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Aspectos relacionados ao letramento em saúde, autocuidado e adesão ao tratamento de pessoas vivendo com HIV* * Extraído da dissertação “Alfabetização em saúde de pessoas vivando com o vírus da imunodeficiência humana”, Universidade de Pernambuco/Universidade Estadual de Paraíba, 2019.

RESUMO

Objetivo:

verificar a relação entre letramento em saúde, adesão à terapia antirretroviral e autocuidado de pessoas vivendo com HIV.

Método:

trata-se de estudo transversal, desenvolvido entre janeiro e julho de 2019, por meio de escalas validadas sobre letramento em saúde (SAHLPA), adesão (CEAT-HIV) e autocuidado (EACAC).

Resultados:

participaram do estudo 303 pessoas cadastradas em três serviços de atendimento ambulatorial-HIV, apresentando grau satisfatório de letramento (52,5%), ótimo nível de autocuidado (62,9%) e adesão estrita à terapia antirretroviral (57,1%). Os não letrados apresentaram adesão medicamentosa insuficiente, quando comparados com os letrados (RP = 1,17). A adesão estrita foi significativa para o autocuidado (p-valor < 0,001). Uma maior relação de risco para o não letramento esteve associada ao sexo feminino, pessoas com ensino fundamental, que recebem benefícios, com renda de até um salário mínimo, não ter hábito de buscar informações em saúde e maior tempo de uso da TARV.

Conclusão

identificou-se relação entre o letramento e a adesão insuficiente. O risco para adesão medicamentosa insuficiente aumenta à medida que o autocuidado diminui. Medidas sociais redutoras de iniquidades podem contribuir para melhoria da assistência a pessoas que vivem com HIV.

DESCRITORES
Letramento em Saúde; Adesão à medicação; Autocuidado; Enfermagem; HIV

ABSTRACT

Objective:

to verify the relationship between health literacy, compliance with antiretroviral therapy and self-care of people living with HIV.

Method:

this is a cross-sectional study, developed between January and July 2019, using validated scales on health literacy (SAHLPA), compliance (CEAT-HIV) and self-care (EACAC).

Results:

a total of 303 people enrolled in three HIV outpatient care services participated in the study, with a satisfactory level of literacy (52.5%), excellent level of self-care (62.9%) and strict compliance with antiretroviral therapy (57.1%). The illiterate had insufficient medication compliance, when compared with the literate (PR = 1.17). Strict compliance was significant for self-care (p-value < 0.001). A higher risk ratio for illiteracy was associated with females, people with elementary education, who receive benefits, with an income of up to one minimum wage, not having the habit of seeking health information and longer use of ART.

Conclusion:

a relationship was identified between literacy and insufficient compliance. The risk for insufficient medication compliance increases as self-care declines. Social measures that reduce inequities can contribute to improving care for people living with HIV.

DESCRIPTORS
Health Literacy; Medication Adherence; Self Care; Nursing; HIV

RESUMEN

Objetivo:

verificar la relación entre la alfabetización en salud, la adherencia a la terapia antirretroviral y el autocuidado de personas que viven con VIH.

Método:

se trata de un estudio transversal, realizado entre enero y julio de 2019, utilizando escalas validadas de alfabetización en salud (SAHLPA), adherencia (CEAT-HIV) y autocuidado (EACAC).

Resultados:

Participaron del estudio 303 personas inscritas en tres servicios de atención ambulatoria de VIH, con nivel de alfabetización satisfactorio (52,5%), nivel de autocuidado excelente (62,9%) y adherencia estricta a la terapia antirretroviral (57,1%). Los analfabetos tenían adherencia insuficiente a la medicación, en comparación con los alfabetizados (RP = 1,17). La adherencia estricta fue significativa para el autocuidado (valor p < 0,001). Una mayor razón de riesgo para el analfabetismo se asoció con el sexo femenino, personas con educación básica, que perciben beneficios, con ingresos de hasta un salario mínimo, que no tienen el hábito de buscar información de salud y mayor uso de la TARV.

Conclusión:

se identificó una relación entre la alfabetización y la adherencia insuficiente. El riesgo de mala adherencia a la medicación aumenta a medida que disminuye el autocuidado. Las medidas sociales que reducen las desigualdades pueden contribuir a mejorar la atención de las personas que viven con el VIH.

DESCRIPTORES
Alfabetización en Salud; Cumplimiento de la Medicacíon; Autocuidado; Enfermería;; VIH

INTRODUÇÃO

Apesar da disponibilidade de medidas de prevenção eficazes e tratamentos gratuitos, a meta de controle da infecção pelo HIV como problema de saúde pública ainda é considerada um desafio global. No Brasil, embora tenha ocorrido desde o ano de 2012 um decréscimo na taxa de detecção, passando de 22,0/100 mil habitantes para 14,1/100 mil em 2020, configurando uma diminuição de 35,7%, somado ao decréscimo de 29,9% no coeficiente de mortalidade, padronizado no ano de 2020, 32.701, novos casos da infecção foram notificados. Dos novos casos de infecção, 25% se concentram na região Nordeste(11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico de HIV/AIDS 2021 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2022 jan. 25]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2021/boletim-epidemiologico-especial-hiv-aids-2021.pdf/view
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) .

Os medicamentos disponibilizados para o tratamento do HIV sofreram modificações ao longo do tempo, possibilitando um prolongamento da vida com qualidade. A patologia deixou de ser uma condição incompatível com a vida e passou a ser considerada uma doença crônica. No entanto, para que o tratamento alcance a finalidade a que se propõe, a pessoa que vive com HIV (PVHIV) necessita compreender os conceitos relacionados a viver com a infecção, aderir de modo estrito à terapêutica prescrita e desenvolver autocuidado que proporcione vinculação na cascata do cuidado contínuo(22. Nutbeam D, Lloyd JE. Understanding and responding to health literacy as a social determinant of health. Annu Rev Public Health. 2021;42(1):159-73. doi: http://dx.doi.org/10.1146/annurev-publhealth-090419-102529. PubMed PMID: 33035427.
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) .

Tendo em vista a importância da inserção da PVHIV no centro do cuidado, organizações mundiais destacam o construto letramento como primordial para a saúde pública, uma vez que está relacionado com a capacidade que as pessoas têm de acessar, processar e fazer uso de informações em saúde. O seu adequado desenvolvimento transcende condições individuais, resultando de uma interação entre serviços de saúde, profissionais desses ambientes e os usuários. É considerado ainda um importante redutor de iniquidades, visto que acessar informações e serviços de saúde é um direito de todos, garantido por lei, mas nem sempre alcançado. Conhecer os impactos do letramento em saúde (LS) nessa população é essencial para propor intervenções eficazes(33. Svendsen MT, Bak CK, Sørensen K, Pelikan J, Riddersholm SJ, Skals RK, et al. Associations of health literacy with socioeconomic position, health risk behavior, and health status: a large national population-based survey among Danish adults. BMC Public Health. 2020;20(1):565. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12889-020-08498-8. PubMed PMID: 32345275.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
,44. Santos VF, Pedrosa SC, Aquino OS, Lima ICV, Cunha GH, Galvão MTG. Social support of people with HIV/AIDS: the Social Determinants of Health Model. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 1):625-30. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0346
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) .

Estudos de revisão sistemática enfatizam a importância do desenvolvimento de pesquisas que elucidem as relações entre LS e os resultados em saúde relacionados a viver com HIV, como a remissão da carga viral e menos consultas perdidas(55. Mgbako O, Conard R, Mellins CA, Dacus JD, Remien RH. A systematic review of factors critical for hiv health literacy, ART adherence and retention in care in the U.S. for racial and ethnic minorities. AIDS Behav. 2022. Epub 2022 Apr 21. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10461-022-03680-y. PubMed PMID: 35445996.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
) . Intervenções em saúde com PVHIV que utilizam como suporte teórico o LS demostraram melhoria na adesão ao tratamento(66. Reynolds R, Smoller S, Allen A, Nicholas PK. Health literacy and health outcomes in persons living with HIV disease: a systematic review. AIDS Behav. 2019;23(11):3024-43. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10461-019-02432-9. PubMed PMID: 30783871.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
) , no entanto mais estudos de investigação sobre as relações entre LS e os desfechos em saúde se fazem necessários(77. Perazzo J, Reyes D, Webel A. a systematic review of health literacy interventions for people living with HIV. AIDS Behav. 2017;21(3):812-21. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10461-016-1329-6. PubMed PMID: 26864691.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
) . Embora esses estudos façam referência à realidade de outros países, a situação do Brasil pode ser ainda mais deficitária, uma vez que o LS não faz parte de políticas públicas relacionadas ao HIV ou a outras patologias crônicas, e nem há estudo populacional que permita a comparação de dados entre diferentes regiões do país ou dos resultados da eficácia de intervenções(88. Moraes KL, Brasil VV, Mialhe FL, Sampaio HAC, Sousa ALL, Canhestro MR, et al. Validation of the Health Literacy Questionnaire (HLQ) to brazilian portuguese. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02171. doi: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02171
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) .

Tratando-se de PVHIV, há uma construção histórica relacionada à doença, na qual as pessoas infectadas sofrem com os impactos de determinantes e condicionantes de saúde e estigmas sobre a patologia que acarretam menor acesso aos serviços e menor rede de apoio social(99. Nokes KM, Reyes DM. Internet use for health-related information: Self-Care Agency of Lower Income Persons Living With HIV/AIDS. Nurs Sci Q. 2020;33(3):234-9. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0894318420920605. PubMed PMID: 32605479.
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) . Nesse sentido, identificar o baixo LS proporciona aos profissionais de saúde consultas individualizadas e ações de educação em saúde direcionadas para dificuldades de compreensão que possam impedir a adoção de autocuidado e adesão à terapia medicamentosa. Nesse contexto, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: qual a relação entre LS, o autocuidado e a adesão aos medicamentos antirretrovirais em PVHIV?

Verificar a relação entre LS, autocuidado e adesão ao tratamento das PVHIV é de suma importância, uma vez que o alcance da longevidade e da qualidade de vida proposta pela terapia antirretroviral só pode ser atingido por meio de uma postura de autocuidado ativo daqueles que fazem uso dos recursos terapêuticos(22. Nutbeam D, Lloyd JE. Understanding and responding to health literacy as a social determinant of health. Annu Rev Public Health. 2021;42(1):159-73. doi: http://dx.doi.org/10.1146/annurev-publhealth-090419-102529. PubMed PMID: 33035427.
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) . No mesmo sentido, o controle da doença é a proposta central da política de saúde voltada ao HIV, dependendo dos resultados alcançados pelas pessoas em tratamento. Por sua vez, a remissão viral só é garantida pelo uso contínuo dos medicamentos e está atrelada à motivação em aderir à terapêutica proposta.

Diante do exposto, o estudo teve como objetivo verificar a relação entre LS, adesão à terapia antirretroviral e autocuidado de PVHIV.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo transversal. Observaram-se as recomendações do STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE).

Local

O estudo foi desenvolvido em três Serviços de Assistência Especializada (SAE) ao HIV na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil. Para preservar a identificação, os serviços foram classificados em SAE 1, 2 e 3. Essas unidades, referência no atendimento ao HIV, juntas, prestam assistência a uma população de 11.082 pessoas, e são as que concentram o maior número de atendimento no estado de Pernambuco.

População

A população foi composta pelas PVHIV inscritas nos SAE no referido município de estudo.

Critérios de Seleção, Definição da Amostra e Variáveis do Estudo

A amostra, do tipo probabilística, considerou uma população finita e variável dependente categórica, composta por pessoas cadastradas nos SAE pesquisados. Utilizou-se como referência a prevalência de 25% para letramento inadequado(1010. Kalichman S, Pellowski J, Chen Y. Requesting help to understanding medical information among People living HIV and Poor Health Literacy. AIDS Patient Care STDS. 2013;27(6):326-32. doi: http://dx.doi.org/10.1089/apc.2013.0056. PubMed PMID: 23701199.
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).Para o cálculo, consideraram-se grau de confiança de 95% (Zα = 1,96), p como a proporção de resultados favoráveis (0,25 ou 25%), q como a proporção de resultados desfavoráveis (q = 1-p), N igual a 11.082 pessoas cadastradas nos SAE (população finita) e erro padrão de ± 5%. Realizou-se a estratificação em três grupos amostrais, que, por sua vez, foram separados proporcionalmente de acordo com o número populacional encontrado em cada unidade de saúde: o SAE 1, com 6.806 cadastros, o SAE 2, com 2.400 e o SAE, 3 com 1.876 casos registrados.

Para o controle de possíveis perdas amostrais, acresceu-se um valor de 10% para a amostra inicial. A amostra foi estratificada em 190 entrevistas no SAE 1, 67 no SAE 2 e 52 no SAE 3. As perdas foram de 3 respondentes, por não continuar o teste após ter sido chamado para consulta e por não ter resultado de exames no sistema. Assim, a amostra foi constituída de 303 pessoas.

Os critérios de inclusão foram idade igual ou superior a 18 anos e apresentar mais de 6 meses de terapia antirretroviral (TARV), teste de acuidade visual e triagem cognitiva adequados. Excluíram-se as pessoas que autodeclararam não ter pelo menos 1 ano de educação formal ou não saber ler, com déficit auditivo que impossibilitasse a comunicação verbal e/ou recepção das informações para execução dos testes, presença de doença psiquiátrica sem tratamento ou controle, além de condição de saúde comprometida (acamados trazidos por ambulâncias, portadores de tuberculose sem tratamento e/ou condição clínica debilitante).

As variáveis preditoras foram associadas às características sociais, sociodemográficas (sexo, idade, nível de escolaridade, estado civil, etnia, ocupação e renda), clínicas (tempo de uso da TARV, valores laboratoriais de carga viral e TCD4+ e uso de medicamentos controlados) e comportamentais (hábito de buscar informações em saúde). A variáveis de desfecho foram relacionadas aos resultados no teste de alfabetização em saúde (letrado e não letrado), autocuidado (boa, muito boa, ótima capacidade de autocuidado) e adesão (insuficiente, estrita).

Instrumentos Utilizados Para a Coleta das Informações

O teste de triagem visual de Rosenbaum de bolso e o teste de triagem cognitiva, com a aplicação da escala International HIV Dementia Scale (IHDS)(1111. Sacktor NC, Wong M, Nakasujja N, Skolasky RL, Selnes OA, Musisi S, et al. The International HIV Dementia Scale: a new rapid screening test for HIV dementia. AIDS. 2005;19(13):1367-74. PubMed PMID: 16103767.) , foram utilizados para afastar as variáveis confundidoras dificuldade de leitura por déficit visual ou neurológico, respectivamente, que poderiam impedir ou interferir nas respostas ao teste de alfabetização e atender aos critérios de inclusão da amostra. Pessoas que apresentaram acuidade visual igual ou maior que 20/50 no teste visual e escore acima de 10 na avaliação cognitiva foram consideradas elegíveis, sendo entrevistadas.

Para coleta de dados, utilizaram-se um formulário com dados sociodemográficos e clínicos e o teste de alfabetização em saúde Short Assessment of Health Literacy for Portuguese-Speaking Adults (SAHLPA 50), que consiste em uma escala com 50 itens que avaliam a capacidade de o indivíduo pronunciar e entender corretamente os termos médicos comuns(1212. Apolinário D, Braga RCOP, Magaldi RM, Busse AL, Campora F, Brucki S, et al. Short assessment of health literacy for portuguese-speaking adults. Rev Saude Publica. 2012;46(4):702-11. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012005000047. PubMed PMID: 22782124.
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) , como também o teste de adesão à TARV Cuestionário Para la Evaluacíon de La Adhesión al Tratamento Antiretroviral (CEAT-HIV versão online)(1313. Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Brazilian adaptation of the Assessment of Adherence to Antiretroviral Therapy Questionnaire. Rev Saude Publica. 2007;41(5):685-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043. PubMed PMID: PMid:17713708.
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) e a Escala de Avaliar a Capacidade de Autocuidado (EACAC)(1414. Silva JV, Domingues EAR. Cultural adaptation and validation of the scale to assess the capabilities of self-care. Arch Health Sci. 2017;24(4):30-6.) . As três escalas são validadas para utilização no Brasil, com propriedades psicométricas adequadas e autorizadas para utilização por seus respectivos autores.

Coleta de Dados

A coleta de dados aconteceu entre os meses de janeiro e julho de 2019. O recrutamento aconteceu de forma aleatória. As pessoas que aguardavam atendimento no ambulatório foram convidadas a participar do estudo de forma voluntária. Primeiro, aplicavam-se formulários e testes de triagem e, em seguida, as pessoas consideradas elegíveis para o estudo respondiam aos testes.

Tratamento e Análise dos Dados

Os dados coletados foram inseridos em dois bancos no Microsoft Excel, exportados ao banco de dados EPI-INFO, versão 3.5.4, com posterior exportação para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 18.0) for Windows®. Houve a validação por conferência de dados diferentes na digitação por dupla entrada. Respeitou-se a pontuação dos testes, conforme orientação dos autores. Para análise dos dados, construiu-se um banco no software EPI INFO, versão 3.5.4, após a validação dos dados. Em seguida, o banco foi exportado para o software SPSS, versão 18, no qual se realizou a análise. Foram calculadas as frequências percentuais, sendo construídas as respectivas distribuições de frequência. Para avaliar a associação entre letramento e adesão, autocuidado e adesão e letramento e autocuidado, foram construídas as tabelas de contingência, sendo aplicado o Teste do Qui-Quadrado de Pearson para independência. Para avaliar quais os fatores pessoais, clínicos e de hábitos que influenciam no letramento, foram utilizadas as tabelas cruzadas e o Teste do Qui-Quadrado para independência. Para o cálculo da razão de prevalência (RP), foram realizadas as divisões da prevalência do grupo mais exposto pela prevalência do grupo menos exposto para todas as variáveis apresentadas. Todas as conclusões foram tiradas considerando o nível de significância de 5%.

Aspectos Éticos

Respeitaram-se os preceitos éticos da Resolução 466/12, que trata de estudos envolvendo seres humanos. A decisão dos voluntários de participarem ou não da pesquisa foi respeitada. O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, tendo recebido o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no ano de 2018, sob Parecer nº 3.068.763.

RESULTADOS

Participaram do estudo 303 pessoas, e a distribuição do perfil sociodemográfico dos integrantes da pesquisa está demonstrado na Tabela 1. O teste de comparação de proporção foi significativo em todos os fatores avaliados (p-valor < 0,001), indicando que o perfil descrito é o mais frequente no grupo de pessoas avaliadas.

Tabela 1.
Distribuição do perfil sociodemográfico de pessoas que vivem com HIV – Recife, PE, Brasil, 2019.

O uso de medicação controlada foi relatado por 51 (16,8%) entrevistados. Dos que fazem uso desses medicamentos, 24 (47,0%) utilizam anticonvulsivantes. A contagem das células TCD4 estava na faixa de 501-999 para 140 (46,2%). A carga viral foi indetectável para 236 (77,9%). O tempo de uso de TARV variou de 6 meses a 5 anos para 123 (40,6%) do total de entrevistados. Foi relatado por 248 (81,8%) o hábito de buscar informações em saúde.

Verifica-se que 159 (52,5%) apresentam grau satisfatório de letramento, 188 (62,9%), ótimo nível de autocuidado e 173 (57,1%), adesão estrita à TARV. Considerando a adesão ao tratamento segundo o grau de letramento e o de autocuidado, observa-se que o teste de independência para adesão não foi significativo para o letramento (p-valor = 0,225). No entanto, identifica-se que os não letrados apresentam uma RP de (RP = 1,17) para a adesão estrita, quando comparados com os letrados. A adesão estrita foi significativa para o autocuidado (p-valor < 0,001). Percebe-se que o grupo de pacientes com bom escore de autocuidado possui 1,23 (RP = 2,23) mais risco de adesão insuficiente, quando comparado com o grupo com ótimo autocuidado. Para as pessoas que possuem muito bom nível de autocuidado, o risco é 0,5 maior de apresentar adesão insuficiente, quando comparado com o grupo de ótimo nível de autocuidado (Tabela 2).

Tabela 2.
Distribuição da adesão ao tratamento das pessoas que vivem com HIV segundo o grau de letramento e de autocuidado – Recife, PE, Brasil, 2019.

Na análise do autocuidado segundo o grau de letramento, verificou-se maior percentual de ótimo autocuidado no grupo dos letrados, 102 (64,6%), mas sem significância estatística (p-valor = 0,238) (Tabela 3).

Tabela 3.
Distribuição do autocuidado das pessoas que vivem com HIV segundo o nível de letramento – Recife, PE, Brasil, 2019.

Na distribuição do grau de letramento segundo o perfil sociodemográfico, constatou-se uma maior relação de risco para o não letramento em pessoas do sexo feminino (p-valor = 0,010), com ensino fundamental (p-valor < 0,001), que recebem benefícios (p-valor < 0,001) e com renda de até um salário mínimo (p-valor < 0,001) (Tabela 4).

Tabela 4.
Distribuição do grau de letramento das pessoas que vivem com HIV em Recife segundo as variáveis sociodemográficas – Recife, PE, Brasil, 2019.

Na distribuição do grau de letramento segundo as variáveis clínicas e comportamentais, identificou-se maior percentual de não letramento no grupo de pacientes que utilizam medicamento controlado, 27 (52,9%), e que relatam interrupção da TARV (p-valor = 0,081). Não ter o hábito de buscar informações em saúde, 36 (65,5%; p-valor = 0,003), e maior tempo de TARV, 47 (59,5%; p-valor = 0,017), estão relacionados com maior risco para não letramento (Tabela 5).

Tabela 5.
Distribuição do grau de letramento das pessoas que vivem com HIV segundo as variáveis clínicas e comportamentais–Recife, Pernambuco, Brasil, 2019.

DISCUSSÃO

O termo LS foi utilizado, pela primeira vez, fazendo referência a uma preocupação com o aumento da complexidade dos serviços de saúde que não eram acompanhados pelo conhecimento das pessoas sobre a sua utilização(1515. Simonds SK. Health education as social policy. Health Educ Behav. 1974;2(1, Suppl):1-10. doi: http://dx.doi.org/10.1177/10901981740020S102
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). Passados quase meio século, o mesmo parece acontecer no tocante ao HIV, com o aumento de custos para o seu controle não acompanhado por medidas educativas populacionais. Embora o LS não determine sozinho melhor adesão terapêutica nem maior autocuidado, ele parece influenciar melhores resultados em saúde(33. Svendsen MT, Bak CK, Sørensen K, Pelikan J, Riddersholm SJ, Skals RK, et al. Associations of health literacy with socioeconomic position, health risk behavior, and health status: a large national population-based survey among Danish adults. BMC Public Health. 2020;20(1):565. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12889-020-08498-8. PubMed PMID: 32345275.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
).

Tratando-se de gênero, as mulheres são mais atingidas pelo baixo letramento e impactos sociais que esse déficit proporciona. Ser mulher, possuir menor escolaridade e renda estão associados com menor LS e maior impacto do gradiente social, repercutindo em menor autonomia e possibilidades de escolhas sobre o próprio corpo e liberdade sexual(1616. Carvalho JMR, Monteiro SS. Views and practices of women living with HIV/AIDS on reproduction, sexuality, and rights. Cad Saude Publica. 2021;37(6):e00169720. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00169720. PubMed PMID: 34105621.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
). Estudo realizado no Sul do Brasil destaca uma taxa de óbitos elevada em mulheres jovens que viviam com o HIV, demonstrando desigualdades sociais acentuadas, tendo em vista que essas mulheres também eram responsáveis pelo sustento de filhos menores, moradoras de habitações insalubres, além de viverem em situação de pobreza(1717. Bernardelli M, Gonçalves TR, Pattussi MP, Barcellos NT, Acosta L. Spatial and spatio-temporal distribution of women living with HIV mortality in Porto Alegre, Brazil, from 2007 to 2017. Rev Saude Publica. 2021;55:84. doi: http://dx.doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055003384. PubMed PMID: 34910022.
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).

A invisibilidade das mulheres entre os grupos prioritários no combate ao HIV se reproduz no agrupamento de homens heterossexuais. Destaque deve se dado a esses achados, visto que é entre as mulheres que se encontrou o maior risco para o LS inadequado. Dois pontos de discussão merecem destaque: ênfase para a prevenção do HIV entre os grupos prioritários, que pode estar relegando os demais grupos a uma posição secundária no paradigma preventivo; uma menor percepção de risco entre os homens heterossexuais e em mulheres, repercutindo em menor prevenção nesses grupos(1818. Knauth DR, Hentges B, Macedo JL, Pilecco FB, Teixeira LB, Leal AF. HIV/AIDS diagnosis in heterosexual men: still a surprise after more than 30 years of the epidemic. Cad Saude Publica. 2020;36(6):e00170118. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00170118. PubMed PMID:32520126.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
). A soma desses fatores é preocupante, pois se reproduz em um cenário de baixo letramento entre as mulheres.

No tocante ao nível de educação formal e renda, há uma associação demonstrada na literatura que, quanto maior a instrução, melhores serão as oportunidades de emprego e renda, ou seja, melhor será a posição social ou melhor será o gradiente social. Ou seja, quanto mais favorável for a situação socioeconômica, melhor será a chance de dispor de boa saúde(1919. Marmot M. Health equity in England: the Marmot review 10 years on. BMJ. 2020;368:m693. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m693. PubMed PMID: PMid:32094110.
https://doi.org/doi: http://dx.doi.org/1...
). Embora o LS não tenha uma associação direta com o nível de instrução, melhores resultados em saúde estão associados aos melhores níveis de instrução, o que pode ser confirmado por meio dos achados aqui descritos.

Tendo em vista o gradiente social, que interfere no viver com o HIV e, de modo similar, aos níveis de LS em uma interação de retroalimentação entre eles, destacam-se os macrodeterminantes sociais ligados com condições socioeconômicas, como privação material, poucos anos de educação formal, renda baixa e classe social desprivilegiada. Eles interferem nos resultados apresentados por PVHIV, sugerindo que o gradiente social persiste no cuidado contínuo, em que aquelas pessoas com maior privação dos meios de vida apresentam menos condições de manter a adesão à TARV e à carga viral indetectável(1919. Marmot M. Health equity in England: the Marmot review 10 years on. BMJ. 2020;368:m693. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m693. PubMed PMID: PMid:32094110.
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,2020. Papageorgiou V, Davies B, Cooper E, Singer A, Ward H. Influence of material deprivation on clinical outcomes among people living with HIV in high-income countries: a systematic review and meta-analysis. AIDS Behav. 2022;26(6):2026-54. PubMed PMID: 34894331.). Remissão da carga viral é primordial para pôr fim às infecções pelo HIV, no entanto necessita de medidas gerais para redução das disparidades sociais.

As relações existentes entre o viver com o HIV e os determinantes sociais da saúde (DSS) são demonstradas na literatura e verificadas neste estudo. Por sua vez, o LS sofre influências de tais determinantes, mas também os influencia em uma relação complexa e multifatorial. Embora essa interação não se dê de modo exclusivo, o LS pode ser um determinante direto de saúde, mediador de tais relações e moderador entre os demais determinantes e a saúde. Possuir vasto LS e em menor grau letramento funcional adequado é considerado determinante em saúde direto, além de um importante indutor na promoção de hábitos saudáveis e de acesso a melhores oportunidades para solucionar lacunas e problemas de saúde(2121. Pelikan JM, Ganahl K, Roethlin F. Health literacy as a determinant, mediator and/or moderator of health: empirical models using the European Health Literacy Survey dataset. Glob Health Promot. 2018;25(4):1757975918788300. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1757975918788300. PubMed PMID: 30427258.
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).

Com relação à adesão à TARV ao longo do tratamento do HIV, a associação entre maior LS e adesão estrita à terapia medicamentosa foi encontrada neste estudo, do mesmo modo que os achados de um estudo realizado no município de São Paulo mostrou que, quanto menor o LS, maiores as dificuldades de aderir ao tratamento(2222. Perez TA, Chagas EFB, Pinheiro OL. Health functional literacy and adherence to antiretroviral therapy in people living with HIV. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42:e20200012. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200012. PubMed PMID: 33566947.
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). Os profissionais de saúde têm um papel imprescindível na educação em saúde e na promoção de medidas que apoiem a adesão, tendo em vista que o foco central da política pública de redução de novos casos de infecção por HIV é a remissão da carga viral, só sendo possível por meio da adesão à TARV.

Na mesma direção, encontram-se os esforços internacionais, em que o objetivo de acabar com o HIV como problema de saúde pública até 2030 propõe que as desigualdades sociais sejam combatidas e ações intersetoriais sejam ampliadas. Alcançar a meta 95-95-95 deve ser o alvo de todos os países do mundo, e só será possível com a disponibilidade de testagem e tratamento em tempo oportuno somados à remissão da carga viral. Entretanto, a obtenção de resultados depende da percepção de risco e da testagem em tempo hábil(2323. United Nations General Assembly. Political declaration on HIV and AIDS: ending inequalities and getting on track to end AIDS by 2030 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2021 [cited 2022 jun 19]. Available from: https://www.unaids.org/en/resources/documents/2021/2021_political-declaration-on-hiv-and-aids
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). Assim como a adesão à terapia medicamentosa, também se faz necessário que a PVHIV assuma uma postura de autocuidado ativo por meio da adoção de modo de vida saudável, comparecimento às consultas agendadas, realização de exames e consultas, quando direcionadas, realização de terapias complementares, práticas redutoras de danos e utilização de redes de apoio para o enfrentamento da sua condição de saúde. O centro do cuidado é a PVHIV, logo, a postura ativa no próprio tratamento deve ser estimulada pelos profissionais de saúde.

O autocuidado apoiado é uma das ferramentas que orientam a assistência de enfermagem, partindo dos problemas apresentados pelo usuário e do estabelecimento de metas por meio de interação da díade enfermeiro-paciente durante as consultas e intervenções educativas de enfermagem(22. Nutbeam D, Lloyd JE. Understanding and responding to health literacy as a social determinant of health. Annu Rev Public Health. 2021;42(1):159-73. doi: http://dx.doi.org/10.1146/annurev-publhealth-090419-102529. PubMed PMID: 33035427.
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,2424. Alencar RA, Parenti ABH, Lopes CC, Ramos FT, Ciosak SI. Aspects that influence the self-care of patients living with human immunodeficiency virus. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3112. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2746.3112
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). No que concerne às medidas educativas em saúde, o enfermeiro desenvolve um papel de destaque, por ser o profissional presente em toda unidade de saúde onde há cuidados de enfermagem, além de desenvolver atividades em todos os níveis de complexidade do sistema de saúde. O enfermeiro educa em saúde, ensinando o usuário a desenvolver o autocuidado, premissa necessária para o controle de doenças crônicas como o HIV.

O resultado desta interação deve ser o LS crítico, ou seja, o LS que permite a autonomia do sujeito para tomar decisões sobre sua saúde, e o centro do cuidado é a PVHIV. Embora os dados encontrados neste estudo tenham se mostrado uma distribuição de autocuidado semelhante entre pessoas com letramento adequado e insuficiente, o aumento do escore de autocuidado demonstrou melhora na adesão à TARV. Além disso, a maior parte das PVHIV entrevistadas que apresentaram LS adequado também tinha adesão estrita à TARV. Tais achados levam a concluir que melhores resultados em saúde dependem da autonomia do sujeito. Barreiras sociais e educacionais interferem no desenvolvimento do LS e, por consequência, diminuem o autocuidado; logo, devem ser reconhecidas pelo enfermeiro durante a consulta de enfermagem, sendo redimidas em conjunto com o paciente(2525. Cangussú LR, Alho EAS, Cardoso FEL, Tenório APO, Barbosa RHA, Lopes JM, et al. Concordance between two instruments for health literacy assessment. Epidemiol Serv Saude. 2021;30(2):e2020490. PubMed PMID:33978127.
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,2626. Santos MCF, Nóbrega MML, Silva AO, Bittencourt GKGD. Nursing diagnoses for elderly women vulnerable to HIV/AIDS. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl 3):1435-44. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0086
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).

O papel central do enfermeiro na assistência às PVHIV recebe destaque com a proposta do Ministério da Saúde de reorganizar o modelo assistencial por meio da descentralização do atendimento dos SAE para a Atenção Primária à Saúde (APS). Tendo em vista que a APS é um espaço de saúde que há mais próximo da vida das pessoas, garantindo o vínculo terapêutico, proporciona um cuidado integral e longitudinal, transcendendo o momento do diagnóstico do HIV. O acompanhamento holístico dos casos por meio de visitas domiciliares possibilita ao enfermeiro intervir, para adoção de medidas preventivas e desenvolvimento de atividades de promoção à saúde(2727. Lima MCL, Pinho CM, Dourado CARO, Silva MAS, Andrade MS. Diagnostic aspects and in-service training in the decentralization of care to people living with HIV. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210065. doi:http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2021-0065. PubMed PMID: 34643639.
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). Todas essas medidas são primordiais para o desenvolvimento do LS crítico.

Destaca-se, ainda, dentre os achados, o impacto positivo que a busca de informações em saúde traz, quando relacionada com o LS, em oposição ao tempo de tratamento. Evidenciou-se que, quanto maior o tempo de vinculação ao cuidado contínuo no SAE, menor o LS adequado. Fontes de informações não confiáveis, somadas a possíveis déficit cognitivos causados pelo vírus do HIV, podem levar as pessoas à incorporação de recomendações questionáveis, sobretudo para aqueles com baixo LS(2828. Morgan EE, Watson CW, Woods SP, Gilbert PE, Villalobos J, Verduzco M. Misattributions of the source of health-related information in HIV disease. J Clin Exp Neuropsychol. 2021;43(1):1-14. doi: http://dx.doi.org/10.1080/13803395.2020.1851355. PubMed PMID: 33302782.
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). Estimular a LS em saúde tem impacto positivo para a continuidade do cuidado, adesão à TARV e redução de consultas perdidas(2929. Budhwani H, Gakumo CA, Yigit I, Rice WS, Fletcher FE, Whitfield S, et al. Patient health literacy and communication with providers among women living with HIV: a mixed methods study. AIDS Behav. 2022;26(5):1422-30. PubMed PMID: 34642834.). O autocuidado apoiado pelo enfermeiro, com remissão de dúvidas e construção de um plano de cuidados construído em conjunto com o cliente, somado a intervenções ao longo do tratamento, é prioritário para o cuidado contínuo de qualidade.

Receber cuidados contínuos por anos, bem como demonstrar LS em saúde inadequado, é preocupante, uma vez que o contato com os profissionais de saúde deve promover maior letramento ao longo do tempo, fato não evidenciado neste estudo. A utilização das habilidades pessoais relacionadas ao LS é mediada pelo ambiente onde se fizer necessário seu uso. Nesse caso, é preciso aplicar intervenções educativas que oportunizem às pessoas a demonstração de habilidades adquiridas e capacidades dos indivíduos. Além disso, a utilização de linguagem simples e a redução da complexidade dos sistemas de saúde representam modos de reduzir os impactos do baixo letramento(22. Nutbeam D, Lloyd JE. Understanding and responding to health literacy as a social determinant of health. Annu Rev Public Health. 2021;42(1):159-73. doi: http://dx.doi.org/10.1146/annurev-publhealth-090419-102529. PubMed PMID: 33035427.
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).

As limitações do estudo estão relacionadas à disponibilidade dos pacientes vinculados aos SAE, não sendo possível investigar casos de abandono à TARV, o que poderia elucidar melhores condições de baixo letramento e os impactos dessas condições no tratamento. Outra limitação foi a comparação a dados de outros estudos nacionais, o que reforça a necessidade de desenvolvimento de pesquisas que levem a entender a realidade das diversas regiões do Brasil.

CONCLUSÃO

Constatamos que os maiores escores de autocuidado foram associados à adesão estrita ao tratamento das infecções por HIV. No mesmo sentido, as pessoas com nível ótimo de autocuidado e que apresentaram adesão estrita à medicação possuíam letramento adequado.

Salientamos que o LS, como base conceitual para a promoção da saúde, configura-se uma estratégia efetiva de cuidado à saúde de PVHIV. Nesse sentido, a sua adoção como política pública pode contribuir para o empoderamento, autocuidado e ampliação do acesso aos serviços de saúde.

Assim sendo, ressalta-se a importância da qualidade do cuidado contínuo às PVHIV, bem como a ênfase para o papel de educador do enfermeiro na construção do letramento crítico promotor de autonomia, sobretudo para os pacientes em TARV atendidos há mais tempo nos SAE. Embora as intervenções que buscam melhorar o LS não possam por si só tirar as pessoas das condições desfavoráveis, elas podem reduzir os impactos entre a determinação social e as iniquidades em saúde no que concerne ao viver com HIV.

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Editado por

ASSOCIATE EDITOR

Elizabeth Fujimori

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2022
  • Aceito
    23 Ago 2022
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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