Open-access Fatores de estresse em estudantes do último ano da graduação em enfermagem

Resumo

Objetivo:  Identificar os fatores de estresse do ambiente universitário e as repercussões na qualidade de sono e de vida de estudantes do último ano da graduação em Enfermagem.

Método:  Estudo transversal, comparativo, quantitativo, realizado com estudantes do último ano da graduação em Enfermagem de uma instituição particular no sul de Minas Gerais. Aplicaram-se, para a coleta de dados, a Escala para Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem, o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, o questionário de qualidade de vida WHOQOL-bref e o questionário de caracterização sociodemográfica. Para a análise dos dados, foram realizados testes de associação, comparação e de coeficiente de correlação e estatística descritiva.

Resultados:  A amostra foi de 55 participantes. Houve correlação forte entre o Gerenciamento do Tempo do estresse com o sono e os domínios físico, psicológico e de ambiente da qualidade de vida, além da associação significante para insônia e algumas variáveis sociodemográficas.

Conclusão:  Fatores de estresse associaram-se ao sono de má qualidade e a alterações da qualidade de vida. O Gerenciamento de Tempo foi o fator de maior potencialidade para o estresse. O nono semestre teve maior exposição aos fatores de estresse, pior qualidade de sono e de vida.

Descritores: Estudantes de Enfermagem; Estresse Psicológico; Sono; Qualidade de Vida

Abstract

Objective:  To identify the stress factors of the university environment and the repercussions on the quality of sleep and life of students in their last year of undergraduate nursing.

Method:  A cross-sectional, comparative, quantitative study conducted with students in their last year of undergraduate nursing in a private institution in the south of Minas Gerais. The Instrument for the Assessment of Stress in Nursing Students (ASNS), the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), the WHOQOL-Bref quality of life questionnaire and the sociodemographic characterization questionnaire were applied for data collection; association, comparison and correlation coefficient tests and descriptive statistics were performed for data analysis.

Results:  The sample consisted of 55 participants. There was a strong correlation between Time Management of stress with sleep and the physical, psychological and environmental domains of quality of life, in addition to the significant association for insomnia and some sociodemographic variables.

Conclusion:  Stress factors were associated with poor quality sleep and changes in quality of life. Time Management was the factor with the greatest potential for stress. The ninth semester had greater exposure to stressors, worse quality of sleep and life.

Descriptors: Students, Nursing; Stress, Psychological; Sleep; Quality of Life

Resumen

Objetivo:  Identificar los factores de estrés del ambiente universitario y las repercusiones en la calidad del sueño y de vida de los estudiantes del ultimo año de la graduación de Enfermeria.

Método:  Estudio transversal, comparativo, cuantitativo, realizado con estudiantes del ultimo año de la graduación de Enfermeria de una institución particular al sur de Minas Gerais. Se aplicaron para a recolección de datos la Escala para Evaluación del Estrés en Estudiantes de Enfermeria, el Indice de la Calidad del Sueño de Pittsburgh, el Cuestionario de la calidad de vida WHOQOL-bref y el Cuestionario de la caracterización sociodemografica. Para el análisis de los datos fueron realizados testes de asociación, comparación y de coeficiente de correlación y estadística descriptiva. Resultados: Muestra de 55 participantes. Hube correlación fuerte entre la Gestión del Tiempo del estrés con el sueño y los domínios físico, psicologico y del ambiente de la calidad de vida, mas allá de la asociación significante para el insomnio y algunas variables sociodemograficas.

Conclusión:  Factores de estrés se asociaran al sueño de mala calidad y la alteración de la calidad de vida. La Gestión del Tiempo fue el factor de mayor potencialidad para el estrés. El nono semestre tuve mayor exposición a factores de estrés, peor calidad del sueño e de vida.

Descriptores: Estudiantes de Enfermería; Estrés Psicológico; Sueño; Calidad de Vida

INTRODUÇÃO

Durante o período de formação profissional, estudantes de Enfermagem enfrentam várias situações desencadeadoras do estresse, como o contato inicial com a universidade e a autonomia na organização de horários(1), atividades curriculares, extracurriculares e o cenário dos estágios, novas relações com professores(2), situações de incertezas e tomada de decisões importantes(3).

Ao finalizar o curso de graduação em Enfermagem, alguns fatores podem potencializar o estresse, como a preparação de relatórios e trabalhos finais, o sentimento de insegurança, inexperiência(4), competitividade do mercado de trabalho e o medo de não se engajar na vida profissional(4-5).

A falta de suporte adequado às pressões vivenciadas na rotina das atividades práticas, as oscilações do trabalho e dificuldades de lidar com a morte também são fatores que elevam os níveis de estresse(4). Acrescentam-se a esses fatores os estudantes de Enfermagem que trabalham e estudam, com dupla jornada de trabalho, sendo esta uma condição desfavorável, que pode refletir de modo prejudicial, afetando a qualidade do sono(6).

No cenário internacional, estudos demonstraram situações estressantes frequentemente vivenciadas no ambiente formativo da Enfermagem, como a extensa carga curricular, a falta de tempo para atividades acadêmicas, sociais, familiares, atividade física e de lazer, problemas pessoais e familiares, insatisfação com transporte público até os locais das atividades práticas, horários inflexíveis nas instituições, dificuldades de relacionamentos com colegas de classe e profissionais nos campos de atuação(7-9), além dos altos níveis de estresse prejudicarem o comprometimento dos estudantes com o curso(10). Resultados de estudos brasileiros também apontam para estressores semelhantes(2,4-5,11).

Pesquisas realizadas com 204 estudantes de graduação em Enfermagem demonstraram que a qualidade de sono foi ruim para 84,31% dos estudantes, e aqueles que acumulavam as funções estudo/trabalho apresentaram diversos sintomas: má digestão, cefaleia, sonolência diurna e insônia(6). Em outras pesquisas, os resultados mostraram que os estudantes com maiores índices de estresse tiveram os piores resultados acadêmicos, redução nas horas de sono(12), distúrbios do sono e doenças relacionadas ao estresse(13).

Portanto, o sono e a qualidade de vida podem estar comprometidos durante o período de formação. Estudos nacionais e internacionais mostraram diferentes fatores que podem interferir, de modo prejudicial, na qualidade de vida dos estudantes de Enfermagem(14-16).

Devido à diversidade dos fatores geradores de estresse no ambiente universitário e considerando o impacto que o estresse pode ter sobre a saúde, este estudo poderá contribuir para o reconhecimento e a especificidade dos fatores de estresse, principalmente no final do curso da graduação em Enfermagem, uma vez que essa alteração poderá interferir na qualidade do sono e de vida dos estudantes. Além disso, almeja-se despertar a atenção para o cuidado com a saúde e o melhor aproveitamento das atividades curriculares dos estudantes que estão próximos de se tornar enfermeiros. Desse modo, o estudo teve como objetivo identificar os fatores de estresse do ambiente universitário e as repercussões na qualidade de sono e de vida de estudantes do último ano da graduação em Enfermagem.

MÉTODO

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo transversal, comparativo, com abordagem quantitativa, dos fatores de estresse do ambiente universitário e sua relação com o sono e a qualidade de vida de estudantes do último ano da graduação em Enfermagem.

População

O estudo foi desenvolvido em uma instituição de ensino superior particular localizada no município de Poços de Caldas, sul de Minas Gerais/Brasil. Participaram da pesquisa estudantes do último ano da graduação em Enfermagem. Os horários dos estágios eram realizados nos períodos matutino e vespertino. A duração do curso é de cinco anos (dez semestres). Dos 56 estudantes elegíveis do último ano da graduação em Enfermagem, todos foram convidados pela pesquisadora principal a participar do estudo. Um estudante alocado no nono semestre não participou por motivo de licença médica. Assim, 55 compuseram a amostra final.

A amostra foi obtida a partir de uma lista de alunos regularmente matriculados no nono e décimo semestres, fornecida pela secretaria do curso de Enfermagem, no primeiro semestre letivo de 2018 e que aceitaram participar do estudo. Foram excluídos do estudo os alunos de licença médica ou maternidade.

Definição da amostra

O cálculo amostral foi realizado considerando a metodologia para a estimação de um tamanho amostral para uma proporção, sendo considerada uma proporção p igual a 0,50, um erro amostral de 5% e um nível de significância de 5%. A população considerada para o cálculo do tamanho amostral era composta por 222 alunos. O tamanho amostral estimado foi de 141 alunos. A amostra foi dividida proporcionalmente de acordo com o ano de ingresso dos alunos.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada no período de maio a junho de 2018. Os estudantes foram abordados em sala de reunião dos locais de estágio em dias e horários previamente determinados pela coordenação do curso e supervisão de estágio. A pesquisadora principal e responsável pela coleta de dados explicou os objetivos da pesquisa. Aqueles que concordaram em participar receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, após assinarem em duas vias, devolveram uma via para a pesquisadora principal. Em seguida, foram fornecidas orientações sobre os quatro instrumentos autoaplicados. O tempo médio de resposta foi de aproximadamente 20 minutos. Após responderem, os estudantes devolveram os instrumentos preenchidos para a pesquisadora principal, que permaneceu todo o tempo no local da coleta de dados.

Foi utilizado um questionário para a caracterização sociodemográfica, hábitos de vida e condições laborais. Para a avaliação dos fatores de estresse psicológico, foi aplicada a Escala para Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem (AEEE), desenvolvida e validada no Brasil. Esta é composta por 30 itens apresentados em escala Likert com quatro pontos, sendo: zero (0) para “não vivencio a situação”; um (1) para “não me sinto estressado com a situação”; dois (2) para “me sinto pouco estressado com a situação” e três (3) para “me sinto muito estressado com a situação”. Esses itens são agrupados em seis domínios que representam estressores do contexto acadêmico, sendo: D1 - Realização das Atividades Práticas (RAP); D2 - Comunicação Profissional (CP); D3 - Gerenciamento do Tempo (GT); D4 - Ambiente (A); D5 - Formação Profissional (FP) e D6 - Atividade Teórica (AT). O resultado da avaliação dos fatores de estresse considera a classificação da intensidade e a porcentagem correspondente de pontuação em cada domínio. Quanto maior a pontuação, maior a exposição, indicando a predominância de domínio de maior pontuação, ou seja: os itens pertencentes a este domínio têm maior significado de estresse(17).

Para os dados sobre o sono, foi utilizado o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI) validado no Brasil. É um questionário que avalia a qualidade subjetiva do sono no período de um mês anteriormente à data de sua aplicação. Contém dez questões autoadministradas e agrupadas em sete componentes: 1. Qualidade subjetiva do sono; 2. Latência do sono; 3. Duração do sono; 4. Eficiência habitual do sono; 5. Transtornos do sono; 6. Uso de medicamentos para dormir e 7. Disfunção diurna. A pontuação de cada componente varia de zero a três pontos e a pontuação global pode variar de zero a 21 pontos. Quanto mais elevado o valor obtido, pior a avaliação da qualidade do sono, sendo que o escore global de cinco pontos constitui o ponto de corte que permite distinguir entre sujeitos com má qualidade do sono e distúrbios do sono e aqueles com sono de boa qualidade(18).

Para a obtenção dos dados sobre a qualidade de vida, foi aplicada a versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-bref). Trata-se de um questionário genérico sobre qualidade de vida da Organização Mundial Saúde (OMS), organizado em 26 questões em escala tipo Likert, que considera os últimos quinze dias vividos pelos respondentes. As duas primeiras questões “são gerais e fazem referência à percepção da qualidade de vida e à satisfação com a saúde. As demais representam as vinte e quatro facetas que compõem o instrumento original e estão distribuídas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente”. O escore final é transformado em escala de zero a 100, medida em direção positiva, isto é, escores mais altos indicam maior qualidade de vida(19).

Análise e tratamento dos dados

Inicialmente, os dados foram digitados em planilha do Microsoft Excel® e processados pelo programa estatístico SAS 9.4. As análises das variáveis qualitativas foram descritas por meio de frequências e porcentagens e as variáveis quantitativas, por meio de medidas de posição e dispersão. Para avaliar a relação dos domínios do WHOQOL-bref e do PSQI com os domínios do AEEE, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman. As relações entre as variáveis qualitativas e os resultados dos instrumentos WHOQOL-bref, PSQI e AEEE foram avaliadas por meio dos testes t de Student não pareado ou de Mann-Whitney, de acordo com a distribuição dos dados. A distribuição dos dados foi avaliada por meio do teste de Shapiro-Wilk. As associações entre a classificação do escore do PSQI e as variáveis qualitativas foram avaliadas por meio do teste Qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de 5%.

Aspectos éticos

As considerações éticas foram respeitadas de acordo com a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas sob o Parecer de nº 2.466.314/18.

RESULTADOS

Os resultados dos dados sociodemográficos demonstraram que, dos 55 estudantes participantes da pesquisa, (45,4%) estavam alocados no nono semestre e (54,6%) no décimo semestre, com predomínio do sexo feminino (80%), idade média de 32,1 anos (dp=8,15), sem companheiro (54,5%), sem filhos (52,8%) e exercendo atividade empregatícia (74,5%). Destes, 41,8% eram técnicos de Enfermagem e aqueles alocados no turno noturno somam (36,4%). Quanto aos hábitos de vida, verificou-se que (61,8%) não praticavam nenhuma atividade física, realizavam atividades de lazer (72,7%), não faziam uso de bebida alcóolica (67,3%) e de fumo (96,4%), e não utilizavam medicamentos para dormir (96,4%).

Quanto à qualidade de sono aferida pelo PSQI, a Tabela 1 ilustra maior incidência de sono de má qualidade nos estudantes alocados no nono semestre e naqueles que relataram insônia. No entanto, em relação à atividade empregatícia e turno de trabalho, não foram identificadas associações estatisticamente significantes.

Tabela 1
Escores de qualidade de sono de acordo com semestre cursado, relato de insônia, atividade empregatícia e turno de trabalho - Poços de Caldas, MG, Brasil, 2018.

Na Tabela 2, podem ser observados os dados sobre a relação dos fatores de estresse com o sono e a qualidade sono e de vida. Os resultados demonstraram uma relação significante positiva e de forte magnitude dos domínios físico, psicológico e de ambiente do WHOQOL-bref, escore PSQI com o domínio Gerenciamento de Tempo (D3), assim como uma correlação significante negativa e moderada desses mesmos domínios do WHOQOL-bref e escore PSQI com a maioria dos domínios do AEEE.

Tabela 2
Correlação entre os escores dos domínios da qualidade de vida e de sono com os escores do estresse - Poços de Caldas, MG, Brasil, 2018.

A análise entre os semestres mostrou diferença significante em relação aos domínios psicológico, social e meio ambiente. Quanto ao estresse, verificou-se diferença significante para os domínios Realização de Atividades Práticas (D1) e Formação Profissional (D5). O nono semestre apresentou pior qualidade de sono em comparação com os estudantes do décimo semestre (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação entre os grupos de estudantes por semestre, em relação aos escores de qualidade de vida, sono e estresse - Poços de Caldas, MG, Brasil, 2018.

Nas comparações entre os estudantes com relação à presença de insônia, houve diferença significante para a maioria dos domínios do AEEE, escore do PSQI e domínio físico da qualidade de vida (Tabela 4).

Tabela 4
Comparação entre os grupos de estudantes por relato de insônia em relação aos escores de qualidade de vida, sono e estresse - Poços de Caldas, MG, Brasil, 2018.

No entanto, não houve associação significante entre a insônia e atividade empregatícia (p=0,7486) pelo teste exato de Fisher, assim como para o turno de trabalho (p=0,2604) pelo teste Qui-quadrado.

Ter filhos esteve associado negativamente com o domínio Ambiente (D4) do AEEE. Houve diferença significante entre os sexos com relação aos domínios de Realização de Atividades Práticas (D1) (p=0,0469) e Formação Profissional (D5) (p= 0,0263) pelo teste de Mann-Whitney. As mulheres tiveram maior exposição para esses fatores de estresse.

Em relação à prática de atividade física, verificou-se, por meio do teste Mann-Whitney, diferença significante para os seguintes domínios do AEEE: Formação Profissional (D5) (p= 0,0025) e Atividade Teórica (D6) (p= 0,0180).

Em relação aos demais dados sociodemográficos, não houve diferença significante nos testes de comparação envolvendo as variáveis situação conjugal, atividade de lazer e uso de bebida alcóolica com relação aos domínios do AEEE, WHOQOL e PSQI.

DISCUSSÃO

As análises estatísticas revelaram relação entre os fatores de estresse acadêmico, sono de má qualidade e alterações da qualidade de vida. Além disso, estudantes do nono semestre apresentaram maior exposição aos fatores de estresse, pior qualidade de sono e de vida. Ter insônia, sexo feminino, não ter filhos e não praticar atividade física foram variáveis que estiveram associadas a uma maior exposição aos fatores de estresse.

O domínio Gerenciamento do Tempo (D3) foi o domínio de maior potencialidade para o desencadeamento do estresse e associou-se ao sono de má qualidade e a prejuízos para a qualidade de vida nos aspectos físico, psicológico e de ambiente. Destaca-se, ainda, que os domínios Realização das Atividades Práticas (D1), Comunicação Profissional (D2), Ambiente (D4), Formação Profissional (D5) e Atividade Teórica (D6) também representaram fatores de exposição para o estresse e estiveram associados à diminuição dos escore da qualidade de sono e de vida dos estudantes.

Assim, os estudantes tiveram maior exposição aos fatores relacionados à organização temporal das atividades acadêmicas, familiares, cotidianas, sociais e apresentaram, em moderada magnitude, dificuldades de conciliar teoria e prática, executar procedimentos assistenciais, comunicação com profissionais de saúde em campo de estágio, preocupação com o mercado de trabalho e com as responsabilidades da futura vida profissional(17).

Dados de pesquisas brasileiras mostraram que os domínios Formação Profissional (52,2%), Comunicação Profissional (33,3%) e Gerenciamento de Tempo (32,4%) representaram, respectivamente, nível muito alto de estresse entre os estudantes de Enfermagem(20), além da falta de conhecimentos/habilidades nas atividades práticas(4). Estudos internacionais constataram resultados semelhantes em que os maiores estressores foram a sobrecarga de atividades e trabalhos, estressores das relações com colegas, vida cotidiana e os relacionados à assistência ao paciente(7-9).

Quanto à exposição aos fatores de estresse, verificou-se que estudantes alocados no nono semestre tiveram maior potencialidade de exposição para fatores relacionados à Realização de Atividades Práticas (D1) e Atividade Teórica (D6), pior qualidade de sono e menores escores na qualidade de vida para os domínios psicológico, social e ambiente. Esses resultados podem ser explicados pela inserção do aluno na prática assistencial, ressaltando que a introdução dos estudantes nessas atividades pode intensificar as situações de estresse que são vivenciadas durante o estágio(4).

Além disso, estudantes com insônia apresentaram pior qualidade do sono, maior exposição para a maioria dos domínios do instrumento de avaliação de estresse, bem como pior qualidade de vida para o domínio físico. Uma pesquisa realizada em uma universidade da Espanha, que determinou a versão adaptada de um instrumento para a avaliação de estresse em estudantes universitários, demonstrou que altos níveis de estresse estiveram associados, entre outros fatores, a poucas horas de sono e a piores resultados acadêmicos(12).

Por outro lado, a insônia não esteve associada à dupla jornada (trabalho-estudo) e ao turno noturno, divergindo de estudos brasileiros que demonstraram que estudantes que desempenham funções estudo/trabalho informaram, dentre outros sintomas, a insônia(6). Talvez, esses achados pudessem ser melhor elucidados por meio da avaliação do perfil/preferência do cronotipo com o período de trabalho/estudo.

Quanto aos dados da qualidade de vida, houve diminuição dos escores para os domínios físico, psicológico e de ambiente. Pesquisa com 351 estudantes de Enfermagem mostraram resultados semelhantes, com baixa percepção da qualidade de vida para os mesmos domínios identificados nesta pesquisa, assim como para o domínio ligado às relações sociais(21).

É importante ressaltar que algumas características sociodemográficas estiveram associadas aos fatores de estresse no ambiente formativo. Nesse sentido, verificou-se que as mulheres tiveram maior preocupação em relação aos fatores ligados aos procedimentos assistenciais e situações que poderiam vivenciar na futura vida profissional e os estudantes que não tinham filhos apresentaram maior potencialidade de exposição às situações ambientais, como a distância entre a moradia e locais de estágio e aspectos relacionados a transporte público.

Sobre estas variáveis, uma pesquisa desenvolvida em uma instituição particular no Ceará, com alunos do primeiro, terceiro e último anos da graduação em Enfermagem, demonstra que as mulheres e os estudantes do último ano tiveram maiores chances de apresentar estresse, assim como nos resultados desta pesquisa. Porém, obteve-se resultado diferente em relação à variável filho, identificando que os estudantes com filhos apresentaram maior propensão para o estresse(22).

Já as variáveis sociodemográficas atividade empregatícia e turno noturno não estiveram associadas a uma qualidade de sono ruim, apesar de a grande maioria dos estudantes estar trabalhando e alocada no turno noturno (Tabela 1). Esse dado difere daqueles apresentados por um estudo brasileiro(6). Isto poderia estar relacionado a diferentes aspectos do cotidiano laboral, à satisfação com o turno de trabalho ou concordância do cronotipo com turno trabalho/estudo, merecendo, portanto, investigações futuras que aprofundem esses aspectos.

Quanto aos hábitos de vida, embora haja um aumento da divulgação dos benefícios quanto à prática de atividades físicas, verificou-se que 61,8% dos estudantes não praticavam nenhuma atividade física, mas realizavam atividades de lazer (72,7%). Esses resultados corroboram pesquisa realizada com 705 acadêmicos de Enfermagem de três instituições públicas e uma particular(23).

Em relação às limitações, trata-se de um estudo transversal não avaliando causa e efeito, mas indicando preocupação quanto aos fatores de estresse do ambiente formativo e às repercussões desses fatores para o sono e a qualidade de vida da população estudada. Em segundo lugar, este estudo foi realizado apenas com estudantes de Enfermagem do último ano da graduação de uma instituição de ensino superior privada, portanto, estes estudos devem ser validados prospectivamente em estudantes universitários de instituições públicas e em diferentes setores acadêmicos.

CONCLUSÃO

Os estudantes foram expostos a diversos fatores de estresse no ambiente universitário, sendo o Gerenciamento do Tempo (D3) o fator que esteve relacionado à maior potencialidade para o desencadeamento do estresse e associado à má qualidade do sono e diminuição da qualidade de vida nas dimensões dos aspectos físico, psicológico e de ambiente.

Estudantes alocados no nono semestre apresentaram maior exposição aos fatores de estresse, pior qualidade de sono e de vida. Ter insônia, sexo feminino, não ter filhos e não praticar atividade física foram características sociodemográficas que estiveram associadas a uma maior exposição aos fatores de estresse.

Diante dessas evidências, faz-se necessário implementar estratégias de promoção à saúde que possam acolher o estudante. Sugerem-se ações com foco nos fatores de maior potencialidade para o estresse em campo de estágio.

Recomendam-se estratégias de baixo custo, como cartilhas informativas sobre estresse, sono, medidas de prevenção e recomendações para bons hábitos de sono, além da implementação de ações com a participação de outros profissionais da instituição que possam desenvolver atividades orientadas como atividade física e técnicas de relaxamento.

É importante a participação dos docentes e da instituição para que se obtenham resultados efetivos para reduzir possíveis impactos prejudiciais ao desenvolvimento das atividades acadêmicas, de prática clínica e da futura vida profissional.

A identificação antecipada dos fatores que desencadeiam o estresse em estudantes do último ano da graduação, bem como suas especificidades, poderá contribuir para uma melhor organização dos cursos de Enfermagem, focando o ambiente acadêmico para que se torne mais produtivo e menos desgastante para os estudantes que, em breve, estarão atuando como enfermeiros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2018
  • Aceito
    07 Out 2019
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