Formação e prática do enfermeiro na gestão da Atenção Primária: perspectivas da Teoria de Schön

RESUMO

Objetivos:

analisar o processo de formação profissional permanente do enfermeiro gestor da Atenção Primária à Saúde na perspectiva da teoria de prática reflexiva, construída por Donald Schön.

Métodos:

trata-se de estudo teórico-reflexivo.

Resultados:

os achados se aplicam à prática do enfermeiro gestor para lidar com os dilemas que se apresentam no cotidiano profissional de acordo com os seus conhecimentos, habilidades e atitudes, ancorados no movimento de reflexão-na-ação, que une o processo de formação permanente e a prática reflexiva, favorecendo o desenvolvimento de competências pertinentes à gestão.

Considerações Finais:

os enfermeiros gestores de saúde, durante seu processo de formação permanente, podem desenvolver competências para atuar efetivamente na Atenção Primária, refletindo na prática e sobre a prática, decidindo sobre a necessidade de permanecer em formação para dar conta das questões advindas dessa mesma prática.

Descritores:
Competência Profissional; Prática Profissional; Gestão em Saúde; Enfermeiras e Enfermeiros; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the process of permanent professional training of Primary Health Care nurse managers from the perspective of reflective practice theory, built by Donald Schön.

Methods:

this is a theoretical-reflective study.

Results:

the findings apply to nurse managers’ practice to deal with the dilemmas that present themselves in the professional routine according to their knowledge, skills and attitudes, anchored in the reflection-in-action movement, which unites the process of permanent and practical training reflective, favoring the development of skills relevant to management.

Final Considerations:

nursing health managers, during their ongoing training process, can develop skills to act effectively in Primary Care, reflecting in practice and on practice, deciding on the need to remain in training to address the issues arising from that same practice.

Descriptors:
Professional Competence; Professional Practice; Population Health Management; Nurses; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivos:

analizar el proceso de formación profesional permanente de los enfermeros que gestionan la Atención Primaria de Salud desde la perspectiva de la teoría de la práctica reflexiva, construida por Donald Schön.

Métodos:

se trata de un estudio teórico-reflexivo.

Resultados:

los hallazgos se aplican a la práctica de las enfermeras gestoras para afrontar los dilemas que se presentan en la rutina profesional de acuerdo a sus conocimientos, habilidades y actitudes, anclado en el movimiento de reflexión-en-acción, que une el proceso de formación continua y práctica reflexiva, favoreciendo el desarrollo de habilidades relevantes para la gestión.

Consideraciones Finales:

los enfermeros que son gestores de salud, durante su proceso de formación permanente, pueden desarrollar habilidades para actuar eficazmente en Atención Primaria, reflexionando sobre la práctica y sobre la práctica, decidiendo la necesidad de permanecer en formación para afrontar las cuestiones derivadas de esa misma práctica.

Descriptores:
Competencia Profesional; Práctica Profesional; Gestión em Salud; Enfermeras y Enfermeros; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

À Atenção Primária à Saúde (APS) são atribuídas as ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação realizada por equipe multiprofissional destinadas à população residente em território definido. É situada no primeiro nível de atenção à saúde, sendo a principal porta de entrada e ordenadora das ações e serviços ofertados na rede de atenção à saúde. A APS será ofertada integral e gratuitamente a todas as pessoas, considerando os determinantes e condicionantes de saúde⁽¹⁾.

O processo de gestão da APS é complexo, o que requer de seus profissionais o desenvolvimento competências singulares, assim como o conhecimento de diversos conteúdos referentes à gestão e à aspectos específicos do setor saúde. Porém, nota-se que os gestores de serviços de saúde nem sempre possuem formação técnica apropriada, tampouco possuem compreensão abrangente acerca da gestão em saúde, reforçando a necessidade de preparo para assumirem esse cargo. Suscitar a prática profissional de gestores é fundamental para se qualificar o cuidado prestado aos sujeitos, bem como para se resolver problemas relacionados à assistência à saúde⁽²⁾.

Outras evidências apontam os enfermeiros na posição administrativa do cuidado e na prática da gestão. O profissional desenvolve ações de assistência e de gerência de forma simultânea, entretanto os resultados demonstram ruptura com o cuidado devido às inúmeras atividades referentes ao gerenciamento no cotidiano do enfermeiro, sugerindo debilidade nesse nível de atenção. Manifesta-se assim, uma realidade contestadora no sentido de se sobrepujar o cuidado fragmentado e centrado no indivíduo/paciente^(2-3).

Tal insatisfação ante este paradigma de fragmentação vem à favorecer a prática reflexiva, uma vez que, no que tange à gestão em saúde, faz-se necessário instigar a reflexividade para circunstâncias e ações imprevisíveis. A prática reflexiva, entendida como um método específico de trabalho, visa assentir que o profissional produza conhecimentos baseado em sua própria prática profissional, em sua realidade⁽⁴⁾.

Entende-se por reflexividade a atenção constante sobre como as circunstâncias empíricas afetam o pesquisador e sua obra, o campo e a vida social, não sendo plausível a ruptura entre o conhecimento produzido de quem o produziu, sendo, portanto, permanente a prática da reflexividade. São inúmeras as derivações do termo reflexão (reflexividade, reflexão prática, pensamento reflexivo, reflexão-na-ação, etc.), e seu entendimento está enraizado em antigas tradições históricas advindas da filosofia e das ciências humanas e sociais^(5-6).

Por meio de uma reflexão sistemática e contínua somos aptos à promover a dimensão formadora da prática. Por meio de um ensino prático-reflexivo somos capazes de desenvolver novas formas de pesquisa sobre a prática e de educação para a prática, a fim de se “criar um momento de ímpeto próprio, ou mesmo algo que se transmita por contágio”⁽⁷⁾.

Sendo assim, mediante a importância de se refletir sobre o processo de formação profissional permanente dos enfermeiros gestores da APS e suas consequências para a assistência, optou-se por ancorar este estudo na relevante teoria da prática reflexiva proposta por Donald Schön, que vem sendo utilizada no desenvolvimento de uma tese de doutorado, da qual este artigo é um recorte.

Tal discussão justifica-se, uma vez que, a abordagem imbricada das temáticas podem subsidiar e dar suporte teórico para avanços no processo de formação permanente do enfermeiro gestor. Os estudos de Schön problematizam as questões relacionadas à teoria-prática no cotidiano profissional, o que, por sua vez, poderá possibilitar uma formação para uma contínua prática reflexiva. A escolha desse referencial se deve à necessária discussão a respeito dos temas “reflexão sobre a prática” e “profissional reflexivo” e sua importância quanto aos aspectos sobre o desenvolvimento de competências na gestão em saúde na atualidade. Parte-se do pressuposto que os enfermeiros gestores, ao agregarem, em sua formação profissional, os conhecimentos a respeito do Sistema Único de Saúde (SUS), da APS e a reflexividade sobre sua prática, serão mais competentes gerencialmente para atuar.

OBJETIVOS

Analisar o processo de formação profissional permanente do enfermeiro gestor da Atenção Primária à Saúde na perspectiva da teoria de prática reflexiva, construída por Donald Schön.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de reflexão, pautado em uma busca bibliográfica acerca da teoria de Donald Schön, com base na obra póstuma de ampla repercussão em nosso país, Educando o Profissional Reflexivo: Um novo design para o ensino e a aprendizagem, que apresenta uma nova perspectiva ao processo ensino-aprendizagem através da interação teoria e prática; desde essa publicação, sua profunda teoria tem sido utilizada de forma inerente ao exercício profissional reflexivo⁽⁷⁾. O estudo foi fundamentado na formulação discursiva em dois momentos: A Formação Profissional do Enfermeiro Gestor e a Prática Reflexiva: Nexos com a Teoria de D. Schön e O Desenvolvimento de Competências na Formação Profissional para a Prática. Assim, propõe-se uma reflexão sobre a prática reflexiva como estratégia para o desenvolvimento de competências para a APS na formação de enfermeiros gestores.

RESULTADOS

A Formação Profissional do Enfermeiro Gestor e a Prática Reflexiva: Nexos com a Teoria de D. Schön

A obra de Donald Schön aborda o processo de reflexão-na-ação, um ensino o qual privilegia o aprender através do fazer, um ensino no qual a capacidade de refletir deve ser estimulada por meio da interação professor-aluno, nas diferentes situações práticas. Schön foi Mestre e Ph.D. em filosofia pela Universidade de Harvard, tendo direcionado seu trabalho para o aprendizado organizacional e eficácia profissional, e participado de inúmeras organizações profissionais.

Critica a epistemologia da racionalidade técnica, ao assegurar que, a prática profissional não se traduz em um mero processo de resolução de problemas, uma vez que na prática cotidiana, os problemas não se apresentam ao profissional como dados. Defende uma prática profissional reflexiva, em que, a partir de situações problemáticas, que são aquelas que mais desafiam o profissional, a resolução deve ser construída. Schön⁽⁷⁾ assegura que somente através da prática reflexiva “o profissional será capaz de definir um problema, selecionar seus elementos, determinar os limites da sua atenção em relação a ele e ser coerente em delinear as possíveis direções em prol de uma solução”.

Segundo esse autor, o profissional deverá observar e refletir sobre suas ações no cotidiano profissional a fim de resolver os problemas encontrados, “descendo ao terreno pantanoso”, percebendo as dificuldades, e, a partir daí, refletindo para buscar soluções para a mudança e para a resolução dos problemas encontrados. Os outros profissionais que optam pelo terreno firme são aqueles que não buscam novas soluções ou metodologias, permanecendo no ambiente mais confortável de uma prática estritamente técnica.

Entende-se que a reflexão se traduz em algo peculiar a cada profissional e que não é suficiente para a resolubilidade dos problemas que surgem no cotidiano profissional, porém oferece possibilidades de ampliação de conhecimentos e aperfeiçoamento da prática a partir de um olhar atento a todos os aspectos da prática e por meio do trabalho em equipe. Assim, para se praticar a reflexividade, deve-se refletir na prática e sobre a prática, dinamizando a vivência por meio de um processo recriador e através da perspectiva de construção de um novo saber.

Acredita-se, portanto, que a possibilidade de interferência na prática por meio de sua modificação é possível através da oportunidade de se refletir sobre as ações em todas as etapas do cotidiano profissional. Reflexividade, portanto, é pensar sobre o que se faz, tomando consciência da ação, tornando-a inteligível. Schön⁽⁷⁾ evidencia que “a reflexão sobre cada tentativa e seus resultados prepara o campo para a próxima, tendo função crítica”. No processo de reflexão-na-ação, pensamos retrospectivamente sobre o que fizemos, descobrindo assim, como nossas ações podem contribuir para um resultado imprevisível; podemos então, refletir sobre a ação.

Para Schön, é a junção de valores que compreende as situações práticas, que dita regras para a ação e estabelece o que forma uma atuação profissional aceitável. É o denominado talento artístico profissional que assume um papel essencial a fim de descrever a competência profissional, sendo entendido em termos de reflexão-na-ação. Sendo assim, é por meio da visão de reflexão-na-ação do profissional que se apresenta uma visão construcionista de sua realidade, uma visão sobre a qual ele se vê construindo situações de sua prática em todos os modos de competência profissional, não apenas no exercício de um talento artístico profissional⁽⁷⁾.

O enfermeiro gestor deve desenvolver competências técnicas e sócio-políticas de modo a se envolver na formulação da transformação do cenário em que atua, com consciência de que sua atuação não pode se restringir apenas a este cenário, devendo ser feita no coletivo, nas unidades, refletindo em toda a Rede de Atenção à Saúde. Este gestor se torna partícipe e corresponsável pela qualidade da assistência transformada por sua prática, a qual está em permanente construção e mudança.

Sob esta ótica, Schön evidencia que os tipos de reflexão-na-ação, por meio dos quais os profissionais adquirem conhecimento novo sobre situações incertas e conflitantes de sua prática, nos sugere que o conhecimento profissional não basta para resolver todas as situações. Tais profissionais devem conceber uma forma de reflexão-na-ação superior às regras, edificando novas estratégias de ação, categorias de compreensão e formas de conceber problemas⁽⁷⁾.

Nesse contexto, a enfermagem, por sua natureza essencialmente prática, pode se beneficiar com essa tendência de reflexão sobre a prática. No entanto, a prática reflexiva é algo que temos visto ainda muito timidamente na literatura de enfermagem, apesar desta característica da profissão. Portanto, somente uma reflexão sistemática e continuada é capaz de promover a dimensão formadora da prática, tendo em vista que a prática reflexiva apresenta vantagens para a formação permanente, tais como atualização, renovação, geração de conhecimentos, entre outras, devendo ser estimulada durante toda a vida⁽⁸⁾.

De acordo com Schön⁽⁷⁾, para se tornar um profissional reflexivo, é necessário que haja, por parte do profissional, um movimento intrínseco de reflexão-na-ação, reflexão-sobre-a-ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação. O profissional age a partir do conhecimento que já possui, agregando valores a esse a partir do ato de pensar sobre o que fez e através de uma reconstrução mental retrospectiva, para, então, transformar sua prática a partir de uma nova percepção da ação, analisando sua própria ação. Ele utiliza seu conhecimento para avaliar a partir da reflexão, o que sua memória traz sobre intervenções que houveram antes e novas formas de intervenção que poderão vir a desenvolver. Nessa conjuntura, certamente não se pode desprezar o conhecimento teórico-prático para a gestão de enfermagem na APS, visto que o enfermeiro necessita revelar exemplos ocorridos em sua vivência prática para contextualizar tal conhecimento, tornando-se necessário, portanto, que o enfermeiro gestor reflita sobre e na sua prática, conforme anteriormente exposto.

Assim, depreende-se que, por meio da reflexão, pensamento e ação, esse profissional, com base na reflexão sobre suas ações, vai fortalecendo suas práticas de gestão da APS no âmbito do SUS em um movimento de erros e acertos. Tais processos se complementam, tornando permanente o processo de formação profissional do enfermeiro gestor, favorecendo o desenvolvimento de competências próprias da gestão, tais como a tomada de decisões, a flexibilidade e a liderança, dentre outras, que o auxiliarão a efetivar a prática.

O Desenvolvimento de Competências na Formação Profissional para a Prática

Em relação ao cotidiano do trabalho, observa-se a mudança do conceito clássico de qualificação profissional para uma ideia de competência em conformidade com as novas exigências do setor produtivo e da queda dos métodos utilizados para adaptar as pessoas ao mercado de trabalho. Nesse sentido, o Ministério da Saúde tem enfatizado a importância de se construir perfis acadêmicos e profissionais de competências e habilidades para atuação, qualitativos e resolutivos, tendo por referência os objetivos da Reforma Sanitária, propondo o ordenamento da formação de recursos humanos para o setor da saúde como sujeitos ativos de sua própria construção⁽⁹⁾.

Para que se efetive um processo de formação profissional permanente do enfermeiro gestor, é necessário que ele realize a reflexividade crítica sobre a prática partindo da ação, construindo novos conhecimentos, desenvolvendo competências e buscando efetivar modificações em seu cotidiano profissional. A competência profissional, como uma manifestação humana que explica a atuação profissional no contexto de trabalho, permite o enfrentamento de situações complexas, guiando o gestor a se responsabilizar cada vez mais sobre os resultados, influenciando diretamente sua prática.

Portanto, o desenvolvimento de competências se dá através da aprendizagem contínua. Deste modo, o surgimento de novas oportunidades se constitui em desafio, uma vez que a complexidade ambiente organizacional pode ocasionar desigualdades entre o conhecimento prévio e o conhecimento que necessita ser aprendido. Assim, as instituições de ensino podem contribuir, visto seus objetivos alicerçados no desenvolvimento social, o qual mostra-se importante ao se pensar na gestão de serviços de saúde⁽²⁾.

De forma a alcançar o desenvolvimento de competências técnicas e científicas, apresenta-se a necessidade de o próprio enfermeiro gestor expandir seus conhecimentos para além dos conteúdos, no sentido de encontrar subsídios para agir por meio de uma práxis reflexiva. Tal fato favorece o processo de formação profissional, que se apoia em ações práticas em seu cotidiano de trabalho na APS, seguindo-se de reflexão e análise dessas ações, dando um maior direcionamento à sua prática; uma maneira de repensar a forma como são dirigidas suas atividades para a construção de um profissional crítico-reflexivo.

Com base no exposto, torna-se premente que, para formar profissionais críticos, capazes de desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que compõem as competências para atuar na gestão da APS, só será possível através de um processo de formação permanente que vise à aprendizagem significativa, com um viés de transformação e que tenha, por base, a autonomia libertária e não conformista. Para tanto, é necessário a implementação de investimentos, de modo a incentivar gestores e profissionais a aderirem a tal processo de aprimoramento como contribuição para a qualificação do SUS, tendo em vista que o movimento de formação permanente requer uma decisão do próprio sujeito de que necessita permanecer nesse processo, independente de políticas ou exigências de outrem.

Ou seja, o processo de formação profissional permanente é composto por experiências advindas dos processos de formação inicial e contínua, somando-se às experiências adquiridas no exercício da profissão cotidianamente. Trata-se de algo mais que um aglomerado de informações utilizadas para a transmissão de conhecimento. Visa contribuir com a formação da consciência crítica desse sujeito em seu contexto social. Só assim será possível ao enfermeiro a construção do conhecimento por meio da interlocução teoria-prática.

O conhecimento espontâneo advindo de determinadas situações é obtido, em muitos casos, da observação e reflexão sobre as ações. Em suma, o investimento realizado em recursos humanos nas organizações de saúde exige qualificação e desenvolvimento de competências necessárias à atuação profissional no cotidiano do trabalho, revertendo para a qualidade do atendimento em saúde e competitividade nessas organizações de saúde⁽⁹⁾. A capacidade de reflexão deste profissional, com base na própria realidade vivida, o leva a criar suas próprias hipóteses de solução para os problema encontrado em sua realidade, apontando para a importância da formação contínua.

O ensino reflexivo requer muita experiência daquele que ensina. Por ser a experiência não mais que um aglomerado de experimentos e um arsenal de uma área definida, é essencial estar atento a relatos de experiências de profissionais competentes. É nesse viés que se percebe a seriedade deste elemento na obra de Schön⁽⁷⁾. Não é uma tarefa fácil, fazer as intervenções necessárias ao mesmo tempo que se ensina com rigorosidade e sem autoritarismo.

Certamente, o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao enfermeiro gestor passa também pela autoavaliação dos sujeitos. Nesse prisma, vale destacar aqui os Quatro Pilares da Educação de Jacques Delors, que dizem que, para atingir os objetivos da educação, faz-se essencial organizar o processo ensino-aprendizagem a partir de quatro pilares do conhecimento: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser, que devem se desenvolver ao longo da vida da pessoa, visando formar um cidadão crítico e ativo socialmente⁽²⁾.

Esse alicerce, ancorado à prática reflexiva, permite capacitar os profissionais para lidarem, de modo crítico, com a complexidade dos processos de gestão e realizarem suas práticas de forma autônoma, como protagonistas, com responsabilidade mútua, formando vínculos solidários e participando coletivamente nas práticas de saúde, dentro da visão ampliada de saúde integral⁽⁴⁾.

A preocupação evidenciada com o desenvolvimento da sua própria formação é demonstrada quando o profissional inicialmente problematiza sua própria realidade e, ao final, retorna a ela no sentido de transformá-la, confirmando a experiência vivida. Percebe ser necessário mudá-la, atualizar os conhecimentos, porém nem sempre tal mudança é efetivada, pois implica alteração nos hábitos, costumes, estilo de vida e valores.

Por conseguinte, infere-se que, por meio do pensamento reflexivo sobre a prática, podemos aperfeiçoá-la, criando subsídios para nossas práticas futuras. A correlação entre prática educativa e experiência profissional, de forma contínua, faz com que o aprender e o ensinar sejam incorporados aos processos de trabalho cotidianamente, vindo a favorecer a transformação das práticas de gestão, com o consequente desenvolvimento de competências. Dessa forma, sustentado na prática reflexiva, o gestor de saúde pode, durante seu processo de formação permanente, desenvolver competências para atuar efetivamente na gestão, seguindo os preceitos da APS.

Como limitação, tem-se que, devido ao tipo de estudo apresentado, as reflexões foram descritas com base na vivência profissional das pesquisadoras e na teoria apresentada, necessitando de adequações para que os profissionais possam incorporar e concretizar tais práticas.

Contribuições para a área da enfermagem

As contribuições do estudo para a área da enfermagem residem, especialmente, nos achados que permitem melhor compreensão do processo permanente de formação profissional, um dos pilares que norteiam as soluções para os problemas complexos do cotidiano do trabalho na APS por meio da prática reflexiva, que favorece o fortalecimento de habilidades e o desenvolvimento de competências necessárias a esse trabalho, tais como liderança, flexibilidade, tomada de decisão, dentre outras. Espera-se, ainda, que o estudo possa auxiliar no subsídio à implementação de ações de educação permanente e, por conseguinte, mudanças no processo de formação profissional e qualificação da assistência prestada aos usuários do SUS, sugerindo-se, por fim, a realização de novos estudos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudos acerca da reflexividade sobre a prática profissional não são recentes, todavia julga-se que tal temática ainda necessita ser enfatizado de forma mais ampliada, ressaltando a relevância de sua aplicabilidade nos diversos contextos da atualidade. Os referidos estudos demonstram ser de fundamental importância para a interação entre teoria e prática, porém, na realidade, ainda ocorre um distanciamento da prática reflexiva desejada. Assim, depreende-se que a reflexividade é essencial no cenário da gestão em saúde, mas ainda é pouco explorada, tendo em vista a nova epistemologia da prática de Donald Schön e o desenvolvimento de competências fundamentais para a gestão da APS, que compõem temática atual, haja vista a solidez desta política que norteia o SUS.

A experiência prática é também um importante fator de aprendizagem contínua. Os resultados apontam para um movimento de formação contínua, através dos sucessos, dos dilemas, dos acertos ocorridos durante toda a vida profissional, por meio do movimento de retorno à realidade no sentido de transformá-la. A busca por novos conhecimentos, a mudança de atitude, o fortalecimento de habilidades e o desenvolvimento de competências como tomada de decisão e liderança aparecem como necessidade para que se possa acompanhar a transformação das práticas através da reflexividade, algo com perspectivas totalmente novas. Por isso, apresenta-se esta necessidade de mudança, visto que mudar é uma questão de sobrevivência nos dias de hoje.

A temática abordada mostra-se importante, servindo como base para futuros estudos na tentativa de aprofundar sua aplicabilidade prática nos diversos contextos de atuação, como saúde e educação. Vale ressaltar a importância de se ampliar a discussão desses temas, de modo especial, no campo da formação permanente do enfermeiro gestor. Diante do exposto, conclui-se que a prática reflexiva deve ser firmada como um processo de busca constante a partir dos diferentes saberes, como forma de problematizar questões referentes à teoria e prática, objetivando oferecer subsídios para se encontrar respostas aos dilemas que se apresentam na prática cotidiana, possibilitando, dessa forma, o fortalecimento da gestão na APS.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  09 Jul 2020
• Aceito
  04 Jan 2021