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Vulnerabilidades associadas à violência contra a mulher antes do ingresso no sistema prisional

RESUMO

Objetivo:

analisar as vulnerabilidades individuais e sociais de mulheres privadas de liberdade para violência sofrida antes da entrada no sistema prisional.

Método:

estudo transversal analítico, realizado com 272 internas de uma unidade prisional feminina, na Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Foram aplicados dois instrumentos: formulário para análise de informações sociodemográficas e da violência sofrida previamente à entrada no presídio e o Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST), que analisou o histórico do uso de substâncias psicoativas.

Resultados:

44,5% das mulheres sofreram violência. A maior parte da amostra total apresentava idade entre 18 e 29 anos, com filhos, baixa escolaridade e renda, início precoce da vida sexual e histórico de uso de drogas ilícitas. A idade entre 18 e 29 anos mostrou ser fator protetor da violência (OR = 0,632). Uso de cocaína e crack (p = 0,002), anfetaminas e êxtase (p = 0,018) aumenta a chance de violência de 2,2 a 3,3 vezes.

Conclusão:

aspectos das dimensões individuais e sociais da vulnerabilidade estão associadas à ocorrência de violência em mulheres internas do sistema prisional feminino. Estratégias efetivas necessitam ser traçadas com base nas vulnerabilidades, para prevenir violência contra a mulher.

DESCRITORES
Vulnerabilidade em Saúde; Violência contra a Mulher; Prisões; Prisioneiros

ABSTRACT

Objective:

to analyze the individual and social vulnerabilities of women deprived of their liberty for violence suffered before entering the prison system.

Method:

an analytical crosssectional study, carried out with 272 inmates of a female prison unit, in the Metropolitan Region of Fortaleza, Ceará. We applied two instruments: a form to analyze sociodemographic information and the violence suffered prior to entering the prison and the Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST), which analyzed the history of psychoactive substance use.

Results:

44.5% of women suffered violence. Most of the total sample was between 18 and 29 years old, with children, low education and income, early onset of sexual life and history of illicit drug use. Age between 18 and 29 years proved to be a protective factor against violence (OR = 0.632). Cocaine and crack use (p =0.002), amphetamines and ecstasy (p =0.018) increase the chance of violence by 2.2 to 3.3 times.

Conclusion:

aspects of the individual and social dimensions of vulnerability are associated with the occurrence of violence in women in the female prison system. Effective strategies need to be designed based on vulnerabilities to prevent violence against women.

DESCRIPTORS
Health Vulnerability; Violence Against Women; Prisons; Prisoners

RESUMEN

Objetivo:

analizar las vulnerabilidades individuales y sociales de las mujeres privadas de libertad por la violencia sufrida antes de ingresar al sistema penitenciario.

Método:

estudio transversal analítico, realizado con 272 internas de una unidad penitenciaria femenina, en la Región Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Se aplicaron dos instrumentos: un formulario para analizar la información sociodemográfica y la violencia sufrida antes del ingreso al penal y el Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST), que analizó el historial de uso de sustancias psicoactivas.

Resultados:

El 44,5% de las mujeres sufrieron violencia. La mayor parte de la muestra total tenía entre 18 y 29 años, con hijos, baja escolaridad e ingresos económicos, inicio temprano de la vida sexual y antecedentes de consumo de drogas ilícitas. La edad entre 18 y 29 años resultó ser un factor protector contra la violencia (OR =0,632). El consumo de cocaína y crack (p =0,002), anfetaminas y éxtasis (p =0,018) aumenta la probabilidad de violencia entre 2,2 y 3,3 veces.

Conclusión:

aspectos de las dimensiones individual y social de la vulnerabilidad están asociados a la ocurrencia de violencia en mujeres en el sistema penitenciario femenino. Es necesario diseñar estrategias efectivas basadas en las vulnerabilidades para prevenir la violencia contra las mujeres.

DESCRIPTORES
Vulnerabilidad en Salud; Violencia contra la Mujer; Prisiones; Prisioneros

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é um crítico problema de saúde pública e determinante no processo saúde-doença. Constitui um fenômeno global persistente nas sociedades atuais, que se manifesta de distintas formas (física, sexual e psicológica) e em diferentes níveis de gravidade. é uma expressão da desigualdade de gênero socialmente construída, em que as relações de poder, decorrentes da dualidade vítima-agressor, enfraquecem a autonomia da mulher(11. Barros SC, Oliveira CM, Silva APSC, Melo MFO, Pimentel DR, Bonfim CV. Spatial analysis of female intentional homicides. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03770. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2020037303770. PubMed PMID: 34320116.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,22. Curia BG, Gonçalves VD, Zamora JC, Ruoso A, Ligório IS, Habigzang L. Produções científicas brasileiras em psicologia sobre violência contra mulher por parceiro íntimo. Psicologia (Cons Fed Psicol). 2020;40:e189184. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703003189184
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).

A violência sofrida ao longo da vida, principalmente quando de ordem sexual, pode levar a comportamentos e condições de saúde, que resultam em atos desencadeantes em detenção prisional. Estima-se que de 56 a 82% das mulheres encarceradas sofreram abuso sexual em algum momento da vida, estando associado ao desenvolvimento de doenças mentais e abuso de substâncias(33. Karlsson ME, Zielinski MJ. Sexual victimization and mental illness prevalence rates among incarcerated women: a literature review. Trauma Violence Abuse. 2020;21(2):326-649. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1524838018767933. PubMed PMID: 29661117.
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).

Casos de violência contra a mulher são particularmente altos na população carcerária. Somente em São Paulo, Brasil, 40% delas já sofreram violência psicológica e 31% passaram por algum tipo de violência física/sexual antes de entrarem para o sistema prisional. Dados mais robustos referentes à violência antes do ingresso no sistema prisional na vida dessas mulheres ainda são raros ou inexistentes(44. Fanger VC, Santiago SM, Audi CAF. Factors associated with violence against women in the previous life of imprisoned women. REME. 2019;23:e1249. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20190097
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).

Atos de violência contra a mulher privada de liberdade podem ser influenciados por um conjunto de aspectos relacionados ao indivíduo e à comunidade, denominados como vulnerabilidades, que podem ser individuais, sociais ou programáticas(55. Ayres JRCM. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, editors. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [cited 2022 Jan 30]. Available from: http://books.scielo.org/id/m9xn5/07
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).

A vulnerabilidade individual diz respeito ao grau e à qualidade da informação que os indivíduos dispõem sobre o problema de saúde, sua capacidade de incorporá-la ao repertório cotidiano de preocupações e o interesse em possibilidades efetivas de transformar essas preocupações em práticas protetoras da saúde. Já a vulnerabilidade social envolve aspectos que possibilitam a obtenção de acesso à informação, gastos com serviços sociais e de saúde, e a mesma inclui o ciclo de vida, a mobilidade social, a identidade social e o poder de incorporá-las às mudanças práticas. A vulnerabilidade programática está relacionada à qualidade do compromisso, dos recursos, da gerência e do monitoramento de programas nacionais, regionais ou locais de prevenção e cuidados relativos ao agravo de saúde(55. Ayres JRCM. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, editors. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [cited 2022 Jan 30]. Available from: http://books.scielo.org/id/m9xn5/07
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).

Desse modo, entende-se que o conhecimento das violências sofridas pela mulher antes de entrarem no sistema prisional, das vulnerabilidades individuais e sociais relacionadas pode ser fator relevante para o planejamento e desenvolvimento de ações de políticas públicas eficazes para a prevenção tanto da violência em si quanto de atos vinculados ao processo prisional, contribuindo para atenuação das vulnerabilidades. Assim, este estudo tem como objetivo analisar as vulnerabilidades individuais e sociais de mulheres em privação de liberdade para violência sofrida antes da entrada no sistema prisional.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo transversal analítico com abordagem quantitativa, que envolve uma avaliação mais aprofundada dos dados coletados em estudo observacional ou experimental, na tentativa de explicar o contexto de um fenômeno, ou seja, sua relação entre causa e efeito(66. Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Ed. Atlas; 2021.). Para realização da análise, utilizou-se o protocolo internacional Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), validado de acordo com o desenho da pesquisa observacional.

Local

A pesquisa foi realizada com internas de uma unidade prisional feminina, localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, Ceará. Inaugurada em 1974, a unidade passou por modificações, e em 2000, foi lançado o novo e atual prédio na cidade de Aquiraz, com capacidade para 380 internas.

Definição da Amostra

Para o cálculo amostral, utilizou-se a amostragem não probabilística por conveniência, devido à dificuldade de elaborar amostras probabilísticas e representativas da unidade prisional. Desse modo, a amostra final correspondeu a 272 internas, que atendiam aos critérios e aceitaram o convite para participar da pesquisa, realizado no momento da coleta, após explanação dos objetivos e leitura do Termo de Consentimento Libre e Esclarecido (TCLE).

Critérios de Seleção

Foram incluídas todas as internas de sexo biológico feminino, independente do histórico de violência, que aceitaram participar do estudo. Foram excluídas aquelas que, por algum motivo relacionado à rotina institucional, não estavam disponíveis no momento da coleta de dados.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu em julho de 2020, em conjunto com as enfermeiras que trabalham na unidade prisional. Destaca-se que, diante da impossibilidade de deslocar as internas para outro espaço, os encontros para a coleta dos dados aconteceram na porta das celas de alas previamente selecionadas, mediante orientações da coordenação, com duração média de 25 minutos cada.

Como forma de assegurar a privacidade, garantir conforto diante das possibilidades e atender à rotina aplicada na unidade, a coleta ocorreu do seguinte modo: enquanto uma participante era coletada pela pesquisadora ou uma das enfermeiras, as outras ficavam afastadas (criando um espaço entre a interna e as outras pessoas da cela), sentadas de costas e em silêncio, aguardando o fim da aplicação do instrumento. As enfermeiras da unidade, por sua vez, foram previamente selecionadas pela coordenadora de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), e treinadas em momento anterior à coleta de dados, com a explicação das questões do instrumento, assim como seu preenchimento, objetivando esclarecer as dúvidas e evitar vieses.

Dois instrumentos foram utilizados para a coleta. O primeiro foi um formulário estruturado com perguntas fechadas, previamente validado(77. Lima DJM, Paula PFD, Aquino PDS, Lessa PRA, Moraes MLC, Cunha DFF, et al. Sexual behaviors and practices of men who have sex with men. Rev Bras Enferm. 2014;67(6):886-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670604. PubMed PMID: 25590877.
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), que analisou: informações sociodemográficas (identidade de gênero, idade, raça, situação conjugal, escolaridade, ocupação, filhos, renda, religião, sentimento de acolhida pela região e coitarca); violência sofrida previamente à entrada no presídio; e uso de drogas anterior à entrada do presídio durante as relações sexuais com parceiro fixo e/ou eventual. Apesar de os tipos de vulnerabilidade serem considerados indissociáveis, não foi abordada neste estudo a vulnerabilidade programática, devido à natureza do instrumento de coleta e à dificuldade de verificar dados referentes a este domínio com a população-alvo.

O segundo instrumento foi o Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST), também validado para a realidade brasileira(88. Henrique IFS, De Michelli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Formigoni MLOS. Validação da versão brasileira de teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):199-206. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302004000200039. PubMed PMID:15286871.
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), utilizado para coletar os dados relativos ao histórico do uso de substâncias psicoativas (tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiáceos) em momento anterior à entrada no sistema prisional.

Análise e Tratamento dos Dados

Realizou-se a associação das vulnerabilidades individuais e sociais(55. Ayres JRCM. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, editors. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009 [cited 2022 Jan 30]. Available from: http://books.scielo.org/id/m9xn5/07
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) de mulheres em privação de liberdade com a violência ocorrida antes de ingressar no sistema prisional e da violência geral (pergunta relativa a se a mulher sofreu qualquer tipo de violência entre os tipos possíveis) e com cada tipo de violência sofrida (física, psicológica, moral, sexual e patrimonial). A definição dos tipos de violência foi elucidada para as participantes no momento da coleta, com base no documento disponível no “instrutivo de notificação de violência doméstica, sexual e outras violências”, elaborado pelo Ministério da Saúde. As vulnerabilidades individuais avaliadas foram identidade de gênero, raça, idade, escolaridade, situação conjugal e filhos. Já as vulnerabilidades sociais foram emprego, renda, religião, acolhimento na sua religião, idade da coitarca e uso de substâncias ilícitas.

A versão final do banco de dados foi transportada do Microsoft Excel® para o software Stata, versão 16.0. Os procedimentos de tratamento e análise de dados foram iniciados com o cálculo de distribuições brutas e percentuais para determinantes sociodemográficos, violência sofrida e vulnerabilidades individuais e sociais.

Testes Exatos de Fisher ou Qui-Quadrado foram aplicados para identificar associação entre vulnerabilidades individuais/sociais quanto ao uso de substâncias e ocorrência de algum tipo de violência, de modo que o conjunto de vulnerabilidades foi analisado separadamente. Posteriormente, adotaram-se técnicas de regressão logística para identificar o risco associado à ocorrência de algum tipo de violência, com apresentação dos respectivos intervalos de confiança a 95%.

Por meio do método stepwise, seguiu-se para a elaboração de modelo reduzido final, no intuito de obter o melhor modelo ajustado para o desfecho. Para tanto, foram manejadas as variáveis com valor de p inferior a 0,20 nas análises bivariadas. A avaliação do ajuste do modelo final ocorreu por meio dos Testes Hosmer and Lemeshow, Omnibus e do R2 de Nagelkerke. Os resultados foram apresentados em tabelas. O nível de significância utilizado em toda a análise foi de 5%.

Aspectos Éticos

Respeitaram-se os princípios éticos e legais vigentes no Brasil, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde, estabelecidos na Resolução n° 466/2012. Uma solicitação de autorização da pesquisa foi requerida à Coordenadoria Especial da Administração Penitenciária, a qual emitiu parecer favorável à sua realização. Além disso, o projeto foi submetido à avaliação do Comitê de ética e Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, com aprovação em 17 de março de 2020, mediante Parecer n° 3.921.161. Diante do cenário da pandemia de COVID-19, durante a coleta dos dados, foram cumpridos os protocolos sanitários vigentes à época, como uso correto dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários, distanciamento e higienização das mãos. Para a participação na pesquisa, as participantes foram esclarecidas sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o TCLE, em duas vias, sendo uma entregue para o participante e outra ficando com a pesquisadora.

RESULTADOS

Em relação à identidade de gênero, a maioria se declarou mulher (88,29%), com idade entre 18 e 29 anos (64,71%), pardas (79,78%), com filhos (75,53%) e sem parceiro (56,25%). Possuíam baixa escolaridade, com até nove anos de estudo (59,93%) e informaram serem economicamente ativas (52,57%), mas que não possuíam renda nos últimos 30 dias (54,41%). A maior parte (83,46%) possuía religião e informou se sentir acolhida por ela (79,04%), e 82,35% iniciaram a vida sexual precocemente (antes dos 15 anos). Sobre o uso de drogas durante as relações sexuais, 44,85% informaram que nunca fizeram uso com seus parceiros fixos, 22,43% usavam sempre e 19,12%, usavam às vezes. Já em relação ao uso de drogas durante relações sexuais com o parceiro eventual, a maioria (80,88%) informou nunca ter feito o uso.

Ainda, verificou-se que cerca de 44,5% das mulheres privadas de liberdade relataram ter sofrido algum tipo de violência antes de entrar no presídio. Os principais tipos de violência citados foram física (26,10%), psicológica (23,53%) e sexual (16,18%).

Desse modo, identificou-se (Tabela 1) que, dentre as dimensões individuais, houve uma maior prevalência de relatos de violência entre participantes que se identificavam como mulheres (44,58%), com 30 anos ou mais (50%), de raça amarela (62,5%), sem parceiro (45,1%), com baixa escolaridade (47,8%) e que tinham filhos (45,5%). Já em relação aos aspectos sociais, a maior prevalência foi entre participantes que tinham uma ocupação (44,8%), aqueles cuja renda era de um a dois salários mínimos (66,7%), adeptos a uma religião (45,8%), mas que não se sentiam acolhidos por esta (58,3%), vida sexual iniciada até os 15 anos (45,5%), que na maioria das vezes usavam drogas nas relações com parceiro fixo antes de estarem presas (53,8%) e que nunca usavam drogas durante relações sexuais com parceiro eventual (45,9%). Entretanto, nenhuma associação foi estatisticamente significativa.

Tabela 1
Associação entre as dimensões da vulnerabilidade individual e social e o relato de algum tipo de violência. N=272 – Fortaleza, CE, Brasil, 2021.

Quanto ao uso de substâncias (Tabela 2), das 51 participantes, 25% que faziam uso de derivados do tabaco e 53,03% das que ingeriam bebida alcoólica relataram não haver sofrido nenhum tipo de violência. Ainda, houve associação estatisticamente significativa (p = 0,034) entre o uso de maconha e relato de algum tipo de violência (48,91% das mulheres), com um aumento da chance em até 76% de mulheres que usavam maconha sofrerem algum tipo de violência (OR = 1,760).

Tabela 2
Associação entre vulnerabilidade individual quanto ao uso de substâncias e relato de algum tipo de violência sofrida. N = 272 – Fortaleza, CE, Brasil, 2021.

No que concerne ao uso de cocaína e/ou crack, 54,61% das mulheres relataram ter sofrido algum tipo de violência, com associação estatisticamente significante entre o uso de cocaína/crack e o relato de violência (p = 0,001). Mulheres com esse perfil apresentaram chance 2,4 vezes maior de sofrer alguma violência em relação àquelas que não faziam uso dessas substâncias (OR = 2,378). Em relação ao uso de anfetaminas ou êxtase, 73,91% das mulheres relataram ter sofrido alguma violência, com associação estatisticamente significativa entre anfetaminas ou êxtase e o relato de alguma violência (p = 0,003). Apresentavam 3,9 vezes mais chances de sofrer violência do que aquelas que não faziam o uso deste tipo de droga (OR = 3,950).

Quanto ao uso de inalantes, 63,16% das participantes relataram ter sofrido algum tipo de violência, com associação estatisticamente significativa entre o uso de inalantes, e o relato das mulheres que sofreram alguma violência (p = 0,001), apresentando 2,6 vezes mais risco de sofrer a violência em relação àquelas que não usavam tais substâncias (OR = 2,621). No que se refere ao uso de hipnóticos/sedativos, 57,45% das entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de violência, com associação estatisticamente significativa entre o uso de hipnóticos/sedativos e o relato de alguma violência (p = 0,049 – OR = 1,881).

A Tabela 3, a seguir, evidencia o risco de ocorrer violência, considerando as vulnerabilidades individuais e sociais. Verifica-se que o risco de sofrer violência na faixa etária de 18 a 29 anos é, aproximadamente, 40% menor em comparação à faixa etária mais velha (OR = 0,632).

Tabela 3
Modelo ajustado de regressão logística para a ocorrência de algum tipo de violência, considerando as vulnerabilidades individuais e sociais. N = 272 – Fortaleza, CE, Brasil, 2021.

Já em relação à utilização de substâncias ilícitas, fazer uso de cocaína e crack apresenta 2,2 vezes mais chances de ocorrência de violência à mulher do que não utilizar (OR = 2,219). Quanto à utilização de anfetaminas ou êxtase, tem-se um risco 3,3 vezes mais elevado de a mulher sofrer violência em relação ao não uso dessas substâncias (OR = 3,312).

Evidencia-se também que, as variáveis apresentadas, idade entre 18 e 29 anos e uso de substâncias ilícitas, como cocaína, crack, anfetaminas e êxtase, explicam 6,10% da ocorrência do desfecho (R2 = 0,061).

DISCUSSÃO

A presença da violência esteve relacionada a dimensões de vulnerabilidade individual, como a autoidentificação de ser mulher, ter idade de 30 anos ou mais, ser de raça parda, não ter parceiro, ter baixa escolaridade e não ter filhos, apesar de a associação entre essas variáveis e a ocorrência de violência não serem estatisticamente significativas.

Aspectos das dimensões de vulnerabilidade social também estiveram relacionadas à ocorrência de algum tipo de violência. Dentre elas, citam-se: possuir uma ocupação; ter renda de um a dois salários mínimos; ser adepta a uma religião, apesar de não se sentir acolhida por ela; ter iniciado a vida sexual até os 15 anos; ter o hábito do uso de drogas nas relações com parceiro fixo; e nunca terem feito o uso durante relações sexuais com parceiro eventual. Tais dimensões apresentaram relação com a ocorrência de violência, apesar de também não possuírem associação significativamente estatística.

A partir da compreensão das dimensões individuais e sociais de vulnerabilidade abordadas(99. Ayres JRCM, Calazans GJ, Saletti Fo HC, França Jr I. Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Campos GWS, Bonfim JRA, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM, editors. Tratado de saúde coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.p. 375-417.), pôde-se identificar quais dimensões estavam relacionadas com a ocorrência de violência. Essas dimensões estão inter-relacionadas e atuam de forma sinérgica e dinâmica(1010. Paiva V, Ayres JR, França Jr I. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012.); portanto, não podem ser analisadas isoladamente para explicar a ocorrência da violência em si, porém precisam ser conhecidas para que estratégias de prevenção e de promoção da saúde possam ser pensadas de forma mais realistas, programáticas e eticamente orientadas.

Apesar de não haver significância estatística de associação das dimensões individuais e sociais,apresentadas na Tabela 1, com a violência sofrida, de forma geral, entre as mulheres do estudo, a relação entre eles encontra embasamento na literatura. Casos de violência em pessoas privadas de liberdade estão relacionados a condições de vida a que a mulher estava exposta, aspectos individuais e sociais que tornam as pessoas mais vulneráveis à ocorrência da violência. Tudo isso é agravado por persistentes desigualdades de gênero, raça, economia e outrosfatores(1111. St Cyr S, Jaramillo ET, Garrison L, Malcoe LH, Shamblen SR, Willging CE. Intimate partner violence and structural violence in the lives of incarcerated women: a mixed-method study in rural New Mexico. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(12):61-85. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph18126185. PubMed PMID: 34201033.
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).

Em análise da dimensão individual de identidade de gênero e orientação sexual, verificou-se em estudo de revisão sistemática que a violência física variou de 6 a 25%, e a sexual, de 5,6 a 11,4% entre as minorias sexuais. Para pessoas transgêneros, a prevalência foi de 11,8 a 68,2% em relação à violência física, e de 7 a 49,1% no que concerne violência sexual(1212. Blondeel K, Vasconcelos SD, García-Moreno C, Stephenson R, Temmerman M, Toskin I. Violence motivated by perception of sexual orientation and gender identity: a systematic review. Bull World Health Organ. 2018;96(1):29-41. doi: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.17.197251. PubMed PMID: 29403098.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.247...
). Um segundo estudo de revisão demonstrou que a dimensão cor da pele não branca parece ter associação positiva com a violência psicológica, assim como a situação conjugal de não ser casada parece estar relacionada à maior prevalência de violência psicológica e física/sexual(33. Karlsson ME, Zielinski MJ. Sexual victimization and mental illness prevalence rates among incarcerated women: a literature review. Trauma Violence Abuse. 2020;21(2):326-649. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1524838018767933. PubMed PMID: 29661117.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
). A dimensão baixa escolaridade foi associada à ocorrência de violência em estudo realizado em Vitória, Espírito Santo, com mulheres na Atenção Primária, em que foi identificada a ocorrência de violência psicológica (57%), física (39,3%) e sexual (18%) entre as mulheres ao longo da vida(1313. Santos IBD, Leite FMC, Amorim MHC, Maciel PMA, Gigante DP. Violência contra a mulher na vida: estudo entre usuárias da Atenção Primária. Cien Saude Colet. 2020;25(5):1935-46. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020255.19752018 PubMed PMID: 32402032.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
).

A idade igual ou superior a 30 anos e ser de cor parda é uma característica da maioria das mulheres inseridas no sistema prisional brasileiro(1414. Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Relatórios analíticos de dezembro de 2019: sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro [Internet]. 2019 [cited 2022 Jan 30]. Available from: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/mais-informacoes/relatorios-infopen/relatorios-analiticos/br/brasil-dez-2019.pdf
https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/...
). A associação entre a cor da pele e a violência é uma marca com conotações históricas no país, uma vez que, durante o período escravista brasileiro, a violência legal e constitucional era uma chancela de poder absoluto sobre o corpo negro de homens e mulheres. No entanto, o sexismo e/ou racismo ganha impactos muito mais substanciais, uma vez que há a intersecção de dois grandes pontos de vulnerabilidades às violências, o de ser mulher e o da cor desta mulher, pois ambas as variáveis estão relacionadas às múltiplas violências de ordem socioestrutural, devido à repressão, ao machismo estrutural e à cultura do sistema de custódia vivida historicamente pelas mulheres(1515. Mendes SR. Vulneração e violência: propostas para reflexão sobre o subterrâneo nos processos de encarceramento das mulheres negras no Brasil. Singular: Sociais e Humanidades. 2019;1(2):50-4. doi: http://dx.doi.org/10.33911/singularsh.v1i2.58
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).

O aspecto da ocupação da dimensão social também foi avaliado em outro estudo nacional(1616. Tarnoski Filho H, Rempel C, Schwertner SF. Perfil epidemiológico da mulher vítima de violência no ano de 2017 no município de Lajeado. Revista Destaques Acadêmicos. 2021;13(3):64-78. doi: http://dx.doi.org/10.22410/issn.2176-3070.v13i3a2021.2916
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), em que foi obtido que a maioria das mulheres vítimas de violência investigadas possuíam algum emprego formal ou não. Contudo, outros estudos sugerem que ser dona de casa ou estar mais tempo em casa aumenta consideravelmente as chances da mulher de sofrer algum tipo de violência, em decorrência dos altos índices de violência doméstica(1717. Thiel F, Büechl VCS, Rehberg F, Mojahed A, Daniels JK, Schellong J, et al. Changes in prevalence and severity of domestic violence during the covid-19 pandemic: a systematic review front. Psychiatry. Front. Psychiatry. 2022;13:874183. doi: http://dx.doi.org/10.3389/fpsyt.2022.874183 PubMed PMID: 35492711.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.338...
1919. Gebrewahd GT, Gebremeskel GG, Tadesse DB. Intimate partner violence against reproductive age women during COVID-19 pandemic in northern Ethiopia 2020: a community-based cross-sectional study. Reprod Health. 2020;17(1):152. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12978-020-01002-w PubMed PMID: 33028424.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.118...
). Ainda, o aspecto religião, vinculado à dimensão social, mostrou estar mais associado às violências psicológica e sexual, enquanto que a dimensão renda esteve relacionada à ocorrência de violência física. O uso de drogas lícitas e ilícitas e histórico de agressão, principalmente na infância, também estavam associados a casos de violência(1313. Santos IBD, Leite FMC, Amorim MHC, Maciel PMA, Gigante DP. Violência contra a mulher na vida: estudo entre usuárias da Atenção Primária. Cien Saude Colet. 2020;25(5):1935-46. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020255.19752018 PubMed PMID: 32402032.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
).

As violências física, psicológica e sexual, identificadas como mais prevalentes na vida pregressa de mulheres privadas de liberdade, também foram uma realidade identificada em estudo realizado em sistema penitenciário no interior do estado de São Paulo, onde relacionou tais violências às consequências físicas e mentais na vida futura da mulher, principalmente quando ocorrida antes dos quinze anos de idade(33. Karlsson ME, Zielinski MJ. Sexual victimization and mental illness prevalence rates among incarcerated women: a literature review. Trauma Violence Abuse. 2020;21(2):326-649. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1524838018767933. PubMed PMID: 29661117.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
).

A violência contra a mulher traz consequências para a saúde, que são diferentes caso tivessem ocorrido com homens. Pode levar à gravidez indesejada, infecções sexualmente transmissíveis, transtorno de estresse pós-traumático, além de consequências a longo prazo, que podem repercutir no risco maior de perpetuação da violência com os filhos(2020. Obinna DN. Seeking Sanctuary: violence against women in el salvador, honduras, and guatemala. Violence Against Women. 2021;27(6-7): 806-27. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1077801220913633. PubMed PMID: 32364023.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
) e trauma, que pode perpassar para gerações futuras.

Situações de estresse e conflito, como nas situações de desemprego, desastres sociais, ecológicos e naturais parecem também estarem relacionados com o aumento dos casos de violência contra a mulher, em especial em situações domiciliares. O autor traz a reflexão de que, em tempos de conflito, como nas situações de privação econômica, as masculinidades violentas se acentuam, por uma correlação entre o patriarcado e o capitalismo, que cria normas sociais que ditam que os homens devem ser agressivos e bem-sucedidos economicamente(2121. Hunnicutt G. Commentary on the special issue: new ways of thinking theoretically about violence against women and other forms of gender-based violence. Violence Against Women. 2021;27(5):708-16. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1077801220958484 PubMed PMID: 32959722.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
). As questões de identidade de gênero de masculinidades violentas precisam ser melhor estudadas e abordas, para explicar sua relação com a ocorrência da violência entre mulheres.

As associações foram particularmente significativas entre idade e violência, revelando um risco 40% menor de mulheres entre 18 e 29 anos sofrerem violência (Tabela 3). Outro estudo nacional verificou a prevalência da violência segundo o tipo e a faixa etária da vítima, constatando que as violências física (p < 0,001) e sexual (p = 0,002) ocorreram com maior frequência nas mulheres com menos de 18 anos, enquanto a violência psicológica (p < 0,001) predominou nas mulheres com faixa etária de 31 a 40 anos. As mulheres com idade maior que 60 anos sofreram mais violência moral (p < 0,001) e patrimonial (p < 0,001)(2222. Holanda ERD, Holanda VRD, Vasconcelos MSD, Souza VPD, Galvão MTG. Factors associated with violence against women in primary health care. Rev Bras Promoção Saúde. 2018;31(1). doi: http://dx.doi.org/10.5020/18061230.2018.6580
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.502...
).

Em análises univariadas de estudo mexicano, violências em geral por parceiro íntimo (p = 0,034) e específicas, como uso de força física severa, comportamento sexual indesejado forçado e isolamento físico (p = 0,015), uso de dominância verbal e psicológica e isolamento social (p = 0,034), além de contato indesejado que causa medo e preocupação com a segurança (p = 0,003), foram significativamente associadas à idade. As mulheres encarceradas com menos de 30 anos apresentaram porcentagem menor de relatos de violência, em geral, por parceiro íntimo, em comparação às mulheres acima de 30 anos(1111. St Cyr S, Jaramillo ET, Garrison L, Malcoe LH, Shamblen SR, Willging CE. Intimate partner violence and structural violence in the lives of incarcerated women: a mixed-method study in rural New Mexico. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(12):61-85. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph18126185. PubMed PMID: 34201033.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.339...
), assemelhando-se aos dados encontrados neste estudo.

Sob a análise do uso de drogas e sua associação com a ocorrência de violência, verificou-se que o uso de maconha, cocaína e/ou crack, anfetaminas ou êxtase, inalantes e hipnóticos/sedativos estive associado à ocorrência de violência (Tabela 2). Tal associação entre o uso de drogas e a violência foi particularmente significativa neste estudo, mostrando existência de risco 2,2 vezes maior de violência em usuárias de cocaína e crack e 3,3 vezes maior em usuárias de anfetaminas ou êxtase (Tabela 3).

Revisão sistemática e meta-análise de estudos de coorte encontrou uma associação significativa entre a violência contra a mulher e o uso de maconha (OR = 2,20 IC95%: 1,52–3,17)(2323. Bacchus LJ, Ranganathan M, Watts C, Devries K. Recent intimate partner violence against women and health: a systematic review and meta-analysis of cohort studies. BMJ Open. 2018;8(7):e019995. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2017-019995 PubMed PMID: 30056376.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.113...
). Ainda, estudo em país islâmico identificou uma maior prevalência de casos de violência, quando associada ao uso de drogas de forma geral(2424. Khanlarzadeh E, Jiryaee N. Investigating the frequency of violence against women by their husbands in women referring to health centers of hamadan in 2017. Violence Gend. 2021;8(1):28-34. doi: http://dx.doi.org/10.1089/vio.2020.0031
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.108...
). Estudo na Dinamarca mostrou que o uso de cocaína pode aumentar o risco das mulheres sofrerem algum tipo de violência(2525. Seid AK, Hesse M, Houborg E, Thylstrup B. Substance use and violent victimization: evidence from a cohort of >82,000 patients treated for alcohol and drug use disorder in Denmark. J Interpers Violence. 2022;37(13-14):NP12427-52. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0886260521997456 PubMed PMID: 33719700.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
).

Em estudo realizado na Universidade de Otago Christchurch, Nova Zelândia, com relação ao uso de anfetaminas e à violência contra mulher, identificou-se associação estatisticamente significativa (p < 0,05), com o risco de 1,43 vezes mais chances de mulheres sofrerem a violência, em comparação àquelas que não usam(2626. Foulds JA, Boden JM, McKetin R, Newton-Howes G. Methamphetamine use and violence: findings from a longitudinal birth cohort. Drug Alcohol Depend. 2020;207:107826. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.drugalcdep.2019.107826 PubMed PMID: 31927159.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
). Outra pesquisa encontrou associação significativa entre uso de estimulantes/inalantes, de substâncias e alguma violência (p = 0,036)(2727. Caravaca-Sánchez F, Aizpurua E, Wolff N. Latent class analysis of self-reported substance use during incarceration: gender differences and associations with emotional distress and aggressiveness. J Subst Abuse Treat. 2022;132:108582. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jsat.2021.108582 PubMed PMID: 34353671.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
).

Outros estudos corroboram que mulheres usuárias de drogas experimentam altas taxas de violência, principalmente por parceiro íntimo, mas também por pessoas conhecidas e até estranhos. Ainda, experiências de violência, ou ameaça de violência, estão associadas a comportamentos de risco relacionados a doenças sexualmente transmissíveis, incluindo compartilhamento de seringas e relutância em usar serviços de saúde para redução de danos(2828. Meyers SA, Smith LR, Werb D. Preventing transitions into injection drug use: a call for gender-responsive upstream prevention. Int J Drug Policy. 2020;83(10):102836. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.drugpo.2020.102836 PubMed PMID: 32679459.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
).

Relatos de mulheres que usam drogas injetáveis sobre experiências de violência sexual ao longo da vida, em estudo de Porto Rico, traz que comportamentos sexuais indesejados são os mais prevalentes, sendo mais comumente forçados com ameaças e violência física (78%), bem como discussões e pressões contínuas (71%), principalmente por agressores do sexo masculino (94%). Vale ressaltar, ainda, que mais da metade dessas mulheres afirmou que elas ou seus agressores estavam sob a influência de drogas durante o momento da violência(2929. Collazo-Vargas EM, Dodge B, Herbenick D, Guerra-Reyes L, Mowatt R, Otero-Cruz IM, et al. Sexual behaviors, experiences of sexual violence, and substance use among women who inject drugs: accessing health and prevention services in Puerto Rico. P R Health Sci J. 2018;37(2):88-97. PubMed PMID: 29905919.).

Análise bivariada evidenciou também que uma maior proporção de mulheres encarceradas em Lima, Peru, que sofreram agressão sexual, apresentava uso de substâncias ilícitas, além de sintomas depressivos, infecção pelo HIV ou IST e trabalho sexual anterior ao encarceramento(3030. Cyrus E, Sanchez J, Madhivanan P, Lama JR, Bazo AC, Valencia J, et al. Prevalence of intimate partner violence, substance use disorders and depression among incarcerated Women in Lima, Perú. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(21):11-134. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph182111134 PubMed PMID: 34769653.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.339...
). Confirmou-se que o uso de drogas ilícitas pode aumentar as chances de essas mulheres serem vítimas de violência ou ameaças de violência, e, em última análise, pode aumentar sua vulnerabilidade geral, corroborando com o presente estudo.

Tanto nos resultados aqui apresentados como na literatura(1818. Nihel H, Latifa M, Anissa A, Raja G, Souheil M, Wael M, et al. Characteristics of violence against women in Kairouan, Tunisia, in 2017. Libyan J Med. 2021;16(1):1921900. doi: http://dx.doi.org/10.1080/19932820.2021.1921900 PubMed PMID: 33970830.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.108...
,2929. Collazo-Vargas EM, Dodge B, Herbenick D, Guerra-Reyes L, Mowatt R, Otero-Cruz IM, et al. Sexual behaviors, experiences of sexual violence, and substance use among women who inject drugs: accessing health and prevention services in Puerto Rico. P R Health Sci J. 2018;37(2):88-97. PubMed PMID: 29905919.,3030. Cyrus E, Sanchez J, Madhivanan P, Lama JR, Bazo AC, Valencia J, et al. Prevalence of intimate partner violence, substance use disorders and depression among incarcerated Women in Lima, Perú. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(21):11-134. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph182111134 PubMed PMID: 34769653.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.339...
), foi percebida a relação positiva entre o uso de drogas, lícitas ou ilícitas, com a ocorrência de violência à mulher, necessitando, portanto, que os profissionais de saúde estejam preparados para atuar no contexto da prevenção primária, com a identificação dos fatores de risco associados à ocorrência da violência, avaliando a mulher e seu contexto de vida social, como no contexto da prevenção secundária, prestando um cuidado adequado às vítimas de violência desde em relação ao cuidado físico até às dimensões de saúde mental, evitando o sentimento de culpabilização da vítima e a dependência do uso de substâncias, assim como implementando estratégias para evitar a recorrência dos eventos(1818. Nihel H, Latifa M, Anissa A, Raja G, Souheil M, Wael M, et al. Characteristics of violence against women in Kairouan, Tunisia, in 2017. Libyan J Med. 2021;16(1):1921900. doi: http://dx.doi.org/10.1080/19932820.2021.1921900 PubMed PMID: 33970830.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.108...
).

Nesse contexto, é imperativo entender a trajetória pessoal e psicossocial das mulheres encarceradas e suas dimensões individuais e sociais, as quais se inter-relacionam e que, de alguma forma, influenciam seu contexto de vida atual.

Destarte, este estudo teve como limitação o fato de não abordar a violência contra a mulher privada de liberdade no âmbito da vulnerabilidade programática, além de que outras variáveis associadas à ocorrência das violências entre as mulheres precisam também ser levantadas e analisadas, uma vez que as variáveis aqui pontuadas não explicam todo o desfecho. Essas condições podem ser consideradas na realização de futuras pesquisas.

CONCLUSÃO

O estudo identificou e analisou as dimensões individuais e sociais da vulnerabilidade, associadas à ocorrência de violência em mulheres internas do sistema prisional feminino. A maior parte das mulheres vítimas de violência era do sexo feminino, jovens, com filhos, sem parceiro, com baixa escolaridade e renda e com início precoce da vida sexual. Além disso, tinha o histórico de uso de drogas ilícitas. Os principais relatos de violência foram física, psicológica e sexual. A idade e o uso de drogas ilícitas apresentaram associação significativa com a ocorrência de violência. A idade entre 18 e 29 anos foi um fator protetor. O uso de cocaína, crack, anfetaminas e êxtase aumenta a chance de violência de 2,2 a 3,3 vezes.

A partir da análise realizada, tais dados contribuem para a prática profissional de enfermagem, tendo em vista que o enfermeiro, agente central e líder da equipe de saúde, seja no âmbito comunitário, hospitalar ou prisional, a partir de tais dados, dispõe de informações que influenciam o estado de saúde de pessoas com algum grau de vulnerabilidade, com potencial para ação e redução das iniquidades, possibilitando a promoção da saúde em contextos social e culturalmente desfavorecidos junto à sociedade, agentes de segurança pública e gestores em saúde.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2022
  • Aceito
    16 Ago 2022
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