Open-access Integridade científica entre alunos de enfermagem que participam do Programa de Iniciação Científica: Estudo exploratório

Resumo

Objetivo:  Conhecer posicionamentos e práticas adotados por alunos de enfermagem inseridos em programas de iniciação científica acerca dos princípios de integridade científica nas diferentes etapas do processo de fazer ciência.

Método:  Estudo exploratório, de natureza quantitativa, em que foram entrevistados estudantes de enfermagem do Distrito Federal, participantes do Programa de Iniciação Científica.

Resultados:  Participaram do estudo 50 estudantes de enfermagem. A maioria dos entrevistados apresentou boas noções sobre o processo de condução de pesquisa, em suas diferentes etapas. Apesar disso, verificou-se que, mesmo possuindo familiaridade com boas práticas científicas, nem sempre os estudantes se comportavam de maneira mais responsável. Observou-se que os conhecimentos sobre temas relacionados à eticidade do processo científico foram obtidos predominantemente por meio de ensino formal, constituído por aulas e disciplinas. Apesar disso, reconhece-se a importância de espaços complementares, como a pesquisa e grupos de pesquisa.

Conclusão:  As experiências em pesquisa são importantes espaços educativos e de formação profissional para os estudantes. Por isso, boas práticas em pesquisa precisam ser incluídas precocemente no currículo acadêmico.

Descritores: Má Conduta Científica; Ética em Pesquisa; Revisão Ética; Princípios Morais; Estudantes de Enfermagem

Abstract

Objective:  To know the positions and practices adopted by nursing students in scientific initiation programs about the principles of scientific integrity in the different stages of the process of doing science.

Method:  An exploratory study of a quantitative nature, in which nursing student participants of the Scientific Initiation Program from the Federal District were interviewed.

Results:  Fifty (50) nursing students participated in the study. Most of the interviewed participants presented good notions about the process of conducting research in its different stages. Nevertheless, it was found that even though they were familiar with good scientific practices, students did not always behave in the most responsible manner. It was observed that the knowledge on topics related to the ethics of the scientific process was predominantly obtained through formal education, consisting of classes and courses. Nonetheless, the importance of complementary spaces such as research and research groups is recognized. Conclusion: Research experiences are important educational and vocational training spaces for students. Therefore, good research practices need to be included early in the academic curriculum.

Descriptors: Scientific Misconduct; Ethics, Research; Ethical Review; Morals; Students, Nursing

Resumen

Objetivo:  Conocer planteamientos y prácticas adoptados por alumnos de enfermería incluidos en programas de iniciación científica acerca de los principios de integridad científica en las distintas etapas del proceso de hacer ciencia.

Método:  Estudio exploratorio, de naturaleza cuantitativa, en que fueron entrevistados estudiantes de enfermería del Distrito Federal, participantes en el Programa de Iniciación Científica.

Resultados:  Participaron en el estudio 50 estudiantes de enfermería. La mayoría de los entrevistados presentaron buenas nociones acerca del proceso de conducción de la investigación, en sus distintas etapas. Pese a ello, se verificó que, aun teniendo familiaridad con buenas prácticas científicas, no siempre los estudiantes se portaban de modo más responsable. Se observó que los conocimientos acerca de los temas relacionados con la etnicidad del proceso científico fueron obtenidos predominantemente mediante enseñanza formal, constituida de clases y asignaturas. Sin embargo, se reconoce la importancia de espacios complementarios, como la investigación y los grupos de investigación.

Conclusión:  Las experiencias en investigación son importantes espacios educativos y de formación profesional para los estudiantes. Por lo que las buenas prácticas en investigación necesitan incluirse precozmente en el currículo académico.

Descriptores: Mala Conducta Científica; Ética En Investigación; Revisión Ética; Principios Morales; Estudiantes De Enfermería

INTRODUÇÃO

A enfermagem é uma profissão do campo da saúde que tem o cuidado como seu objeto epistemológico de saber-fazer. O processo de cuidar abarca três dimensões básicas: assistencial, educação-pesquisa, e administrativo-gerencial. Cada uma delas possui corpo de conhecimentos e estratégias próprias para seu desenvolvimento e implementação. A segunda vertente, educação-pesquisa, assume fundamental importância para a formação de novos profissionais e para fomentar a produção de conhecimentos que subsidiem o cuidado(1).

Nos últimos anos, a produção científica na área de enfermagem contribuiu significativamente para seu reconhecimento como força de trabalho e fonte de conhecimentos teóricos e práticos. Isso ocorreu graças à evolução educativa, por meio do fortalecimento dos grupos de pesquisa e da qualificação dos pesquisadores(2).

O desenvolvimento de pesquisas e a busca pelo estabelecimento de um corpo de conhecimentos próprios são estratégias eficazes para o fortalecimento da enfermagem como ciência e profissão(1,2). Dessa maneira, torna-se essencial habilitar recursos humanos na graduação e pós-graduação para que qualifiquem a profissão, por meio do pensamento tanto crítico como investigativo(2-3).

Com o crescimento numérico das produções e a inserção de jovens pesquisadores no cenário de pesquisa, surge a necessidade de se discutir questões relativas à integridade científica e à ética em pesquisa. A ciência, por se tratar de uma atividade humana, está sujeita a interesses próprios dos pesquisadores e a práticas desonestas(4). Embora o conhecimento científico tenha mecanismos de correção, por meio de verificação e revisão por pares, por exemplo, os erros advindos da má conduta científica podem acarretar perdas sociais e econômicas, baixa qualidade das publicações e perdas científicas(4-5).

A discussão ética é uma preocupação legítima no ensino dos futuros profissionais e pesquisadores na área da enfermagem. A disseminação desses conteúdos deve estar voltada para construção de valores, atitudes e habilidades essenciais para o exercício profissional e da prática científica, para além dos debates conceituais(6).

A discussão sobre integridade científica torna-se fundamental para o exercício científico responsável. Esse conceito engloba princípios relacionados a honestidade, responsabilidade, ética, imparcialidade, transparência, objetividade, veracidade e confiabilidade, que devem ser aplicados em todas as fases do processo investigativo(4,7).

O tema da integridade científica passou a ganhar espaço de discussão a partir da década de 1980. Nessa data, importantes escândalos de fraudes envolvendo pesquisadores estadunidenses foram revelados, o que gerou alerta das instituições de pesquisa e da sociedade para a problemática da má conduta científica(8).

A definição de integridade científica gira em torno de duas concepções: uma moral e uma normativa. A moral estrutura-se sobre a ideia de probidade, honestidade e retidão, que se apoiam em uma interpretação positiva de valores. Já na concepção normativa, a integridade científica é tratada como uma responsabilidade, um fazer-dever inerente ao exercício científico, como forma de garantir a qualidade e a transparência da ciência(9).

Estratégias para treinamento e formação ética de pesquisadores têm sido amplamente discutidas pelas agências de fomento à pesquisa. A exemplo disso, o National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos, desenvolveu a Responsible Conduct of Research (RCR), uma ferramenta formativa para que estudantes e pesquisadores recebam instrução sobre o processo de ética em pesquisa, em ambientes formais e informais(10).

Iniciativas como o Programa de Iniciação Científica (PROIC), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contribuem para a inserção dos estudantes de graduação no universo da produção científica. Isso auxilia na capacitação e na formação de recursos humanos para pesquisa e para o aperfeiçoamento dos futuros profissionais(2-3,11).

Dessa forma, a iniciação científica propicia novas oportunidades para os estudantes, como o desenvolvimento de habilidades críticas inerentes ao processo de pesquisa, e contribui para a aprendizagem contínua, tendo sempre como prerrogativa a responsabilidade ética na condução de pesquisas e na prática profissional(12).

Ter ciência dos conhecimentos e comportamentos adotados pelos jovens cientistas no processo de elaboração e condução das pesquisas e divulgação do conhecimento por meio de publicações científicas auxilia na identificação de falhas em sua condução e na implementação de diretrizes éticas relativas à produção científica.

Este estudo teve como objetivo conhecer posicionamentos e práticas adotados pelos alunos de enfermagem inseridos em programas de iniciação científica acerca dos princípios de integridade científica nas diferentes etapas do processo de fazer ciência: concepção e delineamento do estudo, revisão ética do protocolo, condução da pesquisa e divulgação dos resultados.

MÉTODO

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, do tipo exploratório-descritivo, com delineamento transversal, com amostra não probabilística - intencional.

Amostra

Foram entrevistados estudantes de iniciação científica da área de enfermagem do Distrito Federal, incluindo-se alunos de instituições públicas e privadas.

Participantes do Programa de Iniciação Científica referentes ao triênio 2013-2014, 2014-2015 e 2015-2016, foram incluídos.

Coleta de dados

Os dados foram obtidos mediante aplicação de instrumento de pesquisa adaptado para o estudo. O instrumento original foi direcionado para avaliar a opinião e as percepções de pesquisadores brasileiros da área de enfermagem e saúde sobre integridade científica(4), e foi construído e adaptado a partir de pesquisa prévia(13) desenvolvida sobre o tema e por meio de levantamento na literatura. O instrumento original foi submetido a um processo de avaliação por 4 pesquisadores especialistas na área temática, dois internacionais e dois nacionais.

A coleta de dados foi realizada por meio do preenchimento de questionário estruturado, composto por 27 questões objetivas. O instrumento estava dividido em quatro seções: I) dados gerais dos participantes; II) questões para classificação do nível de concordância ou discordância em relação às afirmações sobre o processo de produção, condução e publicação de pesquisas; III) itens sobre autorrelatos de comportamentos do participante como pesquisador/bolsista de iniciação científica; e IV) itens sobre formação ética e integridade científica.

A primeira parte do questionário continha questões relacionadas a sexo, idade, instituição de ensino, semestre no curso, número de participações em iniciação científica, modalidade de participação no programa e fluência em um segundo idioma.

A segunda seção do questionário continha um total de 12 questões relativas ao processo de elaboração, condução e publicação dos resultados de pesquisa. Os entrevistados deveriam demonstrar seu nível de concordância ou discordância com relação às assertivas, numa gradação de 1 a 5, de acordo com a escala Likert, variando do “discordo fortemente” ao “concordo fortemente”.

A terceira parte do instrumento de pesquisa continha um total de 4 questões sobre comportamentos adotados pelos estudantes como pesquisadores de iniciação científica. Em cada questão os participantes poderiam assinalar a frequência de determinada atitude, com 3 opções: “nunca ocorreu”, “ocorreu uma vez” ou “ocorreu mais de uma vez”.

A última seção continha um total de 3 questões, nas quais os participantes deveriam assinalar as opções consideradas mais adequadas para cada caso.

A coleta de dados foi realizada de duas maneiras: de forma presencial e por acesso ao formulário eletrônico específico da pesquisa.

A coleta de forma presencial aconteceu por ocasião do 11o Congresso de Iniciação Científica do Distrito Federal (CICDF), que ocorreu em novembro de 2014, na Universidade de Brasília (UnB). Os participantes foram abordados e convidados a preencher o instrumento de pesquisa e, ao final, depositar o instrumento em uma das urnas localizadas em pontos estratégicos no local do evento. A técnica de urna(14) teve por objetivo a garantir a confidencialidade sobre a origem dos dados dos respondentes e oferecer maior privacidade durante o preenchimento do questionário.

O segundo procedimento para coleta de dados foi por meio do acesso ao formulário eletrônico, disponibilizado em uma página construída para a pesquisa. Os participantes foram informados sobre o endereço eletrônico do formulário e puderam respondê-lo de forma anônima. O formulário eletrônico ficou disponível para preenchimento durante três meses, de janeiro a março de 2016, e obteve-se porcentual de resposta de cerca de 30% entre aqueles que foram convidados.

Os contatos (e-mails) dos potenciais participantes da pesquisa foram obtidos por meio de autorização da Coordenação do Programa de Iniciação Científica em cada uma das instituições de ensino em que alunos da área de enfermagem participavam do programa. O convite foi enviado até quatro vezes para os possíveis participantes. Após preenchimento do instrumento, os dados foram incluídos no banco de dados da pesquisa.

Excluíram-se os indivíduos que responderam ao formulário eletrônico após o período estabelecido para coleta de dados, no caso do procedimento por via eletrônica, e aqueles que não assinalaram qualquer resposta no questionário, presencial ou eletrônico.

Análise e tratamento dos dados

A análise estatística foi efetuada por meio do software Excel, que permitiu a elaboração de estatística descritiva com o intuito de obter informações relativas ao perfil e às percepções dos participantes sobre a temática de integridade científica.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido a revisão e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Humanidades da Universidade de Brasília, com o protocolo n. 341.345, aprovado em 2013. Seguiu o preconizado pela Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa não acarretou nenhum dano ou risco aos participantes, foi garantido sigilo das informações fornecidas pelos respondentes, e não houve qualquer possibilidade de identificação dos participantes. Os dados ficaram sob a guarda da responsável pela pesquisa.

Por se tratar de uma temática delicada, relativa a comportamentos e concepções éticas dos jovens pesquisadores, foi solicitado ao Comitê de Ética em Pesquisa dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido como forma de garantir a confidencialidade e o sigilo sobre as respostas coletadas.

Entretanto, foram fornecidas informações essenciais aos participantes da pesquisa, por vias presencial e digital. Para a coleta de dados por via eletrônica, foram disponibilizadas explicações sobre o estudo na página da pesquisa. Nesse procedimento foram dispensadas assinaturas ou informações que pudessem identificar os participantes.

RESULTADOS

Após a análise dos questionários, os resultados foram agrupados em 4 categorias: I) características demográficas e acadêmicas; II) aderência aos requisitos éticos relacionados ao processo de fazer ciência; III) comportamentos adotados no desenvolvimento das pesquisas; IV) aquisição de conhecimentos sobre ética e integridade científica.

Características demográficas e acadêmicas

No total, 50 alunos de iniciação científica do curso de enfermagem participaram da pesquisa, sendo 31 (62%) provenientes da coleta de dados presencial e 19 (38%) por meio do acesso ao formulário eletrônico. Estudantes de cinco instituições de ensino responderam à pesquisa, 41 (82%) dos quais eram de instituições públicas e 9 (18%), de instituições privadas.

Entre os participantes, 41 (82%) eram do sexo feminino e 9 (18%), do sexo masculino. A média de idade foi de 25 anos, com amplitude de 20 anos a 50 anos. Com relação ao semestre do curso, 9 (18%) dos respondentes estavam entre o 4o e o 6o períodos do curso, 35 (70%) estavam entre o 7o e o 10o períodos, 4 (8%) não responderam à questão, e 2 (4%) já haviam finalizado a graduação.

Com relação à modalidade de iniciação científica, metade dos respondentes (n = 25) participou do programa na modalidade voluntária e a outra metade (n = 25), na modalidade remunerada. Entre os 50 participantes, 36 (72%) tiveram apenas uma participação no programa, e 14 (28%) relataram já ter participado duas vezes ou mais da iniciação científica.

Com relação à fluência em um segundo idioma, 31 (62%) alunos afirmaram possuir domínio de uma segunda língua e 19 (38%) negaram ter fluência em um segundo idioma. Entre os participantes com domínio de outro idioma, o inglês foi a língua de referência para 29 (94%) pessoas desse grupo.

Essas características estão apresentadas, de forma resumida, na Tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas e acadêmicas dos estudantes de iniciação científica da área de enfermagem de 5 instituições de ensino públicas e privadas do Distrito Federal - Distrito Federal, Brasil, 2014-2016.

Aderência aos requisitos éticos relacionados ao processo de fazer ciência

A Tabela 2 apresenta as assertivas abordadas nessa parte do instrumento.

Na sétima questão da seção (“Você denunciaria um colega caso testemunhasse um ato de má conduta?”), 2 (4%) dos respondentes discordaram fortemente, 4 (8%) discordaram, 21 (42%) foram neutros, 13 (26%) concordaram e 10 (20%) concordaram fortemente (Figura 1).

Tabela 2
Opinião dos pesquisadores de iniciação científica sobre o processo de elaboração, condução e publicação dos resultados de pesquisa - Distrito Federal, Brasil, 2014-2016.

Figura 1
Opinião dos participantes que denunciariam má conduta científica - Distrito Federal, Brasil, 2014-2016.

Embora os estudantes possuam boa familiaridade com as boas práticas científicas no que se refere às etapas de produção e divulgação da pesquisa, observou-se que, diante de um caso hipotético de denúncia de um colega, um contingente significativo declarou neutralidade na situação. Se considerarmos os respondentes que discordaram e os que foram neutros teremos um total de 27 (54%) estudantes que não denunciariam um desvio ético cometido por um colega ou se omitiriam. Esse dado demonstra que apenas a capacitação ou a familiaridade com condutas recomendadas não garantem a adoção de comportamentos eticamente responsáveis.

Comportamentos adotados no desenvolvimento das pesquisas

A Tabela 3 apresenta os resultados dessa seção.

Tabela 3
Autorrelatos de comportamentos de pesquisadores de iniciação científica da área de enfermagem - Distrito Federal, Brasil, 2014-2016.

Aquisição de conhecimentos sobre ética e integridade científica

Na primeira questão solicitou-se aos participantes para que assinalassem as definições de plágio que considerassem mais adequadas. No total foram disponibilizadas 7 opções e os estudantes poderiam assinalar quantas julgassem corretas. Entre os respondentes, 46 (92%) associaram o plágio à prática de copiar integralmente ideias de outros autores sem incluir os devidos créditos, 37 (74%) acreditam que o plágio é um crime previsto em lei, e 36 (72%) consideram que citar trechos literais de outros autores sem citá-los também se configura como plágio. Entre os participantes, 35 (70%) associaram plágio a desrespeito aos direitos autorais de terceiros, 26 (52%) acreditam que plágio pode ser caracterizado como a prática de reorganizar as ideias de outro autor mantendo o contexto geral sem incluir o nome dele, 23 (46%) associaram o plágio à utilização de ideias de outras pessoas, e, por fim, 18 (36%) acreditam que utilizar o mesmo tipo de construção (argumentação ou exemplos) presente no texto de outros autores caracteriza a prática.

A segunda questão tratava das fontes de informação sobre ética e integridade científica para os estudantes. Para 37 (74%) participantes, as discussões sobre o tema em disciplinas em sala de aula são as principais fontes formativas, 27 (54%) dos respondentes têm discussões sobre o tema com o grupo de pesquisa e/ou o orientador, 1 (2%) participante afirmou ainda não ter tido esse conteúdo, mas informou que está previsto em uma disciplina ao longo do currículo, 4 (8%) afirmaram que não tiveram o conteúdo e que não está previsto até o final do curso, e apenas 12 (24%) participantes afirmaram conhecer os documentos sobre ética em pesquisa com humanos e animais (Figura 2).

Figura 2
Fontes de informação sobre ética e integridade científica entre estudantes de iniciação científica da área de enfermagem - Distrito Federal, Brasil, 2014-2016.

Os resultados demonstraram predomínio do ensino formal da temática ética em disciplinas ao longo do currículo. Para 34 (74%) entrevistados, os conteúdos discutidos em sala de aula são as principais fontes de informação sobre ética e integridade científica. Além disso, há de se pensar na efetividade dessa capacitação, já que apenas 12 (24%) respondentes possuíam familiaridade com os documentos sobre ética em pesquisa com seres humanos e animais.

É importante questionar não apenas os modelos de ensino e de construção do conhecimento, mas a qualidade dessas problematizações. Apesar dessas constatações, é necessário ressaltar o papel de espaços como a pesquisa e os grupos de pesquisa para discussão desses temas, já que para 27 (54%) participantes os momentos com orientador ou grupo de pesquisa são importantes para estabelecimento de debates éticos.

A última questão tratava da divulgação de casos de má conduta científica divulgados pela mídia: 27 (54%) dos participantes afirmaram conhecer casos de desvio veiculados pela mídia e 23 (46%) desconheciam esse tipo de divulgação.

DISCUSSÃO

De maneira geral, os participantes apresentaram uma tomada de decisão adequada diante das situações apresentadas, relativas aos cenários da prática de pesquisa. Apesar disso, dados pontuais indicam que há uma tendência à adoção de comportamentos desviantes e questionáveis no que se refere a situações específicas, como a denúncia de desvio ético cometido por um colega.

Pesquisa colombiana apontou uma série de fatores relacionados aos comportamentos desviantes no desenvolvimento de pesquisas. No que se refere aos comportamentos de ordem individual, emergiram questões como irresponsabilidade e imoralidade. Naqueles relacionados a atitudes de ordem interpessoal, foram indicadas ações como um “clima de cumplicidade” entre os pares, que adotam atitudes de proteção e solidariedade em determinadas situações conflitivas no decorrer das investigações(15).

Estudo internacional, realizado com pesquisadores da área da saúde provenientes majoritariamente dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa e que teve como objetivo a mensuração da frequência de práticas de pesquisa questionáveis, apontou situações alarmantes no contexto da prática científica. Entre os participantes do estudo, 90% relataram pelo menos um tipo de prática questionável em pesquisa, aproximadamente 18% dos pesquisadores já haviam ignorado o uso de dados pouco confiáveis e 26,2% ignoraram interpretações equivocadas de dados efetuadas por seus colegas(16). Outros comportamentos controversos indicados estavam relacionados, por exemplo, a autoria imprópria, citação de artigos que não haviam lido, desconsideração de informações fornecidas pelos participantes, plágio e fabricação de dados. Apesar das particularidades do cenário de pesquisa brasileiro, esses dados podem ser correlacionados aos achados de nossa pesquisa, uma vez que os resultados indicaram complacência entre pesquisadores quando se depararam com falhas éticas no processo de pesquisar.

A tríade clássica da má conduta científica - fabricação, falsificação e plágio - apresentou baixa prevalência entre os participantes. Apesar disso, no que concerne ao plágio, observou-se que a maioria dos respondentes ainda o associa apenas à prática de cópia integral de ideias sem inclusão dos créditos, uma vez que permanecem ideias limitantes sobre o que configura plagiar.

Desvios considerados “menores”, como os relacionados a autoria, publicação ou relato de desvios éticos, estão situados na chamada “zona cinzenta” dos desvios científicos. Esses comportamentos são violações menos graves aos preceitos éticos da pesquisa e muitas vezes negligenciados na formação ética do pesquisador(17-18).

Os autores argumentam que, embora as práticas questionáveis tenham impacto diverso de fraude e falsificação de dados, as quais afetam diretamente a qualidade dos achados científicos, esses comportamentos ocorrem em uma frequência muito maior entre os pesquisadores e, por isso, devem ser, também, sistematicamente combatidos(16).

A iniciação científica representa ferramenta primordial para a capacitação e a formação de estudantes para a carreira científica e, justamente por isso, é preciso adotar requisitos éticos e científicos para qualificação do programa. Esse processo envolve a aprendizagem e a familiarização com o método científico, incluindo os cuidados éticos inerentes ao trabalho de pesquisa. A formação dos estudantes precisa, portanto, englobar a disseminação de informações sobre boas práticas científicas, incluindo o reconhecimento de condutas e desvios que devem ser evitados no processo de fazer ciência e de produção do conhecimento(3,19).

A formação do futuro graduado depende de aspectos de ordem tanto individual como social, e a entrada na universidade representa o início de sua socialização profissional. O desenvolvimento moral de um indivíduo é um contínuo, a capacidade de julgamento moral se aprimora de acordo com a vivência de cada um, e o contexto de cada estudante é o alicerce para sua formação profissional(20-21). A graduação representa uma oportunidade para ampliação do portfólio de experiências dos futuros profissionais, sendo espaço fértil para o consolidação de sua formação moral(20-21).

O processo educativo é dinâmico e o estudante situa-se no centro dele. Dessa forma, a oportunidade de traçar outros percursos formativos além daqueles previstos nos espaços formais das disciplinas representa um ganho significativo ao estudante, seja por meio de estágios supervisionados ou de projetos de extensão ou pesquisa(3,6,20).

Torna-se essencial proporcionar aos estudantes oportunidades para reflexão e aplicação prática dos conceitos aprendidos. A ética e o julgamento moral se constroem com prática e interação. A universidade, como lócus da formação, tem um papel fundamental na oferta de experiências que possibilitem aos alunos aplicar os conceitos vistos de maneira dialética, transversal e crítico-reflexiva. Assim, pesquisas, grupos de debates e discussão de casos são ótimas oportunidades para isso(20-21).

Destaca-se como limitação da pesquisa o tamanho amostral reduzido no estudo exploratório.

CONCLUSÃO

Fazer ciência é um processo de construção da autonomia, é tornar-se sujeito de seu processo de aprendizagem. É fundamental que os produtores do conhecimento estejam aptos e instrumentalizados, com diretrizes éticas e humanistas consonantes às necessidades sociais.

Universidades e centros de pesquisa, na condição de formadores de recursos humanos, compartilham a tarefa de difundir cultura de responsabilidade tanto ética como científica. As instituições de ensino são espaços de formação e transformação, que, além de qualificar profissionais e cientistas no âmbito teórico, assumem a importante função de proporcionar experiências práticas de construção do saber, de reflexão e de desenvolvimento de independência.

Os resultados do estudo demonstram a constante necessidade de discussão das temáticas ética e integridade científica o mais precocemente nos currículos. Para além desse movimento, é necessário repensar os modelos de ensino para que os estudantes, como reprodutores do conhecimento, estejam aptos a desenvolver capacidade para criticá-lo, revisá-lo e construir novos caminhos que se ajustem a sua realidade.

A produção de saber permite a ocorrência de mudanças nos âmbitos individual e intelectual do sujeito, mas também propicia alterações em seu ambiente e em sua cultura, daí a importância do conhecimento como agente de transformação. Sedimentar as competências éticas com as habilidades técnico-científicas dos estudantes na experiência prática favorece a construção de uma nova forma de ver e viver sua identidade profissional.

Esse deve ser um processo coletivo compartilhado entre centros formadores, professores, orientadores e estudantes. Repensar a inserção dos temas de ética nos currículos de graduação e pós-graduação é considerar os impactos positivos no processo científico e em suas contribuições para os universos acadêmico e social, objetivando a educação sobre boas práticas científicas, com o objetivo de coibir os desvios que prejudicam o avanço da ciência e da sociedade.

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  • Apoio financeiro:
    Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Bolsa de Iniciação Científica. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Bolsa de Produtividade em Pesquisa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2018
  • Aceito
    23 Abr 2019
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