Open-access Análise microbiológica e microestrutural dos cateteres vesicais de demora e prevenção de infecção do trato urinário

RESUMO

Objetivo:  Analisar a parte microbiológica e microestrutural dos cateteres vesicais de demora e sua associação com a prevenção de infecção do trato urinário.

Método:  Transversal, entre junho e dezembro de 2020, em que foram coletadas 42 pontas cateteres vesicais de demora e amostras de urina estéril para análise de cristais em microscopia óptica e de biofilmes em microscopia eletrônica de varredura. Fez-se analise de cultura e especificação do tipo de bactérias.

Resultados:  Verificou-se que 35,71% das amostras apresentaram o biofilme maduro aderido à ponta do cateter. Destacaram-se biofilmes de Proteus mirabilis, Enterococcus faecalis, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium e Enterobacter cloacae. A presença do cristal magnésio-amônio-fosfato foi associada à presença de infecção do trato urinário e ao Proteus mirabilis. Verificou-se associação significativa (p = 0,001) entre o uso de antibiótico profilático versus a urocultura >105 UFC/mL.

Conclusão:  As análises contribuíram para a prática clínica, pois reforçam a elaboração de estratégias efetivas e monitoradas sobre culturas e prevenção de infecção do trato urinário associada ao cateter vesical de demora.

DESCRITORES Infecções Urinárias; Cateteres Urinários; Microscopia Eletrônica de Varredura; Saúde Pública; Vigilância em Saúde Pública

ABSTRACT

Objective:  To analyze the microbiological and microstructural part of indwelling urinary catheters and their association with urinary tract infection prevention.

Method:  This is a cross-sectional study, from June to December 2020, in which 42 indwelling urinary catheter tips and sterile urine samples were collected for analysis of crystals in optical microscopy and biofilms in scanning electron microscopy. Culture analysis and specification of the type of bacteria were performed.

Results:  It was found that 35.71% of the samples had mature biofilm adhered to the catheter tip. Biofilms of Proteus mirabilis, Enterococcus faecalis, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium and Enterobacter cloacae stood out. The presence of magnesium-ammonium-phosphate crystal was associated with the presence of urinary tract infection and with Proteus mirabilis. There was a significant association (p = 0.001) between the use of prophylactic antibiotics versus urine culture >105 CFU/mL.

Conclusion:  The analyzes contributed to clinical practice, as it reinforces the development of effective and monitored strategies on cultures and urinary tract infection prevention associated with indwelling urinary catheters.

DESCRIPTORS Urinary Tract Infection; Urinary Catheters; Microscopy, Electron, Scanning; Public Health; Public Health Surveillance

RESUMEN

Objetivo:  Analizar la parte microbiológica y microestructural de los catéteres urinarios permanentes y su asociación con la prevención de la infección del tracto urinario.

Método:  Transversal, de junio a diciembre de 2020, en el que se recolectaron 42 puntas de sonda urinaria permanente y muestras de orina estéril para análisis de cristales en microscopía óptica y biopelículas en microscopía electrónica de barrido. Se realizaron análisis de cultivo y especificación del tipo de bacteria.

Resultados:  Se encontró que el 35,71% de las muestras presentaban biopelícula madura adherida a la punta del catéter. Se destacaron las biopelículas de Proteus mirabilis, Enterococcus faecalis, Staphylococcus epidermidis, Enterococcus faecium y Enterobacter cloacae. La presencia de cristales de fosfato de magnesio-amonio se asoció con la presencia de infección del tracto urinario y con Proteus mirabilis. Hubo una asociación significativa (p = 0,001) entre el uso de antibióticos profilácticos versus urocultivo >105 UFC/mL.

Conclusión:  Los análisis contribuyeron a la práctica clínica, ya que refuerzan el desarrollo de estrategias efectivas y monitoreadas sobre cultivos y prevención de la infección del tracto urinario asociada a los catéteres urinarios permanentes.

DESCRIPTORES Infecciones Urinarias; Catéteres Urinarios; Microscopía Electrónica de Rastreo; Salud Pública; Vigilancia en Salud Pública

INTRODUÇÃO

A infecção do trato urinário (ITU) é uma das principais infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). Nos EUA, cerca de 80% das ITU estão associadas ao cateter vesical de demora (CVD) (ITU-AC) e, aproximadamente, 15% acontecem por indicações inadequadas(1). No Brasil, as ITU-AC são responsáveis por 35 a 45% das infecções adquiridas em hospitais(2). A ITU-AC pode estar associada, sobretudo, à inadequação no manuseio asséptico, ao prolongamento do tempo de uso do cateter, à indicação inadequada e à colonização bacteriana devido à formação de biofilmes(3).

Os biofilmes podem promover o bloqueio do CVD, adesão por meio de ligações covalentes fortes entre a matriz de exopolissacarídeo (EPS) e a parede polimérica do dispositivo e, consequentemente, levar à formação de policolônicas com co- colonização de diferentes tipos de bactérias aderidas à parede do cateter(45). Um estudo experimental indicou que, independentemente do tipo de material polimérico do CVD, houve crescimento de bactérias viáveis, como Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Proteus mirabilis, por período que variou de 6 a 72 horas pós-inserção, aderidas à matriz de EPS na parede dos dispositivos(5). Após 72 horas, foram observados em microscopia sinais de desprendimento do biofilme e presença de novas áreas de recolonização. Na prática clínica, além da ITU-AC, pode levar à formação de incrustações e oclusões dos cateteres, favorecendo a precipitação de cristais de cálcio, magnésio, amônio e fosfato, causando estase urinária na bexiga ou retardando o esvaziamento, contribuindo para o aumento da proliferação de microrganismos(6).

Embora estudos sobre biofilme(69) que se desenvolvem na parede dos CVD evidenciem um progresso notável na ciência, estratégias verdadeiramente eficazes e amplamente aplicáveis para controlar as complicações relacionadas ao biofilme enfrentadas por pacientes cateterizados ainda são uma lacuna do conhecimento científico e um desafio para a prática clínica.

Em outro estudo, os autores avaliaram, por meio da cultura, testes de detecção de biofilmes, identificação bioquímica das bactérias e testes de sensibilidade a antibióticos de patógenos de ITU em pacientes com CVD(8). Identificaram-se a Escherichia coli, a Klebsiella pneumoniae e a Pseudomonas aeruginosa como as principais bactérias multirresistentes que podem estar ligadas aos biofilmes(8). Outras bactérias, como a Enterococcus fecalis, a Stahphiloccus aureus e a Proteus mirabilis, também apresentaram resistência, porém a um limitado espectro de antibióticos. Por outro lado, todas elas foram identificadas como biofilmes na parede do CVD(8).

Nesse sentido, as evidências científicas reforçam a necessidade de adoção de medidas efetivas de prevenção de ITU-AC, sobretudo durante a inserção e manutenção do dispositivo, visando à segurança do paciente e indicando, de forma clara, para os profissionais de saúde, a facilidade de infecção e dispersão de bactérias no cateter a partir do momento em que são inseridos e mantidos no paciente. A cateterização pode levar a complicações graves, como pielonefrite, bacteremia, septicemia e sepse, que são responsáveis pelo aumento da morbimortalidade em pacientes que estão com o CVD(69). Sendo assim, a formação de biofilmes, incrustação e o surgimento de microrganismos resistentes a antibióticos são ainda os principais desafios no controle das ITU-AC e devem ser ativamente monitorizadas, para que politicas públicas de saúde possam ser tomadas para orientação, não somente dos profissionais de saúde, mas também dos pacientes, a fim de se obter uma vigilância eficaz no controle dos eventos adversos relacionados ao CVD.

Diante de incertezas e lacunas tanto na prática clínica quanto no conhecimento científico em relação à prevenção da ITU associada ao CVD, questiona-se: como a análise microestrutural e microbiológica dos CVD podem estar associadas à prevenção da ITU?

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de estudo observacional transversal. O presente estudo utilizou o protocolo STROBE para estudos transversais.

Local do Estudo

Clínica neurológica, cirúrgica, médica e centro de terapia intensiva em uma instituição filantrópica de saúde no interior de Minas Gerais.

Critérios de Seleção

Foram incluídos participantes maiores de 18 anos que estavam em uso de CVD em um tempo maior que 48 horas e os pacientes sem diagnóstico de ITU à admissão. Foram excluídos pacientes inconscientes e aqueles que apresentavam bexiga neurogênica, estenose uretral, incontinência urinária, disfunção de bexiga e hiperplasia de próstata.

Amostra

Os participantes foram selecionados, por amostra de conveniência, sendo coletadas 42 amostras entre o período de junho a dezembro de 2020, considerando o número mínimo preconizado estatisticamente de 30 indivíduos(10).

Ressalta-se que, embora houvesse uma amostra maior que a mínima necessária para análises estatísticas, devido à pandemia de COVID-19 no ano de 2020 e a mudanças no protocolo da instituição, sobretudo não autorização da presença dos pesquisadores nos setores, concluiu-se a amostra em 42 participantes.

Coleta de Dados

Etapa 1: Coleta de material e análise para cultura de urina e ponta de cateter

Para a realização da urocultura, imediatamente antes da retirada do CVD, coletou-se cerca de 10 mL de urina estéril em um frasco coletor também estéril. A coleta da amostra ocorreu após prescrição médica de que não havia mais indicação e uso do CVD.

Retirou-se, ainda, de forma asséptica, 5 cm da ponta do CVD. Esta foi cortada com uma tesoura estéril para dividir a ponta em duas partes: a) uma parte para cultura, sendo inserida em um coletor estéril com solução fisiológica a 0,9%; b) outra parte sendo inserida em coletor estéril, que continha solução alcoólica a 70%, sendo utilizada para a visualização em microscopia eletrônica de varredura (MEV). Esta ponta foi conservada a 4°C até a observação. Já o segmento do CVD, conservado em solução fisiológica a 0,9%, foi analisado em até no máximo uma hora após a coleta.

As amostras foram transportadas para o laboratório de Bioprocessos do Departamento de Farmácia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), para realizar a cultura e isolar as bactérias encontradas, com utilização do método de coloração de gram para identificação de bactérias gram-positivas e gram-negativas.

Para cultura, tanto na amostra de urina quanto na de ponta do CVD, foi realizada a técnica de espalhamento em superfície. Ágar Müeller-Hinton suplementado com sangue de carneiro a 5% e um meio rico diferencial (Cled BD ágar) foram utilizados para analisar o crescimento, quantificação e isolamento. Depois de semeadas, as amostras foram incubadas por 24 horas a 37°C.

Após isso, a contagem das colônias foi realizada manualmente com a contagem da carga total (UFC/mL). O isolamento foi realizado com o auxílio de uma alça de inoculação estéril, no qual delicadamente eram coletados diferentes tipos de colônias, se fosse o caso daquela amostra. Cada colônia isolada foi depositada em diferentes microtubos Eppendorf, identificados de forma adequada, contendo solução fisiológica a 0,9% e 2 gotas de glicerol estéril conservadas a +4°C até o momento das análises de realização do gram.

Após identificação das bactérias gram+ e gram−, as colônias foram inseridas e inoculadas no equipamento automatizado Microscan Walkaway (Siemens-Sacramento-CA-USA). Por meio deste método, foi possível identificar os diferentes tipos de bactérias e fungos que poderiam ter crescido na amostra estéril tanto da cultura da ponta do CVD quanto da urina.

Para a ponta do cateter, também se utilizou o mesmo método, no entanto cultivou-se a ponta no ágar CLED pela técnica de espalhamento, e também se cultivou um segundo fragmento do CVD em um meio contendo um caldo BBL Trypticase Soy Broth-BD®, agitado em vórtex por 1 minuto. A seguir, foi seminado 1 μL em ágar Müeller-Hinton suplementado com sangue de carneiro a 5% e um meio rico diferencial (Cled BD ágar), sendo incubado por 24 horas. Após as 24 horas, foram contadas as colônias e identificadas as cepas pelo método automatizado citado acima.

Como critério de corte da ITU-AC, foram padronizados pacientes submetidos à cateterização há mais de 48 horas ou após a remoção do cateter em até 48 horas e que apresentavam febre (≥38°C), sensibilidade suprapúbica, dor ou sensibilidade no ângulo costovertebral, quando não houvesse outra causa reconhecida, e urocultura positiva com no máximo duas espécies de microrganismos com crescimento ≥105 unidades de formação de colônias por mL de urina (UFC/mL)(11). Para avaliação da presença de dor, um profissional enfermeiro, integrante desta pesquisa, fez uma avaliação física do paciente após a retirada do CVD, mensurando a febre.

Etapa 2: Coleta e análise da fração cristalina

Para análise dos cristais da urina, inseriram-se 5 mL de urina em tubos tipo Falcon, centrifugando a 1.500 rotações por minuto (RPM) por 5 min a uma temperatura de 20°C. Os sedimentos da urina foram observados em microscopia ótica (40x) com auxílio da câmera de Neubauer para contagem e tipologia dos cristais. A análise dos cristais teve como objetivo comparar a presença de cristais específicos que poderiam estar associados à ITU-AC.

Etapa 3: Análise em microscopia eletrônica de varredura

Na MEV, observou-se o grau de desenvolvimento e maturação do biofilme. Os segmentos dos CVD foram cortados longitudinalmente, cerca de 1 cm, para expor tanto a superfície endoluminal quanto a externa. O corte foi realizado sob uma cabine de segurança biológica, utilizando um bisturi estéril. A amostra foi delicadamente manipulada, de modo que não possibilitasse a destruição de biofilme, microrganismos ou precipitados cristalinos que foram visualizados.

Após retirar as amostras do álcool a 70%, elas foram lavadas com água estéril e desidratadas, em ordem ascendente, com soluções alcoólicas: álcool a 70% por 10 minutos, álcool a 90% por 10 minutos e etanol a 100% por 10 minutos. A seguir, a amostra permaneceu na cabine de segurança biológica por 15 minutos para a secagem.

Utilizou-se o microscópio eletrônico de varredura (XL 30 ESEM FEG, FEI-Philips, The Netherlands). As amostras foram colocadas em um suporte metálico, sendo, então, feita a cobertura de ouro (Sputter Coater K500X, Emitech.), com 15 mA, por 2,5 minutos. Micrografias de alta definição foram obtidas com uma magnificação de 500 a 4.000x.

Etapa 4: Coleta de dados em prontuários

No prontuário dos participantes, coletaram-se as seguintes variáveis: sexo; idade; diagnóstico do paciente; fatores de risco (ITU pregressa, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, imunossuprimido, patologia urológica associada, presença de stent urinário e história de cirurgia urológica); e urocultura. A coleta de dados nos prontuários ocorreu de junho a dezembro de 2020.

Análise de Dados

Para análise descritiva, utilizaram-se média ± desvio padrão e valores de mínimo e máximo. Para análise de normalidade das variáveis quantitativas, utilizou-se o Teste de Shapiro-Wilk. Para análise de médias, foi realizado o Teste t de Student. Para a comparação de três grupos, utilizou-se o ANOVA com post hoc de Tukey (paramétrico). Para análise das variáveis categóricas, foi realizado o Teste do Qui-Quadrado de Pearson e Fisher. Foi utilizado de forma fixa o nível de 0,05.

Aspectos Éticos

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFVJM, sob Parecer no 3.523.335. A aprovação ocorreu no ano de 2019 e está em conformidade com a Resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

O Quadro 1 apresenta os resultados da urocultura e da cultura da ponta do CVD dos 42 pacientes em que foram coletadas as amostras.

Quadro 1.
Comparação dos resultados da urocultura e da cultura de ponta do cateter vesical de demora dos participantes do estudo – Diamantina, MG, Brasil, 2020 (N = 42).

Verificou-se que, das 42 amostras coletadas, 10 (23,80%) não tiveram crescimento seja na urocultura seja na cultura de ponta do CVD.

Quanto à urocultura, havia resultados no prontuário de apenas 8 pacientes: CU8: proteus sp; CU9: Escherichia coli; CU15: Enterococcus faecium/Enterococcus cloacae; CU19: Enterococcus faecium/Escherichia coli; CU28: Proteus sp/Escherichia coli; CU32 e CU36: Escherichia coli; e CU37: Enterococcus cloacae/Escherichia coli. Todas possuíam >105 UFC/mL. No entanto, não havia descrito os sinais e sintomas de ITU desses pacientes.

Verificou-se que 14 (33,3%) amostras apresentaram magnésio-amônio-fosfato na urina, quando visualizados em microscopia óptica; em 8 (19,04%), não foram observados cristais; em 9 (21,42%), foi observado ácido úrico; em 8 (19,04%), observou-se urato amorfo; e em 3 (7,14%), observaram-se ácido úrico e oxalato de cálcio. O Quadro 2 apresenta os resultados dos tipos de cristais encontrados na urina dos participantes deste estudo.

Quadro 2
Detecção de cristais identificados em microscopia óptica (40x) associados aos participantes – Diamantina, MG, Brasil, 2020 (N = 42).

Comparando-se o Quadro 1 com o Quadro 2, verificou-se que todas amostras em que foram identificados magnésio- amônio-fosfato eram aquelas com urocultura e cultura de ponta de cateter que apresentavam valores ≥105 UFC. A Figura 1 apresenta cristais de magnésio-amônio-fosfato, urato amorfo, oxalato de cálcio, ácido úrico e cilindros com eritrócitos, também identificados em microscopia óptica.

Figura 1.
Cristais urinários visualizados pela microscopia óptica. (a) cristais de Magnésio-amônio-fosfato; (b) urato amorfo; (c) oxalato de cálcio; (d) ácido úrico; (e) cilindro e eritrócitos.

Das 42 pontas de CVD analisadas, 15 (35,71%) apresentaram biofilme maduro na ponta do CVD, sendo elas: CU 4, 5, 9,12, 14, 15, 16, 19, 22, 30, 34, 37, 38, 39 e 42. Todos esses pacientes também apresentavam sensibilidade suprapúbica e dor ângulo costovertebral logo após a retirada do CVD.

Das 15 amostras, 9 (60,00%) eram biofilmes de Proteus mirabilis, e os demais eram formados por Enterococcus faecalis (46,66%), Staphylococcus epidermidis (33,33%), Enterococcus faecium (13,33%) e Enterobacter cloacae (13,33%). Das 42 amostras, em 17 (40,47%), havia produção de matriz de EPS aderida à parede do CVD. Além disso, do total das amostras, em 10 (23,80%), havia fase de condicionamento de adesão das células à superfície, com cocos aderidos e presença de resíduos proteicos. A Figura 2 apresenta a característica de um biofilme maduro com a presença de EPS aderidas à parede do cateter. Verifica-se a presença de fibrina do hospedeiro agregados na matriz do biofilme.

Figura 2.
Biofilme maduro aderido à parede do cateter vesical de demora, seguido da ampliação da micrografia visualizada em microscopia eletrônica de varredura.

A Figura 3 apresenta micrografias que ilustram a matriz EPS na parede do CVD e presença de cocos aderidos ao biofilme. Verificou-se, ainda, a presença de resíduo proteico (fase de adesão à parede e matriz EPS) aderidos à parede do CVD.

Figura 3.
Produção de matriz de exopolissacarídeo, cocos e resíduos proteicos aderidos ao cateter vesical de demora, visualizada em microscopia eletrônica de varredura. (a) produção de matriz de exopolissacarídeo na parede do CVD e presença de cocos aderido ao biofilme; (b) matriz de exopolissacarídeo e cocos; (c) Resíduo proteico (fase de adesão à parede e matriz de exopolissacarídeo); (d) ampliação da matriz de exopolissacarídeo.

Quanto aos dados que foram retirados dos prontuários, a média do tempo de permanência dos CVD foi de 9,43 ± 5,68 dias, com tempo máximo de 24 dias e mínimo de 4 dias. Não houve associação significativa (p = 0,236) entre o tempo de permanência e urocultura positiva (>105 UFC/mL). O modelo do CVD foi o Foley de duas vias para todos os participantes. Quanto ao tipo de material dos CVD recolhidos, 35 (83,30%) eram de látex e 7 (16,70%) eram de látex revestido com silicone. Não houve associação significativa (p > 0,05) entre o tipo de CVD e apresentar ou não biofilme maduro quando observado em MEV.

A média de idade foi de 56,36 anos ± 15,76. Quanto ao sexo, 17 (40,47%) eram do sexo feminino, e 25 (59,53%), do sexo masculino.

Quanto aos fatores de risco para ITU-AC, 16 (38,09%) não possuíam nenhum fator de risco, no entanto todos eles tiveram urocultura e cultura de ponta de cateter positiva. Sendo assim, ter ou não fator de risco para ITU-AC não foi associado significativamente (p > 0,05) neste estudo em ter ou não urocultura >105 UFC. No entanto, 6 (14,28%) dos participantes que tiveram ITU pregressa, 6 (14,28%) que apresentavam doença renal crônica e 3 (7,14%) que apresentavam tanto ITU pregressa quanto doença renal crônica tiveram ponta do cateter e urocultura com valores maiores de 105 UFC/mL. Quanto aos demais participantes, 7 (16,66%) eram diabéticos e 4 (9,52%) eram etilistas. Dos participantes que não tiveram crescimento de bactérias, 6 (60%) eram diabéticos e 4 (40%) eram etilistas.

Quanto ao uso de antibiótico, verificou-se que 11 (26,19%) pacientes fizeram uso de antibiótico terapêutico, devido aos diagnósticos próprios da doença registrados no prontuário, como gravidez ectópica rota, sepse de foco pulmonar, abdominal, choque séptico e endocardite bacteriana, pelviperitonite, espondilodiscite e osteomielite. Desses, 1 (9,09%) amostra apresentou urocultura, e a cultura de ponta de cateter, >105 UFC/mL. Desses 11, 8 (72,72%) já haviam iniciado a antibioticoterapia previamente à data de registro verificada no prontuário.

Do total de participantes, 17 (40,47%) fizeram uso de antibiótico profilático e 14 (33,33%) não fizeram uso de antibióticos. Dentre aqueles que não fizeram uso antibióticos no período de internação, 10 (85,71%) tiveram urocultura e ponta de cateter >105 UFC/mL.

Daqueles participantes que fizeram uso de antibiótico profilático, devido à própria condição de internação e uso de procedimentos invasivos, 15 (88,23%) tiveram urocultura >105 UFC/mL. Desses, 11 apresentavam cultura da ponta do cateter >105 UFC/mL. Além disso, os pacientes fizeram uso de antibióticos profiláticos sem registro de urocultura prévia. Quando se associou o uso de antibiótico (sim ou não) versus a urocultura >105 UFC/mL, verificou-se associação significativa (p = 0,001).

DISCUSSÃO

De acordo com os resultados deste estudo, verificou-se que, mesmo a urina sendo coletada de forma estéril, houve crescimento de microrganismos tanto na urocultura quanto na cultura da ponta do CVD (Quadros 1 e 2). Os microrganismos identificados na urina estéril corroboram com aqueles mais comuns associados à ITU-AC, como a Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus spp, Proteaus mirabilis, Klebsiella pneumoniae, Proteus vulgaris, Enterococcus spp e Candida albicans(12).

Em estudo realizado no Reino Unido, os autores coletaram 58 CVD de pacientes internados em uma instituição de saúde, para verificar a presença de bactérias no balão e no lúmen do cateter(13). Os microrganismos mais prevalentes e comuns aos dois lugares selecionados no CVD foram Escherichia coli e Enterococcus faecalis(13). Neste estudo, também teve alta prevalência na ponta do CVD o Enterococcus faecalis (12; 28,57%) e a Escherichia coli (8; 19,04%). Apesar de menor prevalência, quando comparado ao presente estudo, também se verificou a presença de Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa, Candida albicans, Staphylococcus epidermidis e Enterococcus faecium(13).

Neste estudo, a quantidade de colônias identificadas não foi associada estatisticamente (p > 0,05) com o tempo de permanência do CVD. Ressalta-se que, mesmo em curta permanência do CVD (<que 28 dias), foi possível visualizar biofilmes maduros, o que sugere uma reflexão sobre o provável risco em pacientes de longa permanência (>28 dias), sobretudo em lares de idosos, que pode levar ao desprendimento das células do biofilme.

Outro fator que não influenciou o crescimento das colônias foi o uso de antibiótico. A maioria dos pacientes em uso de antibiótico profilático apresentou urocultura com valores >105 UFC. Esses resultados corroboram com um estudo experimental, no qual os autores não verificaram associação entre o tempo de permanência e o crescimento de bactérias, verificando que os antibióticos não reduziram significativamente (p > 0,05) a colonização nos lumens dos CVD retirados dos pacientes(13). Pode-se inferir que o uso inadequado de antibiótico profilático induz uma resposta de populações microbianas que aceleram o processo natural de resistência bacteriana. Outro dado que chamou atenção é que os pacientes faziam uso de antibióticos previamente à urocultura, o que dificulta o crescimento de microrganismos, proporcionando resultados falsos-negativos.

Além disso, mecanismos de expressão de resistência bacteriana, como produção de enzimas inativadoras, alteração do receptor para a ação da droga, vias metabólicas alternativas e até mesmo a formação de biofilmes aceleram o processo de manutenção de um processo infeccioso como a ITU-AC. Neste estudo, foi possível observar diversas fases do desenvolvimento do biofilme (Figuras 2 e 3), indo desde a adesão das células à superfície do CVD ao crescimento das colônias e maturação do meio extracelular. Como o meio de crescimento do biofilme no CVD pode conter sangue, além da urina e diferentes tipos de sais e cristais inorgânicos, a matriz extracelular pode conter leucócitos, hemácias, plaquetas e fibrinas, contribuindo para um tipo específico de biofilme maduro que pode ser suscetível à desagregação de células e desprendimento da matriz do biofilme.

Outro fator que pode contribuir para uma especificidade do tipo de biofilme maduro visualizado neste estudo foi que 60% eram formados por Proteus mirabilis, que, por sua vez, desenvolve um biofilme cristalino que incrusta na superfície do CVD e bloqueia o fluxo urinário(14) (Quadro 2 e Figura 1). O Proteus mirabilis é uma bactéria flagelada que tem a capacidade de tornar a urina alcalina, produzindo microcristais de fosfato magnésio e de cálcio que se acumulam na superfície do cateter, formando uma estrutura de biofilme mineralizado(6,9). Os microcristais aderidos à bactéria podem permanecer viáveis após a retirada do cateter, desencadeando infecções urinárias crônicas, bloqueio recorrente do lúmen do cateter, além de atuar como reservatórios de reinfecção após tratamento da ITU ou troca do dispositivo(6). Devido à sua alta capacidade de migração e por conter células alongadas, o Proteus mirabilis é capaz de deslocar facilmente da região periuretral para o interior da bexiga, o que, muitas vezes, pode levar a um eventual refluxo da urina infectada para o trato urinário superior e rins(6,9). Neste estudo, 33,3% dos participantes apresentaram magnésio- amônio-fosfato na urina, quando visualizados em microscopia óptica (Figura 1), e coincidiram de as mesmas amostras apresentarem o Proteus mirabilis na ponta do CVD.

Outra bactéria prevalente na ponta do CVD foi a Enterococcus faecalis, sendo possível afirmar, de acordo com outro estudo experimental, que os fatores secretados pela Enterococcus faecalis aumentam o potencial patogênico da Proteus mirabilis, promovendo uma alta produção de uréase e aumento da citotoxicidade(4). Neste estudo, duas amostras tiveram a coinfecção das duas bactérias na ponta do CVD (Quadro 1), o que poderia ter aumentado a biomassa do biofilme, potencializado a ITU-AC e o risco de sepse de foco urinário e bacteremia, devido, sobretudo, à interação sinérgica entre os dois microrganismos.

Nesse sentido, as análises estruturais do CVD visualizadas em MEV e dos microrganismos na urocultura possibilitaram inferir que, para os pacientes deste estudo que retiraram o CVD, havia a possibilidade de apresentar ITU-AC, uma vez que, associado à urocultura positiva, todos eles relataram ao exame físico pequena sensibilidade suprapúbica e dor ângulo costovertebral. Além disso, a enfermagem deve desempenhar uma vigilância ativa e diária do tempo de permanência do cateter, indicação e do tempo de internação dos pacientes com CVD, indicadores consagrados e associados com a manutenção da prevalência da ITU-AC(15).

CONCLUSÃO

A presente pesquisa buscou ampliar e re-significar o olhar da equipe de enfermagem sobre a ITU-AC, uma vez que, conhecendo a formação de biofilmes no CVD e os resultados da urocultura de todos os pacientes analisados, entende- se a necessidade de uma avaliação coletiva de toda a equipe multiprofissional para uma decisão sobre critérios rigorosos de exames físicos e clínicos de todos os pacientes com previsão de retirada do CVD e confirmação da necessidade de solicitação da urocultura antes da alta.

Este estudo contribuiu para gerar indicadores de qualidade que auxiliam no desenvolvimento e implementação de métodos de prevenção e controle da ITU-AC, a fim de evitar eventos adversos nos pacientes, muitas vezes desconhecidos pela equipe multiprofissional.

Como já evidenciado nos resultados, é preciso estar atento, pois, o uso de antibiótico, que em sua maioria foi iniciado de forma totalmente empírica, o crescimento de microrganismos patogênicos na urina, a formação de precipitados cristalinos e o desenvolvimento de biofilme bacteriano acontecem e, junto a isso, o tempo de internação e a morbimortalidade podem elevar na instituição.

EDITOR ASSOCIADO

Dulce Aparecida Barbosa

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2021
  • Aceito
    18 Fev 2022
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