Open-access Percepção de docentes de enfermagem sobre o cuidado: uma construção heideggeriana

Resumos

Objetivo  Compreender as percepções dos docentes de enfermagem sobre o cuidado à luz do referencial de Heidegger. Utilizou-se como referencial teórico-metodológico hermenêutica heideggeriana.

Método  Para captar os significados utilizou-se entrevista fenomenológica realizada com 11 docentes. A análise dos dados baseou-se na hermenêutica heideggeriana.

Resultados  O modo de ser enfermeiro determina seu modo de ser para o cuidado, que é reflexo da construção das experiências na mundaneidade da enfermagem. A existência do ser enfermeiro para o cuidado de enfermagem é evidenciado nas relações de cuidado estabelecidas entre o ser cuidado e o ser cuidador, decidindo o modo de ser-aí do enfermeiro que tem diante de si e do outro as possibilidades de cuidado.

Conclusão  É ser-no-mundo que o ser-enfermeiro se manifesta, em sua subjetividade no cuidar sensível, é na objetividade do cuidar científico, e é na inter-relação com o ser cuidado é que manifesta o ser de escolhas e decisões existindo em seu modo de ser.

Enfermagem; Cuidados de Enfermagem; Docentes de Enfermagem; Ensino


Objective  To understand the perceptions of nursing teachers about care in the light of Heidegger’s framework. It was used as theoretical and methodological reference Hei- degger’s hermeneutics.

Method  To capture the meanings we used phenomenological interviews with 11 teachers. e data analysis is based on heideggerian hermeneutic.

Results  The way to be a nurse determines their way of life to the care that re ects the construction of experiences in the nursing worldliness. The existence of the nurse for nursing care is evidenced in care relations established between being careful and being caregiver, deciding the mode of being-there of the nurse who has before him and on the other the possibilities of care.

Conclusions  It is being in the world that the being-nurse is manifested in their subjectivity in care for sensitive, is the objectivity of scienti c care, and is in the interrelationship with being careful is that manifests the being of choices and existing decisions in his way of being.

Nursing; Nursing Care; Nursing Teachers; Teaching


Objetivo  Comprender las percepciones de los docentes de enfermería sobre la atención a la luz del marco de Heidegger. Fue utilizado como hermenéutica referente teórico y metodológico de Heidegger.

Método  Para capturar los significados que utilizamos entrevistas fenomenológicas con 11 profesores. El análisis de datos se basa en la hermenéutica heideggeriana.

Resultados  La manera de ser enfermera determina su modo de vida al cuidado que refleja la construcción de experiencias en la mundanidad de enfermería. La existencia de la enfermera para el cuidado de enfermería se evidencia en las relaciones que se establecen entre el cuidado de cuidado y ser cuidador, de decidir el modo de ser-ahí de la enfermera que tiene delante de él y por el otro las posibilidades de atención.

Conclusión  Es estar en el mundo que el ser-enfermera se manifiesta en su subjetividad en el cuidado para pieles sensibles, es la objetividad de la atención científica, y está en la interrelación con cuidado es que se manifiesta el ser de las elecciones y decisiones existentes en su forma de ser.

Enfermería; Cuidados de Enfermería; Docentes de Enfermería; Enseñanza


Introdução

Na perspectiva existencial, o cuidado, uma das formas de preservação da vida, está implícito nas relações da existência do ser humano. O cuidado pode ser entendido como ato, quando ocupa um sentido ôntico, e como sentido que vai além do ato, quando se preocupa com o ser humano, assumindo o sentido ontológico.

O cuidado trazido por Heidegger indica as possibilidades do ser humano, ou ser-aí no mundo. O ser-com constitui-se existencialmente o ser-no-mundo, e deve ser interpretado pelo fenômeno da cura, pois este determina o ser da presença em geral. O ser-no-mundo é cura, é cuidado, na ocupação e na preocupação, mesmo que seja de modo primitivo(1).

O cuidado pertence à possibilidade de um poder-ser-mais-próprio, como uma possibilidade de seu poder-ser em geral. Essa peculiaridade deriva do fato de que o ser-aí tem o caráter de estar lançado no mundo. O cuidado determina o que é como se é no mundo e que esse mundo é compartilhado, pois o ser aí é sempre ser com, um ente que vive e convive com outros seres aí, no sentido da existencialidade, a facticidade e da decadência, por serem modos de ser são, também, modos éticos/morais do existente humano ser no mundo(2).

A palavra “cuidado” deriva do latim cura, usada num contexto de relações de amor e de amizade, numa demonstração de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação(3).

Uma das tarefas fundamentais da condição humana é o ato de cuidar que se consolida através do elo entre o cuidador e o ser cuidado, como uma atitude de humanidade. O cuidado passa então, a ser a identificação fundamental para a Enfermagem, que vem ao longo do tempo se definindo e se afirmando como profissão, desenvolvendo um corpus de conhecimentos próprios, legitimando-se como objeto epistemológico, dentro dos diversos contextos sociais e políticos. Através destes, as instituições de ensino e os profissionais da prática desenvolvem e aprimoram o cuidado de enfermagem, considerando-o como a própria essência da profissão. Esse domínio de conhecimento lhes confere a competência de cuidar dos seres humanos, em todas as dimensões do seu processo de viver(4).

Nesse sentido, o cuidado está relacionado com a própria existência, ou o modo de ser dos enfermeiros, através deste que os mesmos se revelam nas diferentes realidades de atuação, funções e responsabilidades.

O cuidado definiu-se através de princípios e conceitos, os quais abrangem ao mesmo tempo a epistemologia, a cientificidade e a filosofia, e, nestes, permeado pela ética, assumindo uma nova perspectiva do cuidado à saúde(5).

O profissional enfermeiro está diante das transformações do mundo moderno e deve pensar de forma crítica, possuir competências com compromissos éticos e de cidadania, autonomia, capacidade de resolver problemas, refletir e transformar a sua prática, porque apenas as habilidades técnicas não suprem as atuais necessidades do ser humano(6).

O cuidado pode revelar os modos de ser de cada enfermeiro, em especial aqueles que escolheram a docência para mostrar-se no mundo de possibilidades do ensino. Assim os modos de ser para o ensino do cuidado se constrói ao longo dos tempos por suas experiências no mundo e, neste sentido, o ser-aí é capaz de fazer suas escolhas e de decidir seu caminho, e, diante das situações, vislumbrar possibilidades ao ser e estar lançado no mundo. O ser-aí se manifesta, desvela-se diante do mundo, sendo estas características ontológicas ou existenciais(1).

O objetivo deste texto é compreender as percepções dos docentes de enfermagem sobre o cuidado à luz do referencial de Heidegger.

Método

Estudo qualitativo, abordagem fenomenológica heideggeriana, desenvolvido em uma instituição federal de ensino superior (IFES) do sul do Brasil. Participaram do estudo 11 enfermeiros-professores. O critério de inclusão adotado foi que os participantes deveriam ser efetivos no Departamento de Enfermagem. Os critérios de exclusão caracterizaram-se por: ser docente com menos de um ano de trabalho no departamento; ser professor de contratação temporária; ter participado da banca de qualificação do projeto de doutorado.

A coleta dos dados deu-se através da entrevista fenomenológica, que tem caráter de desvelar o fenômeno por meio da linguagem livre, mediante o questionamento norteador da pesquisa. A entrevista fenomenológica ocorre sob a forma de encontro existencial(7). Nesse tipo de entrevista o pesquisador lança mão de sua empatia e intersubjetividade, e deixa o sujeito entrevistado à vontade para conduzir seu pensamento e linguagem da maneira que mais achar apropriada.

As entrevistas foram gravadas mediante a autorização, e seguiram os seguintes passos. A aproximação com o entrevistado, estabelecendo um diálogo abordando aspectos referentes à sua trajetória profissional na enfermagem. Concomitante, explicitava-se o tipo de estudo, objetivo e a forma pela qual seria conduzida a entrevista, deixando-se claro que não haveria interrupção em suas falas, para que pudesse seguir o pensamento livre.

A seguir era lançada a pergunta norteadora do estudo: “Quem é você, ser enfermeiro-professor que ensina-aprende o cuidado?”, a qual se encontrava registrada em uma tarjeta visível ao entrevistado.

Os depoimentos foram gravados, transcritos, organizados e, a partir daí, decorreu-se a leitura exaustiva das informações. Codificaram-se os dados na intenção de agrupar os relatos que apresentavam similaridade, demonstrando as expressões dos enfermeiros-professores sobre as percepções sobre o cuidado de enfermagem, subsidiando o tema e as unidades de significados que serão descritas posteriormente. Assim, a análise dos dados aconteceu a partir da hermenêutica heideggeriana, e em consonância com a literatura pertinente.

O círculo hermenêutico compõe-se de: pré-compreensão; compreensão, e interpretação; que permeiam toda a obra Ser e Tempo e são aprofundados no § parágrafo 32. (1).A“hermenêutica do ser-aí se torna também uma ‘hermenêutica’ no sentido de elaboração de condições de possibilidade de toda investigação ontológica”, dando conta da singularidade da vida humana(1:77).

Assim, a pré-compreensão é considerada um reportar-se ao existente com pressupostos, ou, em outras palavras, o intérprete lança mão de posições pré-determinadas ou posição prévia da interpretação cotidiana da circunvisão(1). Neste estudo a pré-compreensão contempla o conhecimento produzido e experenciados pelas pesquisadoras.

A compreensão significa estar ligado a uma realidade existencial que é essencialmente possibilidades de ser. Compreender o ser existencial é o próprio poder-ser da presença de tal maneira que, em si mesma, este ser abre e mostra como anda seu próprio ser(1).

A interpretação está baseada existencialmente no compreender, sendo que interpretar é elaborar novas possibilidades projetadas no compreender. A interpretação movimenta-se na estrutura da pré-compreensão já caracterizada, ou seja, a interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar livre de pressuposições. “Toda a interpretação que se coloca no movimento de compreender já deve ter compreendido o que se quer interpretar” (1:213). Assim a discussão dos dados deste estudo configura-se na interpretação completando o círculo hermenêutico e, que imediatamente abre para novos horizontes de possíveis pré-compreensões e compreensões do modo de ser dos enfermeiros-professores.

A coleta dos dados aconteceu no segundo semestre de 2010, após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, com o Protocolo nº 996/2010. Sendo respeitados os aspectos éticos da pesquisa conforme o disposto na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde, os sujeitos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, e também tiveram seu anonimato mantido, sendo identificados pela letra D (Docente) seguida pelo respectivo número da entrevista.

Resultados

Os resultados apresentados referem-se à compreensão dentro da proposta do Círculo Hermenêutico Heideggeriano. Assim, considerando o conceito de cuidado amplo e complexo, que envolve a objetividade e a subjetividade que permeiam o ser humano em toda sua complexidade do viver, ressalta-se que os achados deste estudo apontaram para as diversidades dos modos de ser para o cuidado.

Os conceitos de cuidado construídos a partir dos depoimentos dos enfermeiro-professor em suas vivências de cuidado compõe-se com as seguintes unidades de significado: O significado do Cuidado Próximo; O significado do Cuidado com a Formação; O significado das vivências de Cuidado.

O significado do Cuidado Próximo

Nesta unidade os enfermeiros-professores enfatizam que, para o cuidado ser abrangente, é imprescindível que o cuidador e o ser cuidado estejam próximos, denotando um cuidado com empatia, de forma que o cuidador e o ser cuidado sintam-se a vontade para manifestar suas possibilidades de ser-com. Dessa forma, entendem que, ao identificar as necessidades das pessoas, podem auxiliá-las no momento em que necessitam de cuidado. Considerando o outro como alguém que está próximo e a possibilidade de ajudá-lo naquilo que julga importante em sua perspectiva. Nesse sentido, os enfermeiros-professores deixaram fluir em suas falas as seguintes afirmações:

Essa palavra “cuidado” eu acho que é o que tem de mais bacana na enfermagem, então alguém que cuida. Não quero entrar na etimologia da palavra, mas é alguém que está próximo, então ninguém cuida de costas e ninguém cuida à distância, tem que estar próximo (D07)

O cuidado como uma concepção da essência da enfermagem, do cuidado no sentido de estar com o outro, de ficar voltado para o outro de ajudá-lo no que precisa. Então o cuidado nesta perspectiva, sempre tentando identificar o que é importante para ele (paciente), como é que eu posso ajudá-lo para que ele se cuide melhor (D11)

Os enfermeiros-professores revelam que o cuidado é ampliado à medida que transcende o fazer técnico, ou limitado a ações. Vai além de fazer algo pelas pessoas num sentido do modelo tradicional. E eles o ampliam, dessa forma, para outra dimensão, a qual pode envolver outros profissionais agregando conhecimentos e aprimorando as formas de cuidado.

ização de pessoas idosas, que é uma área da educação, eu vejo como uma área de cuidado também. Então, eu estou lá como enfermeira e professora, e do centro de educação está uma educadora, a gente se encontra e faz um projeto, eu acho isso importantíssimo. Porque isso é cuidado. E por que, que eu acho que isso é cuidado? Porque, a partir do momento que o idoso aprende a ler melhor, ele pode viver melhor a velhice (D08)

O cuidado no sentido de um cuidado que vai além daquele físico, do biológico. Eu acho que a gente sempre tenta trabalhar em um cuidado que atenda aquelas pessoas, aqueles indivíduos que estão ao nosso redor (D05)

O relacionar-se no mundo revela as formas pelas quais os enfermeiros-professores pensam e fazem o cuidado. Esse movimento abre, também, para a possibilidade de o cuidado voltar-se para a autonomia das pessoas. Neste depoimento o enfermeiro-professor salienta que o cuidado pode ser também autonomia:

O projeto de informática para a terceira idade. Então o idoso saber ligar e desligar um computador, ir a um caixa eletrônico e saber lidar com isso, isso é uma autonomia! A capacidade de ver uma possibilidade de viver essa velhice. Na área que trabalho mais, isso é cuidado também, porque, quando você trabalha com idoso, você tem que olhar para as potencialidades dos idosos tentando minimizar as incapacidades. No momento que você busca minimizar, dando para ele novas habilidades, valorizando as habilidades que ele já tem e complementando com outras, você dá para ele um arsenal, um instrumental para que ele viva melhor (D08)

O diálogo como parte constitutiva do cuidado mostra-se nas falas dos entrevistados. O cuidado acontece por meio do diálogo entre as pessoas e, desta forma, o compartilhar é uma das expressões que consolidam esse modo de cuidar.

Conversar com as pessoas também é uma forma de cuidado... Eu acho que em todos os lugares você pode estar ensinando alguém e estar aprendendo. Então é esta forma que eu vejo o ensinar-aprender, é a forma para que tu tenhas diálogo, horizontal, sensível, tem que ter sensibilidade, não existe cuidado sem sensibilidade, sem olhar o outro, sem compartilhar alguma coisa, ou ter compaixão. Alguma coisa sempre tu compartilhas, teu conhecimento, ou de repente só tocar na mão, então eu acho que é por aí (D10)

Existe o argumento que estar-no-mundo é estar lançado a um universo de possibilidades, projetando o ser-aí para um poder-vir-a-ser. Esse é o sentido que os enfermeiros-professores revelam-se seus modos de ser e ampliam seus horizontes através do movimento de cuidado(1).

O significado do Cuidado com a Formação

Para os enfermeiros-professores, a ocupação com a formação também é um modo de cuidado, que eles demonstram estar relacionado ao ensinar e aprender. O ensinar o cuidado parte de uma reflexão com os alunos, com o intuito de sensibilizá-los para a importância do cuidado compromissado e responsável e, consequentemente, seguro. Considerando o aluno e promovendo o movimento dele também.

Formando profissional para o cuidado, a responsabilidade é realmente enorme. São vidas que você está ajudando o aluno a cuidar, orientando a cuidar de vidas. Porque não é lidar com material, com papel. É com ser humano! Eu sempre digo, eu coloco, quando eu dou aula para o aluno, eu sempre coloco isso: você deve cuidar da maneira que você gostaria de ser cuidado prestar o melhor cuidado possível, então você tem que estudar, associar teoria à prática para poder dar cuidados mais seguros possíveis, responsabilidade em primeiro lugar, não faça nada daquilo que você não sabe fazer, são vidas! (D03)

Eu me vejo como professor, hoje eu tenho esta responsabilidade de ensinar a cuidar, e de ajudar a cuidar da casa, da nossa casa, do meio ambiente. E essa disciplina [...] digo isso para os alunos: nós temos a responsabilidade de cuidar. E nós somos cuidadores, não só da vida dos homens, mas parece que há um desvio de só cuidar da vida do ser humano, mas nós somos cuidadores da vida do planeta (D07)

Outro ponto que chama a atenção é o cuidado com os alunos, pois os enfermeiros-professores percebem que é uma forma também de ensinar o cuidado através da compreensão e carinho, e que este modo de ser enfermeiro-professor é peculiar frente a outros cursos.

Embora a gente diga “A gente é mais professor.”, a gente acaba tendo um cuidado. Outro dia, as alunas me chamaram a atenção para isso, para o fato de que eles não encontram nas disciplinas de outros centros, outros departamentos, este modo de trabalhar que nós temos na enfermagem, que é um jeito que se cuida, que é uma preocupação com eles, como eles estão E por isso que a gente percebe que isso se mescla, dizer que esse modo de educar, de ensinar, aprender, e cuidar dele, e que não dispensa a rigorosidade, que é outra palavra bem freiriana, que você tem toda uma relação de afeto, de cuidado com o outro, mas você também tem o compromisso e a responsabilidade por esta aprendizagem. (D09)

Neste estudo existe a preocupação com o cuidado ensinado e o cuidado aprendido, sendo que o modo de ser no cuidado poderá futuramente refletir no cotidiano do trabalho dos alunos. Fica, assim, revelado nesta declaração:

Outra coisa que me frustra aqui na universidade, que eu vejo no currículo, é que apesar de ter o eixo do cuidado, o cuidado, ele fica perdido em alguns conteúdos, em algumas disciplinas, ele não tem filosofia própria, não tem uma forma de encaminhamento. No transcorrer do currículo, ocorre em momentos estanques, não tem uma reflexão. E eu acho que no final do curso deveriam ter oficinas de cuidado, tanto no começo, entrando, como no final do curso. Assim como o aluno está saindo, qual sua base de cuidado, que paradigma de cuidado que ele está saindo deste curso? A gente vê assim, que alguns alunos estão vindo de [...] com uma base humanizada muito boa, dá para perceber, assim, que eles estão vindo diferentes do que era no passado, estão vindo muito conscientes, com as questões éticas, com respeito ao paciente, mas será que este aluno vai até o final do curso assim? Se este conceito e essa forma de agir permanece ou não permanece? A gente encontra ex-alunos com outro perfil, então não houve fechamento do perfil. (D010)

O cuidado com a formação contempla aspectos de responsabilidade, de orientação e compromisso, entretanto sem perder a relação de afetividade que envolve o enfermeiro-professor e seu aluno.

O significado das vivências de Cuidado

Nesta unidade de significado os enfermeiros-professores atribuem seus modos de ser para o cuidado construído nas experiências vivenciadas ao longo de suas histórias profissionais, e entendem que isso contribuiu para a sua formação, as maneiras de ensinar e, compreender que é ensinando que se aprende também.

A gente aprende a cada dia, então são as experiências que tu tens, contatos novos que tu fazes e esse aprender o cuidado é uma coisa... e também, assim, nossos alunos, e que eles consigam ver isso de uma forma mais ampla eu acho até que a minha experiência profissional veio a ser um pouco diferente (D05)

Eu tinha uma bagagem grande na assistência, uma boa bagagem de gestão, e que eu teria condições de vir para a docência trazendo experiências ricas para o ensino da enfermagem, e eu acho que isso ajuda e é importante, isso ajuda para trabalhar com o cuidado. Para mim isto é um valor, porque eu consigo mediar estes dois espaços, eu consigo olhar para o espaço da assistência e cuidado onde estou com atividade teórica prática e, também, consigo me enxergar lá dentro como enfermeiro e pensar, planejar e assistir (D02)

Entretanto, os enfermeiros-professores buscam conhecimento em outras áreas e, dessa maneira, fortalecem as experiências de cuidado a fim de entender melhor esta especificidade do ser enfermeiro, além de observarem a importância de estudar profundamente o cuidado.

E eu penso que este campo da educação, compreender as teorias educacionais, as diferentes filosofias, ele possibilitou uma compreensão maior para mim do ser humano. Eu acho que a filosofia, sociologia, toda a própria formação das sociedades, enfim, todo este processo enriqueceu muito a minha prática como enfermeiro por ter possibilitado compreender um pouco melhor. Eu acho esse ser humano que está ali, que precisa de cuidado, a busca da autonomia deste sujeito, e toda esta perspectiva que acaba resultando deste cruzamento destas áreas de conhecimento, então eu penso que este aprendizado sobre o cuidado foi muito importante conseguir essa junção de diferentes áreas de conhecimento, e compreender melhor a importância do cuidado. Eu acho que por conta destas experiências, ter conseguido deixar de ser uma enfermeira simplesmente prescritiva para ser uma enfermeira que ouve o outro, que constrói junto, que se preocupa com essa participação do paciente da sua história de adoecimento e de saúde (D09)

Eu gosto de estudar o cuidado. Outro dia eu estava pensando: o que mais que eu vou gostar de estudar e pesquisar? Acho que hoje o cuidado é ainda necessário ser estudado e pesquisado. O pessoal está vindo pelo lado, pesquisando determinados atos, mas não indo a fundo, e isso seria a real contribuição para o cuidado. Eu acho que a gente tem que ter um papel muito importante para o futuro, que é formar enfermeiro (D10)

As experiências de vida constituem um exercício de vir a ser, pois dessa maneira o questionar a realidade e buscar caminhos diferentes constituem o ser enfermeiro-professor mais sensível para o cuidado, pois este está imbricado à solicitude, revelando a propensão do ser-aí para com o outro, no sentido da preocupação e do zelo pelo próximo.

Discussão

Os enfermeiros-professores, neste estudo, demonstram seu modo de ser para o cuidado, de maneiras especiais e peculiares. Através de seu entendimento e suas experiências, concebem sua forma de cuidar no mundo do ensino em enfermagem. De acordo com seus modos de ser, determinam seus horizontes no exercício crítico-reflexivo de suas práticas de cuidado. Destarte, o ser humano só pode definir-se a partir do seu existir, de sua possibilidade de ser ou não ser o que ele é em sua circunvisão. Manifestam o sentido existencial da presença onde o cuidado é ocupação e preocupação(8).

Todavia, o ser enfermeiro-professor transita, concomitantemente, no mundo do cuidado e do ensino, revelando sua versatilidade ao expressar que o cuidado é próximo, amplia os sentidos, promove a autonomia, e é embasado no diálogo. É compreendido como a possibilidade de ser situado nas circunstâncias de seu mundo e ao constante exercício de existir neste, ao passo que os enfermeiros-professores compreendem seu mundo, seus propósitos e os dos outros com quem convivem. É estar lançado no próprio jogo da vida, que através de suas experiências vivenciais abre-se num horizonte de possibilidades, podendo escolher e decidir seus caminhos, o que significa assumir responsabilidades com o presente e com o futuro do ensino do cuidado de enfermagem(9).

O vir-a-ser-com-o-outro pode ser sinalizado quando o cuidado é percebido como uma possibilidade de proximidade, ou estar com o outro, e isso expõe que o cuidado não pode ser realizado sem a presença, ou seja, no modo de ser-aí nas relações com o mundo determinando o seu cotidiano. O modo de estar com os outros rompe a fragmentação do cuidado, favorecendo uma vida melhor e mais saudável, sendo condição fundamental para o cuidado a integração das pessoas em torno do bem como um elo social, político, ético e cultural(10).

O cuidado baseado no diálogo estabelece relações às quais abrem possibilidades para outras dimensões que fortalecem o ser e o fazer da enfermagem, demonstrando que as relações constituídas pela atenção e preocupação com o outro é fundamental, revelando o sentido de ser na própria existência da profissão. As relações estabelecidas no cuidado estão presentes no saber-fazer da enfermagem. Relações de afeto são parte importante do cotidiano do ensinar do professor e constituem o imaginário dos alunos que, ao deparar-se com os cuidados aos pessoas, sentem emergir situações vivenciasda em suas histórias de vida pessoais(11). Dessa forma, o diálogo é um modo existencial de ser-no-mundo dos enfermeiros-professores que buscam, através dele, cuidar do outro.

Sendo assim, o Cuidado próximo é presença. É abertura para a possibilidade de ser e estar-com-o-outro, caracterizando a ocupação no mundo e preocupação com o outro, assumindo a responsabilidade, temporariamente, pelo outro. Por meio da proximidade torna-se possível o diálogo, identificando a necessidade do outro, significando importar-se, sendo e estando com o outro, compartilhando saberes e assumindo a presença como possibilidade de liberdade para poder-ser mais próximo.

A preocupação com o outro também é um modo de ser para o cuidado. Em função disso, os enfermeiros-professores elucidam que o ensino está imbricado com as relações estabelecidas com o próprio aluno, o qual está no mundo do ensino-aprendizado, pois entendem que dessa forma podem, além de cuidar, ensinar na própria convivência. O ser-no-mundo é sempre cuidado à medida que se relaciona com os outros seres, e pontua que a preocupação é também uma ocupação com os outros, e que, cotidianamente, estas estão veladas nas relações sociais, determinando que a condição de convivência humana às vezes se aproxima e, por vezes, se afasta dos que convivem conosco(1).

O cuidado é uma forma de propriedade do modo de ser no mundo, maneira de ser si mesmo em cada novo instante; evidenciando que no ser-aí nada está como é, mas que tudo nele seria um projeto do poder-vir a ser, ou seja, os modos de ser dos enfermeiros enobrecem as maneira de serem para o cuidado. Essa perspectiva implica que o cuidado não é apenas ocupação, no sentido de um uso das coisas no cotidiano e das tarefas mais diversas possíveis junto a essas coisas; tampouco é preocupação, mas indica o comportamento com o outro ou, ainda, para o outro(12).

A possibilidade de pensar que o ser enfermeiro-professor é um profissional, que dentre todas as qualidades, é também sensível para um cuidado diferenciado, que pode fazer a diferença no mundo do ensino de enfermagem. Nesse aspecto é o ser vivendo suas possibilidades em um mundo compartilhado com os outros, demonstrando suas preocupações, caracterizando seu modo de ser para o cuidado. Mostrando-se interessado pela saúde, o bem-estar e a vida do outro, sendo sadio ou enfermo, que se preocupa, respeita, compreende e se responsabiliza pelo cuidado(13). A reflexão constante do exercício do cuidado reforça uma enfermagem humanista, onde a preocupação e o zelo pelas pessoas às quais irão cuidar tornam-se imprescindível.

Em função disso, faz-se necessário que os enfermeiros-professores exercitem a reflexão do ensinar-aprender o cuidado, pautando-se em uma pedagogia a qual privilegia a criticidade e a criatividade no ensino. Para esse desafio, é impreterível que o ensino da enfermagem assuma uma reflexão que sustente uma aprendizagem significativa, transformadora, que considere individualmente o aprendiz com seus potenciais e dificuldades, voltada para a transformação e não para a reprodução acrítica da realidade social(14). Em decorrência disso, os enfermeiros-professores que fazem do cuidado seu modo de ser podem refletir acerca da verdadeira função de ensinar. A “função precípua do professor é cuidar da aprendizagem do aluno, com afinco, dedicação, sistematicidade, continuidade, persistência”(15:24).

Cuidado com a formação é o modo de ser na presença com compromisso junto ao outro, a quem se ensina e a quem se cuida, fazendo escolhas e tomando decisões, com responsabilidade de ensinar. Sendo os modos possíveis de ser na maneira de ocupar-se e preocupar-se com o outro, compreendendo-o, mantendo a rigorosidade de orientá-lo no que se tem de mais próprio, sua essência, criando uma situação de harmonia para tornar o ser o que é.

Em contrapartida, os modos de ser do enfermeiro-professor que ensina-aprende o cuidado é embasado nas vivências e experiências profissionais, onde a busca de conhecimentos fortalece a presença do enfermeiro-professor em sua circunvisão de cuidado. Sendo assim, a sabedoria que é adquirida através da experiência pode ser um fator importante para o ensino do cuidado(16).

Os enfermeiros-professores participantes deste estudo enfatizam que o cuidado ensinado não é o mesmo realizado no cotidiano do trabalho da enfermagem, pois a diversidade na maneira de ensiná-lo pode refletir em um profissional sem bases consolidadas. E, nesse sentido, a formação e a práxis do enfermeiro precisam transitar entre os processos de trabalho nas dimensões cuidadora, gerencial, educadora e de investigação científica, sintonizadas no contexto histórico e social(14).

Por outro lado, essa diversidade pode ser um diferencial na formação dos futuros enfermeiros, tendo em vista o poder vir-a-ser um profissional que reflete e que busca da melhor forma possível as possibilidades para o cuidado. Entende-se que o cuidado é o sentido e o significado do existir do ser humano. É por meio deste que o homem faz presença a si e passa a existir diante do outro e do mundo. Salienta-se, também, que o cuidado, antes mesmo de ser e realizar-se em uma ação, expressa um modo de ser, sentir e viver, estando intrinsecamente relacionado à essência do ser do homem(17).

Este ser humano vive em um mundo constituído pelas relações do homem com as coisas e com os outros homens. Sendo assim, o mundo faz parte do ser, ou seja, estar no mundo da vida é fazer parte dele, encontrando-se diante de desafios e escolhendo seu caminho ante as possibilidades existenciais.

O cuidado do ser-aí é uma dinâmica que reúne a si próprio diante da compreensão de certa incompletude, e da iminente necessidade de lançar-se à sua realização em cada instante da existência, o que o leva a pensar criticamente diante das inúmeras possibilidades de cuidado apresentadas em seu mundo(18).

Nesse sentido, o Cuidado nas vivências profissionais e de vida aliado à busca do conhecimento descreve a historicidade do ser. Ser este que, sendo, está lançado a condições de ser-aí se projetando para poder-ser mais próprio, assumindo a responsabilidade de suas escolhas, as quais lhes trouxeram mudanças, ou crescimento pessoal e profissional, ampliando as possibilidades de poder ser para o cuidado.

Conclusão

Os docentes de enfermagem, deste estudo, percebem o cuidado como algo empático; sendo importante na formação dos futuros profissionais e que a construção do entendimento do cuidado foi estabelecido através das experiências vivenciadas ao longo de suas trajetórias de vida atreladas aos conhecimentos buscados neste ínterim. Possuindo características próprias, compreendem o cuidado de acordo com seus modos de ser, que é percebido por meio das mudanças do cotidiano, construídas no tempo, possibilitando a abertura de horizontes para o ensino do cuidado, ressaltando que a riqueza da diversidade de experienciar o cuidado contribui para a formação de futuros profissionais da enfermagem, entendendo, desta forma, que o cuidado é característica do ser-enfermeiro.

A diversidade dos modos de ser enfermeiro-professor nos remete a pensar que essa pluralidade enriquece o conhecimento e fortalece a base da enfermagem – o cuidado, possibilitando, dessa forma, que os futuros profissionais possam cultivar o exercício da crítica reflexiva, projetando em seus horizontes as maneiras que escolherão para cuidar. Nesse aspecto, podemos elucidar que o enfermeiro-professor, quanto ao cuidado se percebem no exercício de estar aberto a possibilidades, de criar em seu mundo o próprio sentido para o cuidado, refletindo e questionando suas ações, revelando, dessa forma, sua própria existência.

Busca-se através deste estudo fomentar enfermeiros-professores no vir a ser para o cuidado de enfermagem e que seus modos de ser possam ser um diferencial na formação de novos profissionais do cuidado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    14 Nov 2015
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