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Pandemia pelo coronavírus à luz de teorias de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

refletir sobre a interface entre a pandemia pelo coronavírus e as teorias de enfermagem.

Método:

ensaio teórico-reflexivo, ancorado nos constructos teóricos de Dorothea Orem, Florence Nightingale e Callista Roy.

Resultados:

na interface com Orem, o profissional, com base nos sistemas de enfermagem, oferece educação em saúde para prevenção ao vírus, manejo no isolamento domiciliar e assistência de alta complexidade, quando há o agravamento da COVID-19; com Nightingale, se desvela a importância do saneamento ambiental, ventilação, limpeza pessoal, doméstica e das áreas circunvizinhas; com Roy, se percebem os estímulos focais como os sintomas da COVID-19, estímulos contextuais relacionados às comorbidades, e estímulos residuais concernentes ao estresse laboral pela alta transmissibilidade virótica e insuficiência de equipamentos de proteção.

Considerações Finais:

o enfermeiro pode utilizar o arcabouço teórico das teorias de enfermagem como ferramentas para nortear o seu cuidado nesta conjuntura pandêmica.

Descritores:
Pandemia; Saúde Global; Infecções por Coronavírus; Teoria de Enfermagem; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to reflect on the interface between the Coronavirus pandemic and nursing theories.

Method:

theoretical-reflective assay, anchored in the theoretical constructs of Dorothea Orem, Florence Nightingale and Callista Roy.

Results:

in the interface with Orem, the professional, based on the nursing systems, offers health education for the virus prevention, the conduct of home isolation and in high complexity assistance when there is worsening of COVID19; with Nightingale, it is revealed the importance of environmental sanitation, ventilation, personal and domestic cleaning and the surrounding areas; with Roy, focal stimuli are perceived such as the symptoms of COVID19, contextual stimuli related to comorbidities, and residual stimuli, concerning to work stress due to high viral transmission and lack of protective equipment.

Final Considerations:

nurses can use the theoretical framework of nursing theories as tools to guide their care in this pandemic situation.

Descriptors:
Pandemics; Global Health; Coronavirus Infections; Nursing Theory; Nursing Care

RESUMEN

Objetivo:

reflexionar sobre la interfaz entre la pandemia de coronavirus y las teorías de enfermería.

Método:

ensayo teórico-reflexivo anclado en los constructos teóricos de Dorothea Orem, Florence Nightingale y Callista Roy.

Resultados:

en la interfaz con Orem, el profesional, basado en sistemas de enfermería, ofrece educación en salud para la prevención del virus, manejo en aislamiento domiciliario y asistencia de alta complejidad cuando se presenta un agravamiento de COVID-19; con Nightingale, se revela la importancia del saneamiento ambiental, la ventilación, la limpieza personal y doméstica y de los alrededores; con Roy, se perciben los estímulos focales como los síntomas de COVID-19, los estímulos contextuales relacionados con las comorbilidades y los estímulos residuales relacionados con el estrés laboral por la alta transmisibilidad viral y el insuficiente equipo de protección.

Consideraciones finales:

los enfermeros pueden utilizar el marco teórico de las teorías de enfermería como herramientas para orientar su atención en esta situación pandémica.

Descriptores:
Pandemia; Salud Global; Infecciones por Coronavirus; Teoría de Enfermería; Atención de Enfermería

INTRODUÇÃO

A doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, também conhecida como Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), possui sintomas como febre, tosse seca e fadiga, pode progredir para dispneia e, em casos mais graves, Síndrome Respiratória Aguda Grave. A transmissão ocorre pelo ar, por contato pessoal próximo ou com objetos e superfícies contaminados com secreções por gotículas de saliva, espirro, tosse, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos(11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF);2020.).

A atual conjuntura de pandemia pelo coronavírus é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma emergência de saúde pública global, tendo em vista a alta transmissibilidade, virulência e potencial de agravamento no quadro clínico, além das repercussões negativas nos sistemas de saúde a nível mundial, os quais ficam propensos ao eminente colapso(22 Organização Mundial de Saúde. Folha informativa - COVID-19 (doença causada pelo novo Coronavírus) [Internet]. OPAS: Brasil; 2020 [2020 Apr 20]. Available from: https://www.paho.org/pt/covid19
https://www.paho.org/pt/covid19...
-33 Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA Epidemiology, public policies and Covid-19. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2020;28:e49570. doi: 10.12957/reuerj.2020.49570
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.495...
).

Desta forma, a saúde global, em consonância com as peculiaridades dos sistemas de saúde de cada país, conclama a rápida reorganização da rede assistencial, criação de protocolos clínicos, desenvolvimento de estudos científicos e capacitação profissional, visando responder adequadamente às demandas abruptas provenientes da COVID-19(11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF);2020.,33 Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA Epidemiology, public policies and Covid-19. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2020;28:e49570. doi: 10.12957/reuerj.2020.49570
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.495...
).

Ao considerar o relevante papel do enfermeiro na linha de enfrentamento dessa emergência de saúde global, torna-se necessário fomentar um olhar crítico para a assistência de enfermagem dentro da rede de atenção à saúde, em consonância com constructos conceituais que concedam uma base teórico-científica para sua prática assistencial(22 Organização Mundial de Saúde. Folha informativa - COVID-19 (doença causada pelo novo Coronavírus) [Internet]. OPAS: Brasil; 2020 [2020 Apr 20]. Available from: https://www.paho.org/pt/covid19
https://www.paho.org/pt/covid19...
-33 Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA Epidemiology, public policies and Covid-19. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2020;28:e49570. doi: 10.12957/reuerj.2020.49570
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.495...
).

As teorias de enfermagem surgiram com o intuito de fortalecimento enquanto ciência, no sentido de nortear a prática assistencial, a gerência, docência e pesquisa nessa área. Por meio da sua utilização, o enfermeiro é instrumentalizado para um cuidado sistematizado, crítico, reflexivo, humanizado, ético e holístico, contemplando aspectos biopsicossociais do indivíduo, família e comunidade, de modo a legitimar a integralidade, universalidade e equidade propostas pelo Sistema Único de Saúde (SUS)(44 Salviano MEM, Nascimento PDFS, Paula MA, Vieira CS, Frison SS, Maia MA, et al. Epistemology of nursing care: a reflection on its foundations. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1172-7. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0331
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
-55 Brandão MAG, Barros ALBL, Primo CC, Bispo GS, Lopes ROP. Nursing theories in the conceptual expansion of good practices in nursing. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):604-8. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0395
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

A gênese das teorias acontece no campo prático, quando inquietudes e/ou demandas que pairam no senso comum dos profissionais rompem a cadeia contemplativa e passam para uma análise crítico-reflexiva da realidade. Nessa transição, a enfermagem se consolida enquanto ciência, identificando fenômenos inerentes à prática dos enfermeiros e clarificando conceitos que precisam ser devidamente definidos para que os processos do cuidado de enfermagem sejam alicerçados a um arcabouço teórico sólido, fortalecendo a práxis(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.).

Apesar do desenvolvimento da maioria das teorias no século passado, seus constructos transcendem o tempo e tornam-se pertinentes para o contexto atual. Apesar do reconhecimento de outras teorias, julgou-se pertinente trazer neste presente estudo a Teoria de Dorothea Orem, pela corresponsabilidade do usuário; a de Florence Nightingale, ao considerar que indicou pressupostos que emergem nas orientações atuais; a de Callista Roy, por indicar processos adaptativos que urgem diante da mudança de hábitos e da sobrecarga psicológica atual essencial para conter uma pandemia como a COVID-19.

Portanto, emerge a seguinte questão: como o arcabouço teórico da enfermagem pode ser utilizado para nortear a prática dos enfermeiros no âmbito do atual contexto pandêmico? O objetivo foi refletir sobre a interface entre a pandemia pelo coronavírus e as teorias de enfermagem.

MÉTODO

Trata-se de um estudo do tipo ensaio teórico-reflexivo, desenvolvido durante os meses de abril e maio de 2020, ancorado nos constructos teóricos de Dorothea Orem (Teoria dos Sistemas), Florence Nightingale (Teoria Ambientalista) e Callista Roy (Teoria da Adaptação).

Foram desenvolvidas duas fases: I - revisão narrativa da literatura sobre a temática, por meio da consulta às obras primárias que embasam o referencial teórico-metodológico, documentos governamentais e artigos científicos; II - reflexão sobre a interface entre a pandemia pelo coronavírus e as teorias de enfermagem, com base na literatura identificada e na experiência dos pesquisadores.

Os dados principais da análise foram sumarizados conforme o Quadro 1, contendo os aspectos de reflexão mais eminentes no tocante à interface das teorias selecionadas para nortear o cuidado nesta conjuntura pandêmica e em subtemas, conforme a perspectiva conceitual de cada teoria.

Quadro 1
Sumarização da interface entre as teorias de Orem, Nightingale e Roy e a pandemia pelo coronavírus, 2020

Interface da pandemia da COVID-19 e a Teoria de Dorothea Orem

A enfermeira Dorothea Orem desenvolveu a teoria intitulada “Teoria do déficit do autocuidado”, sustentada/composta por outras três teorias: teoria do autocuidado; teoria do déficit do autocuidado; e teoria dos sistemas de enfermagem. Elas correlacionam-se com o intuito de dar sentido integral à teoria(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.-77 Orem DE. Nursing: concepts of practice. Saint Louis: Mosby; 2001. 542p.).

O autocuidado é definido como a capacidade do indivíduo executar ações para seu próprio benefício. Quando não é realizado completamente ou quando as demandas superam as habilidades básicas do indivíduo frente às atividades, caracteriza-se o déficit de autocuidado, com consequente necessidade da ação de enfermagem(77 Orem DE. Nursing: concepts of practice. Saint Louis: Mosby; 2001. 542p.).

A Teoria dos Sistemas de Enfermagem desvela as ações de enfermagem, de acordo com as necessidades do paciente, assim há três possíveis classificações: Sistema Totalmente Compensatório, quando o paciente depende completamente das ações do enfermeiro; Sistema Parcialmente Compensatório, quando o paciente depende parcialmente, demonstrando capacidade parcial de desenvolver algumas ações que lhe proporcionem o autocuidado; e Sistema de Apoio-Educação, quando o paciente consegue realizar seu autocuidado e a atuação do enfermeiro é primordial no que diz respeito às orientações(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.-77 Orem DE. Nursing: concepts of practice. Saint Louis: Mosby; 2001. 542p.).

Acerca da assistência de enfermagem frente a pandemia do coronavírus, associada aos possíveis estágios em que o paciente pode estar situado, o profissional consegue ser introduzido em diversos cenários, que vão desde as orientações comunitárias de prevenção à COVID-19, até a assistência de alta complexidade, nos casos em que há o agravamento da doença.

Ao considerar a perspectiva do autocuidado tratada nessa teoria, as atitudes do enfermeiro fomentam a autonomia do paciente, elemento crucial para o seu empoderamento frente às suas decisões em saúde. Atrelado a isso, destaca-se a educação em saúde, ferramenta que viabiliza a construção do conhecimento por parte do usuário e coletividades, tendo em vista seu autocuidado por meio do Sistema de Apoio-Educação(77 Orem DE. Nursing: concepts of practice. Saint Louis: Mosby; 2001. 542p.).

Nessa perspectiva, o enfermeiro pode orientar os seguintes cuidados: lavagem frequente das mãos ou, na impossibilidade de lavar, utilizar álcool em gel; etiqueta respiratória ao espirrar ou tossir, cobrindo boca e nariz com lenço de papel ou com a face interna do braço; evitar tocar no rosto, sobretudo olhos, nariz e boca; e manter distância das pessoas que tossem ou espirram de no mínimo dois metros(11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF);2020.).

Quando o indivíduo não preza pelo seu autocuidado, ele pode adquirir a doença, que pode manifestar-se de forma branda ou grave. Se ela evolui de maneira branda, demanda uma atuação à luz do Sistema Parcialmente Compensatório, na qual o enfermeiro presta assistência e, concomitantemente, o paciente pode realizar algumas ações que manifestem certo grau de independência e autocuidado.

As orientações prestadas pelo profissional vão além das básicas e incluem o manejo do isolamento domiciliar, que abrange a separação de objetos de uso pessoal, como talhares, copos ou prato e, inclusive, toalha de rosto; a importância da restrição do paciente a um cômodo da casa e caso não seja possível, que o paciente fique continuamente com máscara cirúrgica; ao trato com o paciente, que o cuidador domiciliar faça uso da máscara cirúrgica, ficando com ela até duas horas ou até quando a mesma tornar-se úmida; higienização diária da casa com álcool a 70%, sobretudo em locais frequentemente tocados como maçaneta, interruptores, controles remotos dentre outros(11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF);2020.).

No que concerne o indivíduo com agravamento das manifestações do coronavírus, caracterizado principalmente pela Síndrome Respiratória Aguda Grave, a situação conclama uma assistência enquadrada no Sistema Totalmente Compensatório. Nesse contexto, o enfermeiro desenvolve sua prática clínica em consonância com as demandas da assistência da alta complexidade, prestando um cuidado integral, pois muitos pacientes nesse nível de complicação tornam-se incapazes de executar qualquer ação que lhes traga algum benefício.

Interface da pandemia da COVID-19 e a Teoria de Florence Nightingale

A existência de síndromes respiratórias ocorre de maneira sazonal em todo o mundo. Contudo, a ascensão da pandemia, caracterizada pela alta infectividade, transmissibilidade e morbimortalidade, fez com que as autoridades sanitárias e a comunidade científica revissem a importância das medidas preventivas para controle das doenças respiratórias.

Desta forma, a teoria Ambientalista da enfermeira Florence Nightingale traz postulados que transcendem o tempo e tornam-se observações fundamentais frente às medidas preventivas de transmissão do coronavírus SARS-CoV-2 e a assistência de enfermagem aos pacientes infectados.

Sob uma ótica de prevenção de agravos e promoção da saúde, os postulados tratados pela teórica ressalvam um ponto chamado “saúde das casas”, que trata da importância do saneamento básico, ventilação, limpeza doméstica e a influência da limpeza das áreas circunvizinhas à residência. Além disso, fazem alusão à importância da limpeza pessoal, considerando que muitos microrganismos se veiculam por meio da pele. Por fim, destacam a importância da lavagem das mãos(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.,88 Nightingale F. Notas sobre enfermagem: o que é e o que não é. São Paulo: Cortez; 1989. 174p.).

Na teoria de Nightingale, a preferência pela limpeza ambiental e pessoal contextualiza a prática habitual na saúde, prevalecendo a atualidade vivenciada no momento de pandemia pela COVID-19, quando as medidas preventivas adotadas preveem a higienização das pessoas e dos ambientes, além da separação de corpos, por meio do distanciamento social e em casos extremos, de lockdown, que se configura como o bloqueio total das atividades não essenciais(11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF);2020.).

A visão de Florence era inevitavelmente hospitalocêntrica, de modo que grande parte de seus postulados estão relacionados ao paciente no contexto do nível secundário e terciário. Assim, os mesmos versavam sobre luz, ruído, nutrição e cuidados com a cama e roupas de cama, dentre outros aspectos ambientais(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.).

Aos pacientes internados em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) pelo agravamento dos sintomas da infecção pelo coronavírus, fatores ambientais como a luminosidade, ruídos de bombas de infusão, monitores, ventiladores mecânicos, aspiradores e outros equipamentos interferem no sono e repouso do paciente. Portanto, é preciso minimizar essa condição, que pode dificultar a terapêutica, principalmente para aqueles que se encontram sem sedação, além de ser um fator de estresse para a equipe de saúde, sobretudo a de enfermagem, que promove assistência integral e continuada(99 Younis MB, Hayajneh F, Rubbai Y. Factors influencing sleep quality among Jordanian intensive care patients. Br J Nurs. 2020;29(5):298-302. doi: 10.12968/bjon.2020.29.5.298
https://doi.org/10.12968/bjon.2020.29.5....
).

Outro assunto tratado pela teoria ambientalista versa sobre a cama e roupas de cama. As orientações dadas no século XIX ainda são pertinentes na atualidade, pois era tratado que deveria haver a troca periódica dos lençóis, com vista ao controle de infecção, e arrumação adequada dos mesmos, evitando dobras que poderiam formar pontos de pressão, facilitando a formação de lesões por pressão no paciente(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.). Esses cuidados são relevantes e devem ser considerados, visando uma positiva assistência de enfermagem ao paciente submetido aos cuidados de alta complexidade relacionados com complicações dos sintomas da COVID-19.

Logo, as observações de Florence Nightingale fomentam um processo de enfermagem minucioso e acertado, de modo que o olhar holístico, a humanização e a criticidade são considerados, quando o ambiente onde o paciente está inserido passa a ser objeto de atenção e reflexão. A transcendência dessas orientações em tempo e espaço legitimam o enfoque da enfermagem a esses postulados teóricos, visando um exitoso enfrentamento dessa pandemia.

Interface da pandemia da COVID-19 e a Teoria de Callista Roy

O modelo de adaptação da enfermeira Callista Roy estrutura-se nos quatro metaparadigmas comuns às demais teorias de enfermagem, que são os pressupostos relacionados à pessoa, ao ambiente, à saúde e à enfermagem. Quanto à pessoa, a teórica afirma que a mesma é submetida a um esquema que inclui os estímulos, que por sua vez geram os mecanismos de enfrentamento e culminam na resposta do indivíduo, família ou comunidade, que acabam por retroalimentar outros estímulos(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.,1010 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. Londres: Pearson; 2008. 576p.).

Detalhando esse esquema, Roy observou que os estímulos podem ser de três tipos: focal, contextual e residual. Logo, na conjuntura da pandemia pelo coronavírus, é preciso o manejo correto dos estímulos focais, que abarcam os sinais e sintomas de infecção respiratória, a exemplo da febre, tosse seca, fadiga, dentre outros sintomas que sinalizam agravamento do caso, como dispneia intensa(22 Organização Mundial de Saúde. Folha informativa - COVID-19 (doença causada pelo novo Coronavírus) [Internet]. OPAS: Brasil; 2020 [2020 Apr 20]. Available from: https://www.paho.org/pt/covid19
https://www.paho.org/pt/covid19...
).

Os estímulos contextuais podem ser definidos com comorbidades como diabetes, hipertensão, doença respiratória pré-existente, imunossupressão e local de trabalho propício à transmissão. Os estímulos residuais são definidos como fatores internos e externos, como o tabagismo, o estresse relacionado ao trabalho, estresse relacionado à alta transmissibilidade virótica, e o estresse relacionado à ausência e/ou limitado acesso aos devidos Equipamentos de Proteção Individual (EPI)(11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da COVID-19. Brasília (DF);2020.).

Os mecanismos de enfrentamento são subdivididos em reguladores e cognatos(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.,1010 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. Londres: Pearson; 2008. 576p.). Os reguladores abarcam o modo fisiológico, que dialoga diretamente com a fisiologia do sujeito, desvelando aspectos relacionados à situação e função do organismo(1010 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. Londres: Pearson; 2008. 576p.). Na infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2, esse ponto é relevante, pois a homeostase corporal relaciona-se diretamente com a menor probabilidade de agravamento dos sintomas pela infecção do vírus(33 Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA Epidemiology, public policies and Covid-19. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2020;28:e49570. doi: 10.12957/reuerj.2020.49570
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.495...
).

Os mecanismos de enfrentamento cognatos perpassam modos por ela definidos como Autoconceito, Função do Papel e Interdependência. O modo de Autoconceito define o enfrentamento como uma necessidade eminente de manter a integridade psíquica, com enfoque em aspectos psicológicos e espirituais. Considerando o contexto de pânico e ansiedade que essa pandemia gera, o encontro de um amparo emocional em tempos caóticos pacífica as angústias e favorece o bem estar psicológico.

O mecanismo de enfrentamento que trabalha o modo de Função de Papel refere-se à capacidade do indivíduo saber sua função no mundo, autoconhecimento que permite a identificação de seu papel na sociedade. Em tempos de pandemia, esse reconhecimento é necessário, pois a população que não participa de serviços essenciais apoia as medidas de controle quando cumpre o isolamento social, ao passo que no âmbito dos serviços essenciais, os profissionais de saúde, por exemplo, legitimam a sua importância funcional quando desempenham com habilidade técnica e humanização o seu ofício(33 Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA Epidemiology, public policies and Covid-19. Rev Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2020;28:e49570. doi: 10.12957/reuerj.2020.49570
https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.495...
).

O mecanismo de enfrentamento do modo interdependência traz as demandas afetivas de cada sujeito. De fato, com a proposta de distanciamento social, é comum que haja uma angústia por parte da comunidade, que possui necessidade peculiar de se relacionar para o completo bem estar. Todavia, as tecnologias da informação e comunicação podem ser uma alternativa de mitigar o distanciamento físico e suas respectivas repercussões na saúde biopsicossocial da população.

Ainda sobre o modo de interdependência, é preciso refletir o que os profissionais de saúde, sobretudo a enfermagem, linha de frente no enfrentamento dessa pandemia, passam nessa atual conjuntura. Muitos desses profissionais estão impossibilitados de voltarem para suas casas e terem contato com parentes e amigos. Eles vivenciam constantemente o temor da transmissão, a exaustiva carga de trabalho e a precária infraestrutura de muitas instituições de saúde. Esse contexto flagelante que, à luz dos pressupostos de Roy, interage diretamente no enfrentamento desse grupo, precisar ser melhor equacionado pelas autoridades de saúde.

As respostas que traduzem o processo adaptativo do indivíduo subdividem-se em adaptativas e inefetivas. As adaptativas promovem a integridade do ser humano, afetando positivamente a saúde. A resposta inefetiva é quando o sujeito não consegue ter um enfrentamento eficaz, comprometendo seu autocuidado e desenvolvimento(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.,1010 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. Londres: Pearson; 2008. 576p.). Como é por meio das respostas que o enfermeiro consegue identificar os mecanismos de enfrentamento do indivíduo, as intervenções são delineadas no sentido de obter as respostas adaptativas(66 Mcewen M. Bases Teóricas de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2016. 608p.,1010 Roy SC, Andrews HA. The Roy adaptation model. Londres: Pearson; 2008. 576p.).

Diante do exposto, considerando esse delicado momento da saúde mundial, o enfermeiro que almeja ações apropriadas, pautadas pela cientificidade, reflexão e criticidade, precisa considerar os constructos de Dorothea Orem (Teoria dos Sistemas), Florence Nightingale (Teoria Ambientalista) e Callista Roy (Teoria da Adaptação). Por meio de seus pressupostos, é lançada uma ótica que contempla o indivíduo em sua totalidade, perfazendo um caminho singular, no qual a ciência que se debruça sobre o cuidar pode realizar para garantir a precisão dos seus atos.

Limitações do Estudo

As possíveis limitações estão relacionadas com a utilização de apenas três teorias para dialogar com o arcabouço teórico de enfermagem e a pandemia por coronavírus, tendo em vista a existência de diversas outras teorias de enfermagem que subsidiariam uma reflexão aprofundada e pertinente para esse estudo. Logo, sugere-se que se fomente reflexões, contemplando constructos de demais teóricas da ciência da enfermagem.

Além disso, muitos aspectos relacionados à COVID-19 não estão definidos de maneira permanente, o que pode acarretar em mudanças de orientações e/ou protocolos no decorrer do avanço nos achados científicos.

Contribuições para a Enfermagem

Incitar nos enfermeiros o reconhecimento dos pilares que sustentam a práxis da enfermagem e, desta forma, desvelar as teorias aqui apresentadas como ferramentas para aplicação consciente, crítica e reflexiva do processo de enfermagem nesta conjuntura pandêmica e viabilizar a qualidade da assistência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atual contexto pandêmico conclama atitudes científicas acertadas no processo de enfrentamento. Nesse contexto, o enfermeiro que participa na linha de frente da assistência, dispõe de arcabouços conceituais para nortear o seu cuidado de maneira crítica, reflexiva, sistemática e holística.

Nessa perspectiva, foi possível apreender a interface das teorias retro mencionadas frente à pandemia pela COVID-19, de forma a indicar que as ações de cuidado podem ser norteadas pelos pressupostos e conceitos. Os constructos teóricos de Dorothea Orem, Florence Nightingale e Callista Roy vislumbram uma atuação da enfermagem em diferentes aspectos, contemplando o indivíduo, a família e a comunidade em suas necessidades em saúde sob a perspectiva biopsicossocial.

Ademais, com o intuito de diversificar e qualificar as produções científicas da enfermagem, consolidando o seu arcabouço teórico-científico, com vista a fortalecer a práxis, sugere-se que essa temática desperte interesse para o desenvolvimento de novos estudos, sobretudo investigações que testem empiricamente a utilidade dessas teorias no cuidado à COVID-19.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2020
  • Aceito
    13 Set 2020
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