Open-access O impacto do último enxágue na citotoxicidade de produtos críticos passíveis de processamento*

Impacto del último enjuague en la citotoxicidad de productos críticos pasibles de procesamiento

RESUMO

Objetivo  Avaliar a citotoxicidade de produtos submetidos à contaminação desafio, limpeza baseada em procedimento operacional padrão (POP) validado e enxágue final em diferentes tipos de água: de torneira, deionizada, destilada, tratada por osmose reversa e ultrapurificada.

Método  Estudo experimental e laboratorial. Foram utilizadas como amostras 130 cânulas de hidrodissecção, 26 por grupo experimental, caracterizados, de acordo com a água utilizada no último enxágue. As amostras foram submetidas à contaminação desafio interna e externamente por uma solução contendo 20% sangue de carneiro desfibrinado e 80% de Cloreto de Sódio a 0,9%. Em seguida, tiveram o lúmen preenchido por solução viscoelástica, permanecendo em contato com o contaminante por 50 minutos, sendo então, processadas, de acordo com um POP validado. A citotoxicidade foi avaliada pela captura do corante vital vermelho neutro.

Resultados  Ausência de citotoxicidade nos extratos das amostras.

Conclusão  As amostras não demonstraram citotoxicidade, independentemente da qualidade de água utilizada no último enxágue. Os resultados apresentados puderam ser alcançados unicamente por meio do uso de um procedimento operacional padrão de limpeza validado, baseado em literatura científica, em recomendações oficiais e na legislação relacionada.

Instrumentos Cirúrgicos; Desinfecção; Qualidade da Água; Enfermagem

RESUMEN

Objetivo  Evaluar la citotoxicidad de productos sometidos a contaminación desafío, limpieza siguiendo procedimiento validado y enjuague en diferentes tipos de agua: de caño, desionizada, destilada, tratada por ósmosis inversa y ultrapurificada.

Método  fueron utilizados 130 canulas de hidrosección, 26 por grupo experimental, caracterizadas por el tipo agua utilizada en el último enjuague. La muestras fueron contaminadas interna y externamente por una solución con 20% sangre de carnero desfibrinado y 80% de Cloruro de Sodio a 0,9%. Luego el lumen fue cubierto por la solución viscoelastica, permaneciendo en contacto con el contaminante 50 minutos y posteriormente procesados, siguiendo orientaciones del procedimiento padrón validado. El ensayo de citotoxicidad se realizó mediante la incorporación del colorante vital rojo neutro.

Resultados  ausencia de toxicidad en extractos de las muestras.

Conclusión  no hubo toxicidad en las muestras, independiente del agua utilizada en el último enjuague. Los resultados fueron alcanzados gracias al uso del procedimiento operacional padrón de limpieza validado, embasado en literatura científica, recomendaciones oficiales y en legislación relacionada.

Instrumentos Quirúrgicos; Desinfección; Calidad del Agua; Enfermería

ABSTRACT

Objective  To assess the cytotoxicity of products subsequent to a cleaning process based on a validated standard operating procedure (SOP), and a final rinse with different types of water: tap, deionized, distilled, treated by reverse osmosis and ultra-purified.

Method  This was an experimental and laboratory study. The sample consisted of 130 hydrodissection cannulas, 26 per experimental group, characterized according to type of water used in the final rinse. The samples were submitted to internal and external contamination challenge with a solution containing 20% defibrinated sheep blood and 80% of sodium chloride 0.9%. Next, the lumens were filled with a ophthalmic viscosurgical device, remaining exposed for 50 minutes, and then were processed according to the validated SOP. Cytotoxicity was assessed using neutral red uptake assay.

Results  No cytoxicity was detected in the sample extracts.

Conclusion  The samples did not display signs of cytotoxicity, regardless of final rinse quality. The results obtained were reached by using only a validated cleaning operating procedure, based on the scientific literature, and on official recommendations and related regulation.

Surgical Instruments; Disinfection; Water Quality; Nursing

INTRODUÇÃO

O conhecimento contemporâneo considera a limpeza como o passo fundamental para assegurar o processamento dos produtos para saúde(1). Em razão de sua importância para o sucesso da desinfecção e esterilização, a limpeza dos produtos críticos deve ser realizada com base em Procedimentos Operacionais Padrão (POPs), elaborados com base em referencial científico atualizado e normatização pertinente(2).

Dentre os passos que compõem os POPs de limpeza, o enxágue é um dos aspectos críticos, pois é o procedimento que assegura a remoção dos resíduos remanescentes, sejam orgânicos ou inorgânicos. Com base nesta teorização, a água utilizada tanto na limpeza, como no enxágue dos produtos críticos não deve aumentar a biocarga dos produtos, além de evitar a recontaminação com resíduos da própria água utilizada no último enxágue. Desta forma, a Association for the Advancement of Medical Instrumentation(3), definiu que o último enxágue dos produtos críticos deve ser realizado com água de alta pureza, que requer controle de bactérias, endotoxinas, carbono orgânico total, pH, dureza, resistividade, sólidos dissolvidos totais, cloreto, ferro, cobre, manganês, cor e turbidez. Esta medida visa não só o controle de síndromes tóxicas e reações pirogênicas nos pacientes, como também a conservação do instrumental.

No cotidiano de um Centro de Material e Esterilização (CME) no Brasil, o enxágue dos produtos é comumente realizado com água corrente de torneira. Ciente desta realidade, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 15 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabeleceu que o enxágue final de produtos críticos para saúde, utilizados em cirurgias de implantes ortopédicos, oftalmológicos, cirurgias cardíacas e neurológicas deve ser realizado com água purificada e determina o controle da qualidade da água, com mensuração da dureza da água, pH, íons cloreto, cobre, ferro, manganês e a carga microbiana(2).

Embora esta legislação seja clara em relação ao monitoramento da qualidade da água, ainda restam dúvidas quanto ao real impacto desses contaminantes na segurança do processamento, uma vez que a RDC ANVISA n. 15(2) não define o padrão mínimo de aceitabilidade da qualidade da água purificada, dificultando a interpretação dos valores obtidos pelos serviços de saúde. Adicionalmente, a relação entre a qualidade da água do último enxágue e a segurança dos produtos críticos ainda não foi demonstrada experimentalmente, uma vez que se trata de uma variável difícil de ser isolada.

Com base na problemática das síndromes tóxicas supostamente causadas pelo instrumental enxaguado sem controle da qualidade de água, esta pesquisa propõe avaliar a citotoxicidade dos produtos submetidos à contaminação desafio, limpeza baseada em POP validado e enxágue final em diferentes tipos de água: de torneira, deionizada, destilada, tratada por osmose reversa e ultrapurificada, de forma a demonstrar sua capacidade de causar lesão e morte celular.

MÉTODO

Tipo de estudo: Experimental laboratorial

Amostras: O cálculo do tamanho amostral, realizado com auxílio de um profissional estatístico, foi baseado no efeito dos tratamentos na média de viabilidade celular dos grupos experimentais. Para tanto, utilizou-se o desvio-padrão dentro dos grupos de 40%, sendo estimada uma magnitude do efeito de 0,387, sendo 0,4 o máximo que se deve assumir para o cálculo amostral(4). Foram utilizadas 130 cânulas de hidrodissecção, 26 por grupo experimental, caracterizados, em função do tipo de água utilizado no último enxágue: água de torneira, deionizada, destilada, tratada por osmose reversa e ultrapurificada. Optou-se pela utilização destas cânulas em razão de seu design complexo: 4,0 cm de comprimento, 0,6 mm de diâmetro, 0,2 mm de abertura na porção distal achatada; e pelo fato de entrarem em contato com solução viscoelástica para procedimentos cirúrgicos oftalmológicos, que é de difícil remoção do instrumental, podendo inclusive inutilizar a cânula por obstrução total, quando ressecado no lúmen.

Contaminação: Assepticamente, as amostras foram submetidas à contaminação desafio interna e externamente por uma solução contendo 20% sangue de carneiro desfibrinado e 80% de Cloreto de Sódio a 0,9%. Em seguida, tiveram o lúmen preenchido pela solução viscoelástica, permanecendo em contato com o contaminante por 50 minutos (tempo suficiente para o ressecamento, promovendo condições extremas de sujidade e dificuldade para a limpeza).

Limpeza: Realizada por meio de um protocolo específico para materiais de conformação complexa e validado por meio de testes de citotoxicidade(5): Pré-umectação em água de torneira por aproximadamente cinco minutos; lavagem do lúmen utilizando-se pistola de água sob pressão até a desobstrução e fluxo contínuo por 5 segundos; aspiração do conteúdo da cânula com seringa de 10 mL, conforme orientação do fabricante; lavagem ultrassônica com retrofluxo e detergente enzimático contendo cinco enzimas por 15 minutos a 50 °C; quando necessário, desobstrução do lúmen com haste metálica, conforme orientação do fabricante; enxágue de acordo com o tipo de água para o grupo considerado, por meio de uma seringa de 10 mL; secagem em ar comprimido filtrado; embalagem individual em papel grau cirúrgico e filme; e esterilização em autoclave a 135 °C por 5 minutos.

Grupos controle: Controle positivo – Amostras submetidas à contaminação desafio, imersão em solução de água de torneira e detergente enzimático com cinco enzimas, embalagem e esterilização; Controle negativo – Amostras sem nenhum processamento, embalagem e esterilização; e Controle comparativo – idem aos grupos experimentais, com supressão da fase de secagem. Cada grupo descrito foi constituído de três amostras.

Tratamento da água do último enxágue: A água de torneira foi obtida diretamente da rede de abastecimento, sem qualquer tratamento adicional. Para os demais tipos de água, utilizou-se os seguintes equipamentos: Destilador Cristófoli®, Deionizador de leito misto Purify®, MilliQ® Direct8® com polidor Biopak® (este equipamento foi utilizado na obtenção de água tratada por osmose reversa e ultrapura). Esta pesquisa não teve pretensão de indicar o melhor equipamento de purificação de água. Todas as tecnologias, quando utilizadas isoladamente, apresentaram vantagens e limitações em relação aos contaminantes analisados, demonstrando a necessidade de adequação dos sistemas de tratamento de água, de acordo com o serviço de saúde. Desta forma, a variação observada nos valores era esperada e teve por função sinalizar o possível elemento envolvido na suposta citotoxicidade relacionada ao último enxágue. A caracterização microbiológica e físico-química de cada tipo de água utilizada está representada nos dados da Tabela 1.

Teste de citotoxicidade: Em razão da conformação da amostra, a referência metodológica utilizada foi a captura do corante vital vermelho neutro, que utiliza como parâmetro a viabilidade celular(6). Para estimar a possível diferença na porcentagem de viabilidade celular dos grupos experimentais e grupos controle, optou-se pela utilização do extrato das amostras na maior concentração possível.

Desta forma, a extração foi realizada em volume suficiente para cobrir a amostra, que foi estabelecido em 2,8 mL de meio mínimo essencial de Eagle em solução salina balanceada de Earle, com L-glutamina e 5% de soro fetal bovino. Para que a extração fosse realizada, inicialmente, cada amostra recebeu um flush interno com 2,8 mL de meio de cultura por meio de uma seringa de 5 mL esterilizada e foi acondicionada em um tubo de ensaio estéril contendo o mesmo meio de cultura utilizado no flush. Para assegurar o desprendimento de resíduos, os tubos foram submetidos a três ciclos de ultrassonicação por 5 segundos, com frequência ultrassônica de 40 kHz e potência de 30 W, além de agitação orbital por 5 minutos(7). Após estes procedimentos, os tubos foram mantidos por 24 horas em estufa a 37 °C±1 °C.

Para a realização do teste pela captura do corante vital vermelho neutro, realizou-se os seguintes procedimentos: suspensões de células NCTC clone 929 [Célula L, derivada da linhagem L] (ATCC® CCL1™), na concentração de, aproximadamente, 2,5 x 105/mL em meio mínimo essencial de Eagle em solução salina balanceada de Earle, 0,1 mM de aminoácidos não essenciais, 1 mM de piruvato de sódio e 10% de soro fetal bovino, foram semeadas em volumes de 0,2 mL em microplacas de 96 poços de fundo chato e incubadas por 24 horas, a 37 °C, em atmosfera úmida com 5% de CO2 para formação da monocamada de células(6).

Após o período de incubação, o meio de cultura foi desprezado e substituído por 0,2 mL de meio de cultura contendo o extrato das amostras. As microplacas foram novamente incubadas em estufa por 24 horas a 37 °C, com 5% de CO2. Todos os extratos foram testados em triplicata. Para assegurar a resposta celular a agentes citotóxicos e não citotóxicos, realizou-se um controle positivo e negativo em cada microplaca. Como agente tóxico utilizou-se extrato de látex e como agente atóxico, extrato de papel filtro. Após o tempo de incubação, o meio contendo os extratos foi desprezado e adicionado em cada poço, 0,2 mL de meio sem soro, contendo 50 µg de corante vermelho neutro. As microplacas foram novamente incubadas por 3 horas a 37 °C para permitir a captação do vermelho neutro pelas células vivas. Este meio foi preparado 24 horas antes da utilização e mantido em estufa a 37 °C. Antes do uso, o meio foi centrifugado a 1.500 RPM durante 15 minutos para eliminação dos cristais formados. Ao término do período de captura, o meio foi removido e as células lavadas duas vezes com 0,2 mL de solução salina fosfatada pré-aquecida a 37 °C e uma vez com 0,2 mL de solução aquosa a 40% de formaldeído e 1% de CaCl2, visando à remoção do corante não captado. Esta solução foi descartada, e 0,2 mL de solução aquosa de 1% de ácido acético e 50% de etanol foram adicionados para extrair o corante. Após 10 minutos de agitação, as microplacas foram encaminhadas para leitura da densidade ótica em um leitor de microplacas, com comprimento de onda de 540 nm, com filtro de referência 620 nm(6).

Análise e tratamento dos dados: o interesse desta pesquisa foi avaliar a média das porcentagens de viabilidade celular dos grupos experimentais, após o contato com os extratos das amostras. Nos grupos, foram obtidas as densidades óticas (DO), constatadas por meio do leitor de microplacas. Em seguida, obteve-se a média das DOs das triplicatas e, sequencialmente, a viabilidade celular da amostra, que foi calculada dividindo-se a densidade ótica do extrato das amostras pela densidade ótica do controle celular, composto de células e meio sem extrato, e multiplicando-se o resultado por 100. Uma vez obtida a viabilidade celular de cada amostra, calculou-se a viabilidade celular média de cada grupo experimental, que foi utilizada na apresentação e discussão dos resultados. O método empregado torna possível o cálculo do Índice de Citotoxicidade 50 (IC50), ou seja, a concentração capaz de provocar a perda de 50% da viabilidade celular(6).

RESULTADOS

Os resultados evidenciaram ausência de citotoxicidade nos extratos das amostras, sendo a 91% a viabilidade celular média mais baixa, que foi obtida nas amostras enxaguadas com água destilada, porém não houve diferença estatisticamente significante quando comparada às outras águas de enxágue. O cálculo do IC50 não foi possível, uma vez que os extratos dos grupos experimentais avaliados apresentaram viabilidade celular superior a 50%. Os demais resultados estão apresentados na Tabela 2.

DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa demonstraram que a utilização de POPs de limpeza validados é essencial para garantir a segurança quanto à citotoxicidade de produtos críticos, mesmo em condições extremas de sujidade; que puderam ser constatadas na viabilidade celular média apresentada pelo grupo controle positivo do experimento, 2%.

O POP utilizado resultou em produtos atóxicos, inclusive tornando indiferente a qualidade da água utilizada no último enxágue. Entretanto, ressalta-se que o enxágue deve ser realizado de forma controlada. A título de exemplo; volumes predeterminados, assim como o tempo de uso de aparatos tecnológicos, como pistolas de água sob pressão. Recomendações vagas e subjetivas, como enxágue abundante sem pormenores descritos podem limitar a transposição dos resultados desta pesquisa a prática assistencial, assim como a não observância das instruções de limpeza adicionais, fornecidas pelos fabricantes(5).

No grupo controle comparativo sem secagem, também não foram observadas amostras citotóxicas, sugerindo que a secagem pode não influenciar na citotoxicidade, pelo menos no tempo de aproximadamente 1 hora e 30 minutos, período compreendido entre o término da limpeza e a secagem das amostras. A aplicação deste dado a outros produtos com comprimentos maiores ou constituídos de outras matérias-primas, requer validação.

Em relação ao uso de água de torneira para o último enxágue, há que se ponderar que sua caracterização microbiológica e físico-química é muito diversificada e depende de análise no ponto de uso. Embora os resultados obtidos não tenham evidenciado citotoxicidade, este tipo de água ainda é contraindicado pela falta de controle dos contaminantes de origem biológica, como endotoxinas e bactérias Gram-negativas e pela possibilidade de corrosão do instrumental. Em outras palavras, se o controle de contaminantes não for necessário por motivos relacionados a eventos adversos, será obrigatório para fins de conservação do instrumental.

Adicionalmente, há a problemática da variação sazonal e geográfica dos contaminantes orgânicos e inorgânicos da água(8), além dos biofilmes formados nas tubulações dos sistemas condutores de água, fatos que demandam a adoção de uma rotina de monitoramento constante da qualidade, conforme o exigido pela RDC ANVISA n. 15(2).

O uso de água tratada por deionização no último enxágue apresenta controvérsias. A AAMI(3) endossa o emprego de água deionizada para todas as etapas do processamento, exceto o enxágue final. Esta recomendação baseia-se no tratamento limitado da água que, neste caso, visa remover apenas contaminantes inorgânicos, logo, a contaminação microbiológica pode permanecer, como foi observado na caracterização da água utilizada nesta pesquisa, 530 UFC/mL de bactérias heterotróficas, sendo, portanto, indicado um sistema de filtração da água no final do processo de deionização(3).

Embora a viabilidade celular média encontrada esteja satisfatória, a falta de controle de microrganismos, carbono orgânico total e endotoxinas ainda contraindica a utilização da água deionizada sem controle microbiológico, assim como a água de torneira.

O uso de água destilada é um tema controverso, sobretudo quanto à necessidade de sua esterilidade. Há inclusive uma publicação afirmando que “A única forma segura para remover resíduos de detergentes é através de limpeza com utilização de jatos de água estéril”, sem referência a estudos primários(9). Para a American Society of Cataract and Refractive Surgery e a American Society of Ophthalmic Registered Nurses(10), quando não especificado pelo fabricante, o enxágue final do instrumental de oftalmologia deve ser realizado com água deionizada ou destilada estéril. Esta observação é sustentada por um estudo que demonstrou ausência de citotoxicidade em cânulas processadas e enxaguadas com água destilada estéril(5).

Na presente pesquisa, a esterilidade da água destilada não demonstrou ser uma condição essencial à ausência de citotoxicidade, uma vez que a viabilidade celular média obtida foi de 91%.

Em relação à água tratada por osmose reversa, a viabilidade celular média encontrada foi de 98%, também demonstrando segurança para a realização do último enxágue.

Uma consideração importante a ser realizada, é relacionada às dificuldades no armazenamento adequado da água submetida à osmose reversa ou qualquer outro tratamento. De forma geral, os reservatórios são considerados pontos críticos dos sistemas de tratamento de água e devem ser construídos com material inerte para evitar a contaminação do conteúdo. Além disso, devem ter características e rugosidade apropriadas para dificultar a aderência de resíduos, a formação de biofilme e a corrosão pelos desinfetantes(11). Porém, a RDC ANVISA n. 15(2) não menciona este cuidado e a importância da implantação de protocolos para limpeza e sanitização de reservatórios, que são essenciais para o controle da qualidade da água.

A água ultrapurificada utilizada na presente pesquisa atendeu aos parâmetros microbiológicos da AAMI(3). Esta água não foi armazenada, sendo colhida e utilizada imediatamente após sua geração. Conforme o esperado, as amostras enxaguadas com esta água demonstraram viabilidade celular média de 100%, atestando uma de suas principais aplicações, que é o preparo de meios para a cultura de células.

Portanto, os resultados permitiram afirmar que o enxágue final dos produtos críticos para saúde pouco influencia a citotoxicidade quando a limpeza é realizada observando-se um POP validado. Entretanto, esta constatação não dispensa o controle dos contaminantes do vapor. A norma ANSI/AAMI/ISO 17665-1, parte 2(12) estabelece limites de contaminantes mensurados no condensado do vapor. No referido documento, são considerados tanto contaminantes relacionados à corrosão do instrumental, como a contaminação da carga. Estes aspectos também devem receber atenção pelos serviços de saúde.

CONCLUSÃO

As cânulas de hidrodissecção não demonstraram citotoxicidade, independentemente da qualidade de água utilizada no último enxágue.

Para que o instrumental seja processado com segurança, é fundamental que cada etapa do POP seja baseada em um referencial científico atualizado, nas orientações adicionais fornecidas pelo fabricante e na legislação relacionada. Para assegurar a constância nos resultados, ressalta-se a necessidade de utilização de monitores de limpeza comercialmente disponíveis, visando à identificação de potenciais falhas mecânicas da lavadora ultrassônica, visto que o diâmetro das amostras utilizadas não permite a limpeza manual do lúmen e a inspeção visual, mesmo com lentes de magnificação, é insuficiente para atestar um instrumental isento de resíduos orgânicos. Desta forma, a utilização de monitores de qualidade da limpeza, recomendada pela RDC ANVISA n. 15 de 2012 é um dos itens essenciais para garantia da constância de resultados obtidos com os POPs.

Apesar dos resultados terem demonstrado equivalência quanto à qualidade da água para o último enxágue, aspectos relacionados à conservação do instrumental não fizeram parte do escopo da pesquisa, sendo, portanto, ainda contraindicada a utilização irrestrita de água de torneira no último enxágue. Além disso, ressalta-se que a variabilidade dos contaminantes na água de torneira é difícil de ser prevista, assim como o número de unidades formadoras de colônia em água submetida apenas à deionização.

Para que os resultados obtidos possam ser transpostos para a prática, é necessário ponderar que o enxágue final está condicionado à limpeza baseada em POPs validados e que os resultados desta pesquisa limitam-se ao instrumental cirúrgico novo, o que poderia ser entendido, como em bom estado de conservação, fato que está relacionado ao controle de contaminantes da água, conforme disposto nos manuais de conservação que acompanham o instrumental.

Uma vez que a RDC ANVISA n. 15 de 2012, não especifica os valores-limite para contaminantes na água destinada ao último enxágue de produtos críticos, os valores obtidos na quantificação dos contaminantes da água destilada, tratada por osmose reversa e/ou ultrapurificada podem ser utilizados, como referência para o cumprimento do artigo 74, ao qual se acrescenta o controle de endotoxinas.

Tabela 1
Caracterização físico-química e microbiológica das qualidades de água utilizadas nesta pesquisa e valores-limite estabelecidos pela AAMI (2007) - São Paulo, SP, Brasil, 2014.
Tabela 2
Média, desvio-padrão, valor máximo, valor mínimo e mediana das porcentagens de viabilidade celular obtidas no teste citotoxicidade de cada grupo experimental, com o extrato das amostras a 100% - São Paulo, SP, Brasil, 2014.

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  • Apoio financeiro:
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
  • Este documento possui uma errata: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2024-ER12pt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2015
  • Aceito
    30 Jul 2015
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