Resumos
Objetivo: Avaliar a segurança da execução das técnicas tradicional e protegida de colheita de aspirado traqueal e identificar a concordância qualitativa e quantitativa dos resultados de culturas microbiológicas entre as técnicas. Método: Pesquisa clínica, prospectiva, comparativa, simples-cega. A amostra foi constituída de 54 pacientes com idade ≥18 anos, submetidos à ventilação mecânica invasiva por período ≥48 horas e com suspeita de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica. As duas técnicas foram implementadas no mesmo paciente, uma imediatamente seguida da outra, sendo a ordem de execução aleatória, segundo randomização por software especializado. Resultados: Não ocorreram eventos significativos de queda da saturação de oxigênio, instabilidade hemodinâmica e hemorragias traqueobrônquicas (p<0,05) e, embora tenham ocorrido divergências em algumas cepas, houve concordância qualitativa e quantitativa entre as técnicas (p<0,001). Conclusão: A utilização da técnica protegida não proporciona vantagem em detrimento da tradicional e a execução de ambas as técnicas foi segura para o paciente.
Pneumonia associada à ventilação mecânica; Técnicas de cultura; Infecção; Terapia intensiva; Cuidados de enfermagem; Segurança do paciente
Objective: To evaluate the safety of the performance of the traditional and protected collection techniques of tracheal aspirate and to identify qualitative and quantitative agreement of the results of microbiological cultures between the techniques. Method: Clinical, prospective, comparative, single-blind research. The sample was composed of 54 patients of >18 years of age, undergoing invasive mechanical ventilation for a period of ≥48 hours and with suspected Ventilator Associated Pneumonia. The two techniques were implemented in the same patient, one immediately after the other, with an order of random execution, according to randomization by specialized software. Results: No significant events occurred oxygen desaturation, hemodynamic instability or tracheobronchial hemorrhage (p<0.05) and, although there were differences in some strains, there was qualitative and quantitative agreement between the techniques (p<0.001). Conclusion: Utilization of the protected technique provided no advantage over the traditional and execution of both techniques was safe for the patient.
Pneumonia, ventilator-associated; Culture techniques; Infection; Intensive care; Nursing care; Patient´s safety
Objetivo: Evaluar la seguridad de la ejecución de las técnicas tradicional y protegida de la recolección de aspirado traqueal e identificar la concordancia cualitativa y cuantitativa de los resultados de los cultivos microbiológicos entre estas técnicas. Método: Investigación clínica, prospectiva, comparativa, ciega simple. La muestra fue constituida por 54 pacientes mayores de 18 años que fueron sometidos a ventilación mecánica invasiva durante 48 horas o más y con sospecha de Neumonía Asociada a la Ventilación Mecánica. Las dos técnicas fueron implementadas en el mismo paciente, una inmediatamente posterior a la otra. El orden de ejecución de las técnicas fue aleatorio, hecho por un software especializado. Resultados: No hubo eventos significativos en la disminución de la saturación de oxígeno, inestabilidad hemodinámica y hemorragias traqueo bronquiales (p<0,05) y aunque ocurrieron diferencias en algunas cepas, hubo concordancia cualitativa y cuantitativa entre las técnicas (p<0,001). Conclusión: El uso de la técnica protegida no ofrece ninguna ventaja sobre la técnica tradicional y la aplicación de ambas técnicas es segura para el paciente.
Neumonía asociada al ventilador; Técnicas de cultivo; Infección; Cuidados intensivos; Atención de enfermería; Seguridad del paciente
Introdução
Atualmente, o diagnóstico preciso de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) constitui-se de grande dificuldade e permanece como desafio constante para a prática clínica. O adequado manejo de pacientes com esse tipo de infecção é multifatorial, pois depende de uma série de conhecimentos, práticas e recursos humanos, materiais e organizacionais. A instituição precoce de antimicrobianos necessários, eficazes e seguros é parte integrante desse contexto e está integrada, em parte, aos procedimentos diagnósticos empregados nas instituições.
O aspirado traqueal (AT), cuja colheita é uma das atribuições do enfermeiro que cuida de paciente intubados, é um método de obtenção de secreção traqueal para cultura e diagnóstico microbiológico da PAV. É facilmente realizado à beira do leito, relativamente simples, pouco invasivo e barato, tem acurácia comprovadamente aceitável e exige menores investimentos para o treinamento dos profissionais de saúde(1).
Alguns autores(2-3) apontam, no entanto, que o AT ainda necessita de maiores evidências para o seu manejo, especialmente no que se refere às técnicas de colheita e processamento microbiológico das amostras, pois ainda existem diferentes protocolos e algumas questões ainda não resolvidas. A colonização bacteriana e fúngica da superfície interna do tubo endotraqueal (TET) em forma de biofilme é um dos fatores que mais contribuem para a colheita de amostras não representativas, ocorrência de falsos resultados ou culturas questionáveis e sem valor diagnóstico, haja vista a possibilidade de contaminação das amostras durante a fase de colheita.
Acredita-se que o biofilme, além de poder causar sérias infecções recorrentes, atua como um reservatório de microrganismos que prejudica a análise microbiológica de conteúdos traqueobrônquicos e acarreta dúvidas na interpretação dos resultados de culturas quanto à contaminação, colonização e infecção(4). Portanto, os microrganismos, que colonizam o TET e não estão causando a pneumonia, podem ser colhidos pelo AT por técnica tradicional e prejudicar a acurácia diagnóstica(5).
Nesse sentido, já que a infecção ocorre no parênquima pulmonar e não no TET, infere-se que a colheita de secreções traqueobrônquicas livre de agentes do biofilme do TET, mediante técnica protegida, propicia melhores resultados de cultura para o diagnóstico de PAV. Assim, surgiu a seguinte indagação: a colheita de AT por técnica protegida, isto é, sem que a sonda de aspiração propriamente dita entre em contato com a superfície interna do TET, apresenta correlação com a técnica tradicional e é segura ao paciente? Com o escopo de investigar essa dúvida emanada da prática clínica e proporcionar avanços para confirmar ou refutar o AT com técnica protegida, é que se propõe esta investigação, que tem por objetivos avaliar a segurança da execução das técnicas tradicional e protegida de colheita de aspirado traqueal e identificar a concordância qualitativa e quantitativa dos resultados de culturas microbiológicas entre as técnicas.
Método
Trata-se de estudo clínico, prospectivo, comparativo, simples-cego. A coleta de dados foi realizada de janeiro a setembro de 2013, numa UTI geral para pacientes adultos de um hospital universitário do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Realizou-se amostragem intencional, com inclusão de pacientes a partir de 18 anos de idade, submetidos à ventilação mecânica (VM) invasiva por período superior a 48 horas e com suspeita de PAV; e a exclusão daqueles com pneumonia prévia à VM. A suspeita de pneumonia foi realizada pelo médico assistente e baseou-se na presença de pelo menos dois dos seguintes critérios: leucocitose (>11.000 células/mm3) ou leucopenia (<4.000 células/mm3), febre (>38,4°C) ou hipotermia (<36,5°C), novo ou progressivo infiltrado na radiografia de tórax e secreções traqueobrônquicas purulentas(6). A PAV foi definida microbiologicamente, quando o AT colhido pela técnica tradicional alcançou contagem ≥105UFC/ml(1).
A amostra do estudo foi constituída por 54 pacientes que geraram 80 pares de amostras microbiológicas – média de 1,5 coletas por paciente. Nove pacientes apresentaram suspeita de PAV mais de uma vez durante a permanência na UTI, então, foram submetidos à coleta de dados mais de uma vez. As técnicas protegida e tradicional foram adotadas para o mesmo paciente, uma imediatamente seguida da outra, conduzidas por um enfermeiro, que foi auxiliado por um fisioterapeuta, ambos especialistas em terapia intensiva, experientes e treinados para execução dos procedimentos.
A ordem de execução das técnicas em cada paciente foi aleatória, segundo software de randomização (http://www.randomization.com). Antes das colheitas, a fração inspiratória de oxigênio (FiO2) foi aumentada para 100% por um minuto e, durante os procedimentos, a pressão arterial, frequência cardíaca, saturação de oxigênio à pulso-oximetria e hemorragias foram monitoradas. Em ambas as técnicas, o sistema de sucção utilizado foi o aberto. Destaca-se que, uma semana antes das colheitas das amostras, foi realizado um estudo piloto com cinco pacientes para calibração dos procedimentos.
A colheita do AT por técnica tradicional foi realizada conforme procedimento padrão, isto é, uma sonda de aspiração traqueal nº 12 French (Fr) – de cloreto de polivinil (PVC) siliconizada (Embramed®, Brasil). Esta foi introduzida através do TET até encontrar resistência (nível da carina na traqueia), sendo retraída aproximadamente 2cm. Seguiu-se com liberação do vácuo e retirada delicadamente em movimentos giratórios, a partir da qual a secreção foi aspirada para um tubo coletor estéril de polipropileno (bronco coletor; Zammi®, Brasil).
Para a técnica protegida, utilizou-se uma sonda traqueal (n. 10Fr) e outra nasogástrica (n. 20Fr), sendo a última cortada num comprimento de 7 cm a mais do que a do TET. Posteriormente, foi introduzida dentro do TET até ultrapassar 2 cm da extremidade distal do tubo, ficando, assim, externalizada 5cm em relação à extremidade proximal. Depois, a sonda de aspiração propriamente dita foi introduzida dentro da nasogástrica, e por ela aspirada a secreção (Figura 1). Para ambas as colheitas não foi utilizada a solução salina a fim de fluidificar as secreções e seguiu-se rigorosamente os princípios assépticos.
Arranjo dos dispositivos utilizados na colheita do AT por técnica protegida. (a) Frasco coletor; (b) Saída para vácuo; (c) Entrada de secreções; (d) Sonda de aspiração n. 10 Fr; (e) Sonda grossa n. 20 Fr; (f) Tubo orotraqueal
Após a colheita microbiológica, as amostras foram transportadas para o laboratório de microbiologia, por um tempo não superior a 30 minutos, e submetidas a processamento microbiológico idêntico e cego, isto é, sem que a equipe do laboratório soubesse por qual técnica foram colhidas as amostras. Foram consideradas apenas as amostras com menos de 25 células epiteliais por campo (aumento de 100x) e processadas conforme sugerido pelo protocolo Cumitech 7B da American Society for Microbiology(7).
A secreção traqueal (porção mais purulenta), portanto, foi fluidificada com a adição de igual volume de N-acetilcisteína a 1% e subsequente homogeneinização (Vortex Mod. QL-901-BIOMIXE®) por um minuto a 3.000 rpm. Posteriormente, diluiu-se 0,1ml da amostra em 9,9ml de solução fisiológica estéril; semeou-se 0,01ml (alça calibrada) desta em placas de Petri contendo Ágar MacConkey, Ágar Sangue Azida e Ágar chocolate. A incubação das placas foi realizada em aerobiose a 35 ± 1ºC por 24 a 48h, à exceção do Ágar chocolate, em capnofilia (5% de CO2) a 35 ± 1ºC por 24 a 48h. A primeira leitura quantitativa foi realizada após 24h e, nos casos de difícil diferenciação macroscópica ou ausência de colônias, reincubada por mais 24h(7).
Na interpretação do resultado, cada colônia correspondeu a 20.000 UFC/ml e conceituou-se AT positivo quando a contagem foi ≥105 UFC/ml(1). A identificação dos microrganismos foi realizada por automação por meio do aparelho Vitek® 2 AES (BioMérieux, França). Respeitaram-se os preceitos éticos da Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com seres humanos da instituição sob o Protocolo número 114311/2012.
Os dados foram armazenados no Software Microsoft Excel versão 2010 e analisados estatisticamente pelo Minitab for Windows (versão 14). Além da estatística descritiva, foram utilizados os testes Qui-quadrado (χ²) e Teste Exato de Fisher, sendo ambos realizados com 95% de confiabilidade (valor significativo de p< 0,05) e aplicados no cruzamento de variáveis categóricas.
Resultados
A análise envolveu 54 pacientes com suspeita de PAV que geraram 160 amostras para culturas (80 pares, cada qual colhida por técnica protegida e tradicional). As características demográficas e clínicas desses pacientes estão apresentadas na Tabela 1.
De maneira global, a maioria dos pacientes era do sexo masculino; de idade avançada; com muitos dias de internação e VM; oriundos do pronto-socorro; acometidos por diferentes comorbidades; e com pontuação de mortalidade estimada elevada pelo APACHE II, o que levou ao desfecho de óbitos na maioria dos sujeitos; número de leucócitos e bastonetes aumentados; normotérmicos e todos em antibioticoterapia.
Considerando microrganismo e UFC/ml, quando implementadas as técnicas no mesmo paciente, uma imediatamente seguida da outra, a concordância entre estas foi estatisticamente significativa (Tabela 2).
Interpretou-se como concordância de microrganismo, quando os resultados de cultura revelaram isolados idênticos ou ausentes em ambas às técnicas – independentemente da contagem –; e concordância de UFC/ml, quando contagem <105 idêntica para as duas técnicas ou ≥105. A Tabela 2 apresenta a concordância resultante do cruzamento dessas variáveis. Percebe-se que, dos 80 pares de amostras, 58 apresentaram o mesmo microrganismo e UFC/ml simultaneamente. Portanto, a concordância global entre técnica protegida e tradicional foi de 72,5% (p<0,001).
Tabela 3 – Comparação das culturas de aspirado traqueal colhido por técnica protegida e tradicional – Campo Grande, MS, Brasil, 2013
Conforme a Table 3, levando em consideração apenas o microrganismo isolado, independentemente de contagem superior ou inferior a 105 UFC/ml, verificou-se que houve concordância total entre as técnicas em 80% dos episódios de suspeita de PAV (resultado 1 e 2). Em cinco episódios (6,25%), houve resultados completamente discordantes – cultura microbiana negativa pra uma das técnicas e positiva para outra. Em três episódios (resultado 3 e 4) não houve recuperação de agentes quando a técnica protegida foi realizada; já para técnica tradicional, em dois episódios (resultados 5 e 6) a mesma situação ocorreu. Nos demais casos, os resultados foram bastante variados, ocorrendo isolamento de microrganismos extras (cepas adicionais encontrados numa técnica, mas não em outra), tanto na técnica protegida (resultados 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13) quanto tradicional (resultados 13, 14, 15, 16 e 17). Vale destacar que, 70% (7/10) dos microrganismos extras identificados na técnica protegida tiveram contagem menor que 105 UFC/ml, contra 42,9% (3/7) da técnica tradicional (p<0,05).
Em relação à segurança das duas técnicas, não houve eventos adversos estatisticamente significativos (p<0,05) quanto à queda da saturação de oxigênio, instabilidade hemodinâmica e hemorragias traqueobrônquicas.
Discussão
Na busca de melhorias na qualidade da colheita das amostras de secreção traqueal, isto é, livres de contaminação, este estudo avaliou a concordância entre duas técnicas de colheita de AT para o diagnóstico microbiológico de PAV. Os resultados sugerem que não há diferença estatisticamente significante (p<0,001) entre as técnicas, tanto qualitativamente (microrganismo isolado) quanto quantitativamente (UFC/ml).
Variados microrganismos extras isolados em ambas as técnicas. Neste caso, embora as culturas oriundas das amostras colhidas por técnica protegida apresentarem maior percentual de agentes extras como contagem <105 UFC/ml (70% contra 42,9%), não é prudente afirmar que uma técnica foi mais precisa em relação à outra para o diagnóstico de PAV, pois não há conceito que diferencie contaminação de colonização para secreção traqueal. Assim, não foi possível distinguir se esses agentes extras são microrganismos do biofilme do TET ou colonizantes do parênquima pulmonar(6). Uma das possíveis alternativas seria analisar geneticamente, mediante reação em cadeia da polimerase ou método compatível, os microrganismos extras isolados na técnica protegida e tradicional com aqueles presentes no biofilme do TET.
Levando em consideração apenas os isolados extras com contagem <105 UFC/ml e utilizando uma classificação proposta por uma ampla revisão bibliográfica(8), na técnica protegida, 4 (57,1%) agentes são causadores comuns de PAV (P. aeruginosa, 2 K. e E. faecium), 1 (14,3%) raramente provoca a referida infecção (S. maltophilia) e 2 (28,6%) não são causadores de importância epidemiológica (S. cohnii e S. epidermidis). Ao passo que, na técnica tradicional, 2 (66,7%) são causadores comuns de PAV (P. aeruginosa e A. baumanii) e 1 (33,3%) não é um causador (S. hominis). Isso dificulta ainda mais a definição sobre qual técnica é mais confiável, pois, evidentemente, parte desses agentes pode ser contaminante, porém, também colonizante com potencial a desenvolver-se e causar infecções.
Para evidenciar isso, utilizando culturas de vigilância de AT, uma coorte prospectiva(9), que incluiu 200 pacientes, teve como um de seus objetivos identificar os colonizadores do parênquima pulmonar e a sua respectiva capacidade de evoluir e, posteriormente, causar PAV. Conforme os resultados, a maioria (60,9%; 14/23) dos microrganismos causadores de PAV estava inicialmente presente como colonizadores do parênquima pulmonar. As taxas de colonização seguida de posterior desenvolvimento de PAV foram relativamente maiores para bactérias não fermentadoras (46,4%), S. aureus resistente à meticilina (33,3%) e enterobactérias (22,2%).
De qualquer forma, esses resultados contrariam a expectativa de que a técnica protegida recupera menor quantidade de microrganismos extras, já que evita o contato da sonda de aspiração propriamente dita com os microrganismos presentes no biofilme do TET, e, consequentemente, impede que sejam colhidos, cultivados e falsamente liberados como patógenos do tecido pulmonar.
O primeiro motivo que pode ter contribuído para esse achado é que esses microrganismos extras podem ser colonizantes do tecido pulmonar, já que não foi estudada a correlação genética com aqueles do biofilme do TET. O segundo está relacionado ao fato do paciente intubado ser submetido a diversas aspirações endotraqueais diariamente. Isso pode acarretar em disseminação de agentes do biofilme para as vias aéreas inferiores e vice-versa. Desse prisma, o AT colhido por técnica protegida e tradicional não seriam diferentes quanto à presença ou não de microrganismos provenientes do TET. O terceiro, é que a sonda espessa pode ter causado atrito na parede interna do TET e deslocado microrganismos do biofilme para as vias inferiores, bem como para sua própria superfície distal ou interna e, posteriormente, todo esse material colhido pela sonda de aspiração.
Sendo esses os reais motivos que levaram aos resultados encontrados, ou não, o fato é que a técnica protegida apresentou concordância estatisticamente significante em relação à tradicional e, salvaguardando as limitações do estudo, não demonstrou benefícios consideráveis. Nessa direção, não recomendamos a utilização da técnica, considerando que esta é potencialmente capaz de aumentar os custos hospitalares, já que demanda maior tempo de colheita, requer materiais específicos em relação à tradicional e que, se realmente incluir agentes do biofilme do TET nas amostras, pode acarretar em erros de interpretação ou resultados falsos positivos ou em alterações indevidas na antibioticoterapia.
Cabe ressaltar que, após três dias de intubação e VM, o lúmen do TET torna-se fortemente colonizado por diversos microrganismos. Estes passam a sobreviver na superfície abiótica do tubo em forma de biofilme maduro, ou seja, em um sistema de comunidades estruturadas, coordenadas e funcionais com elevado grau de organização(10). Estudos têm mostrado que a ocorrência de PAV e outras infecções do trato respiratório inferior podem ser uma consequência da transferência recorrente de agentes presentes nesse biofilme às vias aéreas inferiores(5,10-12). Recente ensaio clínico randomizado controlado(10) constatou que mais de 60% dos pacientes tiveram isolados da mesma espécie tanto no biofilme do TET quanto na secreção traqueobrônquica e que a ponta do TET foi a região com maior densidade de patógenos relacionados à PAV.
Como ainda não há um padrão ouro para o diagnóstico microbiológico de PAV(13) e os problemas relacionados à utilização excessiva de antibióticos e resistência antimicrobiana continuam a crescer, melhorar a acurácia do diagnóstico microbiológico de PAV torna-se um elemento essencial para garantir adequada cobertura de antibióticos aos agentes multidroga resistentes (MDR), bem como para limitar o uso e duração da antibioticoterapia de amplo espectro prescrita empiricamente. Nesse contexto, ao utilizar técnicas de cultura quantitativas, a colheita de secreção traqueal destaca-se como etapa de fundamental importância para um diagnóstico preciso a acurácia do diagnóstico(14). Por outro lado, o biofilme do TET é uma das variáveis que podem implicar negativamente nesse processo.
É amplamente recomendado que a colheita de qualquer tipo de material biológico para cultura seja feita na ausência da antibioticoterapia, visto que o uso prévio de antibióticos pode acarretar em resultados falsos negativos. No caso de culturas de secreção traqueobrônquica, isso tem sido um problema tanto para a prática clínica como para a pesquisa, pois dependendo do perfil de pacientes e da UTI, a grande maioria dos pacientes com suspeita de PAV está gravemente enferma e foi, também, submetida a diversos procedimentos e tratamentos, dos quais, muitos são potencialmente capazes de propiciar ou desenvolver alterações clínicas típicas de infecção. Por vezes, muitos pacientes acabam recebendo antibioticoterapia antes da suspeita de PAV; alguns, antes mesmos de chegar à terapia intensiva(14).
Neste estudo, 100% dos pacientes estavam em uso de antimicrobianos – muitos de amplo espectro (Tabela 1). Isso poderia ser uma limitação, entretanto, especialmente considerando o aumento dos índices de infecções nosocomiais, surgimento de cepas MDR, pressão sofrida pelo médico para o início precoce da antibioticoterapia, estado em que se encontra o paciente quando há suspeita de PAV e uso de antibiótico em UTI por causas não pneumônicas, acredita-se que os resultados deste estudo sejam válidos, pois correspondem ao cenário atual da saúde nacional e internacional, não sendo vantajoso realizar estudos numa realidade diferente da atual.
Apesar de recomendada em alguns documentos(7,15), ressalta-se que não foi instilada solução fisiológica 0,9% para facilitar a colheita de secreções porque isso comprometeria a comparação entre as técnicas. Além disso, se os resultados são expressos em UFC/ml, a referida prática torna essa relação matemática instável, já que a quantidade de líquido instilado e posteriormente recuperado é variável. Por exemplo, se apenas um pequeno volume de líquido é recuperado pela aspiração, logo, a contagem de bactérias pode ser equivocadamente maior devido ao menor volume de diluente. Por outro lado, se um maior volume de líquido é recuperado, a concentração será menor em detrimento do aumento da diluição(2).
Embora a implementação da técnica protegida oclua mais de 50% do lúmen do TET, é importante frisar que, não foram observadas complicações iatrogênicas de ordem oxi-hemodinâmica relevantes entre as técnicas, mesmo hemorrágicas. Inferia-se que esta última seria uma das possíveis complicações relacionadas à técnica protegida, visto que a sonda externa não era romba e relativamente mais espessa e rígida em comparação às tradicionais sondas de aspiração. Apenas uma paciente apresentou sangramento durante a colheita, mas este não se relacionou com a técnica protegida porque a hemorragia iniciou durante a execução da técnica tradicional (primeira a ser executada na paciente, segundo randomização). Além disso, a paciente apresentava graves alterações de coagulação sanguínea e invariavelmente sangrava nos procedimentos de aspiração endotraqueais de rotina.
Este estudo tem várias limitações, incluindo a amostragem não probabilística, não ter incluído outro método diagnóstico de PAV – como o lavado broncoalveolar – para efeito de comparação com os resultados de culturas entre as técnicas de AT e não ter analisado por meio de testes de genotipagem a concordância entre os microrganismos recuperados em ambas as técnicas com o possível biofilme do TET.
Contudo, apesar dessas limitações, este é o primeiro estudo de nosso conhecimento que focou na análise comparativa do aspirado traqueal protegido versus tradicional. Os achados desse estudo levantaram uma importante questão potencialmente capaz de interferir na qualidade dos resultados de cultura de secreção traqueal para auxílio diagnóstico de PAV, apontando a necessidade de reflexões e discussões futuras por intermédio de pesquisas robustas e bem desenhadas.
Conclusão
Conclui-se que as técnicas testadas são estatisticamente equivalentes, quanto ao quantitativo e qualitativo de microrganismos recuperados. São seguras para o paciente, pois não se constataram complicações iatrogênicas de ordem oxi-hemodinâmicas e hemorrágicas relevantes. Foram encontrados microrganismos extras em ambas as técnicas. Esses são potencialmente capazes de interferir na qualidade dos resultados de cultivo microbiológico e conduzir a eventos adversos na gestão de antibióticos, com potencial para tratamento inadequado ou excessivo. Todavia, não foi possível distinguir se tais resultados representam microrganismos presentes no biofilme do TET, no trato respiratório inferior ou em ambos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Ago 2014
Histórico
-
Recebido
24 Mar 2014 -
Aceito
12 Jun 2014