RESUMO
Objetivo:
Compreender as Representações Sociais de enfermeiros de uma Unidade de Pronto Atendimento sobre o cuidado dispensado às pessoas com transtornos mentais.
Método:
Estudo exploratório qualitativo, sustentado pelo referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais. Foram realizadas entrevistas no período de julho a agosto de 2021. Os dados foram processados com o auxílio do software IraMuTeQ.
Resultados:
Foram entrevistados 22 enfermeiros. A partir dos dados processados foram cosntruídas três categorias discursivas: a tortuosidade da Rede de Atenção Psiscossocial: em busca de um caminho; O abismo entre o profissional de saúde e a pessoa com transtorno mental; e desvelando o cuidado dos enfermeiros da Unidade de Pronto Atendimento em saúde mental.
Conclusão
Identificou-se falta de conhecimento sobre a Rede de Atenção Psicossocial, elementos de ancoragem associados à experiências prévias negativas que influenciam a relação profissional-paciente e, um cuidado de enfermagem permeado por barreiras cognitivas. Tais achados são inéditos na localidade estudada e relevantes para promover a qualificação do trabalho do enfermeiro em saúde mental na Unidade de Pronto Atendimento.
DESCRITORES
Saúde Mental; Enfermagem Psiquiátrica; Serviços Médicos de Emergência; Assistência à Saúde Mental; Cuidados de Enfermagem
ABSTRACT
Objective:
To understand the Social Representations of nurses from an Emergency Care Unit about the care provided to people with mental disorders.
Method:
Qualitative exploratory study, supported by the theoretical and methodological framework of the Theory of Social Representations. Interviews were conducted from July to August 2021. The data were processed using the IRaMuTeQ software.
Results:
22 nurses were interviewed. From the processed data, three discursive categories were constructed: the tortuousness of the Psycho-Social Care Network (RAPs): in search of a path; the abyss between the health professional and the person with mental disorder; and unveiling the care of nurses in the Mental Health Emergency Care Unit.
Conclusion:
We identified a lack of knowledge about the Psychosocial Care Network, anchoring elements associated with previous negative experiences that influence the professional-patient relationship, and nursing care permeated by cognitive barriers. Such findings are unprecedented in the locality studied and relevant to promote the qualification of the work of nurses in mental health in the Emergency Care Unit.
DESCRIPTORS
Mental Healt; Psychiatric Nursin; Emergency Medical Service; Mental Health Assistanc; Nursing Care
RESUMEN
Objetivo:
Conocer las Representaciones Sociales de las enfermeras de una Unidad de Cuidados de Urgencia sobre los cuidados prestados a personas con trastornos mentales.
Método:
Estudio exploratorio cualitativo, apoyado en el marco teórico y metodológico de la Teoría de las Representaciones Sociales. Las entrevistas se realizaron entre julio y agosto de 2021. Los datos se procesaron con el software IraMuTeQ.
Resultados:
Fueron entrevistadas 22 enfermeras. A partir de los datos procesados, se construyeron tres categorías discursivas: lo tortuoso de la Red de Atención Psicosocial: en busca de un camino; el abismo entre el profesional de la salud y la persona con trastorno mental; y develar el cuidado de las enfermeras en la Unidad de Atención de Emergencias en Salud Mental.
Conclusiones:
Identificamos un desconocimiento de la Red de Atención Psicosocial, elementos de anclaje asociados a experiencias negativas previas que influyen en la relación profesional-paciente, y cuidados de enfermería permeados por barreras cognitivas. Tales hallazgos son inéditos en la localidad estudiada y relevantes para promover la cualificación del trabajo de enfermería en salud mental en la Unidad de Cuidados de Urgencia.
DESCRIPTORES
Salud Mental; Enfermería Psiquiátrica; Servicios Médicos de Urgencia; Atención a la Salud Mental; Atención de Enfermería
INTRODUÇÃO
A Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) propõe um projeto coletivamente produzido de mudança do modelo de atenção e de gestão do cuidado em saúde mental, substituindo um modelo de saúde mental de caráter asilar por um modelo de serviços comunitários com forte inserção territorial(11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde mental [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2022 Mar 25]. (Cadernos de Atenção Básica, no. 34). Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf
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). Tal movimento teve como população-alvo as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, em maior situação de vulnerabilidade e segregação, a partir do qual na presente pesquisa o cuidado em saúde mental se relaciona a esses pacientes. Nesta perspectiva, foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), cuja finalidade é a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde a pessoas com transtornos mentais(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 2011 [cited 2022 Mar 25]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).
A RAPs se caracteriza pela diversificação dos pontos de atenção e possibilidades de arranjos para intervenções em saúde mental(33. Cruz KDF, Guerrero AVP, Scafuto J, Vieira N. Atenção à crise em saúde mental: um desafio para a reforma psiquiátrica brasileira. Rev NUFEN. 2019;11(2):117-32. doi: http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.n02ensaio51
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). No âmbito da urgência e emergência, tal descentralização do cuidado assegurou que o acolhimento às situações de urgência e emergência psiquiátricas passassem a não serem mais exclusivos dos serviços de saúde especializados em saúde mental, do que decorre que os serviços de urgência e emergência gerais também absorvessem essa demanda.
Estudo(44. Souza BS, Pio DAM, Oliveira GTR. Perspectivas de usuários em sofrimento psíquico sobre um Serviço de Pronto Atendimento. Psicologia (Cons Fed Psicol). 2021;41:1-16. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703003221805.
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) constatou a predominância do despreparo das equipes destes serviços e dos locais de atendimento nessas situações. Profissionais não concordam com a responsabilidade dos departamentos de emergência em atender pessoas com transtornos mentais(55. Koning KL, Mcnaught A, Tuffin K. Emergency Department staff beliefs about self-harm: a thematic framework analysis. Community Ment Health J. 2018;54(6):814-22. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10597-017-0178-8. PubMed PMID: 29101707.
https://doi.org/10.1007/s10597-017-0178-...
–77. Daggenvoorde TH, van Klaren JM, Gijsman HJ, Vermeulen H, Goossens PJJ. Experiences of Dutch ambulance nurses in emergency care for patients with acute manic and/or psychotic symptoms: a qualitative study. Perspect Psychiatr Care. 2021;57(3):1305-12. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ppc.12691. PubMed PMID: 33270230.
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), inclusive alegando que o hospital psiquiátrico seja o melhor direcionamento para esse tipo de demanda(88. Oliveira LC, Silva RAR. Knowledge and practices in urgent and emergency psychiatric care. Rev Enferm UERJ. 2017;25: e10726. doi: http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2017.10726
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). Há um significativo desconhecimento dos fluxos e dos componentes da RAPs e o não reconhecimento dos serviços de urgência e emergência como integrante desta rede(99. Sampaio ML, Bispo Jr JP. Rede de Atenção Psicossocial: avaliação da estrutura e do processo de articulação do cuidado em saúde mental. Cad Saude Publica. 2021;37(3):e00042620. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00042620. PubMed PMID: 33852660.
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).
Diante das concepções apresentadas, emerge a necessidade de apreender quais os elementos cognitivos (imagens, conceitos, categorias, teorias), presentes nos profissionais de saúde acerca do cuidado em saúde mental nos serviços de urgência e emergência gerais e sobre a RAPs. Para tanto, utilizou-se a Teoria das Representações Sociais (TRS), que se conforma como uma modalidade de conhecimento prático, dirigida para a comunicação e para a compreensão do contexto social em que vivemos. Destarte, apresenta-se a partir de formas de conhecimento que se revela como elementos cognitivos, os quais permitem modelar o que é dado do exterior, a partir das relações que os indivíduos e os grupos constituem com os objetos, os atos e as situações nas interações sociais(1010. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores; 1978.), no presente estudo delimitado pelo cuidado em saúde mental às pessoas com transtornos mentais. Destacam-se na formação das Representações Sociais (RS) dois processos fundamentais, a objetivação e a ancoragem, sendo a primeira responsável por dar a uma representação o status de realidade objetiva e a segunda por integrar e categorizar informações novas que vão guiar a compreensão e a ação(1111. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2001.).
Utilizando-se destes conceitos, este estudo objetivou compreender as RS de enfermeiros de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) sobre o cuidado dispensado às pessoas com transtornos mentais.
MÉTODO
Desenho do Estudo
Trata-se de um estudo de abordagem metodológica qualitativa, com recorte exploratório, possuindo como referencial teórico-metodológico a TRS. Tal aporte teórico foi cunhado por Serge Moscovici em 1961, e é caracterizado como uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social, tendo importância na vida social e na elucidação dos processos cognitivos e das interações sociais(1111. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2001.).
Para a construção do presente trabalho foram seguidas as recomendações do guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(1212. Souza VRS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:1-9. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
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).
População
Participaram do presente estudo, 22 enfermeiros que integram o quadro de servidores de uma UPA.
Local
O cenário da pesquisa foi uma UPA do município de Três Lagoas, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil.
Critérios de Seleção
Participaram da pesquisa enfermeiros assistenciais de ambos os sexos, com experiência de pelo menos um ano de serviço na UPA. Aceitaram participar de forma individual, voluntária e livre de qualquer coação. Foram excluídos os enfermeiros que desempenhavam atividades exclusivamente administrativas.
Definição da Amostra
Utilizou-se o critério de exaustão(1313. Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saude Publica. 2011;27(2):388-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011000200020. PubMed PMID: 21359475.
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), em que foram abordados todos os sujeitos elegíveis, sendo assim que da população de 22 enfermeiros, todos concordaram em participar da pesquisa.
Coleta de Dados
Os dados foram coletados nos meses de julho e agosto do ano de 2021, por meio de entrevistas. Para tal fim, foi utilizado um roteiro semiestruturado, composto por duas seções: a primeira contendo variáveis quantitativas voltadas à obtenção de características sóciodemográficas/profissionais e a segunda composta por questões qualitativas com o intuito de extrair as RS dos enfermeiros em relação à sua atuação em saúde mental e sobre da RAPs.
As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora responsável, no âmbito da UPA, em horário destinado ao intervalo dos profissionais, com garantia de que o ambiente fosse reservado e proporcionasse privacidade aos mesmos, respeitando as medidas sanitárias vigentes em decorrência da pandemia de Covid-19.
A duração da realização das entrevistas foi aproximadamente uma hora e o registro do conteúdo foi realizado no próprio instrumento de coleta de dados e por meio de gravação do áudio, utilizando um aparelho para esta finalidade, com o consentimento dos participantes. Posteriormente, as falas foram transcritas na íntegra.
Análise e Tratamento dos Dados
Os dados foram digitalizados para um documento do software Microsoft Word, posteriormente foram transferidos para o Bloco de Notas e organizados de forma a serem processados pelo software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) versão 0,7 alpha 2, desenvolvido por Pierre Ratinaud em 2009, a fim de consituir o corpus textual.
Dentre os diferentes processamentos possíveis por meio do IRaMuTeQ, utilizou-se a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que classifica os Segmentos de Texto (ST) em função dos seus respectivos vocabulários e os reparte em função da frequência das formas reduzidas, gerando um dendograma que ilustra as relações entre essas classes(1414. Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-8. doi: http://dx.doi.org/ 10.9788/TP2013.2-16.
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).
Neste processamento obteve-se um total de 794 ST, dos quais 642 foram classificados, gerando um aproveitamento de 80,86% e uma subvisão em 6 classes. Neste estudo, considerou-se os 20 primeiros vocábulos evocados de maior significância nas classes, e as mesmas subsidiaram a construção de três categorias que retratam os conteúdos representacionais dos enfermeiros acerca da temática do estudo.
Portanto, a análise categorial se desdobrou a partir das classes processadas pelo IRaMuTeQ que considera os léxicos mais relevantes em relação ao corpus textual processado. Destarte, o software apresenta os ST que são representativos para os léxicos selecionados no processo de construção das classes oriundas da CHD.
Aspectos Éticos
O estudo seguiu todas as diretrizes e prerrogativas legais estabelecidas pelas Resoluções 466/2012 e 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde. Obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul pelo Parecer nº 4.555.902/2021. Todos os participantes receberam orientações e esclarecimentos acerca do estudo, entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi devidamente assinado após o aceite em participar da pesquisa. Foi garantido o sigilo e o anonimato dos participantes através do uso do codinome “Entrevistado” seguido de numeral que indica a sequência em que as entrevistas foram realizadas.
RESULTADOS
Participaram do estudo 22 enfermeiros, sendo: 16 (72,7%) do sexo feminino e 06 (27,3%) do sexo masculino; idades entre 26 a 58 anos; tempo médio de formação em enfermagem de 12,5 anos.
Os profissionais foram, em sua maioria, graduados em instituições públicas (n = 14; 63,6%); 12 (54,5%) relataram não terem tido acesso ao conhecimento necessário sobre saúde mental na graduação. Quanto à formação complementar, 7 (31,8%) possuem uma segunda graduação concluída, 21 (95,4%) possuem pelo menos uma especialização latu sensu finalizada e 3 (13,6%) encontram-se com pós-graduação strictu sensu em andamento (mestrado acadêmico).
Quanto aos conhecimentos específicos em saúde mental, 1 (4,5%) relatou realizar especialização voltada à esta área, ainda em andamento; 8 (36,4%) realizaram algum curso relacionado à temática de saúde mental, porém metade (n = 4; 18,2%) há mais de 3 anos. A grande maioria dos profissionais (n = 21; 95,4%) reconhece a necessidade de realizar atendimentos em saúde mental na UPA e todos eles (n = 22; 100%) afirmam que se deparam com atendimentos desta natureza de forma frequente.
O processamento se deu a partir dos léxicos identificados como significantes no corpus textual, os quais foram extraídos dos ST oriundos das entrevistas, a partir dos quais os excertos foram representativos e relevantes para cada classe extraída. Em seguida, foram organizados em forma de dendograma, do qual foi realizada uma análise categorial, o que resultou na identificação de três categorias de acordo com as semelhanças identificadas entre as classes: a) “A tortuosidade da RAPs: em busca de um caminho”; b) “O abismo entre o profissional de saúde e a pessoa com transtorno mental”; e c) “Desvelando o cuidado dos enfermeiros da UPA em saúde mental” (Figura 1).
Categoria 1: a Tortuosidade da RAPs: em Busca de um Caminho
A presente categoria emergiu a partir dos léxicos oriundos das classes 3 e 4. Observa-se que a RAPs se configura como um elemento desconhecido para os participantes da pesquisa. Essa lacuna objetiva a representação social sobre um cuidado em saúde mental na UPA distante, uma vez o que sustenta a representação social são elementos relacionados às fragilidades acerca do papel da UPA como componente da RAPs. Os ST a seguir ilustram tais aspectos:
Nem conheço. Nada (…). Nunca ouvi falar, eu vou até pesquisar. Não sabia que tinha essa rede. (Entrevistado 12).
Não, não consigo falar nada para você. (Entrevistado 18).
(…) eu não sei como que está funcionando a Rede Psicossocial da cidade, eu estou meio perdida relacionado a isso. (Entrevistado 16).
O incipiente reconhecimento da UPA como parte da RAPs pode impactar de forma significativa no trabalho e, portanto, na forma como os enfermeiros executam sua prática cotidiana, especificamente acerca da atenção em saúde mental. Assim, observa-se que alguns participantes tentam trazer para o familiar algo desconhecido em seus universos consensuais:
Bom, a Rede de Atenção Psicossocial abrange tanta saúde mental, quanto pessoas usuárias de álcool e drogas, que tem esse tipo de disfunção. (…). Está se criando uma conscientização dentro do município, porém a passinho de tartaruga. Uma coisinha de cada vez. (Entrevistado 13).
Atualmente enxergo que tem melhorado. Ainda tem uma articulação, de uma forma um pouco solta, um pouco perdida (…) (Entrevistado 19)
Ademais, alguns profissionais objetivam suas RS a partir de fragilidades estruturais do serviço de pronto atendimento para justificar a forma como desenvolvem a sua atenção em saúde mental aos usuários que chegam à UPA:
(…) a gente tem uma estrutura mínima para atender esse pessoal. A gente vê que tem uma alta demanda e essas pessoas ficam desassistidas na continuidade do tratamento (…). O paciente para gente fica aqui meio jogado (…) (Entrevistado 05)
(…), no meu ponto de vista, acho que os pacientes estão ficando muito tempo na Unidade de Pronto Atendimento e, na realidade, não é um local ideal (…). A gente se sente impossibilitado. A gente não tem um aparato físico para segurar esse paciente dentro da Unidade. (Entrevistado 20)
A partir da objetivação e ancoragens anteriores, percebe-se uma transferência de responsabilidades do que se produz em relação à saúde mental para as mazelas associadas à forma como o fluxo de atendimento ocorre e a estrutura do serviço.
Categoria 2: o Abismo Entre o Profissional de Saúde e a Pessoa com Transtorno Mental
Esta categoria originou-se a partir dos léxicos oriundos das classes 6 e 2, nos quais foram extraídos questionamentos acerca da representação/significado da atenção em saúde mental no trabalho do enfermeiro na UPA e quais os sentimentos percebidos pelos profissionais durante estes atendimentos. A falta de identificação e afinidade com a área de saúde mental foi amplamente verbalizada:
(…) não é uma área que me identifico, mas, a gente tem que atender. Considero uma área bem complexa, bem difícil (…). A gente se esgota mentalmente (…) (Entrevistado 01)
(…) é um tipo de urgência na UPA que eu não me sinto confortável em atendimento. É uma das coisas que se eu pudesse escolher, obviamente a gente não tem essa opção, mas preferiria não atender esse tipo de situação (…) (Entrevistado 14)
Saúde mental nunca foi o meu forte. Particularmente, não tenho muita afinidade com a enfermagem em saúde mental (Entrevistado 11).
Observa-se que a prática do cuidado em saúde mental é representada como algo que possui uma complexidade própria e superior às demais áreas, causando desconforto e o desencadeamento de sentimentos negativos nos profissionais. Tais sentimentos são expressamente verbalizados por outro participante:
Medo! Eu tenho medo porque eu já fui agredido por um paciente de saúde mental, um transtorno. (…). Se tiver outro colega para atender eu prefiro. (Entrevistado 08)
Identifica-se que o sentimento de medo expressamente relatado pelo profissional é ancorado em experiências prévias malsucedidas nestes tipos de atendimento, e que tal situação acarretou um temor permanente do profissional em atender pacientes com necessidades em saúde mental. Dificuldades relacionadas à falta de preparo e de fluxos e rotinas para este tipo de atendimento também foram verbalizadas:
Me sinto um pouco despreparado (…) (Entrevistado 06)
(…). Eu me sinto um pouco fragilizada porque acredito que ainda falta preparo, falta protocolo, falta rotina, falta conhecer muito mais (…) (Entrevistado 07)
Tenho uma imensa dificuldade em atender esse tipo de paciente pelo despreparo, falta de capacitação e falta de afinidade com a área de saúde mental (…) (Entrevistado 17)
Verbalizou-se também a falta de conhecimentos em saúde mental e de habilidades na abordagem e acolhimento dos pacientes e seus familiares:
Não acho fácil porque requer uma coisa peculiar. Eu não consigo às vezes entender muito a patologia. É difícil, para mim é um pouco difícil. (Entrevistado 10)
Eu tenho muita dificuldade nessa questão de lidar com o paciente psiquiátrico, porque não é uma área fácil, é uma área bem difícil você lidar com os sentimentos, com as emoções, com o psicológico, com tudo junto e mais os familiares também. (…) (Entrevistado 21)
A partir dos ST percebe-se que a subjetividade e a intersubjetividade do cuidado em saúde mental interferem substancialmente na formação das RS acerca deste tipo de atendimento, dificultando a materialização deste cuidado em algo praticável e aplicável na prática cotidiana de um serviço de emergência que, pela sua própria característica, preza por um atendimento objetivo e com resultados rápidos às ações que são praticadas.
Categoria 3: Desvelando o Cuidado Dos Enfermeiros da UPA em Saúde Mental
Extraída dos léxicos oriundos das classes 1 e 5, retrata como se dá o acolhimento e seguimento dos casos que necessitam de atenção em saúde mental na UPA, como verbalizado por um Entrevistado:
A gente acolhe esse paciente. Se for um caso mais simples encaminhamos esse paciente para um consultório objetivando uma consulta médica (…) se é um paciente em surto, (…), a abordagem tem que ser outra. A gente aborda esse paciente, classifica como vermelho ou amarelo, e o encaminha para o setor de urgência. E aí a gente tem que ter uma outra abordagem um pouquinho mais agressiva, porque se esse paciente está em surto, ele põe em risco a nossa assistência, a nossa, a equipe em risco, e até ele mesmo (Entrevistado 22)
Destaca-se nesta fala que os conteúdos representacionais acerca de um paciente em crise estão atrelados a práticas segregadoras, repressoras e à uma ameaça a segurança de todos. Percebe-se que o profissional é tomado pelo modelo de classificação de risco e não consegue objetivar um cuidado em saúde mental atrelado aos princípios da RPB. O seguinte trecho de outro entrevistado, expõe ainda como as representações coadunam com modelos de cuidado que reproduzem as práticas manicomiais:
(…) a gente não tem preparo para atender esse paciente, então ele é tratado com muita violência, com muito preconceito (…). (Entrevistado 12).
As contenções físicas, químicas e mecânicas são amplamente utilizadas em contraposição à escuta e ao acolhimento e, muitas vezes, realizada de forma inadequada, sem conhecimento técnico e com materiais inadequados:
O pessoal às vezes, contém de maneira inadequada. (…) nós não temos as faixas aqui adequadas para contenção (…). (Entrevistado 02)
Acredito que teria que ser mais padronizado a questão de contenção medicamentosa e contenção de restrição ao leito, porque a gente tem vários profissionais (…), muda o plantão, as condutas mudam junto. (Entrevistado 04)
Nota-se que uma das principais preocupações verbalizadas pelos entrevistados é voltada a realização da técnica em si, em como torná-la mais efetiva, e não no paciente enquanto objeto do cuidado no sentido de criar estratégias para amenizar seu sofrimento. Tal situação se ancora em representações anteriores à RPB nas quais o foco era conter expressões da loucura e calar sentimentos e reações. Todavia, também se observou a existência de iniciativas positivas e bem-sucedidas de alguns enfermeiros:
Gosto muito de conversar, orientar o paciente, tentar minimizar o impacto que as ações causam ao próprio paciente e à família. Eu me sinto bem quando eu tenho sucesso (Entrevistado 09)
As falas a seguir denotam tentativas de êxito nos atendimentos tanto ao paciente com necessidades em saúde mental quanto à sua família, porém permeadas por sentimentos incapacitantes:
(…) às vezes a gente parece que não conseguiu dar todo o atendimento. (…)E não só o paciente, tem a parte da família. O familiar acaba se sentindo isolado porque percebe os olhares dos outros pacientes, até mesmo da equipe (…) (Entrevistado 03)
(…) na verdade a gente sofre junto com o paciente, paciente com a família. (Entrevistado 15)
As últimas falas denotam a existência de um cerne onde existe o ideal de uma perspectiva da realização de um cuidado individual e familiar pautado nos princípios da RPB que podem originar e ressignificar, em nível individual e coletivo, as RS do cuidado em saúde mental neste contexto.
DISCUSSÃO
Uma representação social fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto exprime, produz e determina os comportamentos(1010. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores; 1978.). À luz dessa teoria foi possível apreender as percepções dos participantes acerca da atenção em saúde mental na UPA por meio da identificação das linguagens existentes e como tal conjuntura demarca as ações do grupo pesquisado.
A problemática se inicia a partir da objetivação do desconhecimento importante sobre a RAPs verbalizado pelos participantes e, sendo ela um elemento de articulação dos pontos de atenção em saúde mental e regida por diretrizes que garantem uma atenção humanizada, equânime e com base comunitária(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 2011 [cited 2022 Mar 25]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html.
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), seu não reconhecimento e a consequente desarticulação entre os serviços contribui significativamente para uma assistência fragmentada e pouco resolutiva(88. Oliveira LC, Silva RAR. Knowledge and practices in urgent and emergency psychiatric care. Rev Enferm UERJ. 2017;25: e10726. doi: http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2017.10726
https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.107...
).
Salienta-se que o desconhecimento acerca da atual situação do funcionamento da RAPs no país é uma realidade e, no que tange à rede de urgência, há dificuldades maiores ainda no reconhecimento destes serviços como seus constituintes(99. Sampaio ML, Bispo Jr JP. Rede de Atenção Psicossocial: avaliação da estrutura e do processo de articulação do cuidado em saúde mental. Cad Saude Publica. 2021;37(3):e00042620. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00042620. PubMed PMID: 33852660.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0004262...
). Nesse contexto, pode-se observar que tal realidade social é formada a partir do não familiar incorporado aos universos consensuais dos participantes da pesquisa a partir da construção da realidade vivenciada(1515. Sá CP. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: Spink MJ, editor. O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense; 2004. p. 19-45.).
Outra ancoragem observada que dá sustentação à objetivação do desconhecimento refere-se às questões estruturais do serviço para acolher pessoas com transtornos mentais, sobretudo os que se encontram em crise, o que não fornece um ambiente seguro e a garantia do sigilo, privacidade e confidencialidade do paciente(66. Macedo MM, Souza J, Almeida LY, Vedana KGG, Santos MA, Miasso AI. Visits to an Emergency Department by children and adolescents with substance-related disorders and the perceptions of nursing professionals. Child Youth Serv Rev. 2018;93:492-500. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.childyouth.2018.08.018.
https://doi.org/10.1016/j.childyouth.201...
,1616. Chou HJ, Tseng KY. The experience of emergency nurses caring for patients with mental illness: a qualitative study. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(22):8540. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17228540. PubMed PMID: 33217909.
https://doi.org/10.3390/ijerph17228540...
–2020. Fontão MC, Rodrigues J, Lino MM, Lino MM, Kempfer SS. Nursing care to people admitted in emergency for attempted suicide. Rev Bras Enferm. 2018;71(5, Suppl 5):2199-205. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0219. PubMed PMID: 30365784.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).
Tornou-se evidente que entre os profissionais de saúde e a pessoa com transtorno mental existe um abismo cuja profundidade é proporcional à não identificação com a área de saúde mental, à sentimentos negativos desencadeados e à falta de preparo, conhecimentos e habilidades relatadas pelos entrevistados.
Os sentimentos negativos são recorrentes nos profissionais de saúde nestes atendimentos, tais como frustração e intimidação(2121. Beks H, Healey C, Schlicht K. ‘When you’re it’: a qualitative study exploring the rural nurse experience of managing acute mental health presentations. Rural Remote Health. 2018;18(3):4616. doi: http://dx.doi.org/10.22605/RRH4616. PubMed PMID: 30081643.
https://doi.org/10.22605/RRH4616...
), insatisfação(2222. Molina-Mula J, González-Trujillo A, Simonet-Bennassar M. Emergency and mental health nurses’ perceptions and attitudes towards alcoholics. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(8):1-10. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph15081733. PubMed PMID: 30104524.
https://doi.org/10.3390/ijerph15081733...
), desconforto(77. Daggenvoorde TH, van Klaren JM, Gijsman HJ, Vermeulen H, Goossens PJJ. Experiences of Dutch ambulance nurses in emergency care for patients with acute manic and/or psychotic symptoms: a qualitative study. Perspect Psychiatr Care. 2021;57(3):1305-12. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ppc.12691. PubMed PMID: 33270230.
https://doi.org/10.1111/ppc.12691...
,2121. Beks H, Healey C, Schlicht K. ‘When you’re it’: a qualitative study exploring the rural nurse experience of managing acute mental health presentations. Rural Remote Health. 2018;18(3):4616. doi: http://dx.doi.org/10.22605/RRH4616. PubMed PMID: 30081643.
https://doi.org/10.22605/RRH4616...
,2222. Molina-Mula J, González-Trujillo A, Simonet-Bennassar M. Emergency and mental health nurses’ perceptions and attitudes towards alcoholics. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(8):1-10. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph15081733. PubMed PMID: 30104524.
https://doi.org/10.3390/ijerph15081733...
) e medo(77. Daggenvoorde TH, van Klaren JM, Gijsman HJ, Vermeulen H, Goossens PJJ. Experiences of Dutch ambulance nurses in emergency care for patients with acute manic and/or psychotic symptoms: a qualitative study. Perspect Psychiatr Care. 2021;57(3):1305-12. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ppc.12691. PubMed PMID: 33270230.
https://doi.org/10.1111/ppc.12691...
,2323. Usher K, Jackson D, Woods C, Sayers J, Kornhaber R, Cleary M. Safety, risk, and aggression: health professionals: experiences of caring for people affected by methamphetamine when presenting for emergency care. Int J Ment Health Nurs. 2017;26(5):437-44. doi: http://dx.doi.org/10.1111/inm.12345. PubMed PMID: 28960736.
https://doi.org/10.1111/inm.12345...
). Em algumas das falas podemos observar que tais sentimentos estão ancorados em experiências prévias negativas, ultrapassando os limites da falta de treinamento e sugerindo falta de preparo pessoal(1717. Pereira LP, Duarte MLC, Eslabão AD. Care for people with psychiatric comorbidity in a general emergency unit: vision of the nurses. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180076. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180076.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.2...
). Considerando que as RS regem nossa relação com o mundo e com os outros, orientando e organizando as condutas e as comunicações sociais(1111. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2001.), compreende-se como tal processo é determinante nas práticas realizadas, neste caso no cuidado em saúde mental.
A não-apropriação de conhecimentos em saúde mental pautados nos princípios da RPB e os conceitos remanescentes da psiquiatria clássica fazem com que os profissionais ancorem esses cuidados à conceitos ultrapassados e, somado à falta de fluxos e protocolos estabelecidos para este tipo de atendimento, promovem um abismo entre eles e os usuários. A falta de conhecimentos e habilidades específicas, de experiência e de qualificação na área é recorrente nos profissionais de saúde que trabalham em urgências e emergências gerais(55. Koning KL, Mcnaught A, Tuffin K. Emergency Department staff beliefs about self-harm: a thematic framework analysis. Community Ment Health J. 2018;54(6):814-22. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10597-017-0178-8. PubMed PMID: 29101707.
https://doi.org/10.1007/s10597-017-0178-...
–77. Daggenvoorde TH, van Klaren JM, Gijsman HJ, Vermeulen H, Goossens PJJ. Experiences of Dutch ambulance nurses in emergency care for patients with acute manic and/or psychotic symptoms: a qualitative study. Perspect Psychiatr Care. 2021;57(3):1305-12. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ppc.12691. PubMed PMID: 33270230.
https://doi.org/10.1111/ppc.12691...
,1717. Pereira LP, Duarte MLC, Eslabão AD. Care for people with psychiatric comorbidity in a general emergency unit: vision of the nurses. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180076. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180076.
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,2424. Ács A, Mészáros J, Balogh Z. Egészségügyi szakdolgozók mentális zavarokkal kapcsolatos ismereteinek és a betegekkel szembeni attitűdjének vizsgálata. Orv Hetil. 2020;161(2):56-66. doi: http://dx.doi.org/10.1556/650.2020.31577. PubMed PMID: 31902233.
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–2727. Holmberg M, Hammarbäck S, Andersson H. Registered nurses’ experiences of assessing patients with mental illness in emergency care: a qualitative descriptive study. Nord J Nurs Res. 2020;40(3):151-61. doi: http://dx.doi.org/10.1177/2057158520941753.
https://doi.org/10.1177/2057158520941753...
), assim como a falta de protocolos específicos para o atendimento às urgências e emergências psiquiátricas(88. Oliveira LC, Silva RAR. Knowledge and practices in urgent and emergency psychiatric care. Rev Enferm UERJ. 2017;25: e10726. doi: http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2017.10726
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,2626. Maina R, Bukusi D, Njuguna SK, Kumar M. Gaps in suicide assessment and management among accident and emergency nurses in Kenyatta National Hospital: a qualitative study. Glob Soc Welf. 2018;6(2):87-96. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40609-018-0127-7.
https://doi.org/10.1007/s40609-018-0127-...
).
Quanto ao cuidado em saúde mental prestado pelos enfermeiros na UPA, observa-se que o acolhimento se inicia com a classificação de risco baseado no Protocolo de Manchester, em que os casos não urgentes ou pouco urgentes conseguem ser resolvidos da forma habitual como em qualquer outra situação de caráter não-psiquiátrico. Pacientes em surto são classificados como urgentes, muito urgentes ou de emergência, recebendo um atendimento imediato, porém com caráter repressivo, o que indica que os trabalhadores da UPA encontram na contenção e na medicação modos de lidar com tais fenômenos e apaziguar a crise(2828. Homercher BM, Volmer A. Interlocuções entre acolhimento e crise psíquica: percepção dos trabalhadores de uma unidade de pronto-atendimento. Physis. 2021;31(3):1-22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312021310312.
https://doi.org/10.1590/s0103-7331202131...
).
As intervenções em crise psíquica pautadas por ações controladoras e repressoras reproduzem a influência do modelo asilar. A justificativa para o uso de contenção, tanto física como mecânica e química, se encontra na preservação da a segurança da equipe, o que é observado em outros estudos(66. Macedo MM, Souza J, Almeida LY, Vedana KGG, Santos MA, Miasso AI. Visits to an Emergency Department by children and adolescents with substance-related disorders and the perceptions of nursing professionals. Child Youth Serv Rev. 2018;93:492-500. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.childyouth.2018.08.018.
https://doi.org/10.1016/j.childyouth.201...
,77. Daggenvoorde TH, van Klaren JM, Gijsman HJ, Vermeulen H, Goossens PJJ. Experiences of Dutch ambulance nurses in emergency care for patients with acute manic and/or psychotic symptoms: a qualitative study. Perspect Psychiatr Care. 2021;57(3):1305-12. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ppc.12691. PubMed PMID: 33270230.
https://doi.org/10.1111/ppc.12691...
,2525. Fry M, Abrahamse K, Kay S, Elliott RM. Suicide in older people, attitudes and knowledge of emergency nurses: a multi-centre study. Int Emerg Nurs. 2019;43:113-8. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ienj.2019.01.003. PubMed PMID: 30711435.
https://doi.org/10.1016/j.ienj.2019.01.0...
,2626. Maina R, Bukusi D, Njuguna SK, Kumar M. Gaps in suicide assessment and management among accident and emergency nurses in Kenyatta National Hospital: a qualitative study. Glob Soc Welf. 2018;6(2):87-96. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40609-018-0127-7.
https://doi.org/10.1007/s40609-018-0127-...
). Como as RS, se encaradas de um modo passivo, são apreendidas a título de reflexo na consciência individual ou coletiva(1010. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores; 1978.), isto permite explicar o porquê ainda se reproduz conceitos e práticas obsoletas baseadas nos elementos de ancoragem e objetivação que as formam.
Apesar de tais reproduções existe, por parte dos profissionais, tentativas de alcançar o melhor atendimento possível dentro das condições existentes, e estabelecer uma comunicação efetiva tanto com o usuário quanto com seus familiares. O conhecimento teórico e prático, habilidades de comunicação e atitude de respeito para com o paciente são requisitos de competência essenciais para avaliar pessoas com transtornos mentais(2929. Andersson H, Carlsson J, Karlsson L, Holmberg M. Competency requirements for the assessment of patients with mental illness in somatic emergency care: a modified Delphi study from the nurse’s perspective. Nord J Nurs Res. 2020;40(3):162-70. doi: http://dx.doi.org/10.1177/2057158520946212.
https://doi.org/10.1177/2057158520946212...
). Níveis satisfatórios de conhecimento promovem o aumento da confiança, atitudes positivas, empatia e melhora na qualidade do atendimento prestado(55. Koning KL, Mcnaught A, Tuffin K. Emergency Department staff beliefs about self-harm: a thematic framework analysis. Community Ment Health J. 2018;54(6):814-22. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10597-017-0178-8. PubMed PMID: 29101707.
https://doi.org/10.1007/s10597-017-0178-...
,3030. Ngune I, Hasking P, McGough S, Wynaden D, Janerka C, Rees C. Perceptions of knowledge, attitude and skills about non-suicidal self-injury: a survey of emergency and mental health nurses. Int J Ment Health Nurs. 2021;30(3):635. PubMed PMID: 33269517.) parecem ser o caminho um cuidado baseado nos preceitos éticos e legais e a efetivação dos direitos desse público nos serviços de saúde, sobretudo nas emergências.
Por fim, as RS enquanto elementos que intervêm em processos tão variados quanto a difusão e a assimilação dos conhecimentos, no desenvolvimento individual e coletivo, na definição das identidades pessoais e sociais, na expressão dos grupos e nas transformações sociais(1111. Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2001.), são fundamentais para elucidar a atual situação das práticas em saúde e fornecem elementos para remodelá-las a fim de possibilitar avanços, o que pode ser aplicável ao cuidado exercido pelo enfermeiro acerca do objeto de estudo da presente pesquisa.
Como limitações, ressaltamos que tais achados podem não representar o objeto de estudo para outros enfermeiros de outras UPA, dada a dinamicidade das RS.
CONCLUSÃO
O presente estudo possibilitou compreender as RS dos enfermeiros acerca da atenção em saúde mental desenvolvida dentro de uma UPA, bem como a concepção destes profissionais sobre a RAPs, demonstrando muitos desafios e entraves e algumas potencialidades no modelo assistencial desenvolvido.
Identificou-se a escassez de elementos de ancoragem e objetivação sobre a RAPs, por meio da manifestação de pouco ou nenhum conhecimento relatado durante as falas, o que favorece uma assistência fragmentada entre os pontos de atenção e prejuízo na resolutividade dos casos e continuidade do cuidado. No que tange à relação profissional-paciente, elementos de ancoragem associados a experiências prévias negativas em atendimentos de saúde mental foram observados, o que parece causar uma espécie de trauma permanente em alguns profissionais. O cuidado de enfermagem demonstra-se, na maior parte do tempo, permeado por barreiras cognitivas que dificultam uma adequada assistência em saúde mental.
Tais achados são inéditos na localidade estudada e capazes de promover uma (re)significação do processo de trabalho dos enfermeiros neste cenário, qualificando seu trabalho, o que consequentemente promove o aperfeiçoamento do processo de trabalho na UPA como ponto de atenção da RAPs.
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Editado por
EDITOR ASSOCIADO
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
07 Ago 2022 -
Aceito
27 Jan 2023