Resumos
Estudo qualitativo que se propõe a analisar a percepção do portador de hipertensão arterial sobre a sua não adesão ao tratamento medicamentoso. Foram entrevistados treze participantes classificados como não aderente. A analise foi realizada pela técnica de analise de conteúdo modalidade temática. Os dados apontam para contradições na abordagem sobre o que é ser ou não aderente, a dificuldade de aderir ao uso dos medicamentos devido ao hábito de vida, que o esquecimento é compreendido como uma justificativa para a não adesão, além de reforçarem fatores que dificultam tal prática, como o uso de muitos medicamentos, presença de sinais e sintomas e mudanças na rotina diária. As complexas condições que envolvem a não adesão ao tratamento e ao o atual contexto de predomínio de doenças crônicas, é primordial que se invista em estratégias inovadoras de cuidado a tais pessoas.
Cooperação do Paciente; Hipertensão; Uso de Medicamentos
This qualitative study aims to analyze the perception of patients with hypertension on their non-adherence to medication. 13 participants were interviewed, classified as non-adherent.The analysis was performed using the technique of thematic content analysis. Data points to contradictions in the approach of what is being adherent or not, the difficulty of adhering to the use of medication due to lifestyle habits, that forgetting is understood as a justification for non-compliance, and reinforces factors that hinder such practice, such as the use of many drugs, the presence of signs and symptoms and changes in daily routine. With complex conditions that involve non-adherence to treatment and the current context of the predominance of chronic diseases, it is essential to invest in innovative strategies of care for such people.
Patient Compliance; Hypertension; Use of Medication
Estudio cualitativo que se propone a analizar la percepción del portador de hipertensión arterial sobre su no adhesión al tratamiento medicamentoso. Fueron entrevistados trece participantes clasificados como no adherente. El análisis fue realizado por la técnica de análisis de contenido modalidad temática. Los datos apuntan para contradicciones en el abordaje sobre lo que es ser o no adherente, la dificultad de adherir al uso de los medicamentos debido al hábito de vida, que el olvido se comprende como una justificativa para la no adhesión, además de reforzar factores que dificultan tal práctica, como el uso de muchos medicamentos, presencia de señales y síntomas y mudanzas en la rutina diaria. Las complejas condiciones que involucran la no adhesión al tratamiento y al actual contexto de predominio de enfermedades crónicas, es primordial que se invierta en estrategias innovadoras de cuidado a tales personas.
Cooperación del Paciente; Hipertensión; Utilización de Medicamentos
Introdução
O envelhecimento da população, concomitantemente ao aumento das doenças crônicas não transmissíveis, faz com que o sistema se saúde se depare com novos problemas marcados pela complexidade e cronicidade, com a necessidade de modos diferenciados de gerenciar o cuidado. Neste contexto, a utilização de medicamentos é uma condição bastante frequente entre a população em geral, o que tem gerado sérios problemas, considerando a alta prevalência de uso inadequado, seja devido à prescrição, à dispensação ou à utilização dos mesmos.
A OMS considera que mais de 50% dos medicamentos são prescritos ou dispensados de forma inadequada e que 50% dos pacientes tomam medicamentos de maneira incorreta levando a alto índice de morbidade e mortalidade. Os tipos mais comuns de uso irracional de medicamentos estão relacionados às pessoas que utilizam polifarmácia, ao uso inapropriado de antibiótico e de medicamentos injetável, a automedicação e a prescrição em desacordo com as diretrizes clínicas (1).
O uso racional de medicamentos inclui “a prescrição apropriada; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em condições adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado, de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade” (2).
Neste contexto, a adesão dos usuários parece ser uma condição frequente e de difícil controle, pela existência de múltiplos fatores que podem estar relacionados às individualidades daqueles que devem utilizá-los de forma correta para obter o efeito desejado. Adesão, do ponto de vista etimológico, do latim adhaesione, significa junção, união, aprovação, acordo, manifestação de solidariedade, apoio; pressupõe relação e vínculo(3).
Na prática clínica, atualmente propõe-se a compreensão de adesão como um processo dinâmico e multifatorial que abrange aspectos físicos, psicológicos, sociais, culturais e comportamentais, que requer decisões compartilhadas e corresponsabilização entre a pessoa que vive com a doença, a equipe de saúde e a rede social. Entende-se ser um processo multifatorial, estruturado a partir da relação entre quem cuida e quem é cuidado e envolve a constância, a perseverança e a freqüência (4).
Agrega-se a essa compreensão o princípio da autonomia, pois o tratamento exige a concordância do paciente com as recomendações preconizadas, implicando no desempenho de um papel ativo e participativo no cuidado à saúde. Considera-se, ainda, a necessidade de boa relação profissional/paciente para que a adesão aconteça de forma satisfatória (5).
O termo aderência quando aplicado ao uso de medicamentos refere-se à sua utilização de acordo com a prescrição médica. A aderência ao uso de medicamentos está relacionada a diferentes fatores, destacando-se o satisfatório nível de informação e o interesse do paciente em engajar-se no plano terapêutico.
Referindo-se a adesão aos medicamentos prescritos, os portadores de doenças crônicas são aqueles que apresentam menores índices (6). Entre as doenças crônicas, as cardiovasculares constituem a principal causa de morte, além de gerar incapacidades, dependências e perda de autonomia, representando um alto custo econômico e social. Entre as doenças cardiovasculares, a Hipertensão Arterial (HA) é a mais prevalente e aumenta progressivamente com a idade (7).
Estudo revelou que nenhum dos hipertensos avaliados apresentou adesão ideal, embora a maioria tenha sido classificado como não aderente leve (8). Em analise comparativa da adesão ao tratamento medicamentoso entre população urbana e rural foi encontrado que mais de 60% dos entrevistados foram considerados como não aderentes e que não adesão está relacionada à faixa etária, à baixa renda, ao etilismo e ao modo de relacionar-se com os serviços de saúde, porém não houve associação com o local de residência (9).
Considera-se como não adesão ao tratamento da HA quando o uso do medicamento não coincide parcial ou totalmente com o plano terapêutico e, quando se refere ao portador de HA, chega a ser considerada como uma epidemia invisível, sendo que sua prevalência varia de acordo com o método empregado e é mais elevada em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil (10).
O portador de da doença crônica, no seu cotidiano, assume o papel de protagonista no controle da doença, pois lida com ela e responsabiliza-se pelo seguimento e administração das terapêuticas prescritas, tomando decisões em relação a sua doença e tratamento (11).
Neste contexto é preciso salientar que a adesão do hipertenso ao tratamento exige mudança de comportamento e requer grande esforço, pois envolve o rompimento com hábitos construídos ao longo da vida. As dificuldades nas mudanças de hábitos associam-se às condições da vida moderna com suas múltiplas exigências (12).
Frente a isso, cabe aos profissionais da saúde apoiar o portador de hipertensão na perspectiva da longitudinalidade do cuidado, de forma que o mesmo seja compreendido na sua individualidade, por meio da abordagem centrada no doente e na intertividade . Essas ações contribuem para que o portoador HA se responsabilize pela sua própria saúde (13).
Ao se considerar que o campo da saúde apresenta um corpo complexo de conhecimentos norteado pelas atitudes em relação aos cuidados, o conhecimento da perspectiva do usuário representa uma importante contribuição na abordagem da adesão ao uso dos medicamentos.
Desta forma, são importantes estudos de abordagem qualitativa, visto que permitem aprofundar o papel do paciente como ser social dotado de conhecimentos, interesses, valores e expectativas que produzem diferentes sentidos e significados em relação ao manejo do seu processo de adoecimento (14).
Sendo assim, embora a adesão ao uso de medicamentos em pacientes hipertensos seja um assunto explorado na literatura, especialmente ao que se referem aos motivos da não adesão, muitas interrogações ainda se mantém no que se refere à sua compreensão, o que representa um aspecto importante quando se trata da adoção de estratégias com vistas ao melhor adesão aos mesmos. No presente estudo propõe-se a analisar a percepção dos portadores de HA sobre a não adesão ao uso de medicamentos.
Método
Estudo qualitativo descritivo pela possibilidade de maior aproximação com o objeto de pesquisa e compreensão das experiências no seu todo (15). Foi realizado com portadores de hipertensão arterial acompanhados no ambulatório de cardiologia de uma Universidade do interior paulista. Tal ambulatório atende aproximadamente 180 pacientes/mês encaminhados pelas unidades de atenção básica em saúde do município, por meio da central de vagas. A maioria dos pacientes atendidos são portadores de HA.
Os dados foram coletados no próprio ambulatório de cardiologia, no momento que antecedeu a consulta médica. Inicialmente o paciente foi chamado em uma sala/consultório, feita a apresentação dos pesquisadores e o questionamento sobre o uso correto da medicação, conforme proposto por Haynes et al: “Muitas pessoas têm algum tipo de problema para tomar seus remédios. Nos últimos 30 dias o (a) Sr(a) teve dificuldades para tomar seus remédios?”, cuja resposta afirmativa indica que o indivíduo é não aderente (16). Nos casos que o paciente foi classificado como não aderente foi convidado para responder aos questionamentos sobre o significado de fazer uso de medicamentos e sobre a não adesão aos mesmos. Foram entrevistados treze participantes e as entrevistas foram gravadas e transcritas na integra para posterior analise. A coleta de dados foi encerrada no momento em foi percebido que os dados obtidos estavam se tornando repetitivos.
Para análise dos dados optou-se pela técnica de análise de conteúdo, modalidade temática, por ser indicada para estudos de opiniões, atitudes, valores e tendências (17).
Para a operacionalização da referida técnica a autora estabelece três etapas, conforme seguem: 1. pré-análise que consiste na organização dos dados, com vistas a operacionalizar e sistematizar as primeiras ideias que irão nortear a estrutura de desenvolvimento das operações analíticas sucessivas; 2. exploração do material que objetiva essencialmente realizar as operações de codificação e definição de categorias e consiste em um procedimento de conversão sistemática dos dados brutos coletados de forma a agrupá-los em unidades que descrevem as características mais pertinentes do conteúdo; 3. fase de tratamento dos dados obtidos e interpretação é quando realiza-se apresentação dos resultados, proposição de inferências e interpretações referentes aos objetivos previstos ou a descobertas inesperadas (17).
Sendo assim, após a transcrição das entrevistas pelos autores, realizou-se a leitura de cada uma das entrevistas visando à organização do material e reconhecimento das ideias iniciais do texto. Na sequência o material foi submetido a um estudo aprofundado, orientado pelo objetivo e referencial teórico, visando o desmembramento das unidades de registro, ou seja, a codificação que corresponde à transformação dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte do texto, classificação e agregação, possibilitou atingir uma representação do conteúdo e a elaboração das três categorias de analise. Na fase de tratamento dos resultados, foram estabelecidas relações e deduções subsidiadas pela reflexão e pela fundamentação teórica, as quais permitiram tecer comparações e considerações sobre os dados encontrados (15).
Para a coleta de dados, o projeto contou com o acordo do responsável pelo Ambulatório de Cardiologia e com a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade. Os portadores de HA foram informados sobre a finalidade do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Visando preservar o anonimato, os participantes foram identificados com a letra “E” seguida do condigo numérico referente a ordem da entrevista.
Resultados
É importante destacar, que embora a abordagem dos participantes tenha sido realizada em local reservado e os pesquisadores tenham feito um movimento de apresentação e acolhimento dos mesmos, antes da primeira pergunta que os classificavam como aderentes e não aderentes, condição para prosseguir no estudo, houve grande dificuldade para que eles se assumissem como não aderente. Estudos demonstram a grande proporção de hipertensos que fazem uso irregular dos medicamentos, a exemplo, citam-se estudo que analisaram a adesão de idosos com hipertensão ao tratamento medicamentoso e não medicamentosos, em que mais da metade deles foram classificados como não aderente (18-19).
A faixa etária dos participantes foi de 25 a 83 anos, três deles analfabetos, dois com ensino fundamental incompletos e cinco com o ensino fundamental completo, dois com o ensino médio completo e um cursando ensino superior. Esses dados mostram que entre os entrevistados houve grande variação nos aspectos sócio-demográficos. No entanto, mesmo considerando que estudos demonstram associação positiva entre adesão e fatores como idade, sexo, condições econômicas e hábitos de vida, é certo que a adesão ao uso de medicamento é baixa em todas as situações.
Na tentativa de compreender a percepção dos hipertensos sobre a sua não adesão, evidencia-se que o desconhecimento da importância do uso correto ainda permeia a falta de adesão. No entanto, fatores complexos inerentes ao próprio indivíduo contribuem para que isso ocorra, o que possibilitou a elaboração das categorias de analise discutidas a seguir.
A contradição permeando a percepção sobre a sua não adesão.
No percurso da entrevista, mesmo tendo sido classificados como não aderente, os participantes negam a não adesão e reconhecem a importância do tratamento correto. Seguindo um processo permeado por contradições, voltavam a afirmar a não adesão, ora em um movimento de culpa e preocupação, ora com a crença de que não estariam sendo prejudicados com o uso incorreto, conforme se observa no fragmento abaixo.
“Eu acho que é necessário usar (...) pra mim é um santo remédio (...) quando eu vou ao médico tem esse problema, eu penso que ele vai pedir um exame, pergunta se eu to de jejum, pra gente fazer um exame de sangue, então eu esqueço, mas geralmente eu não esqueço (...) minha mulher também toma e ela me lembra. Só se eu viajo, se eu viajo pode ser que esqueça de levar. Hoje eu não sinto nada, mas a pressão ta alta. Ai eu me sinto irresponsável porque eu devia ter tomado(...) Mas eu pensei vai que derrepente o médico pede um exame de sangue daqueles que fica em jejum, ai já resolvia o problema. Eu tenho certeza que eu não vou piorar, não to sentindo nada” (E1).
“É uma situação complicada (falando sobre o esquecimento), é uma coisa do momento, no outro dia você acaba ficando meio mal, meio triste, porque não tomou o remédio...” (E12)
Frente a tais considerações e ao se referir à contradição é importante referenciar que sobre ela encontram-se diferentes interpretações, sendo as principais delas a perspectiva da lógica formal e da dialética. A contradição na lógica formal é compreendida como “reflexões absolutas e adequadas da realidade objetiva”, enquanto para a dialética, a contradição denota a interpenetração de opostos em sua unidade, ou seja, inexiste a possibilidade de separação dos opostos (20, p,59). Para que duas características sejam opostas, elas devem ter algo em comum, permanecendo ativamente interconectadas dentro de um dado fenômeno ou objeto. Compõe-se, assim, um importante movimento para que as mudanças ocorram, uma vez que um sistema que passa pelas “unidades de opostos” está se propondo a algo que não era(20). É nesta perspectiva que se compreender a contradição expressa pelos entrevistados, pois revela o momento de transicão entre não ter a doença e tornar-se portador da HA e se expressa por meio do conflito vivenciado ao perceber-se não aderente ao tratamento.
Nos fragmentos da fala abaixo, observa-se com clareza o reconhecimento da importância do uso do medicamento para a manutenção das condições de saúde, a afirmação de que está fazendo uso adequadamente, seguido da informação que esquece. Além disso, menciona o hábito no sentido de construção social e cultural.
“Significa muito (tomar o medicamento), porque controla minha saúde, a gente se sente bem, porque às vezes você não toma o remédio e não se sente bem então eu controlo certinho isso aí. Isso é meu dia-a-dia é controlado com remédio. É difícil eu esquecer, é mais fácil após o almoço (...) as vezes é o habito da gente. Quando eu vou almoçar, eu tomo refrigerante e esqueço de tomar o remédio, ai eu acabo esquecendo...” E2
Mesmo considerando que o uso do medicamento como central para a vida, o participante afirma que ainda não adquiriu o hábito de tomar o medicamento no horário indicado. A adesão ao uso de medicamentos parece envolver comportamentos socialmente desejáveis, o que está fortemente relacionado com hábitos coletivos que influenciam escolhas individuais (12). Depreende-se assim, que “tomar refrigerante” é uma condição socialmente mais aceita e esperada do que tomar um medicamento às refeições.
Acrescenta-se que diversos fatores de ordem psicossocial, como falta de motivação, influência social, crenças e sentimentos de auto-eficácia, influenciam de forma positiva ou negativa as mudanças no estilo de vida, o que é exigido do portador de hipertensão arterial que faz uso de medicamentos. A mudança de comportamento requer grande esforço, pois exige o rompimento com hábitos arraigados que foram social e cultural adquirido ao longo da vida. As dificuldades nas mudanças de hábitos associam-se, ainda, às condições cotidianas da vida moderna com suas múltiplas exigências (21).
Acrescenta-se que o doente crônico, ao vivenciar o processo de adocecimento vai adquirindo conhecimento e experiências sobre a doença de acordo com suas habilidades internas para lidar com com a mesma em diferentes situações. Assim, para avançar no cuidado em saúde, é preciso envolver a pessoa no processo de tomada de decisão compartilhada, ajudando-a no reconhecimento de suas necessidades individuais, metas e crenças (22).
O esquecimento como forma de justificar a não adesão seguido de sentimento de desapontamento
O fato de “esquecer”, “simplesmente esquecer”, como verbalizado pelo entrevistado manifesta-se como um livramento da responsabilidade, mesmo que na sequencia venha a peso de não ter tomado.
“O correto seria tomar certinho, mas como a gente esquece (...). Eu esqueço, simplesmente esqueço. As vezes seu tomo uma ou outra no bar(risos) chego em casa e acabo esquecendo o da manha seguinte (...)quando eu lembro falo o caramba e tomo (...) quando eu não lembro...” (E4)
“Normalmente eu levanto faço as coisas para o meu filho e deito mais um pouco, ai eu levanto correndo e vou trabalhar e esqueço. Ai geralmente eu tomo quando chego no trabalho, hoje, por exemplo, eu não tomei ainda (...) você chega lá e ta atropelada de serviço você acaba esquecendo, ai você lembra e fala “vou tomar” mas ai você acaba esquecendo de ir la pegar.”(E7)
Resgata-se, assim, o entendimento de que promover saúde é “maximizar a capacidade que cada indivíduo possui para tolerar, enfrentar e corrigir aqueles riscos ou traições que inevitavelmente fazem parte da nossa história” (23). Acrescenta-se que compreender o entrelaçamento de fatores que configuram as práticas em saúde envolve elementos complexos e abrangentes incluindo os conceitos de interdisciplinaridade, intersetorialidade, eqüidade, potencialização dos sujeitos e das instituições envolvidas e qualidade de vida (24). Na perspectiva da promoção da saúde que envolve a mudança de hábitos, discute-se que a sua construção se dá no cotidiano, incluindo ambiente como um território vivo, dinâmico e reflexo de processos econômicos, históricos e culturais (19; 25).
Destacam fatores que interfere na adesão.
Mesmo que reconhecidamente é a pessoa quem decide aderir ao tratamento e somente o fará a partir do momento em que aceitar como importante para si e incorporar aos seus hábitos de vida, ficou constatado que enfrentam problemas que podem ser facilmente resolvidos e que necessitam ser considerados e acompanhados pelos profissionais de saúde, na lógica da vigilância em saúde, envolvendo um acompanhamento longitudinal, vínculo e responsabilização.
“Eu deixei de tomar uns remédios, por causa do estomago, eu tomo muitos comprimidos, 11 por dia (...) Não é que eu não percebi, é que quando eu percebi que eu tava tomando muito remédio eu tirei o atenolol, mas acho que nem deu tempo dele fazer efeito.” (E5)
“(tomar o medicamento corretamente) Significa uma tranquilidade (...) porque gostar mesmo eu não gosto de tomar esses remédios mas e necessário ne! Como eu sinto muito sono com esse remédio muita moleza eles tavam atrapalhando no meu trabalho eu resolvi parar por uns dias pra ver se melhorava, o sono melhorou, mas a pressão subiu então eu voltei...” (E10)
“E que de final de semana eu tenho vontade de tomar uma cervejinha, e acho que não pode misturar então, eu não tomo o remédio, eh só isso que atrapalha eu tomar a medicação (...) Eu não sinto nada, as vezes eu fico um pouco fraco, da fraqueza ,mas eu não me sinto mau...” (E9)
Outro aspecto relatado por eles, trata-se da dificuldade em tomar os medicamento corretamente quando ocorre alguma mudança na sua rotina diária, conforme se observa no fragmento da fala que segue:
“Se eu esqueço de tomar de manhã, eu deixo para tomar só no outro dia, os dias que eu esqueço, geralmente são os dias que não fico em casa...” E12
Frente a tais verbalizações, acredita-se na importância de mudanças nas estratégias de atenção à saúde de pessoas que fazem uso crônico de medicamento. Embora as ações em grupo e a educação em saúde tenha relevância neste processo, é preciso avançar no apoio e suporte contínuo a essas pessoas, de forma que haja um acompanhamento individualizado sistemático e que haja um reconhecimento das suas reais necessidades. Neste complexo movimento, ações individuais e coletivas devem perpassar pelo cuidado em saúde.
Frente a compreensão de que a adesão ao tratamento medicamentoso por portadores de doenças crônicas demandam a mudança de medicamentos, é preciso incorporar na sua prática diária mecanismos de adaptação que facilitem o cumprimento do tratamento, manter uma comunicação eficaz com profissionais de saúde, simplificação do regime terapêutico, associar o uso de medicamentos às atividades diárias, entre outras ações que contribua para a incorporação desse uso (25).
Para isso, é preciso reconhecer a importância do papel do hipertenso no processo de aderir ao tratamento, pois em revisão da literatura sobre a adesão/não adesão ao tratamento de pessoas com doenças crônicas, foi constatado que os profissionais o consideram submisso ao serviço de saúde, limitando a possibilidade de participação ativa (26). Acrescenta-se a isso, que eles muitas vezes apresentam concepções equivocadas quanto a doença (27).
Conclusão
Na busca de aprofundar na compreensão de portadores de hipertensão sobre a não adesão aos medicamentos, evidencia-se a importância da atuação em saúde voltada para a forma de pensar e agir de cada individua, envolvendo o seu contexto cultural e social, uma vez que a adesão ao uso de medicamentos vai muito além do conhecimento que tem sobre os mesmos e do reconhecimento da importância de seguir corretamente a prescrição. Envolve desconstruir juntamente com os indivíduos hábito que foram construídos ao longo da vida. Sendo assim, aos profissionais de saúde cabe ir muito além de proporcionar informações, principalmente se nesse processo não for valorizado os conhecimentos dos participantes, suas crenças, valores e dificuldades. Entrelaçam-se, desta forma, ações coletivas e individuais, com vistas a mudanças de hábitos.
Reforça-se neste estudo que frente as complexas condições que envolvem a não adesão ao tratamento e o atual contexto de predomínio de doenças crônicas como é o caso da hipertensão arterial, é primordial que se invista em estratégias inovadoras de cuidado a tais pessoas. Neste contexto, embora o ambulatório de especialidade deva se envolver em um processo de cuidado mais ampliado, cabe prioritariamente investimento na atenção primária para que se possa manter um vínculo profissional/usuário e com os demais níveis de atenção, de forma que o cuidado seja estabelecido em redes.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jun 2016
Histórico
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Recebido
26 Mar 2015 -
Aceito
14 Nov 2015