Na enfermagem consideramos a saúde como uma experiência subjetiva, influenciada pela biologia e pelo contexto sociocultural, construída numa interação e interdependência contínua ao longo de toda a vida, e conduz à autoperceção de bem e/ou mal-estar. Se, na esfera biológica, o corpo é portador de diferenças anátomo-fisiológicas que determinam o sexo biológico, na esfera social as relações e os vínculos com os outros são inscritos na identificação individual como mulheres ou como homens. Por sua vez, na esfera psíquica cada pessoa interioriza ideais sociais que influenciam os seus comportamentos.
Sabemos ainda que, ao falarmos em saúde integral, devemos considerar tanto os fatores biológicos, como os determinantes sociais e psicossubjetivos que conduzem a comportamentos com grande impacto na saúde individual e coletiva e determinam as resiliências e as vulnerabilidades de cada pessoa, grupos e comunidades(11 Arias SV. Sexos, género y salud. teoría y métodos para la práctica clínica y programas de Salud. Madrid: Ediciones Minerva; 2009). Por isso, hoje assume-se que a saúde depende de vários determinantes e considera-se o gênero como determinante social, porque conduz e perpetua vivências subjetivas e sociais que imprimem vulnerabilidades a mulheres e a homens.
As realidades de saúde das mulheres e dos homens são diferentes: a (auto)percepção de saúde e de bem-estar, os indicadores objetivos e subjetivos de morbimortalidade, a procura e o acesso aos recursos de saúde, as respostas dos próprios serviços de saúde, as formas como ocorrem as transições para novos tipos de doenças, bem como as vulnerabilidades para alguns tipos de doenças apresentam resultados globalmente diferentes(22 World Health Organization. Gender, women and primary health care renewal: a discussion paper. Geneva: WHO; 2010).
Ainda que compartilhem muitos problemas de saúde, existem disparidades entre homens e mulheres e alguns problemas de saúde têm um maior impacto nas mulheres. Outras condições de doença afetam as mulheres e os homens de forma idêntica, mas as mulheres enfrentam maiores dificuldades em obter os cuidados de que necessitam(22 World Health Organization. Gender, women and primary health care renewal: a discussion paper. Geneva: WHO; 2010-33 World Health Organization. Gender analysis in health: a review of selected tools. Geneva: WHO; 2002).
A saúde das mulheres é profundamente afetada pela forma como são tratadas e pelo status que lhes é conferido pela sociedade como um todo. Nas sociedades onde as mulheres continuam a ser discriminadas ou vítimas de violência, a saúde sofre. Onde estão excluídas da lei da propriedade da terra ou do direito ao divórcio, a sua vulnerabilidade física e social é maior. Na sua forma mais extrema, o preconceito de gênero social ou cultural pode levar à morte violenta ou ao infanticídio feminino. A maior independência econômica de algumas mulheres, como resultado de mais emprego generalizado no sexo feminino, pode ter benefícios para a saúde, mas, globalmente, as mulheres têm menor escolaridade, são menos remuneradas e menos protegidas no local de trabalho, tanto em termos de segurança, como de condições de trabalho. Sabemos ainda que as mulheres enfrentam maiores custos com a saúde do que os homens devido à sua maior utilização dos cuidados de saúde. Em simultâneo, têm maior probabilidade de serem pobres, desempregadas, trabalhadoras em part-time ou trabalharem no setor informal sem remuneração, o que não lhes oferece benefícios de saúde. No entanto, as necessidades de saúde das próprias mulheres são muitas vezes pouco abordadas, especialmente entre as comunidades rurais e pobres. Mesmo onde existe maior progresso, há razões para continuar a investir numa maior igualdade(33 World Health Organization. Gender analysis in health: a review of selected tools. Geneva: WHO; 2002).
Sexo e gênero têm um impacto significativo sobre a saúde das pessoas e devem ser considerados quando do desenvolvimento de estratégias apropriadas para promoção, prevenção e tratamento de problemas de saúde. As desigualdades de gênero quer isoladamente, quer em combinação com as diferenças biológicas, aumentam a vulnerabilidade das mulheres ou a exposição a determinados riscos. Estas diferenças nem sempre são reconhecidas na manifestação, na gravidade e nas consequências da doença, e podem limitar o acesso das mulheres aos recursos, às informações de saúde e aos serviços(22 World Health Organization. Gender, women and primary health care renewal: a discussion paper. Geneva: WHO; 2010-33 World Health Organization. Gender analysis in health: a review of selected tools. Geneva: WHO; 2002).
Por todas as razões apontadas, podemos afirmar que a atenção à saúde integral das pessoas não pode deixar de considerar a interação entre os diferentes determinantes da saúde. Contudo, nas ofertas de cuidados de saúde continua a verificar-se a hegemonia na dimensão anátomo-fisiológica e os modelos de intervenção continuam a ser, na sua essência, biomédicos. No que se refere à saúde das mulheres, as políticas de saúde e os programas que as sustentam abordam quase em exclusivo a saúde reprodutiva, o sistema genital e da mama, reproduzindo uma visão clássica e ultrapassada das mulheres no mundo e na sociedade. Diria mesmo, uma dimensão pouco ética porque não salvaguardada os direitos das mulheres. As sociedades e os seus sistemas de saúde precisam ser mais bem estruturados para atender às necessidades de saúde das meninas e das mulheres em termos de abrangência, acesso e respostas. A remoção de todas as barreiras para acederem aos cuidados de saúde deve ser acompanhada de esforços para garantir que os serviços de saúde respondam às diferentes necessidades em saúde das meninas e das mulheres.
Ao definirmos uma agenda em saúde que promova o desenvolvimento sustentável pós 2015,
não podemos deixar de colocar o gênero no centro de todas as políticas, de modo a
promover e proteger a saúde de todas as pessoas e em especial a saúde das meninas e das
mulheres em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), promover a saúde
da mulher é necessário e eficaz e irá beneficiar todos: "Melhorar a saúde das mulheres é
melhorar o mundo"(44 Organisation Mondiale de la Santé. Résumé du rapport "So What?"
L'intégration du facteur genre dans les programmes: a-t-elle une incidence sur les
résultats? Genève: OMS: Département Genre et Santé de la Femme Santé Familiale et
Communautaire; 2006
5 World Health Organization. Policy approaches to engaging men and boys in
achieving gender equality and health equity. Geneva: WHO; 2010.-66 World Health Organization. Women and health: today's evidence tomorrow's
agenda. Geneva: WHO; 2009).
Que desafios são colocados à disciplina e à profissão de enfermagem? A enfermagem e as
enfermeiras podem problematizar as condições sociais de desigualdades e criticar os
modelos de oferta de ações em saúde altamente medicalizados e
médico-centrados, pois estes modelos mantêm as desigualdades em
saúde, com maiores desvantagens para as meninas e para as mulheres. A enfermagem e as
enfermeiras podem fazer a diferença nas ofertas de cuidados à saúde integral das meninas
e das mulheres, incluindo mas ultrapassando a dimensão do corpo e situando a mulher como
sujeito e não como objeto reprodutor. E não podemos esquecer que a igualdade na oferta
de cuidados não assegura a equidade no acesso e na efetividade dos mesmos às mulheres e
aos homens. Se pretendermos reduzir e não reforçar as desigualdades de gênero nos
sistemas de saúde, é necessário reconhecermos que são necessárias ações diferentes para
passar da igualdade à equidade, de modo a atender às diferentes e diversas necessidades
em saúde(77 World Health Organization. Unequal, unfair, ineffective and inefficient.
Gender Inequity in Health: why it exists and how we can change it. Final Report to
the WHO Commission on Social Determinants of Health [Internet]. Geneva; 2007 cited
2014 Dec 10. Available from:
http://www.who.int/social_determinants/resources/csdh_media/wgekn_final_report_07.pdf
http://www.who.int/social_determinants/r...
).
Ficam os desafios... acreditando que seremos capazes de construir novas respostas para promovermos a saúde das pessoas e das comunidades que servimos, em especial as mais vulneráveis. A investigação deve sempre suportar não só a construção das novas respostas como também a avaliação dos seus resultados.
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1Arias SV. Sexos, género y salud. teoría y métodos para la práctica clínica y programas de Salud. Madrid: Ediciones Minerva; 2009
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2World Health Organization. Gender, women and primary health care renewal: a discussion paper. Geneva: WHO; 2010
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3World Health Organization. Gender analysis in health: a review of selected tools. Geneva: WHO; 2002
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4Organisation Mondiale de la Santé. Résumé du rapport "So What?" L'intégration du facteur genre dans les programmes: a-t-elle une incidence sur les résultats? Genève: OMS: Département Genre et Santé de la Femme Santé Familiale et Communautaire; 2006
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5World Health Organization. Policy approaches to engaging men and boys in achieving gender equality and health equity. Geneva: WHO; 2010.
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6World Health Organization. Women and health: today's evidence tomorrow's agenda. Geneva: WHO; 2009
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7World Health Organization. Unequal, unfair, ineffective and inefficient. Gender Inequity in Health: why it exists and how we can change it. Final Report to the WHO Commission on Social Determinants of Health [Internet]. Geneva; 2007 cited 2014 Dec 10. Available from: http://www.who.int/social_determinants/resources/csdh_media/wgekn_final_report_07.pdf
» http://www.who.int/social_determinants/resources/csdh_media/wgekn_final_report_07.pdf
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2015