Resumos
Objectivo Analisar os Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) da área da saúde à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e das políticas indutoras de formação em saúde do Brasil.
Método Pesquisa descritiva exploratória de abordagem qualitativa, na qual foram realizadas análises dos PPC dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Medicina, Nutrição e Odontologia de uma instituição federal de ensino superior da região Centro-Oeste do Brasil. Como técnica de análises das fontes documentais, adotou-se a análise de conteúdo, na modalidade temática.
Resultados As análises dos PPC evidenciaram os aspectos gerais dos PPC como as características do curso, o percursso histórico e sua construção, habilidades e competências profissionais requeridas para o desempenho profissional e os princípios norteadores da formação caracterizados pela técnica, prática profissional, articulação teoria/prática, interdisciplinaridade e formação ética/social.
Conclusão Os PPC apresentaram-se condizentes com as propostas previstas nas DCN e com as políticas indutoras de formação em saúde do Brasil, proporcionando a formação adequada para os profissionais de saúde, as demandas da população e do Sistema Único de Saúde.
Profissional de saúde; Educação superior; Currículo
Objective To analyze Pedagogical Projects Courses (PPCs) from the healthcare field in light of the National Curriculum Standards (NCS) policies on healthcare training.
Method Exploratory descriptive study of qualitative approach, in which were carried out analyzes of PPPs of Nursing, Pharmacy, Medicine, Nutrition and Dentistry of a federal university in the Midwest region of Brazil. As technical analysis of documentary sources, adopted the content analysis in the thematic mode.
Results The analysis of PPC showed the general aspects of PPC as the course features the historical percursso and construction, professional skills and competences required for professional performance and the guiding principles of formation characterized by technical, professional practice, articulation theory/ practice, interdisciplinarity and ethical / social training.
Conclusions PPC presented is consistent with the proposals set out in DCN and carry training policies in health in Brazil, providing adequate training for health professionals, the demands of the population and the National Health System.
Health professional; Higher education; Curriculum
Objectivo Analizar Proyectos Pedagógicos de Curso (PPC) de la salud a la luz de las Directrices Curriculares Nacionales (DCN) y la inducción de la formación de las políticas de salud en Brasil.
Método Estudio descriptivo exploratorio de abordaje cualitativo, en el cual se llevaron a cabo análisis de las PPC de Enfermería, Farmacia, Medicina, Nutrición y Odontología de la Universidad Federal de la región del Medio Oeste de Brasil. Como el análisis técnico de las fuentes documentales, adoptado el análisis de contenido en la modalidad temática.
Resultados El análisis de PPC mostraron los aspectos generales de la PPC como el curso cuenta con el percursso histórico y la construcción, las habilidades y las competencias profesionales requeridas para el desempeño profesional y los principios rectores de la formación se caracteriza por técnica, práctica profesional, la teoría de la articulación / práctica, la interdisciplinariedad y la formación ética / social.
Conclusión PPC presentada es consistente con las propuestas que figuran en el DCN y llevar a las políticas de formación en materia de salud en Brasil, proporcionando una formación adecuada para los profesionales de la salud, las demandas de la población y el Sistema Único de Salud.
Profesional de salud; Educación superior; Currículo
Introdução
A palavra currículo vem do latim curriculum, que significa percurso, caminho. Representa uma construção social, política e histórica da instituição que, em um dado momento, inseriu um conjunto de saberes, práticas e experiências julgadas importantes e ligadas à realidade e ao enfrentamento dos problemas da sociedade, de forma a integrar o processo formativo desenvolvido(1, 2).
O currículo, no entanto, deve ir além de um conjunto de conteúdos a serem seguidos. São todas as experiências e vivências realizadas e adquiridas pelos discentes durante o curso, conforme os objetivos planejados pela instituição. A partir dos objetivos institucionais do processo de formação, o currículo pode também ser conotado em duas dimensões de inserção social: o que ensinar e para que e para quem ensinar(3).
Os currículos surgem no Brasil, com a proposta cartesiana de individualidade do conhecimento e fragmentação dos conteúdos. O currículo disciplinar ainda é prevalente no ensino superior, baseado em conteúdos e não em objetivos de forma a estruturar a formação de maneira lógica e linear, interferindo na formação dos futuros profissionais de saúde. Demonstra desvinculação da realidade e não associação dos conteúdos para compreender a totalidade do indivíduo(1, 2).
Para compreender os currículos é preciso entender a forma como foram concebidos as matérias, os métodos e o curso de estudo que nortearão os estudantes. De fato, não há possibilidade de estudar currículo sem considerar sua história, pois, ela torna possível que se compreendam as relações entre escola e sociedade, a administração e organização de estruturas, sistemas educacionais e a forma como o conhecimento tornou-se válido e passível de reprodução(2, 4).
A formação profissional em saúde no Brasil tem sido historicamente marcada pela fragmentação do conhecimento, a visão hospitalocêntrica/biologicista, a utilização de modelos tradicionais de ensino que priorizam a superespecialização e a sofisticação dos procedimentos, ignorando estratégias pedagógicas fundamentadas no ensino problematizado e/ou na construção do saber coletivo(6, 6).
Desde a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos da área da saúde, entre 2001 e 2004, esforços tem sido envidados para mudar o perfil profissional, considerando-se que “os currículos propostos devem construir o/um perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referências nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira”(7).
Os processos que instituem as reformas educacionais geralmente ocorrem por meio da intervenção do Estado que, quando necessário, programa um conjunto de ações que alteram a estrutura e o funcionamento das instituições. A dificuldade de sua efetivação está nos modos de organização do trabalho pedagógico e na articulação existente entre o trabalho escolar com o contexto sociocultural e político(8).
Desde o ano de 2003, os Ministérios da Saúde e da Educação, tem lançado políticas indutoras da reorientação da formação em saúde, como o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde para os Cursos de Medicina – Promed(5) e para todos os cursos da área da saúde, o Programa Nacional de Reorientação da Formação em Saúde – Pró-Saúde,(9). Também foi lançado o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde(10). Esses programas apresentam ações complementares às DCN, visando formar estudantes e/ou profissionais de saúde dentro da parceria e da integração entre ensino-serviço-comunidade, associando-os às pesquisas voltadas às necessidades da atenção básica(9, 10).
Com o intuito de fomentar o ensino em saúde de qualidade deve-se fazer uso da interdisciplinaridade, da contextualização e da autonomia, para que os discentes consigam desenvolver habilidades e competências gerais e específicas à formação em saúde e, assim, percorrer um saber que se faz presente na estrutura econômica, política e cultural, permeado pela universidade e pelos docentes(4).
Assim, a construção dos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) reveste-se de grande significado, pois é através deles que se projeta a construção social e histórica da instituição de ensino acoplada ao conjunto de saberes, práticas, objetivos, processos metodológicos e avaliativos, entre outros, necessários à formação dos profissionais de saúde(2, 3).
Os PPC dos cursos da área da saúde devem responder às premissas das DCN e das políticas indutoras da formação em saúde, ambas norteadoras da formação profissional para uma atuação que priorize o cuidado integral, humanizado, multiprofissional e que atenda as necessidades da população e do SUS, fugindo da visão curativista e prescritiva pré-estabelecida(11).
Com base nesses pressupostos, esta pesquisa buscou analisar os projetos pedagógicos de cursos da área da saúde à luz das DCN e das políticas indutoras de reorientação da formação em saúde.
Método
Foi realizada uma pesquisa descritiva exploratória, de cunho qualitativo(12), no qual foram analisados os PPC de cursos da área da saúde de uma instituição federal de ensino superior da região Centro-Oeste do Brasil.
Optou-se pelo estudo de fontes documentais, pelo fato de que representam parte da historicidade dos processos de mudança e a caracterização detalhada do fenômeno estudado, oportunizando maior conhecimento da realidade vivenciada(12, 13). Também oportunizam o conhecimento objetivo da realidade; investigam os processos de mudança social e cultural, detectam mudanças na população estudada, em sua estrutura, atitude e valores sociais; permitem a obtenção de dados com menor custo financeiro, de materiais e recursos humanos e; favorecem a obtenção de determinados dados sem constranger os sujeitos(13).
O uso desta abordagem de pesquisa também se faz importante em casos em que as informações encontradas sobre o fenômeno ainda não encontram-se bem exploradas na literatura e, apenas as fontes documentais, que não sofreram qualquer tratamento analítico, conseguem exemplificar e/ou auxiliar na compreensão do objeto de estudo(12).
Os documentos utilizados foram os PPC vigentes dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Medicina, Nutrição e Odontologia, disponibilizados pelas faculdades participantes.
Para a categorização dos dados presentes nos PPC, utilizou-se a análise temática, uma das modalidades técnicas de análise de conteúdo. Inicialmente realizou-se várias leituras de todas as fontes documentais, no intuito de se obter uma compreensão global. Em seguida, iniciou-se o processo de codificação que partiu das leituras recorrentes das fontes analisadas para que a posteriori fossem identificados os núcleos de significados e/ou eixos que estruturam os documentos, em torno dos quais se agrupam características comuns. Após essa etapa, foram identificadas as categorias em torno das quais os dados foram analisados e discutidos(12, 13). Para a análise das categorias encontradas foram utilizados os referenciais norteadores da formação do profissional de saúde: as DCN e as políticas indutoras de formação vigentes.
A pesquisa obteve aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa parecer nº 571.173/2014 e seguiu as recomendações para a pesquisa com seres humanos, com utilização de Termo de Consentimento Livre e esclarecido e Termo de Anuência.
Resultados e Discussão
Após realizar a leitura dos PPC e a análise temática nos currículos estudados, emergiram três categorias de análise que sintetizaram os dados encontrados nos PPC: 1) aspectos gerais dos PPC: criação do curso, reformulação curricular, carga horária, estrutura curricular, construção do PPC, metodologia e processo avaliativo, perfil dos egressos e objetivos do curso, 2) habilidades e competências necessárias à formação profissional e 3) princípios norteadores da formação: prática profissional, formação técnica, articulação entre a teoria e prática, interdisciplinaridade e formação ética e social.
Aspectos gerais dos PPC
Os cursos estudados foram criados entre 1945 e 1975: Farmácia e Odontologia no ano de 1945, Medicina em 1960 e, Nutrição e Enfermagem em 1975, todos na modalidade bacharelado, sendo que o curso de Enfermagem dispõe também de licenciatura.
Quanto à data da última reformulação curricular, o curso de Farmácia apresentou a reformulação curricular mais antiga, em 2003, em 2009 os PPC de Enfermagem e Odontologia foram reestruturados, o de Nutrição em 2013 e o curso de Medicina teve seu PPC reformulado em 2014.
Conhecer o processo histórico dos cursos estudados fez-se importante, pois, oportunizou a compreesão da forma como foram concebidas as matérias, o conhecimento, a sistematização do curso, como o curso estava perante o processo de reforma curricular e os seus porquês e, assim poder compreender a formação atual em saúde(3).
Entre os anos de 2001 e 2004 foram lançadas as DCN para todos os cursos de graduação da área da saúde(6), e o curso de medicina teve uma atualização das suas DCN em 2014(14). Todos os cursos buscaram construir seus PPC com base nas DCN, considerando todos os princípios, objetivos e pressupostos presentes nesse documento(6) e, além disso, o curso de Nutrição dispôs também o Pró-Saúde como norteador da formação. Apesar da homologação das novas DCN para o curso de medicina em 2014(9), observou-se que o PPC ainda contemplava os aspectos gerais da DCN de 2001(7), pois, a aprovação da última reforma curricular do curso de Medicina ocorreu quase que simultânea a publicação das últimas DCN.
É notória a influência das políticas indutoras de reorientação da formação em saúde no processo de reestruturação curricular, sob uma perspectiva humanizada, frente as demandas da sociedade e dispondo o SUS como espaço de aprendizagem. As IES devem mover esforços para que as mudanças não sejam apenas epistemológicas, mas que haja mudanças nos paradigmas, nas ações, na prática do currículo, para que possa ser efetiva e formar profissionais compromissados e ancorados no SUS(15).
Os cursos de Enfermagem, Farmácia, Nutrição e Odontologia possuiam estrutura curricular em disciplinas, com duração mínima de 10 semestres, todos com carga horária superior a 4.350 horas. O curso de medicina apresentou estrutura curricular em módulos, carga horária de 9144 horas e duração mínima de 12 semestres, carga horária justificada pelo número de atividades práticas necessárias à formação do médico. Todos os cursos atendiam a Resolução nº 2 de 18 de junho de 2007 do Conselho Nacional de Educação e Câmara de Educação Superior (CNE/CES) que dispõe sobre a carga horária mínima e os procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos graduação, bacharelados, na modalidade presencial(16).
Conforme regulamento estabelecido pela instituição de ensino, os conteúdos curriculares devem ser distribuídos em disciplinas e/ou módulos nas modalidades: núcleo comum (conteúdos comuns à formação em saúde), núcleo específico (conteúdos específicos de cada curso) e núcleo livre (conteúdos de livre escolha do estudante, que objetivam ampliar a formação) além das atividades complementares, como atividades de pesquisas, cursos e outros(17).
As DCN surgiram com o intuito de dar mais autonomia para os cursos de graduação , para que esses determinassem os conteúdos, metodologias e processo avaliativos de acordo com a realidade das Instituições de ensino. Percebe-se que ao adotar a organização das disciplinas e/ou módulos em núcleo comum, específico, livre e atividades complementares, os cursos respaldaram-se em atender a formação exigida, mas também ampliar a horizontalidade do conhecimento, por meio do poder de escolha do alunado em selecionar o núcleo livre e/ou atividades complementares que eles considerarem importantes para sua formação(7).
Os currículos estudados apresentaram-se organizados em níveis diferentes de complexidade, com disciplinas obrigatórias, optativas e atividades complementares, de modo a proporcionar integração e estímulo à ação e reflexão teórica nos discentes(11).
Nas DCN e nas políticas indutoras da reorientação da formação em saúde, os estágios supervisionados e as atividades complementares servem para enriquecer a formação dos futuros profissionais, por meio de vivências práticas e da realização de atividades diversas fora da sala de aula(7, 9, 10). Objetivam proporcionar aos estudantes a iniciação no campo profissional, colocando-os em confronto não apenas com o saber-fazer, mas com a articulação teoria e prática, e o desenvolvimento dialógico a para práxis construída à luz de uma postura crítica-reflexiva(17). Nos cursos estudados, tanto os estágios supervisionados como as atividades complementares estavam associados com a diversificação dos campos de atuação, evidenciados nos PPC.
As vivências e experiências que os discentes apresentam ao longo da sua formação tem impacto sobre sua visão de realidade prática, de mercado, de se relacionar com as pessoas, de trabalhar em equipe, de vivenciar a profissão e de aplicação do conhecimento adquirido(2, 15).
Os documentos analisados apontaram para o uso de metodologias ativas e o acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem e do próprio curso, com ênfase na avaliação contínua do discente, com a priorização da avaliação somativa, conforme estabelecem as DCN(7) e os programas de reorientação da formação(9, 10).
O uso de metodologias ativas de ensino, quando bem delimitada sua finalidade, estimula o protagonismo estudantil e parecem ser uma das medidas para desenvolver a autonomia do estudante e formar um profissional criativo, crítico e independente, voltado para a problematização de questões de saúde contemporâneas, e quando bem adotadas são instrumentos importantes da mudança da prática pedagógica dentro das IES(18, 19).
A adoção dos métodos de ensino aprendizagem inovadores estimulam a integração entre os cursos e as áreas. No entanto, há estudos(19, 20) que demostraram a existência de uma dificuldade latente no desenvolvimento dessas metodologias, pois, os docentes apresentam formação insuficiente e/ou resistência a esse tipo de ensino, deixando seu uso a mercê de disciplinas isoladas, o que pode levar a maior fragmentação do conteúdo e de áreas do conhecimento.
Assim, faz-se necessário professores capacitados e conhecedores das estratégias/métodos de ensino disponíveis, que consigam proporcionar o desenvolvimento reflexivo e crítico do discente, sensibilizando-os para a importância do cuidado do paciente no processo de trabalho do futuro profissional(2, 18, 20).
A avaliação dos cursos também é importante, pois permite verificar se os objetivos dispostos no currículo estão, de fato, sendo cumpridos e atendendo às demandas da formação. Já o processo de avaliação da aprendizagem discente, principalmente no âmbito formativo, caracteriza-se por um processo contínuo e não se restringe apenas aos resultados finais. Deve, proporcionar também, ao mesmo tempo em que avalia, a maturidade intelectual e o melhor desempenho do estudante(11), assim como disposto nos documentos analisados.
O perfil do egresso/profissional e os objetivos dos cursos apresentaram-se condizentes com os princípios das DCN e das políticas indutoras de formação(7, 9, 10). Nota-se que os cursos e a instituição de ensino pretendem formar profissionais de saúde capacitados não apenas no conhecimento técnico-científico, mas que estejam habilitados a compreender o indivíduo e/ou paciente em sua complexidade.
Contráriamente aos PPC estudados nesta pesquisa, estudo aponta que os perfis profissionais dos egressos da área da saúde revelam pouco comprometimento com o SUS, com déficit do multiprofissionalismo, da formação humanística, entre outros, que podem proporcionar um profissional despreparado no cuidado do indivíduo(21).
O estudo acima considera que o ensino superior em saúde no Brasil, ainda apresenta várias dificuldades a serem superadas como o pouco conhecimento e compromisso com SUS, a falta de compreensão sobre o trabalho em equipe multiprofissional, a deficiência na integração de conhecimentos interdisciplinares, a pouca maturidade para o exercício da profissão, a resistência a mudanças, entre outras dificuldades que perpetuam o status quo preexistente do cuidado do sistema de saúde vigente(21).
Outra característica encontrada nos PPC foi a relevância dada à comunidade acadêmica no processo de construção do currículo; apenas o curso de Enfermagem não explicitou a abordagem dos participantes na construção do PPC. Os discentes, docentes e técnicos administrativos devem ser sensibilizados quanto ao seu papel como sujeitos de mudança, para que possam contribuir na elaboração dos currículos e, a partir das dificuldades, desafios e avanços de cada curso, possam construir propostas que promovam um profissional de saúde com maior resolutividade para o SUS(20, 22, 23).
Habilidades e competências
No Brasil, as DCN estabelecem as habilidades e competências necessárias à formação dos profissionais de saúde(6). A utilização do currículo baseado em competências adquiriu espaço na comunidade acadêmica nacional e internacional para que os estudantes possam adquirir habilidades e competências, além do conhecimento técnico-científico(11, 24).
As DCN priorizam habilidades e competências gerais aos profissionais de saúde: 1) atenção à saúde, que busca desenvolver nos estudantes ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação à saúde; 2) tomada de decisões, fundamentando-os a avaliar, sistematizar e decidir condutas adequadas baseadas em evidências científicas; 3) comunicação, cujo objetivo é desenvolver um diálogo acessível à clientela atendida e que permita, além de habilidades na leitura e escrita, o domínio de pelo menos uma língua estrangeira; 4) liderança, que visa habilitar o discente a trabalhar em equipes multiprofissionais e tomar decisões pelo grupo, caso necessárias; 5) administração e gerenciamento, para realizar gerenciamento e administração do processo de trabalho e 6) educação permanente, os profissionais de saúde devem aprender continuamente o conhecimento teórico e prático de formação, sendo importante que se responsabilize com a educação de futuros profissionais, por meio de postura acadêmico/profissional(7).
Verificou-se que as DCN foram utilizadas para a construção de todos os PPC analisados, pois estão presentes todas as habilidades e competências gerais e específicas à formação profissional em cada curso estudado, o que pode significar um papel indutor do processo de transformação do ensino. Pesquisa que analisou 10 PPC de cursos de Enfermagem, observou a presença de todas as competências e habilidades esperadas, de maneira integral e/ou sintetizada nos currículos(11).
Estudo realizado com enfermeiros de um núcleo de educação permanente, encontrou que as habilidades e competências mais difíceis de serem alcançadas pelos egressos são a liderança, a administração e gerenciamento, e educação permanente. Elas estão relacionadas, principalmente, pelo fato do profissional de saúde poder ser líder de sua equipe e compreender a importância de se envolver e se responsabilizar com sua própria educação(25).
Assim, as instituições de ensino devem executar na prática o desenvolvimento de todas as habilidades e competências requeridas pelas DCN(7). A legitimação da formação em saúde pautada em habilidades e competências é utilizada por currículos que considerem a dinâmica construcionista/dialógica, na qual, esforços devem ser envidados pelos professores a levarem os discentes a aprender a fazer, apreender o cuidar e compreender que o aprendizado é construído dia-após-dia no cotiano do trabalho em saúde e baseado em uma aprendizagem centrada no estudante(20).
Princípios norteadores da formação em saúde
Os PPC estudados abordaram como eixos norteadores da formação do profissional em saúde a prática profissional, a formação técnica, a articulação entre a teoria e prática, a interdisciplinaridade e a formação ética e social. Todos estes aspectos estão evidenciados dentro das DCN e das políticas indutoras de formação em saúde, considerados importantes norteadores da formação para as instituições de ensino superior(7, 9, 10).
Os PPC previam que a prática profissional ocorresse por meio da inserção do discente em atividades práticas desde o início do curso, para oportunizar a aproximação do campo real de atuação e, paulatinamente, seja inserido em atividades com níveis crescentes de complexidade, adquirindo graus de autonomia(7, 20).
A prática profissional mostra-se como oportunidade incontestável ao processo de formação do profissional de saúde. A iniciativa de práticas de ensino dentro dos serviços de saúde surge com a proposta de rede-escola SUS, sendo possível, por meio de incentivos governamentais como as DCN(7) e as políticas indutoras de formação(9, 10). Sabe-se que ainda há um descompasso entre o real e o que se encontra na legislação e nos documentos, porém, nota-se a valorização da prática profissional que vem sendo, a cada dia, considerada imprescindível para o aperfeiçoamento do estudante(26).
A reforma curricular em saúde deve pautadas nas premissas das DCN e, somente se efetivarão mediante a valorização e o entendimento da atenção básica (AB) como fundamental para formação em saúde no Brasil, responsável por suprir mais de 80% dos problemas de saúde da população, o que legitima a importância de sua prática no no processo formativo(4).
Observou-se nos PPC estudados que a formação técnica ocorre através de conteúdos curriculares repassados ao aludado por meio de práticas e metodologias inovadoras de ensino, utilizando os recursos tecnológicos disponíveis.
A inserção dos discentes nos cenários de prática e com ações interdisciplinares, durante todo o processo de formação, promove a articulação entre a teoria e prática que, por sua vez, possibilita a formação de sujeitos autônomos, capazes de articular os saberes, que poderão ingressar no mercado de trabalho melhor preparados do ponto de vista intelectual, profissional e político(7, 9, 10, 26).
Estudo realizado sobre a formação em medicina para a Estratégia de Saúde da Família (ESF), demostrou que, a partir dos relatos de residentes formados há mais de dois anos, existem dificuldades no trabalho para a ESF, por não conseguirem trabalhar em equipe, realizar atividades de prevenção, associar os conhecimentos adquiridos ao longo da formação e/ou não tiveram disciplinas ou atividades para a atenção básica. Já os residentes formados com a concepção atual de currículo (pautados nas políticas indutoras de formação e DCN) acreditaram que sua formação atendia a atenção primária em saúde devido estar inserida no currículo, sob diferentes disciplinas. Estes dados exemplificam a importância das DCN e destas políticas no processo de do construção currículo e, que estes devem atender as necessidades do serviço de saúde e a população assistida para um atendimento efetivo(27).
Os PPC estudados apresentaram propostas de integração entre teoria e prática, e de interdisciplinaridade, por meio da diversificação dos cenários de aprendizagem, métodos de ensino e aproximação dos profissionais de diferentes áreas do conhecimento.
É importante assinalar que, apesar das propostas curriculares serem baseadas em políticas indutoras da formação em saúde e propor a integração dos cursos/conhecimento, os currículos apresentam nos documentos a disposição de realização de propostas inclusivas e compartilhadas, porém, em alguns casos podem se apresentar longe da realidade, com a prática do currículo fechado, especializado e alienado, o que dificulta a interação entre os profissionais e o trabalho em equipe(21).
Apesar dos aspectos relativos à formação técnica, articulação entre teoria e prática e a interdisciplinaridade estarem expressos de modo articulado no PPC, sabe-se que são os maiores desafios da formação em saúde, condizentes com as DCN(7) e as políticas indutoras de formação(9, 10). As dificuldades de articulação entre os saberes, a fragmentação do conhecimento, das ciências básicas com as profissionais , podem inviabilizar que o currículo de fato ocorra como está no papel(28, 29).
Os PPC dispunham sobre a importância da formação ética e social para atuação profissional de qualidade. Destaca-se o curso de Odontologia, que considerou igual à importância dada a formação ética, social, profissional e/ou técnica. Estudo realizado com diferentes profissionais de saúde obteve a concordância de todos os profissionais quanto à relevância da formação ética para a atuação na atenção básica (30). Contrariamente, os achados encontrados em outro estudo(23), consideram que, apesar dos PPC discorrerem sobre a importância das questões éticas e social na formação em saúde, ainda apresentam-se aquém do desejado, com a desvalorização de disciplinas que exploram ao longo do curso a formação ética e social.
Assim, faz-se também importante a boa interação ensino-serviço, pois, apenas competência técnica não garante a especificidade necessária para questões de cunho social e de abordagem integral do sujeito. É o serviço de saúde que de fato dispõe ao estudante oportunidades de efetivar sua teoria por meio da prática e com ênfase na formação para o SUS(15, 29).
Os PPC devem fomentar práticas que abranjam, além do conhecimento técnico, competências e habilidades que sejam adquiridas durante o processo de formação, por meio de práticas inovadoras de ensino e que os futuros profissionais de saúde estejam a favor de uma linha de cuidado generalista, reflexiva, ética e humanista(24, 26).
A formação tecnicista que tem influenciado a maioria dos cursos, dá margem a um profissional de saúde detentor do saber técnico-científico, que não considera as individualidades e particularidades do sujeito, devendo ser incentivado que o currículo praticado ocorra de maneira transversal, para uma formação efetiva para o SUS(21).
Para superar os desafios e impasses que existem na formação em saúde no Brasil, fazem-se necessários projetos pedagógicos que ilustrem o perfil ideal e/ou mais adequado do profissional, e que o currículo esteja orientado aos princípios do SUS e que este ocorra de maneira semelhante no currículo formal(20).
Conclusão
Conclui-se que os PPC dos cursos da área da saúde analisados neste estudo atendem as premissas gerais das DCN e das políticas indutoras de formação em saúde, por meio de propostas inovadoras de ensino, com vistas a formar um profissional de saúde com saber generalista, crítico, reflexivo, a atuar em equipe, com inserção discente em diferentes campos de atuação desde o início da graduação, em níveis crescentes de complexidade, visando o desenvolvimento das competências e habilidades requeridas para um profissional de saúde que responda as demandas da população e do sistema de saúde vigente.
A formação do profissional de saúde é norteada pelos Projetos Pedagógicos dos Cursos, porém é imprescindível que o que foi planejado, ocorra de fato, para que os objetivos possam ser atingidos. Os currículos, além de estarem alinhados as propostas norteadoras do ensino em saúde, devem também atender aos anseios da comunidade acadêmica, pois, são eles que (re) constroem a formação em saúde no Brasil.
Apesar de nesta pesquisa, ter-se trabalhado com os PPC como fonte de informações, acredita-se que a análise não deve se limitar aos documentos, mas estender-se ás percepções da comunidade acadêmica em geral e dos profissionais dos serviços de saúde, para que se possa obter uma visão sistêmica da formação em saúde.
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Agradecimentos
Esta pesquisa foi subdiada pela conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico – cnpq e apoio da coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior - capes, entidade do governo brasileiro voltada para a formação de recursos humano. Agradecemos à Instituição de Ensino estudada e as coordenações de curso por disponibilizarem os PPC utilizados nesta pesquisa.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jun 2016
Histórico
-
Recebido
26 Mar 2015 -
Aceito
14 Nov 2015