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O neoliberalismo e a precarização do trabalho em enfermagem na pandemia de COVID-19: repercussões na saúde mental

RESUMO

Objetivo:

compreender como as contradições e tensões da política neoliberal, materializadas na precarização do trabalho, repercutem na saúde mental das trabalhadoras da enfermagem no contexto da pandemia de COVID-19.

Método:

trata-se de estudo de abordagem qualitativa e descritiva, analisado à luz da política econômica neoliberal. Dados coletados por meios virtuais, com participação de 719 trabalhadoras de enfermagem, no período de abril a junho de 2020. Para a organização dos dados, foi utilizado o software IRaMuTeQ® e análise temática.

Resultados:

os relatos revelaram o desvalor das trabalhadoras e as perdas dos direitos sociais trabalhistas; a progressividade da política neoliberal, suas ameaças e repercussão na saúde mental das trabalhadoras; e reconhecimento das trabalhadoras de que a participação política e de classe não ocorre de forma isolada, mas coletiva.

Conclusão:

sob a égide da política neoliberal, a pandemia de COVID-19 trouxe um recrudescimento da precariedade do trabalho, influenciando na subjetividade e na saúde mental das trabalhadoras de enfermagem.

DESCRITORES
Pandemias; Trabalho; Saúde Mental; Enfermagem; Capitalismo

Abstract

Objective:

to understand how the contradictions and tensions of neoliberal policy, materialized in precarious work, affect nursing workers’ mental health in the context of the COVID-19 pandemic.

Method:

this is a study with a qualitative and descriptive approach, analyzed in the light of neoliberal economic policy. Data were collected through virtual means, with the participation of 719 nursing workers, from April to June 2020. To organize the data, the IRaMuTeQ® software and thematic analysis were used.

Results:

the reports revealed the lack of value of workers and the loss of social labor rights; the progressive nature of the neoliberal policy, its threats and repercussions on workers’ mental health; and recognition by female workers that political and class participation does not occur in isolation, but collectively.

Conclusion:

under the aegis of neoliberal policy, the COVID-19 pandemic brought an upsurge precarious work, influencing nursing workers’ subjectivity and mental health.

DESCRIPTORS
Pandemics; Work; Mental Health; Nursing; Capitalism

RESUMEN

Objetivo:

comprender cómo las contradicciones y tensiones de la política neoliberal, materializadas en la precariedad del trabajo, afectan la salud mental de los trabajadores de enfermería en el contexto de la pandemia de COVID-19.

Método:

se trata de un estudio con enfoque cualitativo y descriptivo, analizado a la luz de la política económica neoliberal. Datos recolectados a través de medios virtuales, con la participación de 719 trabajadores de enfermería, de abril a junio de 2020. Para organizar los datos se utilizó el software IRaMuTeQ® y análisis temático.

Resultados:

los informes revelaron la desvalorización de los trabajadores y la pérdida de los derechos sociolaborales; el carácter progresivo de la política neoliberal, sus amenazas y repercusiones en la salud mental de los trabajadores; y el reconocimiento por parte de las trabajadoras de que la participación política y de clase no se da de forma aislada, sino de forma colectiva.

Conclusión:

bajo la égida de la política neoliberal, la pandemia de COVID-19 provocó un recrudecimiento de la precariedad laboral, incidiendo en la subjetividad y la salud mental de los trabajadores de enfermería.

DESCRIPTORES
Pandemias; Trabajo; Salud Mental; Enfermería; Capitalismo

INTRODUÇÃO

Nas sociedades ocidentais, os sistemas públicos de saúde e as formas de organização do trabalho foram impactados negativamente pelo capitalismo e pela chegada da política neoliberal. O neoliberalismo não é estático e ahistórico, sua origem advém da necessidade da acumulação capitalista e dificuldades-queda da taxa de lucro e lutas sociais. As primeiras manifestações foram privatizações, desregulamentação das relações de trabalho e do mercado, ajuste fiscal e monetário(11. Viana N. Breve História do neoliberalismo. Revista Enfrentamento [Internet]. 2008 [cited 2021 Nov 18]5:(5):1-10. Available from: https://redelp.net/revistas/index.php/renf/article/view/261
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). Nesse contexto, tem-se o Estado neoliberal, que altera as relações de trabalho, propõe modificações na legislação e na reestruturação produtiva(22. Trivellato MCS, Paixão TVB. A flexibilização dos tempos de trabalho como base do adoecimento. Revista Direitos, Trabalho e Política Social. 2020 [cited 2021 Nov 18]6(10):110-33. Available from: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/9753
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).

O neoliberalismo, enquanto uma teoria das práticas político- econômicas, configura-se na lógica das liberdades e capacidades empreendedoras individuais(33. Harvey D. O neoliberalismo história e implicações. São Paulo: Edições Loyola; 2008.), repercutindo em um processo permanente de mudanças nas condições do trabalho, pautado em sólidos direitos à propriedade privada, livre mercado e livre comércio(33. Harvey D. O neoliberalismo história e implicações. São Paulo: Edições Loyola; 2008.).

A política neoliberal impõe um modo de produção que reconfigura a organização das instituições e das técnicas do trabalho, tais como flexibilizar normas/regras trabalhistas sob demanda do mercado, agilizar a realização de atividades, diminuir custos, intensificar o trabalho e reduzir os salários(11. Viana N. Breve História do neoliberalismo. Revista Enfrentamento [Internet]. 2008 [cited 2021 Nov 18]5:(5):1-10. Available from: https://redelp.net/revistas/index.php/renf/article/view/261
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,22. Trivellato MCS, Paixão TVB. A flexibilização dos tempos de trabalho como base do adoecimento. Revista Direitos, Trabalho e Política Social. 2020 [cited 2021 Nov 18]6(10):110-33. Available from: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/9753
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), que promove o desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra, resultando em desemprego estrutural, trabalho terceirizado e desvalor da força de trabalho(44. Antunes R, Praun L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade. 2015;123:407-27. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.030
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,55. Leite KC. Trabalho precário: precariado, vidas precárias e processos de resistências. Revista de Ciências Sociais Política & Trabalho. 2019;51: 108-25. DOI: http://dx.doi.org/10.22478/ufpb.1517-5901.0v51n0.50733
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). Esse processo pode ser entendido como condições que precarizam as relações de trabalho(33. Harvey D. O neoliberalismo história e implicações. São Paulo: Edições Loyola; 2008.,66. Silva PMC, Souza KR, Teixeira LR. Política de desprecarização do trabalho em saúde em uma instituição federal de C&T: a experiência de professores e pesquisadores. Trabalho, Educação e Saúde. 2017;15(1):95-116. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00048
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).

No Brasil, a política neoliberal se materializa no sistema de saúde, degrada as políticas públicas sociais e fragiliza o Sistema Único de Saúde (SUS), pela redução dos investimentos e gastos públicos e pela precarização do trabalho(22. Trivellato MCS, Paixão TVB. A flexibilização dos tempos de trabalho como base do adoecimento. Revista Direitos, Trabalho e Política Social. 2020 [cited 2021 Nov 18]6(10):110-33. Available from: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/9753
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,77. Braquehais MD, Vargas-Cáceres S, Gomez-Dura E, Nieva G, Valero S, Casas M, et al. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. QJM. 2020;113(9):613-17. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/qjmed/hcaa207
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,88. Mendes A, Carnut L. Capital, Estado, crise e a saúde pública brasileira: golpe e desfinanciamento. Revista SER Social. 2020;22(46):9-32. DOI: http://dx.doi.org/10.26512/ser_social.v22i46.25260
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). Com as crises econômicas atuais e no âmbito do trabalho em saúde e da profissão enfermagem, o neoliberalismo se acentuou e desencadeou a terceirização do cuidado, as constantes demissões ocasionadas pelos vínculos precários e desprotegidos, sobrecarga e alta rotatividade de trabalhadores, desconstrução e/ou destruição da identidade profissional, ocasionando absenteísmo, afastamento e adoecimento no/pelo trabalho(99. Souza NVDO, Gonçalves G, Pires AS, David HMSL. Neoliberalist influences on nursing hospital work process and organization. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):912-19. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0092
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).

Essa expropriação dos direitos sociais inerente ao neoliberalismo, assim como as mudanças provocadas pela globalização financeira e novas formas de gestão, impactam negativamente a subjetividade dos trabalhadores, o bem-estar, o modo de trabalho e a forma como se organizam coletivamente(1010. Plazas PC. Understanding the space of nursing practice in Colombia: A critical reflection on the effects of health system reform. Nurs Inqu. 2018;25:e12242. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/nin.12242
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,1111. Silva MP, Bernardo MH, Souza HA. Relationship between Mental Health and Work: unionists’ conception and possible confrontation practices. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional [Internet]. 2016 [cited 2020 May 21];41:e23. Available from: https://www.scielo.br/pdf/rbso/v41/2317-6369-rbso-41-e23.pdf
https://www.scielo.br/pdf/rbso/v41/2317-...
). Na enfermagem, essa lógica repercute em acidentes de trabalho, adoecimento físico e sofrimento mental(44. Antunes R, Praun L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade. 2015;123:407-27. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.030
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), os quais se manifestam em sintomas somáticos, distúrbios do sono, uso abusivo de substâncias psicoativas, quadros de ansiedade e depressão, que afetam, inclusive, a qualidade do cuidado(22. Trivellato MCS, Paixão TVB. A flexibilização dos tempos de trabalho como base do adoecimento. Revista Direitos, Trabalho e Política Social. 2020 [cited 2021 Nov 18]6(10):110-33. Available from: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/9753
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,99. Souza NVDO, Gonçalves G, Pires AS, David HMSL. Neoliberalist influences on nursing hospital work process and organization. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):912-19. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0092
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).

A pandemia de Coronavirus Disease (COVID-19), que iniciou no final do ano de 2019, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), vem requerendo medidas de saúde pública e cuidados intensivos(1212. Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020; 395:497-506. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30183-5
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) diante de mais de duzentos e cinquenta milhões de infectados e mais de cinco milhões de mortes até novembro de 2021 no mundo(1313. World Health Organization [Internet]. Coronavirus (COVID-19) Dashboard. 2021 [cited 2021 Nov 18]. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
). Esse fato histórico acentua a vulnerabilidade do sistema de saúde e as condições precárias de trabalho da categoria da enfermagem, as quais já estavam impactadas pela política neoliberal.

Assim, no intuito de ampliar o debate a respeito da precariedade das condições de trabalho no âmbito dessa profissão no contexto da pandemia de COVID-19, realizou-se o seguinte questionamento: como as contradições e tensões da política neoliberal, materializadas na precarização do trabalho, repercutem na saúde mental de trabalhadores da enfermagem no contexto da pandemia de COVID-19? Este estudo tem como objetivo compreender como as contradições e tensões da política neoliberal, materializadas na precarização do trabalho, repercutem na saúde mental de trabalhadores de enfermagem no contexto da pandemia de COVID-19.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Para acessar o conhecimento, as percepções e visões de mundo de trabalhadores de enfermagem, atuantes nos diferentes cenários de atenção à saúde, sobre as contradições e tensões da política neoliberal e suas repercussões na saúde mental, no contexto da pandemia de COVID-19, julgou-se adequado fazê-lo por meio da abordagem qualitativa e descritiva(1414. Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, metodologia e criatividade. 19th ed. Petrópolis: Vozes; 2012.). Adotaram-se os critérios do Consolidated criteria for Reporting Qualitative research (COREQ)(1515. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Marco Teórico-Conceitual

O trabalho é essencial para o processo de sociabilidade, que envolve relações humanas, e de reprodução social, que é composta pelas formas de trabalhar e de viver(44. Antunes R, Praun L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade. 2015;123:407-27. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.030
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). É impossível separar o sujeito, o ambiente e a historicidade dos contextos sociais onde se materializa o trabalho no mundo capitalista, pois o modo de trabalhar pode gerar desgastes ou agravos para a saúde do trabalhador(1616. Gomez CM, Vasconcellos LCF, Machado JMH. A brief history of worker’s health in Brazil’s Unified Health System: progress and challenges. Revista Ciência & Saúde Coletiva. 2018;23(6):1963-70. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.04922018
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). Na contemporaneidade, as políticas neoliberais têm impactado a subjetividade e a saúde mental do trabalhador, posto que a subjetividade constitui um dos processos internos do homem, construída socialmente e interseccionada pelos processos objetivos e concretos da sociabilidade no cotidiano(1717. Chagas EF. O pensamento de Marx sobre a subjetividade. Trans/Form/Ação. 2013;36(2):63-84. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-31732013000200005
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).

O processo de trabalho da enfermagem está ancorado na organização da sociedade e nas relações humanas(1818. Souza HS, Mendes AN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemmas. Ciência & Saúde Coletiva. 2020;25(1):113-22. DOI: http://dx.doi.org/1413-81232020251.29172019
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), e seu objeto de trabalho se elege a partir das necessidades em saúde, em que o cuidado é conduzido por meio de ferramentas e/ou instrumentos de prática(1919. Santos VC, Soares CB, Campos CMS. A relação trabalho-saúde de enfermeiros do PSF no município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(Spe):777-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342007000500006
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), ancorando-se na execução de atividades parceladas, repetitivas, mensuradas e na relação entre trabalhador e sujeito-cuidado(1818. Souza HS, Mendes AN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemmas. Ciência & Saúde Coletiva. 2020;25(1):113-22. DOI: http://dx.doi.org/1413-81232020251.29172019
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). Nesse processo, estabelece-se o fluxo tensionado, reativo, que produz sobrecarga, intensidade de trabalho, impondo aos trabalhadores a pressão objetiva, relacionada à demanda de atividades, e uma pressão subjetiva, relacionada à responsabilidade da gestão do cuidado(1818. Souza HS, Mendes AN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemmas. Ciência & Saúde Coletiva. 2020;25(1):113-22. DOI: http://dx.doi.org/1413-81232020251.29172019
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). Além disso, acarreta problemas físicos e emocionais no trabalhador(2020. Gonçalves FGA, Leite GFP, Souza NVDO, Santos DM. The neoliberal model and its implications for work and the worker of nursing. Revista de Enfermagem UFPE On Line. 2013;7(11):6352-9. DOI: http://dx.doi.org/10.5205/reuol.3794-32322-1-ED.0711201306
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), gerando insegurança.

Na lógica do capitalismo, a saúde e a prestação dos cuidados em saúde são tratados como mercadorias, e os que recebem o cuidado são considerados consumidores, clientes(1010. Plazas PC. Understanding the space of nursing practice in Colombia: A critical reflection on the effects of health system reform. Nurs Inqu. 2018;25:e12242. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/nin.12242
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). Posto isso, a análise do trabalho em saúde, particularmente o da enfermagem, no contexto da COVID-19, é sustentada na reestruturação produtiva neoliberal, que organiza o trabalho pautado na produtividade quantitativa e na expropriação dos direitos sociais(1717. Chagas EF. O pensamento de Marx sobre a subjetividade. Trans/Form/Ação. 2013;36(2):63-84. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-31732013000200005
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,2020. Gonçalves FGA, Leite GFP, Souza NVDO, Santos DM. The neoliberal model and its implications for work and the worker of nursing. Revista de Enfermagem UFPE On Line. 2013;7(11):6352-9. DOI: http://dx.doi.org/10.5205/reuol.3794-32322-1-ED.0711201306
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).

Local

Frente à dimensão territorial do país e às medidas de afastamento social impostas pela necessidade de controle da disseminação da COVID-19, a pesquisa foi realizada em ambiente virtual em todas as regiões do Brasil.

Participantes

O convite para participação na pesquisa foi realizado por meio de redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp), em que adotou-se a técnica bola de neve, que utiliza cadeias de referência(2121. Heckathorn DD. Snowball versus respondent-driven sampling. Sociol Methodol. 2011;41(1):355-66. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-9531.2011.01244.x
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). Participaram do estudo 719 profissionais de enfermagem, residentes nas cinco regiões do Brasil.

Os critérios de inclusão na pesquisa foram: atuação como enfermeiro(a), obstetrizes, técnico(as) e auxiliares de enfermagem, de qualquer nacionalidade, atuantes nos diferentes cenários de atenção à saúde (assistência direta e/ou administrativa/gerencial), de ensino e pesquisa, ou sem atuação no momento (desempregados/aposentado e/ou afastados). O critério de exclusão foi: estar fora do país durante o período de coleta de dados.

Considerando que a participação foi majoritariamente de pessoas do sexo feminino, com identidade de gênero mulher, assume-se, a partir desse momento, a denominação “trabalhadora” em todo o estudo. Essas foram identificadas pela inicial “Trab_Enf” Trabalhador(a) de Enfermagem e do número referente à ordem sequencial de participação na pesquisa.

Coleta de Dados

A coleta dos dados para a pesquisa ocorreu no período de 22 abril a 08 de junho de 2020, com a utilização do Google Forms ®, composto por questões de múltipla escolha sobre dados sociodemográficos, laborais e de saúde (doenças pré-existentes; acompanhamento psicológico; tratamento psiquiátrico; uso de psicofármacos antes e durante a pandemia; sofrimento mental prévio; hábitos de vida; consumo de álcool e outras drogas; suporte psicológico da instituição que trabalha ou estuda; adoção de medidas terapêuticas e de autocuidado) e a questão aberta “descreva suas vivências e sentimentos ao longo do contexto da pandemia de COVID-19, cujas respostas foram objeto de análise deste estudo”. Para garantir a confiabilidade na coleta, foram eliminados os formulários inconclusos ou semipreenchidos e mantido aquele último enviado pelo participante. A extração e organização dos dados foram realizadas por quatro pesquisadores, conjuntamente, de modo online.

Análise dos Dados

Os dados coletados foram extraídos, codificados e agrupados em um corpus único de arquivo de texto. Utilizou-se o software IRaMuTeQ® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) 0.6 alpha 3(2222. Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software IRaMuTeQ [software]. Porto Alegre: UFSC. 2018 [cited 2020 Aug 21]. Available from: http://iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-portugais-22-11-2018
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). O programa possibilitou realizar cinco tipos de análises sobre o conjunto do texto: estatísticas textuais clássicas; pesquisa de especificidades de grupos; classificação hierárquica descendente; análises de similitude; e nuvem de palavras(2222. Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software IRaMuTeQ [software]. Porto Alegre: UFSC. 2018 [cited 2020 Aug 21]. Available from: http://iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-portugais-22-11-2018
http://iramuteq.org/documentation/fichie...
). O processamento do conjunto de texto no IRaMuTeQ® com a classificação hierárquica descendente ofereceu quatro classes de segmentos de texto sem codificação, a priori.

Este artigo se referiu à segunda classe do resultado da análise do IRaMuTeQ®, denominada “o (des)valor do trabalho”, em que a saturação ocorreu com 216 unidades de contexto elementar (UCE), que corresponderam a 17,5% do corpus total. Após o processamento dos dados pelo IRaMuTeQ®, foi realizada a leitura na íntegra de todas as respostas. Aplicou-se a análise temática aos resultados derivados da análise lexical dos segmentos de textos, que, a partir das falas, compuseram o corpus de análise com os seguintes passos: familiarização com os dados por meio de leituras e releituras exaustivas; codificação e busca por temas relevantes em resposta à questão de pesquisa; e fase de interpretação.

Aspectos Éticos

O estudo seguiu a Resolução do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), em 04 de abril de 2020, (Parecer nº 3.954.557/2020). Houve anuência por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido online. Foram garantidos autonomia, direito à desistência, sigilo e proteção de dados aos mesmos.

RESULTADOS

Participaram 626 (87,1%) mulheres, com faixa etária média de 25 a 45 anos, das Regiões Sudeste (232; 32,3%), Nordeste (193; 26,8%), Norte (129; 17,9%), Centro-Oeste (99; 13,8%) e Sul (66; 9,2%). Quanto ao estado civil: casada (292; 40,6%), solteira (265; 36,9%), união estável (102; 14,2%), divorciada (47; 6,5%), separada (11; 1,5%) e viúva (02; 0,3%). Quanto à raça/cor: branca (343; 47,7%), parda (277; 38,5%), preta (78; 10,8%), amarela (14; 1,9%), indígena (05; 0,7%), outros (02; 0,3%). Quanto à categoria profissional: enfermeiras (79,9%), técnicas(os) (16,4%) e auxiliares de enfermagem (3,7%), desses, 65,6% atuavam na assistência direta, 72%, em serviços públicos, com tempo de formação profissional médio de 14 anos.

Os temas derivados dos relatos informam a reestruturação produtiva, que tem como um dos componentes o neoliberalismo, que incide, não somente no trabalho da enfermagem, mas na vida de todas as trabalhadoras(1919. Santos VC, Soares CB, Campos CMS. A relação trabalho-saúde de enfermeiros do PSF no município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(Spe):777-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342007000500006
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).

O Desvalor das Trabalhadoras e as Perdas dos Direitos Sociais Trabalhistas

No período pandêmico, as trabalhadoras de enfermagem abordam um trabalho exaustivo, com sobrecarga e aumento do tempo de atividades, poucas condições de descanso quando atuam por mais de oito horas. As críticas manifestadas evidenciam problemas anteriores à pandemia, contudo intensificados no momento atual.

Está sendo um trabalho extremamente exaustivo, os hospitais aceitam pacientes encaminhados pela regulação, porém não têm funcionários suficientes na enfermagem, tornando nosso trabalho exaustivo e precário. (Trab_Enf_405); há sobrecarga de trabalho dos profissionais de enfermagem e pouquíssimas condições de descanso nos intervalos de trabalho com mais de oito horas. (Trab_Enf_686)

As trabalhadoras de enfermagem, que estão na linha de frente da pandemia, apontam para a ausência de mínimas condições para exercerem suas atividades, como a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), baixos salários e a desvalorização da trabalhadora.

Trabalhar na linha de frente desta pandemia não tem sido fácil, somos cada dia menos valorizadas, não dispomos de equipamentos ideais para desenvolver nosso trabalho, não temos um salário merecido, nosso adicional noturno é mínimo e a sobrecarga de trabalho é enorme. (Trab_Enf_29); não temos equipamentos e temos que trabalhar com carga horária exaustiva. (Trab_Enf_231)

Também anunciam as perdas dos direitos sociais trabalhistas, problematizam a redução dos empregos estáveis, a privatização das instituições estatais, a terceirização dos contratos de trabalho e, ainda, salientam o enfraquecimento e desmonte do sistema de saúde brasileiro, com ações políticas que afetam as condições de vida e saúde da população.

A gestão municipal da cidade está tentando demitir os funcionários, para instituir um serviço terceirizado, com descaso e o desrespeito com os funcionários concursados (Trab_Enf_639); tiraram nossas férias e estão querendo tirar o 13º salário, a cada dia, estão aumentando nossas responsabilidades e fazendo mais exigências. (Trab_Enf_513); sabemos a importância da saúde pública e de algumas medidas políticas que, desde algum tempo, vêm sendo enfraquecidas e desconstruídas em prol de ideais retrógrados e sem sentido. (Trab_Enf_214)

Diante da realidade exposta, as trabalhadoras de enfermagem apontam que há tensão entre a necessidade de trabalhar pelo dever do exercício profissional e os receios ao risco de expor a própria saúde diante de condições precárias de trabalho. Há sentimentos conflitantes em relação à necessidade de trabalhar e de cuidar das pessoas e o desejo de se protegerem ou não permanecerem na enfermagem. Confrontadas com essa realidade, expressam angústia e medo perante à precariedade do trabalho:

Fazemos nosso trabalho, porque entendemos as necessidades da população, mas, de fato, as condições são precárias, isso me gera uma angústia e, por vezes, penso em mudar de profissão. (Trab_Enf_378); gostaria de poder optar em me proteger ou trabalhar. Saio de casa todos os dias não querendo sair. Estou com muito medo do que ainda pode acontecer. Queria poder ficar em casa. (Trab_Enf_17)

A Progressividade da Política Neoliberal, Suas Ameaças no Contexto da Pandemia de Covid-19 e a Repercussão na Saúde Mental das Trabalhadoras

As trabalhadoras de enfermagem apontam para a diminuição da presença do Estado na garantia de direitos trabalhistas da categoria. Essas situações criam insegurança no trabalho e a emersão de sentimentos vinculados às condições precárias de trabalho:

Gostaria muito, mas muito mesmo, que esses políticos e gestores públicos olhassem mais para a nossa classe de enfermagem, pois ficamos frente a frente com todo esse caos e somos mal remunerados e sem reconhecimentos pelo nosso trabalho. (Trab_Enf_331); o desgoverno e o deboche do Presidente da República, dentre outras coisas, têm permitido que nós estejamos vivenciando vários sentimentos ao mesmo tempo. (Trab_Enf_588)

Devido à falta de recursos humanos, as trabalhadoras de enfermagem foram remanejadas de seus setores de trabalho para os de atenção às pessoas acometidas pela COVID-19, alterando sua rotina e resultando em sobrecarga de trabalho. Somado a isso, o risco iminente de contaminação e a falta de EPI despertaram-lhes sentimentos de medo, angústia, que as têm levado ao adoecimento/sofrimento mental e ao consumo de medicamentos para lidarem com esta situação adversa e também com a morte:

Falta de EPI, salários baixos, o risco de contaminação é eminente (Trab_Enf_06). Tem me deixado muito angustiada a tomada de decisão da gestão em fechar meu serviço para remanejamento dos profissionais para atendimento direto ao paciente de COVID-19. (Trab_Enf_37); o que tem incomodado é a escassez de profissionais e a sobrecarga de quem está trabalhando. Muitos estão adoecendo por estarem com sobrecarga de trabalho. (Trab_Enf_61); eu mato um leão por dia, tomo todo dia dois comprimidos de calmante natural e assim eu vou levando (…) já teve óbito de uma colega, estou com muito medo. (Trab_Enf_67)

Os relatos apontam descaso com a vida e direitos sociais das trabalhadoras de enfermagem frente ao trabalho, justificado pela percepção de serem consideradas apenas um número nas estatísticas de afastamento laboral. Também reforçam a posição da profissão como a mais atingida em relação às demais da área da saúde e por atuarem em uma situação desconhecida, resultando em medo e tristeza.

Estou afastada há quatro dias do trabalho, infelizmente, sou mais um nas estatísticas. (Trab_Enf_47); sinto medo e tristeza pela desvalorização da enfermagem, mesmo em sua importância estar em evidência, vejo o descaso com a vida e direitos dos profissionais que são tratados com muita negligência. (Trab_Enf_537); me sinto triste ao saber que a enfermagem é a profissão que mais sofre com tudo o que acontece; somos a linha de frente. (Trab_Enf_231)

As trabalhadoras de enfermagem lamentam e sofrem pela morte de colegas de trabalho, principalmente pela ausência de condições mínimas de trabalho. Ressaltam que o sofrimento é intensificado pelo fato de esses colegas não estarem vivos para presenciar e vivenciar os direitos que a categoria hoje reivindica, tais como teto salarial e redução de carga horária semanal para 30 horas.

Me sinto triste pela profissão de enfermagem, que está sofrendo tanto com a pandemia, e por ser a primeira a sofrer (…) tem sido triste perder os seus amigos e colegas de profissão devido à falta de Equipamento de Proteção Individual. (Trab_Enf_692); muitos de nós, profissionais de enfermagem, se foram, infelizmente, e não tiveram a chance de serem oportunizados com as melhorias tão esperadas e o reconhecimento profissional e salarial digno que tanto estamos buscando, assim como redução da carga horária para 30h. (Trab_Enf_512)

Enfraquecimento das Entidades de Classe e a Necessidade de União da Categoria

As trabalhadoras de enfermagem destacam que as entidades reguladoras do exercício da profissão e movimentos sindicais não têm lutado pelas necessidades da categoria, e o enfraquecimento dessas entidades parece ter se acentuado no momento da pandemia, fortalecendo o sentimento de desvalor, abandono e negligência:

Estamos abandonados ou somos negligenciados pelos nossos órgãos de classe, Conselho Federal de Enfermagem e Conselho Regional de Enfermagem, que pouco se mostra interessado em de fato nos ajudar nesse momento de pandemia. (Trab_Enf_503); me sinto desvalorizada enquanto classe (…) o sucateamento dos serviços públicos e a falta até mesmo de luta do nosso próprio sindicato e conselho por um piso salarial. (Trab_Enf_201)

Em contrapartida, as contradições que emergem da organização do trabalho da enfermagem permitem reconhecer que a sua relação com o trabalho não ocorre de forma isolada, mas coletiva, na luta política e de classe, que se materializa nas expressões de preocupação com o engajamento político. No entanto, não foram encontradas respostas que esclareçam uma relação mais direta e ativa da categoria com os movimentos de classe sindical:

Os profissionais de enfermagem devem se unir mais e lutar pelos seus direitos, pois, em um momento como este de pandemia, vimos o quanto somos desvalorizados em questão de salário e trabalho (…) só com a nossa união e colaboração poderemos alcançar mudanças e reconhecimento. (Trab_Enf_270); acredito que, nesse momento tão difícil, a empatia e a união para descobrir novas formas de se trabalhar são fundamentais e, certamente, mudarão definitivamente nossa maneira de fazer assistência, pesquisa e gestão. (Trab_Enf_128)

DISCUSSÃO

A análise dos resultados deste estudo reforça para a influência do neoliberalismo no Brasil que, mesmo antes da pandemia, seguia um ciclo de retrocessos nos direitos sociais trabalhistas, que removeu os direitos garantidos dos trabalhadores e alterou regras de aposentadoria para parcela significativa da população. Desta maneira, evidenciou que a lógica neoliberal na organização do trabalho em saúde produz desgastes e adoecimento nas trabalhadoras de enfermagem.

O Estado, ao assumir a política neoliberal, estabeleceu o teto de gastos públicos federais por meio da Emenda 95/2016, o que agravou o subfinanciamento do SUS para os próximos 20 anos, limitando investimentos necessários para a manutenção e avanço do sistema e dos serviços públicos. Além disso, restringiu investimento em pesquisa, na melhoria das condições de trabalho e no aumento no número de trabalhadoras por meio de concurso público(2323. Brasil. Constituição, 1988. Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2016 [cited 2020 Jul 29]. Available from: http://www.secretariadegoverno.gov.br
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).

Em virtude disso, acentuou-se o desvalor das trabalhadoras de enfermagem e as perdas de seus direitos sociais trabalhistas, que se expressam neste estudo na sobrecarga e intensidade do trabalho, baixos salários, alta rotatividade, escassez de recursos humanos e insumos, não fornecimento de EPIs adequados e em quantidade suficiente. A lógica neoliberal de organização do trabalho traz consequências nefastas à saúde mental das trabalhadoras, corroborando a literatura(22. Trivellato MCS, Paixão TVB. A flexibilização dos tempos de trabalho como base do adoecimento. Revista Direitos, Trabalho e Política Social. 2020 [cited 2021 Nov 18]6(10):110-33. Available from: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/9753
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).

Ressalta, contudo, que a precariedade do trabalho antecede ao contexto pandêmico, e neste se revela e também intensifica(2424. Nasi C, Marcheti PM, Oliveira E, Rezio LA, Zerbetto SR, Queiroz AM, et al. Meanings of nursing professionals’ experiences in the context of the pandemic of COVID-19. Rev Rene. 2021;22:e67933. DOI: http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.20212267933
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) o medo de contaminação e o sofrimento/adoecimento mental, que piora quando o serviço de saúde não oferece assistência psicoemocional. Ademais, está relaciona a um dos impactos do modo de produção capitalista, que degrada o bem-estar e afeta a saúde das trabalhadoras de enfermagem na expressão de angústia, medo, ingestão de medicamentos e no sentimento de desvalor(2525. Forte ECN, Pires DEP. Nursing appeals on social media in times of coronavirus. Rev Bras Enferm. 2020;73 Suppl 2:e20200225. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0225
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), uma vez que a prioridade é o produto final do trabalho e não a saúde(66. Silva PMC, Souza KR, Teixeira LR. Política de desprecarização do trabalho em saúde em uma instituição federal de C&T: a experiência de professores e pesquisadores. Trabalho, Educação e Saúde. 2017;15(1):95-116. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00048
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).

É importante destacar que a progressão da política neoliberal sobre o trabalho se expande para a vida cotidiana e repercute na subjetividade da trabalhadora e na objetividade, como o absenteísmo, o afastamento e o adoecimento no/pelo trabalho(2424. Nasi C, Marcheti PM, Oliveira E, Rezio LA, Zerbetto SR, Queiroz AM, et al. Meanings of nursing professionals’ experiences in the context of the pandemic of COVID-19. Rev Rene. 2021;22:e67933. DOI: http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.20212267933
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,2525. Forte ECN, Pires DEP. Nursing appeals on social media in times of coronavirus. Rev Bras Enferm. 2020;73 Suppl 2:e20200225. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0225
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). Neste estudo, essas mulheres se sentem apenas um número, despersonificadas enquanto sujeito-trabalhadoras de enfermagem.

Expostas, as trabalhadoras apresentam Síndrome de Burnout, depressão, suicídio, uso abusivo de substâncias psicoativas, quadros de ansiedade, sintomas somáticos, estresse no trabalho, fadiga, derivadas das condições do processo produtivo de flexibilização(22. Trivellato MCS, Paixão TVB. A flexibilização dos tempos de trabalho como base do adoecimento. Revista Direitos, Trabalho e Política Social. 2020 [cited 2021 Nov 18]6(10):110-33. Available from: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rdtps/article/view/9753
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,99. Souza NVDO, Gonçalves G, Pires AS, David HMSL. Neoliberalist influences on nursing hospital work process and organization. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):912-19. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0092
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). Essas repercussões na saúde mental conduzem à perda da subjetividade, à singularidade, às intencionalidades do trabalho, do prazer, restringindo o trabalho a um meio de sobrevivência, não integrado à vida, mas alienante. Portanto, o processo saúde-doença mental dessas trabalhadoras de enfermagem, mesmo no contexto da COVID-19, é ancorado nas relações sociais, na historicidade e na cultura que, comumente, se subordinam ao biológico.

Os problemas supracitados também se relacionam à alta descartabilidade humana vinculada ao capitalismo(44. Antunes R, Praun L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade. 2015;123:407-27. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.030
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), em que a precariedade do trabalho se espraia pela vida cotidiana das trabalhadoras de enfermagem, visto a retirada de seus direitos sociais e, muitas vezes, o direito à vida, que traz incertezas e inseguranças permanentes, como ausência de possibilidade de prospectar um futuro devido à volatilidade do trabalho. Além disso, o pouco tempo de descanso e a não diminuição nas jornadas de trabalho tomam quase todo tempo dessas trabalhadoras, empobrecendo-as em sua subjetividade e desvalorizando-as(1717. Chagas EF. O pensamento de Marx sobre a subjetividade. Trans/Form/Ação. 2013;36(2):63-84. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-31732013000200005
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).

Percebe-se que a lógica neoliberal e a precarização do trabalho, antes e na pandemia, trouxeram repercussões à saúde mental, mas também a necessidade de articulação, da exigência de apoio de entidades de classe e movimentos sindicais. Despertaram as trabalhadoras, enquanto força de trabalho, para a premência de coesão, mobilização e participação política de luta em prol da emancipação social, de processo de união e sociabilidade em campos de prática, para uma política emancipatória da categoria profissional. Considerando que esse processo é uma categoria constituinte do ser social e para o fortalecimento dos movimentos de participação social(2626. Valença D. Marxismo e a crise do neoliberalismo diante da pandemia do COVID-19. Revista Cadernos de Ciências Sociais [Internet]. 2019[cited 2020 Aug 13];1(14):8-34. Available from: http://www.journals.ufrpe.br/index.php/cadernosdecienciassociais/article/view/3412
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), o ideário de espaços é condição para lutar por melhores condições de trabalho e vida(2727. Dias MO, Souza NVDO, Penna LHG, Gallasch CH. Perception of nursing leadership on the fight against the precariousness of working conditions. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03492. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2018025503492
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).

Nesse sentido, os dados deste estudo mostram que esses espaços estão distantes, ou poderiam não ser reconhecidos como legítimos para as trabalhadoras de enfermagem, em função da valorização da dimensão técnica em relação à política no bojo da atuação profissional que, aliada ao individualismo, característica das relações de trabalho neoliberais, enfraquece sindicatos, associações e representatividades dos órgãos de classe, possibilitando maior exploração do capital e autonomia do gestor em detrimento da participação política dessas trabalhadoras(2727. Dias MO, Souza NVDO, Penna LHG, Gallasch CH. Perception of nursing leadership on the fight against the precariousness of working conditions. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03492. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2018025503492
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). Entretanto, ainda existem no cenário da saúde problemas que se evidenciam na baixa capilaridade política(66. Silva PMC, Souza KR, Teixeira LR. Política de desprecarização do trabalho em saúde em uma instituição federal de C&T: a experiência de professores e pesquisadores. Trabalho, Educação e Saúde. 2017;15(1):95-116. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00048
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).

Estudo com profissionais de enfermagem que ocupavam cargos de liderança em entidades de classe aponta que, apesar do conhecimento sobre as condições precárias de trabalho, a despolitização, a acomodação e a apatia social impulsionam as trabalhadoras da enfermagem a transferirem a responsabilidade de suas lutas para as entidades(2727. Dias MO, Souza NVDO, Penna LHG, Gallasch CH. Perception of nursing leadership on the fight against the precariousness of working conditions. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03492. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2018025503492
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). Esse desinteresse e afastamento são justificados pela origem histórico-social da profissão, da participação política e social simbólica do gênero feminino intensificado pela herança histórico-cultural(2727. Dias MO, Souza NVDO, Penna LHG, Gallasch CH. Perception of nursing leadership on the fight against the precariousness of working conditions. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03492. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2018025503492
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).

As consequências e dificuldades dessa reorganização política impedem a visibilidade das necessidades e precariedades laborais, a atuação social dos trabalhadores de enfermagem, visão crítica das relações de poder eminentes no contexto social e de trabalho, transformações legais e melhoria das condições de trabalho.

Uma alternativa para superar tal situação consiste em intensificar a reflexão crítica sobre as características e processos de trabalho da categoria tanto na formação acadêmica quanto no cotidiano do trabalho. Isso é possível quando se constroem espaços dialógicos e emancipatórios que possibilitem analisar e identificar alternativas que superem a prática imitativa e repetitiva(2828. Soares CB, Campos CMS, Souza HS, Godoy-Vieira A, Cordeiro L, Lopes IO, et al. Oficinas emancipatórias como intervenção em saúde do(a) trabalhador(a). Revista Brasileira de Saúde Ocupacional 2018;43 Suppl 1:e7s. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369000007618
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).

Finalizando, salienta-se que os profissionais de enfermagem que estão na linha de frente do cuidado constituem o grupo mais exposto à COVID-19. Todavia, não é homogêneo, portanto, mesmo exposto no ambiente de trabalho, a saúde mental é afetada de forma singular. Por outro lado, é fundamental considerar as relações de poder entre as categorias profissionais, de gênero, de classe social e de raça/cor necessárias para ampliação do debate sobre as repercussões à vida dessas trabalhadoras de enfermagem sobre o “novo da COVID-19”(2929. Queiroz AM, Sousa AR, Moreira WC, Nóbrega MDPSS, Santos MB, Barbossa LJH, et al. The novel COVID-19: impacts on nursing professionals’ mental health? Acta Paulista Enfermagem. 2021;34:eAPE02523. DOI: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02523
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).

As limitações deste estudo consistem em ter sido conduzido em contextos regionais brasileiros com diferentes condições de recursos, trabalho, tipos de gestão e vínculos empregatícios dessas trabalhadoras, além de ser realizado por meio virtual, o que impossibilitou aprofundar o objeto de investigação.

Contribuições Para a Saúde e Enfermagem

Este estudo contribui para avançar o debate sobre as repercussões na saúde mental das trabalhadoras de enfermagem diante da precarização do trabalho, intensificada no contexto da pandemia de COVID-19. A pesquisa também revela a necessidade de cuidado em saúde mental, independente do momento pandêmico, uma vez que já estavam expostas anteriormente. Pode subsidiar a discussão e mobilização das trabalhadoras de enfermagem para inserção em luta coletiva por melhores condições de trabalho. Orienta a necessidade de fortalecimento de sindicatos e associações, para efetivar e criar políticas de proteção social, que têm sido perdidas e/ou fragilizadas na pauta do neoliberalismo. Problemas enfrentados pelas trabalhadoras requerem a união da classe e dos órgãos representativos, para enfrentar a política neoliberal não restrita à enfermagem, mas ao mundo do trabalho.

CONCLUSÃO

Apreendeu-se que a progressividade da política neoliberal impõe o desvalor das trabalhadoras de enfermagem, retira seus direitos sociais, afeta a subjetividade e a saúde mental das mesmas e se estende para a vida cotidiana.

Há um recrudescimento da precariedade do trabalho, neste momento pandêmico, no quesito de escassez e/ou não fornecimento de EPI, na redução do número de trabalhadoras de enfermagem, na sobrecarga física e emocional. Houve intensidade do trabalho da enfermagem, devido ao grande número de pessoas internadas, à ausência de apoio psicoemocional por parte das instituições e que tais situações expõem o desvalor do trabalho e o risco da vida das trabalhadoras de enfermagem.

A progressividade da política neoliberal, em meio ao contexto da pandemia de COVID-19, revela a contradição deste cenário, em que, ao invés de melhorias nas condições de trabalho, as trabalhadoras de enfermagem enfrentam intensa precarização no mundo do trabalho em saúde. Essa contradição impacta a saúde mental, resultando em sofrimento psíquico, expresso por sentimentos de tristeza, medo, irritabilidade e angústia diante das condições precárias do trabalho. Em contrapartida, este sofrimento mobiliza a categoria para refletir acerca das necessidades de participação social e politização da enfermagem.

Revelou-se que as trabalhadoras de enfermagem exprimem o trabalho como categoria central em suas vidas, dado que não puderam escolher entre trabalhar ou não trabalhar e manterem as suas vidas. Salienta-se, contudo, que essa necessidade não está restrita à enfermagem, mas a todas as trabalhadoras, sobretudo exigindo a superação da individualização social do trabalho e das trabalhadoras. Uma vez que a situação pandêmica expõe para todas a precarização do mundo do trabalho, evidencia a fragilidade e/ou ausência do sistema de proteção social muito além do trabalho da enfermagem.

  • Apoio financeiro O presente trabalho foi financiado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Ministério da Saúde (MS). Chamada MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit Nº 07/2020.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2021
  • Aceito
    29 Nov 2021
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