil. Enferm Foco. 2019;10(6):131-6. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.2786
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
,44 Dominguez RGS, Freire ASV, Lima CFM, Campos NAS. Cuidados paliativos: desafios para o ensino na percepção de acadêmicos de enfermagem e medicina. Rev Baian Enferm. 2021;35:1-10. https://doi.org/10.18471/rbe.v35.38750
https://doi.org/10.18471/rbe.v35.38750...
,99 Sarmento WM, Araújo PC, Silva BN, Silva CR, Dantas RC, Véras GC, et al. Formação acadêmica e qualificação profissional dos enfermeiros para a prática em cuidados paliativos. Enferm Foco. 2021;12(1):33-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021.v12.n1.3805
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2021....
,1919 Stokman AI, Brown SL, Seacrist MJ. Baccalaureate nursing students' engagement with end-of-life curriculum: a grounded theory study. Nurse Educ Today. 2021;102:104914. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2021.104914
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).
Nota-se que a falta de ensino em CP representa uma das principais barreiras para o acesso da população a esses serviços, haja vista o déficit de profissionais qualificados que poderiam contribuir para a melhoria do atendimento de uma demanda reprimida. Dessa forma, em um esforço para melhorar os CP a partir da formação do enfermeiro sobre a temática, foi criado, no ano 2000, nos Estados Unidos, o projeto End-of-Life Nursing Education Consortium (ELNEC), que representa uma colaboração entre a City of Hope e Associação Americana de Faculdades de Enfermagem(1919 Stokman AI, Brown SL, Seacrist MJ. Baccalaureate nursing students' engagement with end-of-life curriculum: a grounded theory study. Nurse Educ Today. 2021;102:104914. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2021.104914
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) e que vem sendo utilizado em todo o mundo para melhorar a qualidade dos cuidados de fim de vida e a visão e atitude dos enfermeiros em relação a esses cuidados.
Os resultados desse estudo evidenciam que a temática sobre CP está presente no ensino de enfermagem, principalmente através de componentes curriculares que abordam a saúde do adulto e do idoso, ética e bioética, em especial nas disciplinas de oncologia.
No Brasil, entre as IES que disponibilizam alguma disciplina para estudos e/ou reflexão dos CP, a maioria ainda é optativa. Além disso, observa-se uma distribuição desigual nas regiões do país em relação à oferta desse ensino, como o que acontece, por exemplo, nas regiões Nordeste e Sudeste do país, regiões com a maior oferta de componentes sobre CP, se comparadas às regiões Norte, Centro-Oeste e Sul(22 Ribeiro BS, Coelho TO, Boery RNSO, Vilela ABA, Yarid SD, Silva RS. Ensino dos cuidados paliativos na graduação em enfermagem do Brasil. Enferm Foco. 2019;10(6):131-6. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.2786
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).
Mesmo identificando-se as lacunas do ensino dos CP na formação do enfermeiro no contexto deste estudo, percebe-se existir potencialidades para a criação desse ensino, tais como ensino transversal, experiências de ensino teórico e prático, concepção de disciplina optativa, extensões universitárias, interdisciplinaridade e abordagem transdisciplinar, e a enfermagem como profissão de potencial para desenvolver o ensino em CP.
Corroborando com os resultados deste estudo, a literatura recomenda a inclusão de disciplinas obrigatórias de introdução aos CP desde os anos iniciais do curso e orienta ter em sua estrutura conteúdos sobre sua história, filosofia e princípios norteadores. Em etapas posteriores, recomenda-se a oferta de disciplinas específicas sobre a assistência de enfermagem em CP, com componentes práticos, para garantir o acesso dos estudantes a informações e experiências, terapias não farmacológicas, comunicação, assistência interdisciplinar e promoção da qualidade de vida. Consideram-se ainda de extrema importância que sejam abordados conteúdos sobre o processo de morrer em disciplina obrigatória(2020 Minosso J, Martins M, Oliveira M. Palliative care in undergraduate nursing education: a mixed-methods study. Rev Enf Referm. 2022;6(1):1-8. https://doi.org/10.12707/rv21060
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).
Com fundamento no pensamento complexo, quanto ao princípio da recursividade organizacional de Morin, que consiste na união do conhecimento das partes ao conhecimento do todo(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.), destacam-se a importância da transversalidade e a interdisciplinaridade enquanto potencialidades para o ensino dos CP.
Compreende-se a interdisciplinaridade como troca e cooperação entre as disciplinas. Nessa perspectiva, a reforma do sistema de ensino deve permitir estimular a aptidão para contextualizar e integrar ao invés de supervalorizar a abstração e a formalização(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.). Dessa forma, almeja-se uma formação que une e integra aspectos físicos, psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente, por meio de equipes interdisciplinares, fundamentais aos CP.
Alicerçado no segundo princípio, o hologrâmico, é possível ver o homem de forma a contextualizá-lo, vê-lo inserido no mundo como uma minúscula parte no todo, porém contendo a presença do todo na parte(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.). É também com base nessa concepção que a formação em saúde no contexto dos CP precisa estar alinhada. Ao assistir o paciente em CP, abarcam-se questões intrínsecas à condição humana, como a subjetividade da dor, o significado do sofrimento/perdão, a diversidade cultural, a ética, a individualidade do ser cuidado e suas questões emocionais, psicológicas, políticas, sociais, espirituais, entre outras, que se inter-relacionam em interações contínuas em contextos dessa natureza.
Dentre as possíveis facilidades da aprendizagem em CP na prática clínica, pesquisa realizada com estudantes portugueses e brasileiros identificou o apoio prestado por professores e outros profissionais com relação ao conhecimento previamente adquirido em CP e à assistência interprofissional(2020 Minosso J, Martins M, Oliveira M. Palliative care in undergraduate nursing education: a mixed-methods study. Rev Enf Referm. 2022;6(1):1-8. https://doi.org/10.12707/rv21060
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).
Entende-se serem muitos os desafios presentes no ensino dos CP na formação do enfermeiro, e um deles refere-se à sobrevalorização do modelo biomédico, sempre evidenciado por outros estudos(2020 Minosso J, Martins M, Oliveira M. Palliative care in undergraduate nursing education: a mixed-methods study. Rev Enf Referm. 2022;6(1):1-8. https://doi.org/10.12707/rv21060
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). De fato, percebe-se uma sobrevalorização do modelo curativista na formação em saúde, com o estudo das patologias visando unicamente à cura; todavia, esse conceito educacional requer reformulação, com vistas a suprir as necessidades humanas em sua integralidade(22 Ribeiro BS, Coelho TO, Boery RNSO, Vilela ABA, Yarid SD, Silva RS. Ensino dos cuidados paliativos na graduação em enfermagem do Brasil. Enferm Foco. 2019;10(6):131-6. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.2786
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).
Nesse sentido, reforçando o pensamento dos princípios da recursividade organizacional e hologrâmico de Morin, ressalta-se que o mundo é visto em sua totalidade, interconectado, e não como soma de partes separadas. Portanto, a complexidade integra o modo de pensar e se opõe à redução de partes ou ao mecanicismo do pensamento cartesiano. É com base nessa distinção - formação a partir da perspectiva complexa versus pensamento cartesiano - que pode-se compreender o princípio dialógico, responsável por associar dois termos ao mesmo tempo complementares e antagônicos, e assumir racionalmente a associação de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.).
Por essa razão e no contexto dessa natureza, Morin questiona a forma como a educação vem sendo construída, a partir de um paradigma da ciência positivista que, ao estabelecer uma relação única de causa e efeito, reduz, separa e simplifica o conhecimento. Constata-se uma inadequação entre os saberes escolares, separados em disciplinas, e que os problemas e desafios da humanidade são complexos, transdisciplinares, multidimensionais, globais e planetários(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.).
Em um outro desafio, apresentado pelos gestores educacionais deste estudo, vê-se uma formação docente insuficiente no ensino dos CP. Para eles, há a preocupação de como transmitir conhecimentos dentro de uma estrutura social hierarquizada, mas, ao mesmo tempo, em permanente transformação. Reconhece-se ser um grande desafio lidar com novos saberes exigidos da sociedade moderna, mas que contribuirão para os novos saberes na educação do futuro. Para tanto, é preciso fazer a reforma do pensamento articular e organizar os conhecimentos e, assim, reconhecer e conhecer os problemas do mundo(2121 Morin E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3ª ed. São Paulo: Cortez, Brasília; 2001.).
Assim, partindo-se dessa compreensão, vê-se que as experiências isoladas e bem-sucedidas têm sido analisadas em todo o mundo, estando em consonância com as potencialidades identificadas nesse estudo, e servem de inspiração para o ensino dos CP na formação do enfermeiro. Como exemplo, cita-se um estudo(2222 Valenzuela VA, Folch AA, Bou EJ, Fernández YZ, Eroles TS, Salas MP. Adquisición de conocimientos en cuidados paliativos mediante un plan de estudios transversal en enfermería. Enferm Glob. 2020;19(59):322-44. https://doi.org/10.6018/eglobal.402691
https://doi.org/10.6018/eglobal.402691...
) que descreve uma experiência exitosa de implantação de um currículo pioneiro e inovador, o qual transmite o conhecimento em CP de forma transversal, por meio da teoria e da prática clínica em ambientes de saúde, culminando em sua formação com a conclusão de uma disciplina obrigatória no quarto ano do curso.
Também a modalidade de ensino, via extensão acadêmica, foi mencionada com entusiasmo e potencialidade para o ensino em CP. Nessa perspectiva, acredita-se que a participação dos estudantes de graduação em enfermagem em projetos dessa natureza favoreça a formação de sujeitos capazes de reconhecer e intervir em problemas reais, em busca de transformações sociais que libertam e transformam seu campo de atuação(2323 Viana GKB, Silva HA, Lima AKG, Lima ALA, Mourão CML, Freitas ASF, et al. Intervenção educativa na equipe de enfermagem diante dos cuidados paliativos. J Health Biol Sci. 2018;6(2):165-9. https://doi.org/10.12662/2317-3076jhbs.v6i2.1458.p165-169.2018
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). Conforme Morin, o conhecimento progride não por sofisticação, formalização e abstração, mas, sobretudo, pela capacidade de contextualizar e englobar. Assim, o conhecimento pertinente é capaz de situar qualquer informação em seu contexto(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.).
Em consonância à essa reflexão, Morin destaca em “uma cabeça bem-feita” o significado de que, ao invés de acumular o saber, o mais importante é dispor de uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas, ligar os saberes e lhes dar sentido. Logo, a educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas. Para tanto, é necessário encorajar, instigar a capacidade interrogativa e orientá-la para os problemas fundamentais da nossa época(1717 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003.).
As evidências(1919 Stokman AI, Brown SL, Seacrist MJ. Baccalaureate nursing students' engagement with end-of-life curriculum: a grounded theory study. Nurse Educ Today. 2021;102:104914. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2021.104914
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2021.1049...
,2424 Carvalho KK, Lerch-Lunardi V, Silva PA, Schäfer-Vasques TC, Coelho-Amestoy S. Educational process in palliative care and the thought reform. Invest Educ Enferm. 2017;35(1):17-25. https://doi.org/10.17533/udea.iee.v35n1a03
https://doi.org/10.17533/udea.iee.v35n1a...
-2525 Kriebel-Gasparro A, Doll-Shaw M. Integration of Palliative Care Into a Nurse Practitioner DNP Program. Fac for fac. 2017;13(8):383-8. https://doi.org/10.1016/j.nurpra.2017.04.011
https://doi.org/10.1016/j.nurpra.2017.04...
) comprovam os benefícios da educação em CP como: melhorias significativas relacionadas ao conhecimento e compreensão da temática; atitude e confiança; rupturas e a concepção de novas formas de pensar e cuidar em sintonia com os princípios dos CP; desenvolvimento de habilidades e atitudes inerentes aos CP; percepção da importância da interdisciplinaridade, equilíbrio emocional, humanização da assistência, reflexões a respeito da vida e morte e dos valores pessoais.
Limitações do estudo
Ressalta-se como limitação o cenário pesquisado, não podendo, talvez, seus resultados serem generalizados para todas as IES de enfermagem do país. Outra limitação foi a população investigada ter sido apenas com os coordenadores de enfermagem (mesmo sendo todos eles também docentes), não abrangendo os demais docentes e estudantes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem nos cursos de graduação em enfermagem. Destaca-se, nas investigações literárias realizadas, a ausência de estudos que tenham realizado este tipo de pesquisa com os coordenadores de enfermagem, configurando-se, talvez, como inovadora na área do ensino de enfermagem.
Contribuições para as áreas da enfermagem, saúde ou políticas públicas
O presente estudo contribui como fomento para as transformações necessárias do ensino de CP no processo de formação em enfermagem, em especial no contexto pesquisado, e direciona para mais investimentos em pesquisas, debates, sugestões para o ensino da temática que sejam capazes de mudar a realidade identificada diante da atual importância do tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática sobre CP ainda é abordada de forma incipiente e fragmentada na formação do enfermeiro generalista e, algumas vezes, está presente apenas como um dos conteúdos dentro de outros componentes curriculares. Trata-se de uma realidade emitida por todos os coordenadores de cursos de enfermagem pesquisados e que sinaliza um desafio a ser perseguido pelos reformuladores e gestores dos currículos de enfermagem, haja vista o atual perfil epidemiológico que se apresenta no Brasil.
O pensamento complexo de Edgar Morin pode contribuir para a formação dos enfermeiros em CP, pois compreende o homem como ser complexo e articula todo conhecimento (religação dos saberes) inerente ao processo de formação em saúde e ao cenário dos CP.
Como recomendação, sugere-se a inserção do conteúdo de forma transversal ao longo da formação do enfermeiro, associado às experiências práticas em cenários reais e não controlados, assim como a criação de componentes curriculares específicos, atividades de pesquisa e extensão universitária e atividades práticas com ênfase na interdisciplinaridade que considerem em suas abordagens a essência do cuidar inerente à profissão.
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Editado por
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
05 Ago 2022 -
Aceito
12 Fev 2023