A mudança organizacional planejada para transformação do atendimento ao trabalhador acidentado com material biológico

RESUMO

Objetivos:

descrever a avaliação do atendimento aos casos de acidentes ocupacionais com material biológico, na perspectiva do trabalhador acidentado, antes e após uma intervenção para mudança organizacional planejada.

Métodos:

pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, realizada com trabalhadores acidentados com material biológico atendidos em um serviço de referência que passou por uma intervenção baseada na mudança organizacional planejada. Dados coletados por meio da técnica do incidente crítico e analisados à luz da análise de conteúdo.

Resultados:

participaram do estudo vinte trabalhadores acidentados divididos em dois grupos, nas fases pré e pós-intervenção. Das falas, emergiram categorias referentes a melhoria das orientações, redução do tempo, organização do processo, qualificação da documentação e profissionalismo na realização do atendimento.

Conclusões:

a investigação permitiu aos acidentados visualização das mudanças ocorridas na gestão do atendimento em caso de acidente com material biológico, além disso, houve o reconhecimento acerca do percurso metodológico adotado que permitiu a participação ativa dos envolvidos.

Descritores:
Enfermagem; Exposição a Agentes Biológicos; Estudos de Intervenção; Avaliação; Inovação Organizacional

ABSTRACT

Objectives:

to describe the evaluation of the service offered in cases of occupational accidents involving exposure to biological material, from the perspective of the exposed workers, before and after an intervention to obtain planned organizational change.

Methods:

descriptive study with a qualitative approach, carried out with workers exposed to biological material who received care at a reference service that was submitted to an intervention based on planned organizational change. Data were collected by using the critical incident technique and analyzed from the perspective of content analysis.

Results:

twenty exposed workers participated in the study and were split into two groups in the pre- and post-intervention phase. Categories regarding improvement in the guidance they received, reduction in the time they waited once they got to the facility, organization of the process, documentation qualification, and professionalism in carrying out the assistance emerged from the workers’ accounts.

Conclusions:

the present study allowed the exposed workers to visualize the changes that happened in the care management in case of accidents involving biological material. Additionally, there was the recognition of the adopted methodological path, which allowed the active participation of the people involved.

Descriptors:
Nursing; Exposure to Biological Agents; Intervention Studies; Evaluation; Organizational Innovation

RESUMEN

Objetivos:

describir la evaluación de la atención de casos de accidentes laborales con material biológico desde la perspectiva del accidentado, antes y después de una intervención de cambio organizativo planificado.

Métodos:

investigación descriptiva, de abordaje cualitativo, realizada con trabajadores accidentados con material biológico atendidos en servicio de referencia donde ocurrió una intervención de cambio organizativo planificado. Datos recolectados mediante técnica del incidente crítico, analizados según análisis de contenido.

Resultados:

participaron del estudio veinte trabajadores accidentados, divididos en dos grupos en fases preintervención y postintervención. De sus testimonios emergieron categorías referentes a mejora de sugerencias, reducción del tiempo, organización del proceso, calificación de la documentación y profesionalismo en la atención.

Conclusiones:

el estudio permitió que los accidentados observaran los cambios realizados en la gestión de la atención en casos de accidentes con material biológico. Además, recibió reconocimiento la trayectoria metodológica adoptada, que permitió la participación activa de los involucrados.

Descriptores:
Enfermería; Exposición a Agentes Biológicos; Estudios de Intervención; Evaluación; Innovación Organizacional

INTRODUÇÃO

Os acidentes ocupacionais envolvendo material biológico consistem em uma realidade preocupante, tendo em vista a possibilidade de ocasionar sérias consequências aos trabalhadores acidentados, como a possibilidade de soroconversão^(1-2) e alterações psicoemocionais e sociais^(3-4). Conhecimentos divulgados em pesquisas sobre o tema oferecem subsídios para desenvolver-se um padrão-ouro para o atendimento eficaz a esses trabalhadores.

Esse atendimento exige uma organização mínima do processo de trabalho que inclui infraestrutura para o atendimento, recursos materiais (medicações, vacinas e exames) e humanos, que possibilitem conhecimento técnico-científico para a tomada de decisões⁽⁵⁾.

Uma equipe interdisciplinar altamente qualificada pode fazer a diferença no atendimento ao trabalhador acidentado, especialmente, por avaliar adequadamente a pessoa-fonte (se conhecida), solicitar agilmente os testes sorológicos necessários e indicar a quimioprofilaxia, quando indicada, além de aconselhar, notificar e acompanhar o desfecho do tratamento⁽⁵⁾.

Apesar da importância estratégica da gestão do acidente com material biológico como forma de atender adequadamente trabalhadores vítimas de acidentes, a literatura parece negligenciar essa importante discussão. Em revisão realizada, a maior parte dos estudos referentes ao tema se restringia à caracterização dos acidentes, dos próprios trabalhadores acidentados^(1,6-8), dos fatores associados à ocorrência desses^(9-10) e das consequências geradas^(1-4,11).

Estudos reconheceram a importância do atendimento adequado aos trabalhadores acidentados com material biológico^(2,12), porém não foram encontradas pesquisas que tenham investigado a gestão do processo de atendimento considerando os envolvidos, as circunstâncias, a estrutura e a forma de condução do processo visando ao atendimento qualificado, o que se apresentou como uma lacuna a ser desvelada por esse estudo.

Diante das evidências, foi desenvolvida uma intervenção com vistas a propor mudanças na gestão do atendimento a trabalhadores acidentados com material biológico. Esse processo envolveu mudanças nos aspectos organizacionais, de formação dos profissionais que atuam nos locais que atendem esse público, na avaliação da qualidade e do gerenciamento do serviço. Entre as formas de avaliar as mudanças advindas dessa intervenção, foi proposto este estudo.

OBJETIVOS

Descrever a avaliação do atendimento aos casos de acidentes ocupacionais com material biológico, na perspectiva do trabalhador acidentado, antes e após uma intervenção para mudança organizacional planejada.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Doenças Tropicais, protocolo nº 046/2009, com adendo em 2013 sob protocolo 390.639/2013, em atenção aos aspectos ético-legais preconizados para pesquisas envolvendo seres humanos, nos termos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Desenho do estudo

Pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa⁽¹³⁾, desenvolvida entre os anos de 2014 e 2015, em uma capital da região Centro-Oeste brasileira. Tendo em vista o tipo do estudo, o seu desenvolvimento foi norteado pelos princípios do guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups.

A investigação foi realizada antes e após o desenvolvimento de uma intervenção fundamentada no modelo da Mudança Organizacional Planejada (MOP)^(14-17), visando ao aperfeiçoamento do atendimento ao acidentado com material biológico. Esse modelo é baseado no forte compromisso dos participantes do estudo com o processo de mudança⁽¹⁶⁾. A valorização da experiência dos profissionais e a busca do seu compromisso com a implementação das mudanças são características da MOP que levaram à sua escolha como modelo para a intervenção^(16-17).

A intervenção foi conduzida em um serviço de referência para o atendimento aos trabalhadores acidentados com material biológico, a partir das etapas previstas na MOP, no decorrer de 15 meses. Na fase do descongelamento, houve a realização de um grupo focal com os profissionais-chave do serviço, com o objetivo de nucleação e diagnóstico situacional. Na ação, foram realizados dois grupos focais com vistas à elaboração do fluxograma de atendimento ao acidentado com material biológico e à construção das propostas para o aprimoramento. A partir disso, realizaram-se 21 encontros grupais para capacitação de todos os profissionais que atuavam na unidade, dos recepcionistas aos prescritores. A última fase referente ao recongelamento foi a oportunidade de monitoramento e avaliação dos profissionais acerca da capacitação realizada, sendo feita imediatamente após os encontros grupais e após cinco meses da realização destes.

Importante mencionar que este manuscrito se refere à perspectiva dos usuários acerca de todo trabalho realizado, previamente e posteriormente à intervenção.

Participantes

Os participantes do estudo consistiram de 20 trabalhadores vítimas de acidente com material biológico e que foram atendidos no serviço de referência em estudo. Considerando a natureza qualitativa da investigação, os participantes constituíram-se das pessoas que foram atendidas antes e depois da realização da intervenção, com o objetivo de melhorar o atendimento ao acidentado com material biológico. A intenção, no caso, era ter a visão dos usuários do serviço como referência às propostas de melhoria no atendimento, como uma das formas de avaliação do impacto das mudanças implementadas.

Critérios de seleção

Para os critérios de inclusão dos participantes, foram considerados os trabalhadores que sofreram acidente com material biológico, antes e após a realização da intervenção no serviço de referência. Por se tratar da avaliação de um atendimento ao acidentado com material biológico, os participantes da fase pré-intervenção eram distintos dos da fase pós-intervenção. Estes foram localizados por meio de ficha de registro no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) e por atenderem à busca telefônica em até três tentativas. Ressalta-se que não houve recusas.

Os participantes foram identificados pelas fichas de investigação de acidente de trabalho com exposição a material biológico, disponibilizadas pelo CEREST e contatados por ligação telefônica, momento em que foram convidados a participar da investigação e solicitada a devida autorização. A busca teve início do caso mais atual para o mais antigo, considerando a data da notificação e o limite de um ano da ocorrência do acidente. Essa estratégia teve como fundamento o fato de buscar pessoas que tivessem preservada a memória do acidente.

Coleta de dados

A coleta dos dados ocorreu em dois momentos: no primeiro trimestre de 2014, antes da intervenção, e no terceiro trimestre de 2015, cinco meses após o término da intervenção e implementação da mudança da gestão do atendimento. Após anuência verbal, foi acordado local e horário de preferência para realização de uma entrevista semiestruturada que teve duração média de quarenta minutos, conduzida por meio da Técnica do Incidente Crítico (TIC)⁽¹⁸⁾. Todos os entrevistados receberam informações quanto a objetivos e metodologia da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

O instrumento de coleta de dados constou de um roteiro semiestruturado que continha duas partes, sendo a primeira referente ao perfil profissiográfico. A segunda, baseada na TIC, constava de questões norteadoras relacionadas a situação, comportamento e consequência relacionados ao momento do atendimento e a avaliação da experiência vivida, abordando as condutas dos profissionais que atenderam o acidentado. Na condução da entrevista, realizada pelo próprio pesquisador, foi garantida a identificação dos três elementos que caracterizam o incidente crítico: situação, comportamento e consequência⁽¹⁸⁾.

A escolha da TIC, nesse estudo, fundamentou-se na potência dos incidentes críticos para contextualizar determinadas situações, particularmente útil na avaliação pretendida, tanto na pesquisa quanto na identificação dos efeitos da intervenção realizada. Como interessava a análise qualitativa do relato de acordo com a TIC, a coleta foi encerrada mediante a saturação teórica dos dados⁽¹⁹⁾, a qual considera que “uma amostra qualitativa ideal é a que reflete, em quantidade e intensidade, as múltiplas dimensões de determinado fenômeno e busca a qualidade das ações e das interações em todo o decorrer do processo”. Assim, esse princípio considera a análise do pesquisador diante dos dados e a avaliação de que incluir novos participantes não contribuirá para o aperfeiçoamento da reflexão.

Análise dos dados

Considerando a natureza qualitativa dos dados gerados, procedeu-se à análise descritiva, bem como à análise de conteúdo, modalidade temática, na qual se realiza, inicialmente, uma leitura flutuante do material para extrair as ideias centrais, posteriormente, identificam-se os núcleos de sentido e, por fim, as categorias temáticas dos dados⁽²⁰⁾. Para sistematizar o processo de análise e realizar o gerenciamento dos dados textuais, foi utilizado o software ATLAS ti.

Os dados foram identificados por código específico, a partir das letras iniciais da profissão, seguidas pela ordem de realização da entrevista. Na fase pré-intervenção, teve-se ENF1- enfermeiro, entrevista 1; INST2, INST7- instrumentadores, entrevistas 2 e 7; TE3, TE4, TE5, TE6, TE8, TE9, TE10- técnicos em enfermagem, entrevistas 3, 4, 5, 6, 8, 9 e 10; e, na fase pós-intervenção, TE1, TE2, TE3, TE5, TE6, TE8, TE9, TE10- técnicos em enfermagem, entrevistas 1, 2, 3, 5, 6, 8, 9, 10; ASG4- auxiliar de serviços gerais, entrevista 4; TL- técnica de laboratório, entrevista 7.

RESULTADOS

Participaram do estudo 20 trabalhadores que se acidentaram com material biológico, os quais foram divididos em dois grupos, sendo dez participantes na fase pré e dez, na fase pós-intervenção. Em relação ao perfil profissiográfico dos participantes da primeira parte do estudo, a maioria (nove) era de mulheres, dessas, cinco casadas, seis possuíam filhos. Em relação à profissão, sete eram técnicos em enfermagem, uma, enfermeira e duas, instrumentadoras cirúrgicas, com tempo de formação e exercício menores que dez anos. Sete informaram já ter recebido orientações sobre biossegurança. Oito pessoas informaram já ter sofrido outro acidente no decorrer da carreira, e apenas cinco relataram conhecimento do fluxograma de atendimento. Todos realizaram a notificação no mesmo dia do acidente.

Na fase pós-intervenção, todas as entrevistadas eram do sexo feminino, dessas, quatro solteiras, quatro casadas e seis não possuíam filhos. Em relação à profissão, oito eram técnicas em enfermagem, uma era estudante de graduação em enfermagem e uma, auxiliar de serviços gerais. Seis participantes possuíam tempo de formação menor que 10 anos, e oito tiveram tempo de exercício profissional também menor que 10 anos. As dez participantes informaram já ter recebido orientações sobre biossegurança, sete afirmaram que não haviam sofrido outro acidente no decorrer da carreira, e também sete conheciam o fluxograma de atendimento previamente ao acidente.

A leitura em profundidade e análise do material derivado das entrevistas permitiram a organização dos dados em categorias que descreveram, na perspectiva dos trabalhadores acidentados, sua avaliação do atendimento pós-acidentes com material biológico. Essa leitura foi feita em dois momentos, nas fases pré e pós-intervenção, para mudança na gestão desse processo. Os relatos que sustentam essa análise foram ilustrados no Quadro 1.

Quadro 1
Avaliação pré e pós-intervenção do atendimento ao acidentado com material biológico, sob a avaliação dos próprios trabalhadores acidentados, Goiânia, Goiás, Brasil, 2015

Categoria	Avaliação pré-intervenção	Avaliação pós-intervenção
Orientação no decorrer do atendimento	Colhi o sangue e elas falaram, você pode trazer aqui (...) ou você pode, se quiser, levar no hospital mesmo (...) Eu já estou fazendo o acompanhamento aqui e não pediram para eu dar retorno no CEREST, nada. (E1) A enfermeira não me deu nenhuma orientação (...) Eu não recebi nenhuma outra orientação lá a não ser ir no centro de referência. (INST2) Eu não liguei no CRDT (Centro de Referência em Diagnóstico e Tratamento) ainda não, isso eu não fiz não. Ele não me falou com quanto tempo eu ligaria lá (...) mas ele não me falou de acompanhamento. (TE3) Não sabia que tinha que agendar a consulta e ninguém me falou quem ia agendar. (TE6)	Depois do atendimento eu tive esclarecimento, eu aprendi com isso. A própria enfermeira me esclareceu muita coisa que até então desconhecia. Falou sobre os cuidados e o passo-a-passo que devo fazer. Agora eu sei orientar, quando precisar, me orientaram sobre tudo, inclusive aprendi, caso precise de novo. (TE2) Primeiro a recepcionista já chamou uma enfermeira que foi me orientar, fazer o cadastro, como tudo aconteceu (...) eu considerei que a enfermeira me orientou certo. (TE5) As pessoas que me atenderam eram capacitadas e tinham conhecimento para fazer as orientações. (TL7)
Tempo e organização para a realização do atendimento	O atendimento demorou demais, quando a gente chegou lá a gente ficou esperando mais de uma hora para ser atendido. (INST2) Eu falei para a recepcionista que era acidente com material biológico, quando a gente chegou, falamos de imediato o que tinha acontecido, aí ela falou vai lá para aquele posto e fala com a enfermeira (...) fui para o atendimento médico que demorou também, uns quarenta minutos, quase uma hora. (INST2) Essa experiência resultou que eu não volto por causa da demora. (INST2)	Depois que eu fui encaminhada para o médico de plantão foi tudo muito rápido não fiquei nem uma hora lá para resolver tudo. (TE1) Lá eles fazem direitinho tudo que tem que fazer, atendem bem, dão muita prioridade para acidente biológico, por isso é bom, quando você fala que é, vai automático, já te mandam para dentro. A enfermeira é bem rápida na entrevista e já te manda para o laboratório, parece que é tudo sequência, senti que é organizado nessa questão sim. (TE8) Falei que era acidente de trabalho e como estava trocando plantão estava meio tumultuado, pediu para eu aguardar (...) Cheguei as 19h na recepção, eles me atenderam mais ou menos, 20:30h, eu acho que foi por causa da troca de plantão. (TE5)
Documentação relacionada ao atendimento	Ele me disse que tinha que ir ao centro de referência, mas não me deu nenhum papel só falou que eu tinha que procurar. (TE6) Eles falaram para fazer o acompanhamento com infectologista, agora eu não sei quanto tempo, não lembro. Eles falaram onde é, mas também não lembro. (TE8)	Me avaliaram, tanto a enfermeira quanto a médica e me deram uma folha informando para eu acompanhar e outros exames. (TE2) A enfermeira que fechou meu caso me deu um papel que está na minha mochila, me deu a orientação de passar pelo centro de referência, no infectologista. (TE3) Depois do laboratório eu peguei um papel falando que tinha que ir fazer o acompanhamento. Eles me deram esse papel e todas as orientações, além do papel para eu pegar o resultado do exame. (TE8)
Profissionalismo na realização do atendimento	Eu achei a experiência negativa, péssima, nota zero, atribuída à demora, falta de profissionalismo e falta de educação dos profissionais em geral, todos. (INST2) Quando eu fui pegar o exame foram muito grossas comigo, sabe aquelas pessoas antigas de casa, acho que concursadas que deviam estar longe do paciente, pois é, foi assim que me atenderam no laboratório. (INST7) Ficou a parte do médico, a ficha ficou pra trás, acho que esqueceram de me trazer. (TE6)	Fui muito bem acolhida me deram todas as orientações. (TE2) Foi muito bom o atendimento na unidade. (TE10) Fui bem atendida. (TE6) Eles me atenderam bem (...) um atendimento bom, eles tranquilizam, conversam. (TE8) Foi bem receptivo e considerei bem atendida, tranquilo. (TE9)

Além das mudanças pontualmente identificadas pelos usuários relacionadas aos problemas identificados nas fases pré e pós-intervenção, expostas no Quadro 1, outros aspectos foram apontados como mudanças decorrentes da intervenção.

O Quadro 2 ilustra mudanças evidenciadas, em decorrência da intervenção, que foram relacionadas, especialmente, a quatro aspectos. O primeiro mostra o impacto da capacitação de toda equipe a fim de que se comprometessem com o atendimento. O segundo mostra os reflexos da mudança da forma de interação da equipe que atua no laboratório, no processo do atendimento. O terceiro destaca a adequação do atendimento ao fluxograma de atendimento aos trabalhadores acidentados com material biológico, e o quarto ressalta a importância da entrega dos exames diretamente para o profissional responsável pelo atendimento. As descrições referentes a esses aspectos são apresentadas no Quadro 2.

Quadro 2
Mudanças evidenciadas pelos trabalhadores acidentados com material biológico sobre o atendimento prestado, após a intervenção, Goiânia, Goiás, Brasil, 2015

Categoria	Falas representativas
Mudança de atitude da equipe: compromisso e responsabilidade	O acidente ocorreu por volta das 18 horas, eu cheguei no plantão noturno. Lá estava fechado para o público, só atendendo acidente e emergência, SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e corpo de bombeiros. Apesar de não estar aberto para público, o profissional me atendeu normal e rápido. (TE1) Fui na recepção, falei que era acidente com material biológico, eles imediatamente me encaminharam para uma enfermeira. Ela disse que precisava do sangue da paciente, ligou para pedir o sangue, me colocou na sala dela e foi prestando todo atendimento, tudo que fosse necessário. (TE2) A recepção me passou direto só dei meu nome e identidade. (ASG4) Eu cheguei lá e a recepcionista me passou direto, inclusive tinha uma senhorinha que estava lá e a recepcionista falou com ela, só um minutinho senhora, ela é acidente com material biológico e tem prioridade. (TL7) Lá dentro a enfermeira coletou mais dados ainda, já passou para o laboratório, me acompanhou o tempo todo até para fazer os testes rápidos, me passou para fazer a consulta com a médica para ela me avaliar. (TE9)
Integração do laboratório no atendimento	A profissional que me atendeu me encaminhou para laboratório para eu coletar sangue, no laboratório foi bem rapidinho tudo normal, não teve demora. (TE1) No laboratório aconteceu uma confusão de documentação, tinha uma senhora muito gente boa que falou, minha filha vou te ajudar, nem lembro o nome dela já pegou uma ficha e foi preenchendo meus dados, porque eu sabia meu RG (Registro Geral) decorado, meu CPF (Cadastro de Pessoa Física) e eu só estava com o crachá do hospital. (TE5)
Realização do atendimento conforme proposta do fluxograma	Lá conversei com enfermeira, fui ao laboratório tirou o sangue e fui à médica e depois na enfermeira que me deu um papel. Eles me encaminharam para o centro de referência. (ASG4) Depois que eu fui ao médico, eles dois (médico e enfermeira) conversaram lá e disseram para mim que eu estava liberada. (TE5)
Entrega do teste rápido da fonte diretamente para o responsável pelo atendimento	O resultado do teste rápido peguei lá na hora com enfermeira. (TE1) O laboratório entregou direto o resultado e a enfermeira me chamou para falar o resultado que tinha dado. (TE5) A gente dentro do consultório, o exame já chegou. (TE9)

DISCUSSÃO

Estudos na área da saúde, especialmente em enfermagem, demonstram que, em nível mundial, há predomínio de indivíduos do sexo feminino atuando nessa profissão^(7-8,21). Essa foi uma variável apresentada como estatisticamente significativa para a ocorrência de acidentes envolvendo material biológico⁽⁸⁾. Na enfermagem, é alta a prevalência de exposição a esse tipo de acidentes^(7,21-22).

Das categorias apresentadas no Quadro 1, a primeira se referiu às mudanças na “Orientação no decorrer do atendimento” que foram avaliadas positivamente pelos participantes do estudo, uma vez que as orientações recebidas em relação ao acidente foram esclarecidas, especialmente sobre o que fazer nesses casos e as medidas a serem tomadas. Estudo ressaltou a importância de os trabalhadores serem conscientes de seus direitos e responsabilidades diante das medidas pré e pós-exposição, visando à sua segurança e saúde⁽⁸⁾.

O primeiro atendimento é considerado uma emergência e deve ocorrer em local adequado, com privacidade e sem julgamentos. Em sua análise, é preciso identificar atitudes de risco, como o excesso de carga de trabalho, a disponibilidade e o uso de equipamento de proteção individual, e o manuseio de instrumentos perfurocortantes com dispositivos de segurança⁽⁵⁾.

Nesse momento, orientações precisas devem ser fornecidas, como o fluxograma de atendimento, os possíveis resultados sorológicos e o acompanhamento clínico-laboratorial. Quando essa etapa é banalizada, todo o processo fica comprometido, incluindo-se o encerramento do caso⁽¹²⁾. Exemplo dessa situação pode ser encontrado nos resultados do presente estudo, durante a fase pré-intervenção, na qual os trabalhadores acidentados mostraram insegurança sobre o modo de agir, inclusive, resultando no abandono ou desistência do tratamento. Ao contrário, os achados da fase pós-intervenção sinalizaram o quanto o acolhimento é importante. Pesquisa realizada na Tailândia destacou condutas pós-exposição inadequadas e os impactos vivenciados pelos trabalhadores acidentados, ressaltando a importância do treinamento efetivo pós-exposição⁽¹¹⁾.

Apesar da necessidade e da relevância do atendimento e acompanhamento ao acidentado com material biológico, estudos nacionais e internacionais apontaram que há poucas unidades que oferecem estrutura adequada para realizar essa atividade, além disso, também assinalaram a negligência sobre o tema em programas de educação permanente^(7-8,23-24).

Embora documentos oficiais em nível mundial e nacional disponibilizem atualizações para orientar os profissionais que atuam na assistência e na gestão do atendimento e acompanhamento ao acidentado com material biológico, pesquisas ressaltaram a importância de diretrizes e protocolos de monitoramento e avaliação dos trabalhadores acidentados^(22,25).

O “Tempo e a organização para a realização do atendimento” foi outra categoria em que os dados apontaram evidências de que a reorganização e a agilidade do processo de atendimento, após a intervenção, tornaram o atendimento mais eficiente, mesmo atendendo a uma proposta do fluxo detalhada, desde a recepção até a consulta final.

Essa agilidade no atendimento pode ser o diferencial para a tomada de decisão do trabalhador acidentado entre buscar o atendimento e seguir as recomendações ou omitir o ocorrido^(10,26). O tempo de duas horas para a avaliação do acidente e o início da quimioprofilaxia, se indicada, deve ser considerado padrão-ouro nesse atendimento⁽⁵⁾.

A terceira categoria ilustra que a “Documentação relacionada ao atendimento” pode se constituir um obstáculo, quando não está completa e/ou organizada. Esse aspecto pode trazer consequências tanto para o trabalhador acidentado quanto para o profissional que o atende, como evidenciado nos achados relacionados à fase pré-intervenção (Quadro1). Esse fato chamou a atenção, pois envolve questões legais relacionadas às partes envolvidas, além de infringir pressupostos relacionados à saúde e segurança no trabalho, em especial, o acidente envolvendo material biológico, que se constitui em um agravo de notificação compulsória previsto na legislação⁽⁵⁾.

Pesquisa com o objetivo de identificar a taxa de subnotificação de acidentes com material biológico pela equipe de enfermagem e os motivos referidos para a subnotificação identificou a burocracia e a demora no preenchimento dos documentos como justificativas para a não notificação^(9,21,27-28). Essa percepção demonstra o desconhecimento em relação ao real significado da notificação de um acidente com material biológico, que vai além de estatísticas e que interfere diretamente na saúde do trabalhador e nas questões trabalhistas⁽⁵⁾.

Vale destacar, nos achados, que os trabalhadores reconheceram a importância dos documentos e avaliaram as orientações fornecidas pelos profissionais responsáveis pelo atendimento como importantes para a continuidade do tratamento, o que sabidamente favorece o cumprimento da normatização existente e a segurança dos trabalhadores.

O “Profissionalismo na realização do atendimento” foi uma categoria que destacou a importância da postura adequada dos profissionais responsáveis pelo atendimento diante da pessoa que sofreu esse tipo de acidente. A discrepância das falas apresentadas pelos trabalhadores acidentados nas fases pré e pós-intervenção denotou o impacto da intervenção na melhoria da conduta dos profissionais que faziam o seu atendimento. Os achados revelaram que os resultados da intervenção foram positivos e transformadores, principalmente, com atitude mais adequada e proativa dos profissionais do serviço, o que gerou satisfação dos participantes em relação ao acolhimento e à orientação quanto às condutas necessárias para o acompanhamento do acidente e mais clareza quanto ao fluxograma de atendimento.

Tais evidências reforçam a necessidade da qualificação da equipe que fará esse atendimento inicial ao acidentado, momento, muitas vezes, decisivo para a continuidade, ou não, do tratamento. O conhecimento teórico-científico aliado à humanização é imprescindível, em especial, ao se considerarem os sentimentos envolvidos logo após uma exposição, como preocupação, descontrole, medo, desespero, insegurança, susto, estigmatização, ansiedade, baixa confiança e outros^(3,7,29). Um acidente não se limita a consequências de ordem biológica e econômica, também envolve aspectos psicoemocionais, os quais interferem diretamente na qualidade de vida e causam estresse ao trabalhador, à família e aos colegas de trabalho.

Os resultados ilustrados no Quadro 2 evidenciaram aspectos específicos de que a intervenção foi mais exitosa na produção de mudanças na gestão do atendimento ao acidentado com material biológico. A mudança de atitude da equipe, a integração dos setores envolvidos, a utilização do fluxograma e a entrega de exames foram pontos salientados pelos trabalhadores que utilizaram o serviço após o processo de mudança.

Em relação à “Mudança de atitude da equipe: compromisso e responsabilidade”, todos os membros da equipe, inclusive aqueles que atuam na recepção, passaram a adotar condutas conforme o estabelecido no protocolo desenvolvido com a equipe durante a intervenção. Pesquisa⁽³⁰⁾ apontou que o treinamento e a educação relacionada à exposição a material biológico devem ser adaptados de acordo com os profissionais envolvidos no atendimento e acompanhamento.

Os achados relacionados a essa categoria reforçaram ainda a ideia de que a compreensão da equipe sobre os riscos que envolvem os acidentes com material biológico e a urgência do atendimento dos trabalhadores acidentados com rigor são aspectos fundamentais em processos de mudança e aprimoramento dos serviços. Daí a importância em se construir, coletivamente, protocolos de atendimento e fluxogramas adaptados à realidade institucional.

Os dados apontados na categoria “Integração do laboratório no atendimento” reforçaram essa ideia, pois ressaltaram a satisfação dos participantes, após a intervenção, com a integração do laboratório no fluxo de atendimento. Este foi apontado como um aspecto dificultador antes da mudança no processo de atendimento (Quadro1).

Os dados que fundamentaram a terceira categoria “Realização do atendimento conforme proposta do fluxograma” e a quarta “Entrega do teste rápido da fonte diretamente para o responsável pelo atendimento” evidenciaram a incorporação do fluxograma à prática e a alteração da entrega do resultado do teste rápido. Esses dois fatores demonstraram aprimoramento na organização da gestão e da assistência, o qual foi reconhecido pelos trabalhadores acidentados.

Considerando os resultados obtidos em todas as categorias elencadas no estudo que apresentaram mudanças em relação ao processo de atendimento ao acidentado com material biológico, percebe-se a influência do uso da MOP^(16-17), pois esta favorece esse tipo de postura e compromisso por parte dos envolvidos. Há de se ressaltar que essas mudanças foram possíveis em decorrência da forma de planejamento e metodologia proposta na intervenção que é reconhecidamente apontada, em estudos, como capaz de promover transformações em diferentes contextos^(16-17,31).

Limitações do estudo

O desenvolvimento do estudo em apenas uma realidade de atendimento de referência pode se apresentar como possível limitação deste estudo no que se refere a possíveis generalizações dos achados. Entretanto, o rigor e zelo na condução da pesquisa, no que diz respeito às etapas e ao tempo de coleta dos dados pós-intervenção para verificar posteriormente a implementação das mudanças, além de discussão ampliada, foram aspectos que possibilitaram demonstrar inovação quanto à temática.

Contribuições para a área

Os resultados do presente estudo contribuem com respostas a lacunas identificadas na literatura, especialmente, por trazer a perspectiva dos usuários do serviço que ajuda a refletir sobre a prática. De igual forma, sinalizam formas de adequar a conduta da equipe interdisciplinar envolvida no processo de atendimento ao trabalhador acidentado com material biológico, apontando novos direcionamentos para o seu atendimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliar os casos de acidentes ocupacionais com material biológico, sob a perspectiva do trabalhador acidentado, permitiu realizar um diagnóstico de como era feito o atendimento e ainda demonstrar o impacto das mudanças advindas da intervenção baseada na mudança organizacional planejada nesse contexto.

Ao avaliar o atendimento pré e pós-intervenção, os participantes reconheceram que houve melhoria no que se refere às orientações recebidas, à organização e agilidade para a realização da consulta, ao profissionalismo no decorrer do atendimento e ao uso de documentos formais que facilitaram o processo de atendimento. Também foram apontadas mudanças específicas, propostas na fase da intervenção, que abordaram o comprometimento da equipe com o atendimento, a integração da equipe que atua no laboratório no processo, a adequação do atendimento em conformidade com o fluxograma previamente elaborado pelos profissionais do serviço sentinela e a entrega do teste rápido da pessoa-fonte diretamente para o responsável pelo atendimento.

Ao se considerar a dificuldade de se promoverem mudanças no contexto da saúde, caracterizada pela complexidade e pelos conceitos e pré-conceitos arraigados que prejudicam os processos de transformação, esse estudo mostra um avanço importante de qualificação da gestão do atendimento ao acidentado com material biológico, principalmente em uma área tão importante e carente de estudos de intervenção como a da saúde do trabalhador. Aliado a esse fato, outro importante aspecto foi o percurso metodológico adotado pautado na mudança organizacional planejada e na gestão participativa, uma tendência mundial, a fim de integrar o indivíduo ao processo.

• FOMENTO
  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Valladares Broca

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Jul 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  05 Jul 2019
• Aceito
  28 Out 2019