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Avaliação de uma cartilha educativa de promoção ao cuidado da criança a partir da percepção da família sobre temas de saúde e cidadania

Evaluación de una cartilla educativa de promoción del cuidado del niño a partir de la percepción de la familia respecto a temas de salud y ciudadanía

Resumos

Este estudo avalia o instrumento de promoção ao cuidado infantil, a cartilha educativa Toda Hora é Hora de Cuidar, através da análise da percepção dos cuidadores sobre os temas por ela discutidos. Estudo descritivo, utilizando-se das abordagens quantitativa e qualitativa como complementaridade, realizado com 89 cuidadores familiares, usuários do Programa de Saúde da Família, na cidade de São Paulo. Observou-se uma predominância de mães, com ensino fundamental incompleto que relataram compreensão e interesse pelos conteúdos da cartilha. O conceito sobre o cuidado com a criança aparece enquanto ação afetiva e de labor. A Unidade Básica de Saúde se destaca como importante apoio social em detrimento de outras instituições. Conclui-se que existem evidências de efetividade da cartilha como instrumento promotor de habilidades e potenciais da comunidade, família e indivíduos, sendo importante o uso de instrumentos facilitadores do processo de aprendizado com enfoque na promoção da saúde e do empowerment das comunidades.

Promoção da saúde; Educação em saúde; Cuidado da criança; Família


En este estudio se evalúa el instrumento de promoción al cuidado infantil, la cartilla educativa Toda hora é hora de cuidar (Toda hora es hora de cuidar), a través del análisis de la percepción de los cuidadores sobre temas discutidos en éste. Se trata de un estudio descriptivo en el que se utilizó abordajes cuantitativos y cualitativos como complementarios, realizado con 89 cuidadores familiares, usuarios del Programa de Salud de la Familia, en la ciudad de Sao Paulo. Se observó predominio de madres, con educación básica incompleta que relataron comprensión e interés por los contenidos de la cartilla. El concepto sobre el cuidado al niño aparece como acción afectiva y de labor. La Unidad Básica de Salud se destaca como importante apoyo social en detrimento de otras instituciones. Se concluye que existen evidencias de efectividad de la cartilla como instrumento promotor de habilidades y potencialidades de la comunidad, familia e individuos, siendo importante el uso de instrumentos facilitadores del proceso de aprendizaje con enfoque en la promoción de la salud y del empowerment de las comunidades.

Promoción de la salud; Educación en salud; Cuidado del niño; Familia


This study evaluates the instrument of childcare promotion, the educational booklet Toda hora é hora de cuidar (Anytime is time to care), through the analysis of the caregivers' perception regarding the issues discussed in the booklet. This is a descriptive study using the quantitative and qualitative approaches. Interviews were carried out with 89 family caregivers, users of the Family Health Program in the city of São Paulo. It was observed that most mothers had not completed basic education, and reported the booklet contents were understandable and interesting. The concept regarding childcare was related to affective and work activities. Compared to other institutions, the Basic Health Unit stands out as an important social support. In conclusion, evidence shows that the booklet is effective as an instrument to promote skills and potentials of the community, family and individuals. Furthermore, it is important to use instruments that facilitate the learning process focused on health promotion and community empowerment.

Health promotion; Health education; Child care; Family


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação de uma cartilha educativa de promoção ao cuidado da criança a partir da percepção da família sobre temas de saúde e cidadania

Evaluación de una cartilla educativa de promoción del cuidado del niño a partir de la percepción de la familia respecto a temas de salud y ciudadanía

Monica Lilia Vigna Silva GrippoI; Lislaine Aparecida FracolliII

IMestranda de Enfermagem do Departamento de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP). São Paulo, SP, Brasil. monica_grippo@yahoo.com.br

IIProfessor Doutor do Departamento de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (EEUSP). São Paulo, SP, Brasil. lislaine@usp.br

Correspondência Correspondência: Mônica Lilia Vigna Silva Grippo Rua Willian Booth, 410 - Jardim Paulicéia CEP 13060-074 - Campinas, SP, Brasil

RESUMO

Este estudo avalia o instrumento de promoção ao cuidado infantil, a cartilha educativa Toda Hora é Hora de Cuidar, através da análise da percepção dos cuidadores sobre os temas por ela discutidos. Estudo descritivo, utilizando-se das abordagens quantitativa e qualitativa como complementaridade, realizado com 89 cuidadores familiares, usuários do Programa de Saúde da Família, na cidade de São Paulo. Observou-se uma predominância de mães, com ensino fundamental incompleto que relataram compreensão e interesse pelos conteúdos da cartilha. O conceito sobre o cuidado com a criança aparece enquanto ação afetiva e de labor. A Unidade Básica de Saúde se destaca como importante apoio social em detrimento de outras instituições. Conclui-se que existem evidências de efetividade da cartilha como instrumento promotor de habilidades e potenciais da comunidade, família e indivíduos, sendo importante o uso de instrumentos facilitadores do processo de aprendizado com enfoque na promoção da saúde e do empowerment das comunidades.

Descritores: Promoção da saúde; Educação em saúde; Cuidado da criança; Família.

RESUMEN

En este estudio se evalúa el instrumento de promoción al cuidado infantil, la cartilla educativa Toda hora é hora de cuidar (Toda hora es hora de cuidar), a través del análisis de la percepción de los cuidadores sobre temas discutidos en éste. Se trata de un estudio descriptivo en el que se utilizó abordajes cuantitativos y cualitativos como complementarios, realizado con 89 cuidadores familiares, usuarios del Programa de Salud de la Familia, en la ciudad de Sao Paulo. Se observó predominio de madres, con educación básica incompleta que relataron comprensión e interés por los contenidos de la cartilla. El concepto sobre el cuidado al niño aparece como acción afectiva y de labor. La Unidad Básica de Salud se destaca como importante apoyo social en detrimento de otras instituciones. Se concluye que existen evidencias de efectividad de la cartilla como instrumento promotor de habilidades y potencialidades de la comunidad, familia e individuos, siendo importante el uso de instrumentos facilitadores del proceso de aprendizaje con enfoque en la promoción de la salud y del empowerment de las comunidades.

Descriptores: Promoción de la salud; Educación en salud; Cuidado del niño; Familia.

INTRODUÇÃO

Tecnologias leves para Promoção em Saúde

A educação em saúde pode ser definida como um conjunto de saberes e práticas orientadas para a prevenção de doenças e promoção à saúde(1-2) e representa um recurso de socialização do conhecimento cientificamente produzido no campo da saúde, mediado por equipes interdisciplinares com a intenção de melhorar processos desgastantes da qualidade de vida de uma comunidade e seus indivíduos e de promover hábitos e atitudes saudáveis em saúde. Nesse sentido a literatura destaca o espaço da atenção básica como privilegiado para o desenvolvimento de práticas educativas em saúde em função de sua proximidade com o território e sua população(3-4).

Para a União Internacional de Promoção e Educação para a Saúde, IUHPE, a Promoção à Saúde é definida como um processo que capacita comunidades, centrado na equidade, e considera essencial a participação da população nas ações de promoção à saúde reconhecendo e potencializando os conhecimentos desta comunidade, a fim de gerar as condições necessárias para a saúde(5).

Um grande desafio posto na atualidade para a saúde coletiva no Brasil e para os serviços de atenção básica é a construção de propostas e instrumentos de intervenção e educação em saúde, apropriando-se de tecnologias de alta complexidade, que envolvam conhecimento, habilidades e técnicas, para atuação junto ao núcleo familiar e que sejam culturalmente sensíveis às necessidades em saúde das populações principalmente quando destinados àquelas que vivem em situação de pobreza e de desigualdade social(6).

Historicamente as propostas educativas em saúde têm se caracterizado enquanto transferência de informações, de conhecimentos com pouco impacto na realidade dos sujeitos. Definindo a família como um sujeito passível de intervenção, a construção de instrumentos facilitadores desse processo deve orientar o exercício da cidadania. Desse modo, favorecer o incentivo à co responsabilidade e à participação dos cuidadores familiares no processo de promoção e manutenção de sua saúde é um dos papéis a ser desempenhados pelas equipes de saúde. A aplicação dessas tecnologias deve ultrapassar o âmbito da informação em saúde e deve ser orientada para a produção de instrumentos facilitadores e construtores de novos conhecimentos que propiciem subsídios para o cuidado às crianças.

A avaliação dos instrumentos de promoção à saúde infantil deve considerar a complexidade do sujeito-família, reconhecendo-a como espaço de constituição, desenvolvimento e resolução dos problemas de saúde. Para tanto, deve buscar perspectivas metodológicas participativas que favoreçam o diálogo entre população e profissionais, sempre na perspectiva do empowerment das famílias. O intuito seria subsidiar modificações no ambiente e em suas relações, impulsionando a elaboração de novas formas de comportamento, importantes para a obtenção de melhores resultados em cuidados e saúde.

No intuito de se promover saúde é preciso adoção de atitudes positivas pela sociedade e, nessa linha de raciocínio, a literatura advoga o conceito de empowerment em saúde. Este se relaciona com as reais oportunidades que as pessoas têm a seu favor para a participação e crescimento individual, podendo ser definido como o meio de aquisição de maior controle sobre as decisões que afetam as suas vidas ou como mudanças em direção a maior igualdade nas relações sociais de poder(7).

Cartilha Toda Hora é Hora de cuidar

A cartilha Toda Hora é Hora de cuidar(8) se constitui em um dos instrumentos operacionais construídos com o intuito de fornecer informações sobre o cuidado à criança a ser utilizado pelas famílias e por Agentes Comunitário de Saúde (ACS). Ela representa um dos resultados de trabalho do Projeto Nossas Crianças: Janelas de Oportunidades, criado a partir do convênio da Coordenação do Programa de Saúde da Família (PSF) da Secretaria Municipal de São Paulo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), firmado em 2001. Este Projeto tem como uma das propostas a produção de material que pudesse se constituir em tecnologias adequadas para atuar com as famílias e, principalmente, na perspectiva de fortalecer aspectos da promoção da saúde infantil.

Construída com a orientação teórica de promoção à saúde a cartilha apresenta temas relativos ao desenvolvimento infantil, à gestação e crescimento saudável que podem ser realizados pelas famílias em seu cotidiano. A cartilha chama a atenção para ações simples que muitas vezes são pouco valorizadas pelos pais ou pessoas que proporcionem o cuidado com maior freqüência, mas que tem um impacto muito significativo no desenvolvimento da criança, além de abordar questões tradicionais da saúde pública como a higiene infantil e a vacinação da criança.

Esta cartilha foi distribuída para as famílias atendidas pelo PSF do município de São Paulo, que possuíam gestantes e/ou crianças de zero até seis anos de idade e usuárias do PSF das áreas eleitas para a implantação desse projeto.

Pensada como um instrumento facilitador de ações de educação em saúde sua aplicação foi planejada para promover a discussão, entre profissionais de saúde e familiares responsáveis pelo cuidado infantil, versando sobre conceitos fundamentais à promoção do cuidado infantil. Os profissionais eleitos para a promoção dessas discussões foram os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), considerando que possuem um maior contato com essas famílias (os cuidadores) através de sua função cotidiana de visita domiciliar.

A Cartilha inicia sua abordagem apresentando período gestacional e abrange temas relacionados aos cuidados das crianças em todas as fases de grande impacto no desenvolvimento infantil, com maior influência em sua formação biológica e psicológica. Aborda a necessidade da Proteção e Cuidado para a manutenção da vida e em especial a da vida humana; traz para a reflexão a partilha da responsabilidade do cuidado, refletindo as questões de gênero, das emoções e emotividade masculina e direito familiar à felicidade.

Na seqüência, a Cartilha continua trazendo para reflexão assuntos como cuidados com a alimentação, destacando a possibilidade de uma nutrição balanceada, mesmo em situações de dificuldades econômicas, e da importância do estabelecimento de hábitos e rotinas, como a regularidade nos horários de oferta dos alimentos. Descreve também o Aleitamento Materno como fonte de proteção, relação afetiva e de cuidado.

Aponta a higiene como uma necessidade básica de manutenção da saúde e exercício da construção de hábitos saudáveis na perspectiva da valoração do autocuidado e da auto-estima. Ainda no enfoque de cuidados específicos orienta sobre sinais e sintomas das afecções mais comuns na infância, como febre, desidratação e pneumonias, assim como para os cuidados de prevenção de acidentes domésticos, atendendo ao perfil epidemiológico de morbimortalidade infantil brasileira.

A Cartilha é finalizada com enfoque sobre os direitos fundamentais relacionados no Estatuto da Criança e do Adolescente, destacando temas como o direito à Educação, Saúde, Lazer, Registro Civil entre outros.

Com linguagem acessível para profissionais e famílias, apresentação gráfica singela (desenhos estilizados, cores suaves relativos a cada assunto), a Cartilha convoca à reflexão sobre os temas apresentados. Evoca sentimentos de solidariedade e compromisso com o cuidado infantil e familiar, procurando, deste modo, fortalecer as habilidades dos cuidadores nas questões do desenvolvimento integral da criança.

OBJETIVOS

Considerando a proposta da elaboração e aplicação da cartilha os objetivos deste estudo foram: contribuir na avaliação da efetividade da Cartilha: Toda hora é hora de Cuidar; analisar a percepçãodos familiares sobre os temas discutidos pela cartilha; identificar a aceitação da cartilha pela população atendida; e caracterizar a compreensão pelos familiares sobre os conceitos que subjazem os temas da Cartilha.

A ênfase neste trabalho é a busca de indícios de efetividade, compreendida aqui enquanto sistema de valores e como capacidade de uma iniciativa alcançar os objetivos propostos sob condições não controladas(9) utilizando-se da avaliação da percepção dos cuidadores familiares sobre os temas trabalhados pela cartilha enquanto instrumento de educação, o que se justifica pela necessidade implícita de avaliar esse recurso tecnológico.

MÉTODO

Estudo descritivo, com análise de resultados de abordagem quantitativa e qualitativa como complementaridade, realizado com 89 cuidadores familiares responsáveis pelo cuidado de crianças de 0 a 59 meses de idade e usuários do Programa de Saúde da Família, na cidade de São Paulo, nos anos de 2005-2006.

O cenário selecionado para o Projeto desta pesquisa foi a partir da caracterização do processo de periferização do município de São Paulo, que representa a distribuição espacial de sua extensa população, estimada em 10.600.059 habitantes em 2005, em função da extensão do município (1.509 km²) e de: sua alta concentração populacional, suas polaridades de condições sociais, suas características demográficas, de crescimento populacional e distribuição de renda e de acesso a bens e serviços e qualidade de vida. Foram eleitas Unidades de Saúde com módulos de saúde da família em regiões periféricas onde o maior crescimento populacional, a maior proporção de crianças e adolescentes e as piores condições de vida, de renda e escolaridade são encontradas em maior freqüência.

O modelo de assistência das 27 Unidades de Saúde escolhidas tem como eixo orientador de suas práticas as diretrizes que norteiam o Programa de Saúde da Família, o Acesso Universal, a busca da Equidade e a Integralidade das Ações. Neste espaço de promoção à saúde, a proximidade da equipe de saúde com a população facilita o vínculo e a responsabilização de profissionais e da comunidade. As ações cotidianas dos trabalhadores como as atividades educativas em grupos e as visitas domiciliares colaboraram para a identificação das famílias entrevistadas.

Para a coleta de dados utilizou-se um formulário de entrevista semi-aberta com questões sobre constituição familiar; uso da cartilha dentro da família ou outras formas de sua utilização; aceitação por parte dos familiares de sua apresentação gráfica e percepção da família acerca dos conceitos que subjazem os temas apresentados. Este formulário foi aplicado na residência dos usuários por pesquisadores previamente treinados, mediante a técnica de entrevista. Foram realizados registros escritos no instrumento e gravação dos diálogos para complementação dos dados necessários. Os formulários possuíam 32 questões, sendo 11 com múltipla escolha e 21 de caráter aberto.

Os dados quantitativos obtidos das perguntas fechadas foram analisados através do registro da freqüência simples das informações e caracterizaram o perfil social e econômico das famílias e, em relação à cartilha, a sua compreensão e aprovação, por meio do software analítico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). A análise qualitativa (questões abertas), relacionadas à caracterização da importância dos cuidados, foi realizada a partir de categorias obtidas sobre o ato de cuidar(10), que considera os aspectos laboral e afetivo do ato de cuidar.

Os procedimentos ético-legais necessários foram observados para realização desta pesquisa, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura Municipal de São Paulo, sob número CAAE 0006.0.162.196-05, ressaltando-se que os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, em duas vias, estruturado em linguagem acessível, no momento da coleta de dados.

RESULTADOS

Em primeira análise constatou-se uma variação do número de respostas obtidas em relação ao total de questões realizadas aos familiares. Essa diferença ocorreu em função de variações metodológicas dos diferentes entrevistadores no momento da aplicação das entrevistas. Na apresentação dos resultados essas diferenças são apontadas.

Descrição das famílias do estudo

Composição Familiar - As famílias possuem em média 4,76 pessoas por família, sendo em sua maioria, estruturadas de forma nuclear ou ampliada, com a presença de pai, mãe e irmãos e também com a presença de avós, tios e sobrinhos. Do total das 89 famílias, 59 são moradores da região sul do município de São Paulo, dezesseis da região leste, dez da região norte e três do centro oeste.

Responsáveis pelo cuidado às crianças - Os familiares responsáveis entrevistados são, em sua maioria, mulheres e mães das crianças (97,6%, do universo de 84 entrevistas respondidas). A idade varia entre 17 e 43 anos, sendo a idade média dos cuidadores de 29 anos. O grau de alfabetização encontrado foi de 94,2%, sendo que a escolaridade média se concentra no ensino fundamental incompleto (54,7% do total de respostas).

Avaliação da Cartilha

Em relação ao acesso à cartilha foram distribuídas 70 cartilhas pelos ACS em visita domiciliar e 5 cartilhas em atividade de grupo. Do total de Unidades, quatro delas optaram pela discussão dos conteúdos com os cuidadores e a não entrega da cartilha. A média de tempo decorrido da sua entrega até o momento da entrevista foi de 16 meses.

Do total de 83 respostas obtidas, 60 familiares afirmaram que a mesma serviu como elemento fortalecedor da relação com os profissionais da Unidade, sendo o maior contato com os ACS (33) seguidos pelos Enfermeiros (11). Os temas discutidos tiveram sua importância pontuada proporcionalmente segundo Tabela 1. O assunto Proteger e Cuidar se destaca como o de maior importância no relato dos cuidadores.

O assunto Criança doente e prevenção de acidentes aparece com a menor proporção dentro da importância dos temas, sendo que na análise categorizada do discurso dos cuidadores, apresenta uma quantidade considerável de citações nas respostas, conforme apresentado no Quadro 1.


O assunto "Direito das crianças" é abordado de forma diversificada no relato dos cuidadores e foi categorizado como Lazer, Educação, Saúde, Alimentação, Direito de Amar e ser amado, e direito ao Registro civil, num total de 185 citações distribuídas pelas respostas segundo descrito no Quadro 2.


A categoria sem especificidade foi elaborada para frases onde os direitos não eram explícitos ou abordados de forma generalista, como: Tem todos os direitos; tem direito a tudo; todos os direitos; De tudo um pouco; Todos, sem exceção; Outros direitos.

É importante destacar da análise das respostas sobre o tema Outras Instituições, que a Unidade de Saúde é citada com maior freqüência (26 citações do total de 71) enquanto recurso de apoio às famílias, seguida pela instituição Família (18 citações), Vizinhos (8) e a Igreja com 7 citações. Destaca-se também a resposta de nunca ter procurado apoio em rede de ajuda (10 citações).

DISCUSSÃO

Da caracterização dos cuidadores entrevistados pode-se afirmar que a análise destaca uma amostra da clientela assistida pelo Programa de Saúde da Família do município de São Paulo, composta majoritariamente de mães das crianças, com concentração geográfica nas regiões mais periféricas da Regional Sul e distribuídas também pelas Regionais Leste, Centro Oeste e Norte, em menor proporção.

Mesmo com um bom índice de alfabetização (94,2%) entre as entrevistadas, a escolaridade média é no ensino fundamental incompleto (54,7%). Esta situação pode refletir a condição de hiato de gênero, historicamente determinado no Brasil, que caracteriza uma menor escolaridade entre o sexo feminino por dificuldades de acesso tanto econômico quanto culturais aos outros níveis de escolaridade como o ensino médio e o superior(11).

Da análise relativa ao acesso à cartilha e seus conteúdos conforme proposta inicial do Projeto Nossa Crianças: Janelas de Oportunidades observa-se que 78% das famílias entrevistadas tiveram acesso às informações da cartilha conforme proposto, através de entrega e discussão dos conteúdos pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em visita domiciliária, passando a ser o ACS desta forma o elemento de maior ligação com a Unidade de Saúde após a entrega e discussão do instrumento educativo. De 87 respostas obtidas na questão sobre a conservação da Cartilha, 74% dos familiares referem ainda possuir a cartilha e 67% deles afirmam que a cartilha serviu de oportunidade de estreitar relações com a equipe de saúde e de melhorar o interesse pelos assuntos trabalhados pela Cartilha.

Na apresentação estética da Cartilha, os entrevistados (282 citações) classificam-na como ótima e boa, e o interesse e a compreensão pelos temas da Cartilha são apontados em mais de 50% das respostas, o que demonstra uma aceitação positiva deste instrumento como proposta para ampliar discussões e favorecer o empowerment, a partir dos conteúdos trabalhados durante o processo educativo.

Temas como Proteger e Cuidar e os Direitos das Crianças são apontados como os mais importantes pelos cuidadores. Na análise qualitativa dos discursos o ato de proteger e cuidar aparece tanto como ações concretas quanto ações relacionadas à proteção afetiva da criança. Sobre a descrição dos direitos das crianças estes correspondem aos que foram apresentados e discutidos pela Cartilha, tendo como exemplo o direito ao registro civil e de se considerar a criança como cidadã.

O tema sobre os cuidados com a criança doente e a prevenção de acidentes foi o menos freqüente, numericamente, em importância do assunto (56% e 80,7%). Este resultado pode sugerir um conhecimento prévio, por parte dos cuidadores como justificado em algumas respostas obtidas durante a entrevista. Ao serem questionados sobre a aproximação com os profissionais proporcionada pela Cartilha disseram que não estreitaram as relações porque: conhece o conteúdo de cor; tem experiência; sempre cuidou bem dos filhos; sempre olhou em revistas; já sabia de tudo; esclarece dúvidas no convênio; sempre pergunta para a cunhada.

Em outra análise, este mesmo tema é destacado pelas mães entrevistadas, como um dos assuntos mais discutidos com os ACS e solicitado para que haja desdobramento de seu conteúdo em momentos oportunos (Primeiros socorros e outros problemas de saúde).

Percebe-se ainda, nas respostas relativas a este tema, três discursos a respeito do cuidado, um sobre atitudes de intervenção em problemas instalados (leva ao médico quando doente, medica com medicamentos e remédios caseiros), outro sobre ações de cuidados preventivos (leva ao médico regularmente, evita que adoeça) e, por fim, um discurso de caráter afetivo (cuida com mimo, fica preocupada).

O enfoque do cuidado simbolizando afeto e relação humana é destaque na cartilha através da história do Nó do afeto, a qual também foi citada como foco de interesse e de satisfação por parte dos familiares.

Os assuntos Aprendizado, Alimentação e Higiene obtiveram uma diversidade de respostas que apontam para um domínio dos cuidados necessários para o desenvolvimento saudável das crianças. As questões da higiene são relacionadas ao aprendizado e ao cuidado com os alimentos (Ensino sobre higiene; Alimentos lavados, Lavando e cuidando na preparação do alimento) e o cuidado compreendido como afeto é destacado nas respostas relativas aos três assuntos do tema (De vez em quando comer o que eles gostam; Não dar nada obrigado – alimento; Cuido muito bem – alimento, higiene e aprendizado; Não brigo e ensino com carinho).

Os outros temas também são apontados como relevantes e os discursos relativos a cada um deles demonstram uma preocupação e atuação dos familiares com os cuidados básicos para o desenvolvimento saudável das crianças.

CONCLUSÕES

Ao se analisar o conjunto de relatos dos cuidadores sobre a importância do cuidar e as ações por eles desenvolvidas no cotidiano, pode-se inferir que a proposta de construção do conhecimento e o empowerment da população é uma potencialidade, a ser considerada pelos profissionais de saúde na atenção à saúde da criança.

Mediante a oferta de um instrumento que aproxime profissionais, previamente capacitados, sobre o conhecimento em saúde (neste estudo, os temas da Cartilha) quanto para estabelecer relacionamento entre quem aprende e quem ensina, e que disponibilize informações essenciais e básicas que subsidiem as diversas formas de cuidar foi atingida de forma bastante positiva.

Os resultados apontam para a evidência de efetividade da iniciativa de intervenção da Cartilha: Toda Hora é Hora de Cuidar, percebida como um instrumento de Promoção à Saúde da Criança e que pode ser considerada um elemento facilitador do acesso ao serviço de saúde. Além deste aspecto, possibilita o estreitamento das relações entre família e profissionais de saúde, desencadeando o envolvimento e participação da população na reorganização dos serviços, uma das cinco estratégias apontadas pela Carta de Ottawa(12).

Na perspectiva de uma tecnologia leve, promotora de habilidades e potenciais da comunidade, família e indivíduos, os indícios de sua efetividade aparecem no relato dos familiares ao demonstrarem interesse e compreensão sobre os temas como direitos fundamentais, violência e a construção de relações saudáveis no entorno da família e da comunidade.

Direitos fundamentais dos seres humanos, a problemática da pobreza e da violência e a construção de relações saudáveis em torno de famílias e comunidades são pressupostos e diretrizes básicas de diversos documentos de instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) que orientam a promoção e a educação em saúde.

Questões de afetividade e cuidado protetor são bem valorizadas pelos cuidadores entrevistados, sendo que este cuidado ao ser transposto para todos os seres viventes, constitui – se em base da teoria da necessidade de cuidados e princípios éticos, com minorias étnicas, com mulheres e meninas, com crianças e com o meio ambiente, enquanto única forma de manutenção da vida planetária proposta pela Carta da Terra, documento em fase de aprovação na Organização das Nações Unidas (ONU) enquanto diretriz de direitos fundamentais da vida e do meio ambiente.

A integração da comunidade na perspectiva de reforço da ação comunitária e da construção da rede social aparece enquanto evidência nas respostas que valorizam a importância das organizações e recursos disponíveis, onde a rede de ajuda aparece na relação com outros familiares, com instituições não governamentais, projetos comunitários, instituições religiosas e na solidariedade com pessoas de menor disponibilidade de recursos, havendo ainda a necessidade de fortalecer a importância de outros recursos disponíveis e das políticas públicas sociais para a promoção da vida saudável.

Iniciativas de construção de um instrumento facilitador do processo de aprendizado que busque a promoção da saúde através do empowerment das comunidades assistidas, como as do Projeto Nossa Crianças: Janelas de Oportunidades devem ser incentivadas e incorporadas rotineiramente pelas equipes dos serviços de Atenção Básica. As Unidades do Programa de Saúde da Família, serviços de maior proximidade com a comunidade e representam a possibilidade de reorientação do modelo de assistência, devem ser considerados locais privilegiados para o desenvolvimento de novas práticas em Educação para a Promoção da Saúde e da Cidadania.

Recebido: 27/03/2007

Aprovado: 18/09/2007

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  • Correspondência:
    Mônica Lilia Vigna Silva Grippo
    Rua Willian Booth, 410 - Jardim Paulicéia
    CEP 13060-074 - Campinas, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Set 2007
    • Recebido
      27 Mar 2007
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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