Fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade: revisão sistemática

RESUMO

Objetivo:  analisar os fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade.

Método:  revisão sistemática, cuja busca foi realizada em março de 2021 em sete bases de dados, sem delimitação de período de publicação. O processo de seleção das publicações e extração de dados foi realizado por dois revisores independentes.

Resultados:  identificaram-se 1.448 publicações, das quais nove foram incluídas no estudo. Desfecho desfavorável foi maior entre sexo masculino, baixa escolaridade, residente em área rural antes da detenção, maior tempo de aprisionamento, visitas ocasionais, transferência entre unidades prisionais, indivíduos sem baciloscopia ou com resultado positivo no diagnóstico, sem baciloscopia de acompanhamento, história prévia de tuberculose, ter ambas as formas clínicas da doença, HIV/aids, alcoolismo, tabagismo, baixo peso corporal e tratamento autoadministrado. O abandono do tratamento esteve associado a pessoas jovens e o óbito, a pessoas mais velhas.

Conclusão:  espera-se que os gestores e profissionais de saúde prisionais possam estabelecer mecanismos de vigilância e inovação das ações de saúde voltadas à população privada de liberdade, envidando esforços para reduzir os desfechos desfavoráveis da tuberculose.

DESCRITORES Saúde Pública; Tuberculose; Resultado do Tratamento; Prisões; Prisioneiros; Revisão Sistemática

ABSTRACT

Objective:  to analyze factors associated with unfavorable outcome of tuberculosis treatment in people deprived of liberty.

Method:  systematic review, carried out in March 2021 in seven databases, with no delimitation of period of publication. The selection process of publications and data extraction was carried out by two independent reviewers.

Results:  a total of 1,448 publications was identified and nine were included in the study. Unfavorable outcome was higher among those who were men; had low level of education; were living in a rural area before detention; had longer prison time; received occasional visits; had been transferred between prisons; with no sputum smear microscopy or with a positive result at the diagnosis; with no follow-up sputum smear microscopy, previous history of tuberculosis; having both clinical forms of the disease, HIV/AIDS; alcoholics; smokers; low body weight; and self-administered treatment. Treatment default was associated with young people and death with older people.

Conclusion:  prison health managers and professionals are expected to establish mechanisms of surveillance and health actions innovation aimed at the population deprived of liberty, making efforts to reduce the unfavorable outcomes of tuberculosis treatment.

DESCRIPTORS Public Health; Tuberculosis; Treatment Outcome; Prisons; Prisoners; Systematic Review

RESUMEN

Objetivo:  analizar los factores asociados al resultado desfavorable del tratamiento de la tuberculosis en individuos privados de libertad.

Método:  revisión sistemática, realizada en marzo de 2021 en siete bases de datos, sin delimitar periodo de publicación. El proceso de selección de las publicaciones y extracción de los datos fue realizado por dos revisores independientes.

Resultados:  Se identificaron 1.448 publicaciones y nueve se incluyeron en el estudio. El resultado desfavorable se destacó entre sexo masculino, baja escolaridad, residentes en áreas rurales, mayor tiempo de cárcel, visitas ocasionales, transferencia entre prisiones, individuos sin baciloscopia o con resultado positivo en su diagnóstico, sin baciloscopia de acompañamiento, histórico anterior de tuberculosis, ambas las formas clínicas de la enfermedad, VIH/SIDA, alcoholismo, tabaquismo, bajo peso corporal y tratamiento auto administrado. El abandono del tratamiento tuvo relación entre individuos jóvenes y el óbito, a personas mayores.

Conclusión:  se espera que los gestores y los profesionales de salud carcelarios puedan establecer mecanismos de vigilancia e innovación de las acciones de salud a la población privada de libertad, con el reto de reducir los resultados desfavorables del tratamiento.

DESCRIPTORES Salud Pública; Tuberculosis; Resultado del Tratamiento; Prisiones; Prisioneros; Revisión Sistemática

INTRODUÇÃO

As pessoas privadas de liberdade (PPL) vivem em condições desumanas, com alto número de apenados e ausência de ventilação e luz solar nas celas(¹). Tais condições aumentam 28 vezes as chances de esta população adoecer por tuberculose (TB), quando comparada com a população geral(²–³).

A TB representa um problema de saúde pública nas unidades prisionais, visto que a taxa de notificação é 11 a 81 vezes maior do que na população geral. No Brasil, 7,8% das notificações de casos novos de TB são atribuídos à população carcerária(⁴–⁵).

Outros fatores que podem contribuir para a ocorrência da doença no âmbito prisional dizem respeito à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e à dificuldade de acesso aos serviços de saúde(³). Quanto ao HIV, cabe ressaltar que estudos internacionais apontam maior prevalência da infecção no ambiente prisional em relação à população geral(⁶–⁷). Em 2017, entre 10 milhões de pessoas que adoeceram devido à TB, 900.000 viviam com HIV, e dessas, 300.000 foram a óbito(⁸).

Quanto ao acesso aos serviços de saúde, de acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Prisional (PNAISP), o sistema brasileiro deve ser capaz de oferecer assistência integral à saúde das PPL, ancorada nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso possibilita garantir a capacidade de diagnóstico e notificação de doenças como a TB dentro das unidades prisionais, ou o referenciamento do caso para um serviço especializado da rede de atenção em saúde(⁹–¹⁰).

Dentre suas atribuições, as unidades de saúde prisionais devem ofertar ações focadas na busca ativa de sintomáticos respiratórios, no rastreamento de pessoas com HIV e no tratamento oportuno da TB, contribuindo para o desfecho favorável dos casos da doença(¹⁰–¹²).

Apesar disso, a mortalidade relacionada à TB e o abandono do tratamento são elevados nesses ambientes e têm sido relatados em várias regiões do mundo, de tal forma que se prevê que o cumprimento de qualquer sentença pode tornar as PPL suscetíveis à TB, e consequentemente, ao óbito(⁵,¹³).

Considerando que a TB é um problema de saúde pública afetado pelo contexto prisional, em que a ocorrência de encerramento desfavorável dos casos é expressiva, esta revisão sistemática de literatura tem o objetivo de identificar e analisar os fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da TB em PPL, atentando para o fato de que tal reconhecimento pode ajudar na implementação de políticas de saúde prisionais.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Trata-se de uma revisão sistemática conduzida de acordo com o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)(¹⁴) e registrada no PROSPERO (CRD42018096148). O registro no PROSPERO passou por duas alterações: a primeira contemplou uma modificação na população de estudo, ou seja, de pessoas com coinfecção TB/HIV para pessoas com TB; na segunda atualização, foram feitos ajustes nos tipos de estudos incluídos na revisão e na forma como foi feita a avaliação do risco de viés.

A revisão sistemática deve ser rigorosamente desenvolvida e tem como características a evidência de alta qualidade, a reprodutibilidade, a imparcialidade e a alta sensibilidade para encontrar todos os potenciais artigos relevantes(¹⁵). É considerada uma modalidade de pesquisa desenvolvida conforme as seguintes etapas: formulação da questão de estudo; produção e registro de um protocolo de investigação; definição de critérios de inclusão e de exclusão; busca de estudos por meio de estratégias específicas; seleção de estudos; avaliação da qualidade metodológica; extração de dados; síntese dos dados e avaliação da qualidade da evidência; publicação dos resultados(¹⁵).

Coleta de Dados

Para o levantamento das publicações, inicialmente, foram identificados descritores que derivam da questão norteadora “Quais os fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da TB em PPL?”, utilizando a estratégia PEO, proposta pelo The Joanna Briggs Institute(¹⁶) para revisões sistemáticas, o qual reconhece essa estratégia como a mais adequada para elaborar questões sobre o efeito de exposição (Quadro 1).

Quadro 1.
Elaboração da pergunta do estudo segundo a estratégia PEO, Ribeirão Preto, 2021.

Os descritores em negrito mencionados no Quadro 1 fazem parte do vocabulário controlado encontrado nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Por meio desses descritores, foi possível identificar os sinônimos de cada um, bem como os correspondentes nos idiomas espanhol e inglês. Para os descritores em inglês, também foi consultado o Medical Subject Headings (MESH). Em seguida, foram feitas as buscas prévias nas bases de dados com o intuito de identificar o vocabulário livre também utilizado na escrita das publicações.

As bases de dados utilizadas nas buscas foram: Excerpta Medica dataBASE (Embase^® – https://www.embase.com), Scopus, propriedade da Elsevier (https://www.scopus.com), MEDLINE ou Publisher Medlin (acessado por meio da plataforma PubMed – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS – acessado por meio do Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde – https://pesquisa.bvsalud.org/portal/advanced). Por fim, as buscas realizadas nas bases de dados Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Academic Search Premier (ASP) e SocINDEX foram executadas simultaneamente por meio da plataforma EBSCOhost acessada pelo site Periódicos CAPES (https://www.periodicos.capes.gov.br), que deleta automaticamente as duplicidades encontradas nestas bases de dados. Nas buscas feitas no LILACS, foi utilizado o vocabulário nos idiomas português, inglês e espanhol. Para as buscas nas demais bases de dados, utilizou-se o vocabulário em inglês.

As buscas foram realizadas em março de 2021, utilizando estratégias específicas segundo cada base de dados e os operadores booleanos AND e OR (Quadro 2). Ressalta-se que o operador booleano OR foi utilizado entre as palavras de um mesmo grupo (“palavra” OR “palavra”) e o AND foi utilizado entre o conjunto de palavras dos diferentes grupos (“conjunto de palavras do grupo1” AND “conjunto de palavras do grupo2” AND “conjunto de palavras do grupo3”).

Quadro 2.
Estratégias de busca bibliográfica utilizadas na revisão sistemática sobre os fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade, segundo as bases de dados pesquisadas, Ribeirão Preto, 2021.

Critérios de Inclusão e Exclusão

A busca bibliográfica não utilizou limite de ano de publicação no intuito de esgotar as fontes de informação sobre o tema em questão. Os resultados das buscas foram exportados para o aplicativo de revisão sistemática online Rayyan QCRI da Qatar Computing Research Institute(¹⁷). Após a exportação, foram excluídas as publicações que estavam duplicadas, sendo as demais submetidas à leitura dos seus resumos e títulos por dois revisores independentes. Para a seleção das publicações, foram definidos os seguintes critérios de elegibilidade: estudos primários que testaram a hipótese de que existem fatores associados ao desfecho do tratamento dos casos de TB no sistema prisional; pesquisas voltadas ao estudo específico da PPL com TB; estudos que abordavam fatores associados ao desfecho favorável/desfavorável ou não cura, ou óbito ou abandono do tratamento. Dessa forma, foram excluídas pesquisas que estudavam população geral junto com PPL e aqueles que estudavam fatores associados especificamente à falência do tratamento, ou transferência ou desfechos não informados. Posteriormente à leitura dos títulos e resumos, as publicações selecionadas foram submetidas à leitura integral, que permitiu identificar os artigos realmente pertinentes à revisão.

Análisedos Dados

Os artigos incluídos foram submetidos a uma síntese narrativa após extração de dados, feita por um revisor e conferida por outro. Para isso, utilizou-se um instrumento específico baseado em Ursi(¹⁸), que apresentava as seguintes variáveis: título do artigo, nome do periódico, autores, local estudado (país), idioma, ano de publicação, tipo de estudo, objetivo, população estudada, cálculo amostral, amostragem, características da população estudada, fonte de coleta de dados, variável dependente, variáveis independentes, tratamento estatístico, principais resultados e conclusões. Os resultados foram apresentados em quadros demonstrativos e complementados pela análise feita na discussão.

A qualidade metodológica dos artigos foi avaliada por meio da utilização de instrumentos específicos propostos pela The Joanna Briggs Institute (JBI)(¹⁹). Nesse caso, foram utilizados os instrumentos que avaliam estudos de coorte, caso-controle-retrospectivo e outro que avalia estudos transversais, possibilitando indicar o número de itens adequadamente abordados nos estudos, segundo o número de itens previstos pelos instrumentos (11 itens previstos para estudos de coorte – no entanto, dois itens não se aplicavam a estes estudos em função de serem coortes retrospectivos; dez itens para estudos caso-controle e oito itens para estudos transversais). Também se buscou as limitações nos artigos para complementar tal avaliação. Nenhum estudo foi excluído em função da avaliação da qualidade metodológica.

RESULTADOS

A busca permitiu identificar 1.448 produções científicas, das quais foram excluídas 470 publicações por estarem duplicadas e 947 após a leitura de seus títulos e resumos. Dessa forma, 31 publicações foram consideradas elegíveis para leitura na íntegra, das quais 22 foram excluídas, permanecendo nove artigos na revisão (Figura 1).

Figura 1.
Fluxograma de identificação dos artigos incluídos na revisão sistemática sobre os fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade, Ribeirão Preto, 2021.

Os artigos incluídos nesta revisão(²⁰–²⁸) foram publicados em língua inglesa(²¹,²³–²⁸), espanhola(²²) e um em duas versões – portuguesa e inglesa(²⁰). Cinco estudos são procedentes do continente Africano(²¹,²⁴–²⁶,²⁸), três da América do Sul(²⁰,²²,²⁷) e um do continente Asiático(²³). Em relação ao ano de publicação, os artigos foram publicados em 2013(²⁷–²⁸), 2014(²⁶), 2018(²⁴–²⁵), 2019(²²–²³) e 2020(²⁰–²¹). Os artigos incluídos trabalharam com população, não sendo realizado ou apresentado cálculo amostral. No entanto, dois estudos(²⁰,²²) apresentaram considerável perda em relação à população do estudo em função de dados ignorados/em branco nos sistemas de informação.

Quanto à qualidade metodológica das produções, as principais limitações dos estudos foram a coleta de dados secundários em todos os artigos incluídos, cujas medidas de exposição e desfecho podem não ser confiáveis(²⁰–²⁸), e a não identificação de variáveis de confundimento(²¹–²⁷) e de estratégias para lidar com os mesmos(²¹–²³). Dois estudos apresentaram análise não confiável, uma vez que não foi possível identificar variável de referência de algumas análises(²³,²⁸) e alguns valores de odds ratio não estavam alinhados com o intervalo de confiança(²⁸). Além disso, cabe destacar ainda a ocorrência de equívocos no delineamento dos tipos de estudo em dois artigos incluídos(²²,²⁵).

Os dados relacionados aos artigos incluídos na presente revisão estão apresentados no Quadro 3.

Quadro 3.
Descrição dos artigos incluídos na revisão sistemática sobre os fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade, Ribeirão Preto, 2021.

No que concerne aos resultados desta revisão sistemática, os artigos apresentaram diferentes abordagens do objeto de interesse, ora considerando desfecho desfavorável como óbito, perda de seguimento e desfecho não identificado juntos(²¹), ora avaliando abandono do tratamento, falência e óbito juntos(²²,²⁴), ora abandono, falência no tratamento e transferência juntos(²³), ora falência, óbito, transferência e desfecho não identificado juntos(²⁵) e ora falência, recidiva e óbito juntos(²⁸). Além disso, outros três estudos avaliaram abandono(²⁰,²⁶–²⁷) e óbito por TB(²⁷) e por outras causas(²⁷), separadamente. As diversas abordagens impossibilitaram uma síntese quantitativa das informações. Na síntese narrativa sobre os fatores associados ao desfecho dos casos de TB em PPL, foi realizado um agrupamento dos achados segundo características sociodemográficas, do aprisionamento, clínicas e de tratamento (Quadro 4).

Quadro 4.
Descrição dos fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da tuberculose em pessoas privadas de liberdade, segundo tipo de desfecho estudado e características sociodemográficas, do aprisionamento, clínicas e do tratamento, Ribeirão Preto, 2021.

DISCUSSÃO

Dentre as características sociodemográficas, o risco para desfecho desfavorável do tratamento da TB no sistema prisional em relação à faixa etária não apresentou um padrão nos artigos estudados. Em dois deles, o risco foi maior em adultos jovens(²³,²⁸), enquanto em outro estudo foi maior em idosos(²¹). No entanto, quando avaliados separadamente, o abandono do tratamento foi maior em pessoas abaixo de 43 anos(²⁷), enquanto o óbito foi maior em pessoas com idade ≥30 anos(²⁷). Dessa forma, parece que o abandono do tratamento da TB na unidade prisional ocorre mais em pessoas jovens, indo ao encontro de um estudo realizado que mostra que indivíduos mais velhos com a doença apresentavam maior preocupação com o autocuidado e cuidavam mais de sua saúde(²⁹). Apesar disso, tudo indica que as pessoas com mais idade apresentam maior propensão ao óbito, o que pode ocorrer em função da sobreposição de comorbidades nesta população e maior toxicidade dos medicamentos antituberculosos nesses indivíduos(³⁰).

Encontrou-se evidência de associação entre o sexo masculino e casos que não evoluíram para cura em um dos estudos encontrados(²⁸). Os outros estudos não apontaram tal aspecto, uma vez que a maioria(²⁰,²³–²⁴,²⁶,²⁸) ou a totalidade(²¹–²²,²⁵,²⁷) das populações estudadas eram do sexo masculino. Destaca-se, neste sentido, a necessidade de realizar pesquisas sobre a temática em questão voltadas à população feminina e à fragilidade no autocuidado da população masculina do sistema prisional, a qual procura o serviço de saúde apenas em situações agudas e se abstém do cuidado em saúde para repassar culturalmente uma imagem de força(³¹–³²).

Em relação à escolaridade, uma pesquisa apontou que indivíduos com mais de oito anos de estudo apresentavam menor probabilidade de abandono do tratamento e de óbito por outras causas(²⁷). Outro estudo mostra que o menor nível de conhecimento sobre TB estava associado a pessoas com baixa escolaridade(³³), as quais apresentam menor preocupação com o autocuidado(²⁹) e, por conseguinte, abandonam o tratamento e ficam sujeitas a um maior risco de morte. Dessa forma, cabe ressaltar a importância de ações de educação em saúde voltadas para esses indivíduos, com vistas a aumentar o nível de conhecimento sobre a doença e seu tratamento, bem como a necessidade de manter tal tratamento mesmo após a melhora dos sintomas(³⁴).

A residência em zona urbana antes do aprisionamento mostrou maior chance de sucesso no tratamento em comparação com os residentes em áreas rurais(²⁵). Estudo na população geral no Rio de Janeiro também mostrou que pessoas com TB residentes na zona rural estiveram associadas a desfechos desfavoráveis quando comparadas aos residentes na zona urbana(³⁵). Para explicar esse resultado, levanta-se a hipótese de que os indivíduos que residem na zona rural têm menor acesso à educação e à saúde(³⁶), o que pode resultar em importante déficit de informações sobre a doença e seu tratamento, reforçando a importância de realizar as ações de educação em saúde anteriormente mencionadas, no intuito de aumentar as chances de cura entre os casos acometidos.

Quanto às características do aprisionamento, pessoas com menor tempo de encarceramento tiveram maior chance de sucesso do tratamento(²⁵), sendo difícil precisar uma justificativa para esta ocorrência. Acredita-se que estas pessoas em início de aprisionamento recebiam visitas com maior frequência, o que pode ter levado a uma maior chance de cura em comparação com pessoas que recebiam visitas ocasionais, uma vez que tal característica também está associada à ocorrência de desfechos desfavoráveis(²⁸). O recebimento de visitas parece constituir um importante aspecto motivacional ofertado pelos familiares e amigos no que diz respeito à adesão terapêutica, uma vez que tal apoio é apontado como muito importante para o suporte emocional e a continuidade do tratamento, mostrando a importância das palavras de conforto e carinho e do sentimento de se sentirem queridos durante o período da enfermidade(³⁷).

Encontraram-se, ainda, evidências de que os casos de transferência para outras unidades prisionais apresentaram maior chance de abandono(²⁶), ou seja, as PPL com TB perderam o seguimento de sua doença quando foram transferidas, mostrando que não houve coordenação da assistência e nem um plano de transição de cuidado da unidade prisional para a comunidade, a qual pressupõe a necessidade de encaminhamento e interlocução com os serviços assistenciais para a continuidade da assistência(³⁸). Dessa forma, fornecer um plano de transição de cuidado às pessoas doentes em período de livramento, com encaminhamentos apropriados para cuidados na comunidade, tem um impacto positivo nos resultados pós-liberação, uma vez que fornece um roteiro para aqueles que retornam à comunidade. Se o indivíduo for engajado com sucesso e mantido nos cuidados, isso pode levar a melhores resultados de saúde, não apenas para o indivíduo, mas também para a comunidade(³⁹).

Em relação às características clínicas, pessoas com história prévia de TB apresentaram maior chance de desfecho desfavorável(²⁴–²⁵) e abandono do tratamento(²⁷). Em um estudo conduzido no Peru, os autores identificaram que os pacientes que tinham interrompido anteriormente o tratamento possuíam um risco aumentado não só de abandonar o tratamento atual, mas também de evoluir para óbito(⁴⁰). Os pacientes previamente tratados devem ter suporte adicional no início de um novo tratamento para enfatizar a importância da adesão e conclusão do processo. Antes de iniciar um novo tratamento, os casos de reingresso após abandono precisam de uma atenção especial para verificar e abordar as questões que contribuíram para o abandono anterior e, dessa forma, evitar desfechos graves como a morte(⁴⁰).

Outro resultado encontrado diz respeito à associação entre desfecho desfavorável e indivíduos que não realizaram baciloscopia de diagnóstico(²⁷) ou que não apresentaram registro do resultado da mesma(²¹). Esses casos podem ter sido diagnosticados pela cultura de escarro, ou, mais recentemente, pelos testes rápidos moleculares ou pelo diagnóstico clínico, o qual pode ser embasado com a ajuda de imagens radiológicas.

Esses resultados mostram ainda a importância de realizar a baciloscopia ou os testes rápidos moleculares como métodos que podem contribuir para a identificação de casos com potencial de risco ao desfecho desfavorável, uma vez que outro estudo mostrou associação entre casos positivos de TB e o óbito por outras causas(²⁷). Neste estudo, dentre estas causas de óbito, grande parte se refere à infecção pelo HIV e aids(²⁷), revelando que entre essas pessoas, é imprescindível o acompanhamento sistemático dos casos de forma a identificar a gravidade e a evolução dos mesmos, principalmente se no início do tratamento elas apresentaram resultado positivo da baciloscopia.

Quanto à forma clínica da TB, a concomitância das formas pulmonar e extrapulmonar aumentou a chance de óbitos por TB e por outras causas(²⁷). Sabe-se que a ocorrência da TB extrapulmonar é mais frequente entre pessoas imunocomprometidas, vivendo ou não com HIV/aids(⁴¹). Dessa forma, a condição imunológica dos indivíduos acometidos por ambas as formas de TB deve ser avaliada e tratada de forma a contribuir com os resultados do tratamento.

Adicionalmente, cabe ressaltar que a infecção pelo HIV está associada a uma maior ocorrência de desfechos desfavoráveis(²²,²⁸) e abandono do tratamento(²⁰). Dentre as possíveis explicações para tal abandono, ressalta-se a sobreposição dos tratamentos para ambas as doenças, as quais resultam em eventos adversos e maior dificuldade na adesão aos tratamentos(⁴²). Além disso, quanto ao fato de o HIV/aids estar associado a desfechos desfavoráveis, cabe destacar as dificuldades e o atraso no diagnóstico da TB pulmonar nos indivíduos com coinfecção em função da característica paucibacilar da manifestação da doença nesta população(⁴³). Também há dificuldades de diagnóstico da TB extrapulmonar no âmbito prisional, pois são necessárias tecnologias diagnósticas que vão além do escopo das ações ofertadas pelas unidades de saúde prisional, bem como articulação com serviços de saúde de fora do sistema prisional para este diagnóstico(⁴⁴).

A chance de morrer por TB foi 8,4 vezes maior naqueles que apresentavam menos de 50 quilos de peso corporal(²⁴), corroborando com estudos realizados na Etiópia(⁴⁵), cujas evidências apontaram que o peso corporal no início do tratamento é um preditor significativo de óbito dos pacientes. Dessa forma, a morte dos pacientes de TB pode ser atribuída à gravidade da doença, que acarretou em considerável perda de peso, ou a um precário estado nutricional prévio(⁴⁶).

Tal situação nutricional também pode ser afetada pelas condições do aprisionamento(⁴⁷–⁴⁸) e por outras comorbidades, como o tabagismo e o alcoolismo, os quais também apresentaram associação com os casos de não cura de TB no sistema prisional(²⁷–²⁸). Quanto ao tabagismo, uma revisão sistemática apresentou estudos que demonstraram a associação entre o consumo de tabaco e o aumento da possibilidade de desfechos desfavoráveis entre indivíduos com TB(⁴⁹), o que é explicado em função dos indivíduos tabagistas estarem em sua grande parte associados a maior gravidade da doença pulmonar por apresentarem lesões cavitárias mais intensas(⁵⁰) e um atraso na conversão da cultura de escarro final(⁵⁰–⁵¹). Dessa forma, destaca-se a necessidade de efetivar o Programa de Controle do Tabagismo no Brasil, com o intuito de reduzir a prevalência de fumantes e, consequentemente, a morbimortalidade relacionada ao consumo de derivados do tabaco no país.

Uma metanálise publicada em 2020 sobre o impacto do alcoolismo no desfecho do tratamento indicou que há evidências de associação entre o uso abusivo de álcool e os resultados desfavoráveis do tratamento da TB, recomendando a necessidade de intervenções visando à redução do consumo de álcool(⁵²). Além disso, tal resultado induz a reflexões em relação aos desafios acerca da entrada e circulação desses produtos no sistema prisional, os quais muitas vezes podem ser utilizados como forma de lidar com o stress e a ansiedade causados pelas condições do encarceramento(⁴⁷–⁴⁸) que, predominantemente, são precárias em todo o mundo. Com isso, o diagnóstico precoce da TB conciliado às orientações relacionadas ao baixo consumo de álcool e tabaco, bem como à tomada correta das medicações podem contribuir para desfechos mais favoráveis.

Em relação às variáveis de tratamento, encontrou-se evidência de associação entre abandono do tratamento e não realização de baciloscopias de acompanhamento(²⁰). Isso mostra deficiência das unidades de saúde no acompanhamento dos casos, as quais devem priorizar a realização mensal do exame para o acompanhamento da carga de bacilos do doente durante seu tratamento no ambiente de encarceramento, pois permite avaliar a presença de bacilos(⁴²) e, consequentemente, o sucesso terapêutico ou a resistência às drogas do esquema básico.

O tratamento diretamente observado (TDO) é amplamente recomendado e utilizado com o intuito de reduzir as taxas de abandono e óbito e assim, atuar no controle da doença(⁵³). Nas prisões, supõe-se que haja maior facilidade para realizar o TDO e monitorar o progresso dos pacientes(⁵⁴). Um dos estudos encontrados nesta revisão mostrou que indivíduos sob TDO apresentaram menor risco de abandono do tratamento da TB e óbito por outras causas(²⁷).

Apesar de a unidade prisional se apresentar como um ambiente propício para a execução do TDO, convém refletir sobre as dificuldades envolvidas no cumprimento da proposta, a saber: ocupação acima de sua capacidade e sem o adequado dimensionamento de profissionais(⁵⁵–⁵⁶); supremacia de ações voltadas à segurança/vigilância dos detentos e dos profissionais da unidade prisional em detrimento de ações voltadas à saúde, que impede o comparecimento diário dos detentos às unidades de saúde prisionais para tal supervisão e limita o acesso dos profissionais de saúde às celas e pavilhões(⁵⁵–⁵⁷); agentes penitenciários de saúde participam da regulação do acesso às ações de saúde sem o adequado conhecimento para tal(⁵⁸).

Complementando resultados sobre o TDO, outro estudo apontou associação entre essa modalidade de tratamento e a maior chance de não cura⁽²⁸⁾. Cabe destacar que a qualidade das informações deste último estudo é questionável em função de inconsistências metodológicas encontradas na apresentação de seus resultados, a saber: alguns valores de odds ratio não estavam alinhados com o intervalo de confiança e não foi possível identificar variável de referência de algumas análises.

Como limitação do presente estudo, aponta-se a não avaliação da qualidade da evidência desta revisão sistemática, bem como a possível não inclusão de estudos relevantes indexados em bases de dados não pesquisadas no estudo; além disso, a não inclusão da literatura cinzenta, a qual permitiria identificar a abordagem de outros tópicos/pontos relevantes sobre os fatores associados ao desfecho desfavorável dos casos de TB.

CONCLUSÃO

Por meio do estudo, verificou-se um número reduzido de artigos que avaliaram os fatores associados ao desfecho do tratamento, mesmo diante de uma busca ampla de estudos nas bases de dados, com a utilização de vocabulários controlados e livres e sem a delimitação de período e idioma de publicação. Tal resultado mostra que o tema é pouco explorado na literatura científica revisada por pares, acompanhando a invisibilidade das PPL, principalmente quando se identifica alto número de estudos sobre o tema dirigidos à população geral.

Apesar disso, os artigos incluídos possibilitaram uma síntese do conhecimento sobre o tema em questão, bem como a reunião dos fatores associados ao desfecho desfavorável do tratamento da TB em presídios em um único estudo, a saber: sexo masculino, baixa escolaridade, residência em área rural antes do aprisionamento, maior tempo de aprisionamento, recebimento de visitas ocasionais, transferência entre as unidades prisionais, indivíduos sem resultado de baciloscopia de diagnóstico ou com resultado positivo, história prévia de TB, HIV/aids, ter ambas as formas clínicas da TB (pulmonar + extrapulmonar), alcoolismo, tabagismo, ter outras comorbidades, baixo peso corporal, não realizar baciloscopia de acompanhamento e não realizar TDO. Quanto à idade, parece que o abandono do tratamento ocorre mais em pessoas jovens e o óbito em pessoas mais velhas.

Dessa forma, o estudo contribui com elementos para que os profissionais de saúde e outros atores sociais voltem seus olhares para as pessoas com TB nas unidades de saúde prisionais e envidem esforços para reduzir os desfechos desfavoráveis nesta população, segundo as características das mesmas. Devem ser implementadas práticas para o diagnóstico oportuno dos casos (com oferta de baciloscopia ou teste rápido molecular), o manejo clínico (com oferta de baciloscopia de acompanhamento, ações para a melhora nutricional dos pacientes e estratégias de redução de danos ao uso de álcool e drogas), o monitoramento da adesão ao tratamento (com oferta de TDO) e planos de transição de cuidados para indivíduos em transferência para outras unidades prisionais ou em situação de livramento.

• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Projeto Produtividade em Pesquisa – processo 304517/2018-6.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Out 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  04 Jan 2021
• Aceito
  06 Jul 2021