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Experiência de mulheres imigrantes no processo de parto e nascimento

RESUMO

Objetivo:

Descrever a experiência de parto de mulheres imigrantes em maternidades do sul do Brasil.

Método:

Estudo descritivo, qualitativo, método História Oral Temática Híbrida, em duas maternidades públicas de Curitiba-PR; entrevistas semiestruturadas coletadas de março a dezembro de 2020. Análise seguiu o método proposto.

Resultados:

As sete colaboradoras imigraram da Venezuela, Haiti e Tunísia. Emergiram como temas relevantes: 1) As surpresas e sentimentos durante o processo de parto, apontando preferências, desfechos de parto inesperados, fatores relacionados à maior incidência de cesariana e descrição de sensações e sentimentos; 2) O cuidado percebido pelas mulheres e as memórias de experiências no país de origem, com relatos de experiência prévia de parto, dificuldades no parto atual e percepções do cuidado recebido.

Conclusão:

O processo de parto foi experienciado com expectativa, acessando sentimentos e memórias. A experiência positiva de parto foi favorecida pelo cuidado da equipe, participação na tomada de decisão, assistência pré-natal bem-informada, vínculo com equipe assistencial, comunicação efetiva e práticas obstétricas baseadas em evidência. Foram percebidos desafios sobre sensibilidade cultural na assistência.

DESCRITORES
Cultura; Emigrantes e Imigrantes; Enfermagem Obstétrica; Parto; Tocologia

ABSTRACT

Objective:

To describe the childbirth experience of immigrant women in maternity hospitals in southern Brazil.

Method:

Descriptive, qualitative study, Hybrid Thematic Oral History method, in two public maternity hospitals in Curitiba-PR; semi-structured interviews collected from March to December 2020. Analysis followed the proposed method.

Results:

The seven interviewees - collaborators immigrated from Venezuela, Haiti and Tunisia. Relevant themes emerged: 1) Surprises and feelings during the childbirth process, pointing out preferences, unexpected birth outcomes, factors related to the higher incidence of C-section and descriptions of sensations and feelings; 2) The care perceived by women and memories of experiences in the country of origin, with reports of previous childbirth experience, difficulties in the current childbirth and perceptions of the care received.

Conclusion:

The childbirth process was experienced with expectation, accessing feelings and memories. The positive childbirth experience was favored by team care, participation in decision-making, well-informed prenatal care, bonding with the care team, effective communication and evidence-based obstetric practices. Challenges were perceived regarding cultural sensitivity in care.

DESCRIPTORS
Culture; Emigrants and Immigrants; Obstetric Nursing; Parturition; Midwifery

RESUMEN

Objetivo:

Describir la experiencia del parto de las mujeres inmigrantes en las maternidades del sur de Brasil.

Método:

Estudio descriptivo, cualitativo, utilizando el método de Historia Oral Temática Híbrida, en dos maternidades públicas de Curitiba-PR; entrevistas semiestructuradas recogidas de marzo a diciembre de 2020. El análisis siguió el método propuesto.

Resultados:

Los siete colaboradores inmigraron de Venezuela, Haití y Túnez. Surgieron como temas relevantes: 1) Sorpresas y sentimientos durante el proceso de parto, señalando preferencias, resultados inesperados del parto, factores relacionados con la mayor incidencia de cesárea y descripción de sensaciones y sentimientos; 2) La atención percibida por las mujeres y recuerdos de experiencias en el país de origen, con experiencia de parto anterior, dificultades en el parto actual y percepción de los cuidados recibidos.

Conclusión:

El proceso del parto se vivió con expectación, accediendo a sensaciones y recuerdos. Una experiencia positiva del parto se vio favorecida por la atención en equipo, la participación en la toma de decisiones, una atención prenatal bien informada, el establecimiento de vínculos con el equipo asistencial, la comunicación eficaz y las prácticas obstétricas basadas en pruebas. Se percibieron retos relacionados con la sensibilidad cultural en la atención.

DESCRIPTORES
Cultura; Emigrantes e inmigrantes; Enfermería Obstétrica; Parto; Partería

INTRODUÇÃO

Em muitas culturas a gravidez e o nascimento são eventos carregados de costumes e valores e trazem em si mudanças complexas para a mulher. A experiência individual é resultado da interação dos significados coletivos que sua cultura proporciona(11. Russo J, Nucci M, Silva FL, Chazan LK. Escalando vulcões: a releitura da dor no parto humanizado. Mana. 2019;25(2):519–50. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p519.
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), isso faz com que mulheres de diferentes contextos tragam consigo os saberes sobre seus corpos, de seus bebês e sobre o cuidado a ambos e tais saberes se cruzam com saberes científicos(22. Rossa LA. Descolonização do corpo e mobilidade humana: mulheres imigrantes e a produção de saberes contra a violência obstétrica. RELACult. 2017;3(1):1–16. doi: http://dx.doi.org/10.23899/relacult.v3i3.596.
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). Nesse cenário, a assistência em saúde reprodutiva à mulher imigrante deve receber atenção. Esse grupo de pessoas em mobilidade está sujeito a vulnerabilidade, precarização das condições de vida e formas distintas de violência produzidas pela desigualdade, seu papel social, de gênero, sexual e reprodutivo, nos períodos que antecedem o trânsito, durante ele e no processo de adaptação ao novo país(33. Nielsson JG, Sturza JM, Wermuth MAD. O direito ao acesso à saúde reprodutiva de mulheres migrantes: desvelando processos de precarização da vida. RDyS. 2019;3(3):109–19. doi: http://dx.doi.org/10.37767/2591-3476(2019)08.
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).

Observam-se eventos que configuram ou favorecem a violência obstétrica contra a mulher imigrante durante a gestação, parto e puerpério(22. Rossa LA. Descolonização do corpo e mobilidade humana: mulheres imigrantes e a produção de saberes contra a violência obstétrica. RELACult. 2017;3(1):1–16. doi: http://dx.doi.org/10.23899/relacult.v3i3.596.
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,44. Silva SRO, Monteiro IF, Castro CM. Da Síria ao Brasil: dimensões culturais de mulheres imigrantes nas percepções do cuidado e assistência à gestação, parto e pós-parto. Ideias. 2021;12:e021004. doi: http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8658527.
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) sendo o desconhecimento da cultura e a comunicação um dos principais desafios enfrentados(44. Silva SRO, Monteiro IF, Castro CM. Da Síria ao Brasil: dimensões culturais de mulheres imigrantes nas percepções do cuidado e assistência à gestação, parto e pós-parto. Ideias. 2021;12:e021004. doi: http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8658527.
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). Assim, para que seja prestada assistência efetiva e integral é indispensável haver estratégias de comunicação, considerando-se que os serviços de saúde são também ambiente de trocas interculturais, pois os valores, crenças e práticas voltadas ao ciclo gravídico-puerperal estão presentes no cuidado tanto na ótica das mulheres, migrantes ou não, quanto dos profissionais de saúde(44. Silva SRO, Monteiro IF, Castro CM. Da Síria ao Brasil: dimensões culturais de mulheres imigrantes nas percepções do cuidado e assistência à gestação, parto e pós-parto. Ideias. 2021;12:e021004. doi: http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8658527.
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).

No contexto brasileiro, entre 2011 e 2020, houve crescimento do número de mulheres migrantes, que representam 363.321 do total de 986.919 imigrações no país no período. As mulheres registradas têm como característica serem jovens e em idade laboral, com maior número dos registros femininos na referida década, 127.027 mulheres, tendo idade entre 25 a 40 anos. Esse movimento migratório representa no sistema de saúde uma busca, principalmente, por atendimentos relacionados à gestação, parto e puerpério(55. Cavalcanti L, Oliveira T, Silva BG. Relatório Anual 2021 – 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil [Internet]. Brasília (DF): Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral; 2021 [cited 2022 Nov 29]. Available from: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf.
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).

Contudo, apesar do tema pertinente e urgente há lacunas na produção de estudos que relacionem a vivência de gestação, parto e nascimento entre mulheres imigrantes, com conhecimento de competências culturais entre a equipe de saúde que as assiste(66. Beek K, McFadden A, Dawson A. The role and scope of practice of midwives in humanitarian settings: a systematic review and content analysis. Hum Resour Health. 2019;17:5. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12960-018-0341-5. PubMed PMID: 30642335.
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). Baseado no cenário de imigração feminina no Brasil e visando promover a humanização da assistência ao parto e nascimento, este estudo buscou contribuir para a melhoria dos cuidados à mulher imigrante durante o atendimento ao parto e nascimento, e teve como objetivo descrever a experiência de mulheres imigrantes no processo de parto e nascimento em duas maternidades públicas do sul do Brasil.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, com o método de História Oral Temática. A História Oral permite que, através da narrativa das pessoas entrevistadas, se acesse a memória e a significação dada por elas sobre o evento de vida; procura que grupos culturalmente minoritários tenham espaço para validar suas experiências de vida e relacionar os valores culturais, concebendo sentido social e identidade comum, de modo que o vínculo entre uma pessoa e outra aconteça por meio da conexão advinda do que resultou das experiências(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.). Por História Oral Temática compreende-se aquela na qual as entrevistas possuem um tema preestabelecido no projeto a ser pesquisado com o objetivo de elucidar situações conflitantes e desconhecidas relacionadas a ele. Parte-se da ideia de que se pesquisarmos dado grupo social, demográfico ou étnico, este grupo revelará consenso sobre determinado tema(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.).

Local

A pesquisa foi empreendida em Curitiba, capital do estado do Paraná, na região sul do Brasil, estado que concentrou 23.695 dos registros de mulheres imigrantes na década de 2011–2020 e é uma das principais portas de entrada dessa população no país(55. Cavalcanti L, Oliveira T, Silva BG. Relatório Anual 2021 – 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil [Internet]. Brasília (DF): Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral; 2021 [cited 2022 Nov 29]. Available from: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf.
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). O local da pesquisa foram duas maternidades pertencentes ao Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC UFPR), que prestavam atendimento a gestantes estratificadas como risco habitual, intermediário e alto risco da cidade e municípios vizinhos, conforme pactuação estadual.

A Maternidade Victor Ferreira do Amaral, com estrutura física própria, atendia gestantes de risco habitual, além de outros procedimentos obstétricos e ginecológicos de baixo risco e ações de planejamento familiar. A segunda maternidade é adjunta à estrutura física do CHC UFPR, sendo que o setor de maternidade é ala específica, com entrada própria, atendendo mulheres de alto risco gestacional. A estrutura compreende o pronto atendimento obstétrico, aconselhamento genético, atendimento de tocoginecologia e pré-natal de alto risco, centro cirúrgico obstétrico, alojamento conjunto, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIn) e ala de atendimentos de ginecologia, tendo no seu corpo clínico uma equipe multiprofissional, incluindo estudantes em formação nos âmbitos de residência e graduação.

População

Para seleção das participantes, denominadas em História Oral como colaboradoras, foram seguidas as definições metodológicas de comunidade de destino, colônia e rede. Por comunidade de destino entende-se um grande número de pessoas que passaram por uma situação crítica, dramática, em comum, de maneira que essa experiência une as pessoas, originando memórias comunitárias(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.); no caso desta pesquisa foram “Mulheres imigrantes que residem na cidade de Curitiba”. A colônia é um recorte da comunidade de destino, mantendo as características comuns das colaboradoras; pode ser feito de acordo com o gênero, faixa etária, procedência, ou outros aspectos semelhantes(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.); aqui foram “Mulheres imigrantes que residem na cidade de Curitiba e tiveram experiência de parto e nascimento na cidade”. E a rede, um delineamento ainda mais específico da colônia, composto por pessoas que passaram por situação dramática em comum(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.), sendo aqui “As mulheres que migraram para Curitiba, que tiveram a experiência de parto de nascimento na cidade, na sua diversidade de país de origem, religião, contexto familiar, via de parto, entre outros”.

Critérios de Inclusão e Exclusão

Foram critérios de inclusão as mulheres imigrantes, que tiveram seus partos nas referidas maternidades no ano de 2020; que tiveram seus bebês entre 38 e 42 semanas de gestação, via parto normal ou cesárea, que estavam com seu recém-nascido em alojamento conjunto ou na UTIn, e que conseguissem se comunicar nas línguas: português, espanhol, inglês, francês e crioulo. Como critérios de exclusão, participantes menores de 18 anos, sem acompanhante de maior idade legal; que tiveram a experiência de parto devido a óbito fetal; ou partos prematuros; as participantes cujo idioma escolhido não possuísse tradutor disponível na equipe de pesquisa. Uma participante, cujo idioma crioulo falado tinha um sotaque desconhecido da pesquisadora tradutora, foi excluída da pesquisa.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi de março a dezembro de 2020, durante a pandemia de COVID-19, com entrevistas semiestruturadas, sendo a pergunta norteadora “Conte-me como foi a sua experiência do seu parto nesta maternidade”. As entrevistas foram gravadas, gerando total de 66 minutos e 81 segundos de áudio, que transcritas resultaram em 19 páginas de texto e foram coletadas pela pesquisadora, autora principal deste artigo, à época mestranda e enfermeira obstétrica tendo, em sua experiência, sido gestante e parturiente imigrante em outro país. Para a transcrição participaram, além da pesquisadora principal, uma aluna haitiana da graduação em enfermagem da UFPR e uma aluna de pós-graduação membro do grupo de pesquisa. No caderno de campo foram registradas informações sobre todo projeto(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.).

Para recrutamento das colaboradoras, os serviços foram contactados para localizar mulheres que cumpriam os critérios; na sequência houve a pré-entrevista, o primeiro contato com a colaboradora, na enfermaria de alojamento conjunto durante a internação puerperal, antes da alta. Após convite e aceite para participar da pesquisa, foram coletados dados de identificação e contato e agendado horário e local para a entrevista. As entrevistas ocorreram conforme agendado com cada colaboradora, conduzidas pela autora principal e iniciadas após nova apresentação sobre a pesquisa e dos procedimentos relativos ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); foram realizadas em sala privativa nas maternidades ou outro ambiente hospitalar que garantisse privacidade. As colaboradoras foram convidadas a permanecerem em contato para devolutiva após a versão final do texto.

Análise e Tratamento dos Dados

Após a entrevista, os dados passaram pelos processos propostos pelo método, sendo a Transcrição quando o conteúdo narrado é transcrito de forma integral e absoluta; a Textualização onde as perguntas e ruídos externos são excluídos e corrigidos erros gramaticais, elencado o tom vital da entrevista, sendo a frase dita pela colaboradora o que aponta para a essência do seu discurso; e a Transcriação em que há uma organização do texto para que a ideia principal seja compreendida sem que se perca a intenção original, com as ideias formando uma história, com o tom vital como guia(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.).

Em História Oral as entrevistas isoladas não falam por si, são apenas textos ao acaso; é necessário um processo de análise que alinhe os relatos e promova uma intercessão entre eles(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.). Assim, realizou-se leitura minuciosa de cada entrevista, releitura com o olhar amplo visualizando o que o conjunto de narrativas revelou sobre o processo de parto e nascimento de mulheres imigrantes. Depois de nova leitura, extrairam-se os temas relevantes do estudo quais foram “As surpresas e sentimentos durante o processo de parto” que aborda as preferências, desfechos de parto inesperados, fatores relacionados à maior incidência de cesariana, e a descrição de sensações e sentimentos; e “O cuidado percebido pelas mulheres e as memórias de experiências no país de origem” que revela as experiências de parto anteriores, dificuldades enfrentadas no parto atual e as percepções de cuidado recebido pela equipe multiprofissional durante o processo de parto. A análise foi realizada com os temas relevantes, pois a constatação destes “pontos de união” internos, permite ao pesquisador visualizar a dimensão social do contexto que os cerca(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.).

Aspectos Éticos

A coleta de dados foi iniciada após aprovação nº 3.793.262 no ano de 2019, pelo Comitê de Ética do Departamento de Pesquisa do CHC UFPR, Colegiado da Maternidade Victor Ferreira do Amaral e Departamento de Tocoginecologia da UFPR. As colaboradoras assinaram o TCLE previamente para proceder às entrevistas. Para preservar o anonimato nas narrativas, o nome original de cada participante foi substituído pelo nome de uma cidade do seu país de origem, escolhido pela participante. Foram seguidos princípios éticos e legais da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde(88. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União; Brasília; 13 jun. 2013.). Foi oportunizado que cada colaboradora acessasse o texto final e aprovasse a versão final na Carta de Cessão por meio digital ou presencialmente em local de sua escolha. A Carta de Cessão é documento inerente às pesquisas em História Oral e ao assiná-la é concedida aprovação dos textos como parte do estudo(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.).

RESULTADOS

A construção do saber por meio das histórias de um grupo de indivíduos parte do ponto de reconhecer aquilo que os vincula, entender o cenário de onde vem e onde estão e interligar esses muitos pontos à sua narrativa e às narrativas do coletivo(77. Meihy JCSB, Holanda F. História Oral: como fazer, como pensar. 2. ed. São Paulo: Contexto; 2018.).

Participaram sete mulheres imigrantes provenientes da Venezuela, Haiti e Tunísia sendo os idiomas utilizados o português, espanhol, inglês, francês e crioulo. O período de residência no Brasil variou de três meses a mais de quatro anos. Tinham idade entre 30 e 38 anos, seis eram casadas, sobre a escolaridade, quatro tinham ensino médio completo. No que diz respeito à paridade duas eram primíparas e cinco multíparas e a principal via de nascimento foi cirúrgica (Tabela 1). Não houve recusa ou desistência de colaboradoras na coleta de dados, contudo o acesso às puérperas internadas foi dificultado devido aos protocolos de segurança da pandemia Covid-19.

Tabela 1
Caracterização das Colaboradoras – Curitiba, PR, Brasil, 2020.

Após transcriação e análise das narrativas, emergiram dois temas relevantes: 1) As surpresas e sentimentos durante o processo de parto, demonstrando preferências e desfechos de parto inesperados, fatores relacionados à maior incidência de cesariana e manifestação de sensações e sentimentos; 2) O cuidado percebido pelas mulheres e as memórias de experiências no país de origem, abordando experiências prévias, dificuldades no parto atual e percepções de cuidado recebido pela equipe multiprofissional.

As Surpresas e Sentimentos Durante o Processo de Parto

O processo de parto é um evento surpreendente sendo que o encontro com o inesperado permeou as narrativas. No que concerne a isso, três colaboradoras foram surpreendidas pela antecipação do parto após consulta de rotina, seis pelo desfecho da via de parto, outras pela falta de controle e pelo desconhecido que o parto representou, enquanto para as mulheres multíparas isso aconteceu no processo de nascimento:

Cheguei aqui (hospital) só para estabilizar minha pressão. Quando eu cheguei aqui nunca imaginei que iria ganhar neném. Eu sempre quis ter o bebê de parto normal. Foi uma surpresa. Eu não estava preparada para ganhar ela agora. Mas graças aos médicos daqui ela veio (Maracaibo).

Sobre as expectativas com a via de parto, duas multíparas cada qual com uma cesariana anterior, elegeram novamente a cirurgia cesárea como via de parto; outras quatro tiveram cesáreas por indicação emergencial tendo como motivos descritos para tais indicações falha da progressão do trabalho de parto com alteração de cardio-toco fetal, sofrimento fetal agudo, hipertensão materna e pré-eclâmpsia:

A cabeça do bebê estava quase saindo. Mas ele viu que o bebê fez cocô dentro da minha barriga. Então ela chamou outro médico, que disse que não dava para fazer o parto normal. E (pausa) teria que ir rápido para a cesárea (Porto Príncipe).

Foi percebido que, com exceção das duas multíparas com cesariana anterior, as outras participantes preferiram a via de parto vaginal tendo como único motivo claro a possibilidade de ter o recém-nascido perto no pós-parto imediato. Sobre a preferência da via cirúrgica as motivações levantadas foram de preparar ajuda no ambiente familiar e com os filhos que ficariam em casa:

(...) eu não queria parto normal, eu queria era cesárea. Para complicar, a minha mãe que estava trabalhando, já havia pedido suas férias. Meu esposo também. () Eu não queria esperar as 41 semanas porque, tenho familiares que haviam se programado para me ajudar (Valência).

O processo de parto e nascimento foi permeado de emoção. O processo interno feminino, sensações fisiológicas e pensamentos evocam sentimentos e lembranças, fortemente presentes no transcurso de nascer. A dor foi tema unânime independente se houve parto natural ou induzido, tendo também sido apresentada como dor puerperal e dor pós cesárea:

Essa noite não pude dormir. A dor foi horrível (...) Mas não aguentava a dor, não aguentava a dor. Vinham as contrações e me vinha a dor. (...) Eu vi a Deus (risos), porque as dores eram insuportáveis e eu não estava dilatando. Já haviam feito o toque duas vezes e já estava voltando um líquido de uma cor marrom. Eles falaram que eu tinha 2 e nada mais de dilatação. Eu já não queria fazer outro toque, estava muito dolorida (Valência).

As sensações de medo, tristeza, solidão e infelicidade foram relatadas:

Quando eles me falaram que teriam que fazer uma cesariana porque o bebê podia estar com sofrimento fetal. Eu não acreditei. Até chorei, porque não era o que eu queria. (...) Eu tive medo, porque eu não queria cirurgia (Maracaibo).

Muitas colaboradoras descreveram a experiência de forma positiva. O sentimento de felicidade foi especialmente relacionado à alta hospitalar e ao nascimento:

Hoje estou me sentindo feliz, estou feliz. (...) Agora estou feliz. Foi um parto bom, muito bom (Porto Príncipe).

Uma das colaboradoras, especificamente, relatou medo relacionado a desconfiança com a equipe assistencial formada por alunos, quando diz Eu tive medo, quando vi tantos jovens (Tunes); outra colaboradora ao se deparar sozinha e com náuseas durante a cirurgia sentiu-se acolhida e cuidada:

Nesse momento o meu marido estava fora. Eu estava muito nervosa, mesmo com eles falando comigo. No momento que eu estava passando mal, eles falaram “é normal, é normal”. Eles pegaram uma toalha porque eu não podia mexer em nada. Eu não sentia nada, só sentia em cima, a vontade de vomitar. Só que no meu pensamento eu não queria vomitar. Também não queria passar vergonha. O médico falou “tem que ficar calma, não se preocupa”, e colocou a toalha para mim, perto da minha boca. Troca a toalha, passa a mão, me ajuda, cuida de tudo. Se não fosse eles, acho que eu estava pior (Delmas).

O Cuidado Percebido Pelas Mulheres e as Memórias de Experiências no País de Origem

As experiências foram permeadas por memórias e comparações com parto anterior e com o atendimento obstétrico no país de origem. De forma unânime as multíparas que pariram em outros países preferiram o parto no Brasil, relacionando essa escolha à gratuidade do serviço público e possibilidade de desfrutá-lo sem visto específico ou seguro de saúde:

Meu outro parto foi normal, em um hospital no Haiti. Mas achei o parto aqui melhor, porque não tem que pagar nada. Tudo é de graça, e está bem confortável (Carrefour).

Experiências negativas de parto anterior foram intimamente ligadas às expectativas do parto atual. Foi relatado o atendimento obstétrico precário e depreciativo no país de origem levando-as à insegurança sobre a assistência brasileira:

Esperei alguns dias para procurar ajuda, porque não tenho uma boa experiência do meu país. Lá quando a mulher vai sofrendo para o hospital, é muito judiada (Maracaibo).

Foi demonstrada satisfação com o tratamento recebido pela equipe em ambos os locais, estando diretamente relacionada à percepção de ser cuidada, tendo o cuidado sido descrito como presença, atenção, escuta e ação do profissional, em sua maioria diante de momentos de vulnerabilidade e dor. O cuidado de enfermagem, no que tange à avaliação clínica da mulher e bebê, a aspectos práticos como cuidados com coto umbilical, higiene, amamentação e no que se refere à sentir-se vista pelo olhar de cuidado, foi citado positivamente na experiência de parto no Brasil:

Fiz meu atendimento com as enfermeiras, e foi tudo ótimo, ótimo. Elas me explicaram tudo: como amamentar meu bebê, como limpar umbigo, como banha-lo, seu primeiro banho. (...) meu outro filho tem um ano e oito meses, nasceu no Peru de cesárea também, porque estava sentado. Eu gostei mais daqui. A atenção, o parto, estadia, limpeza, foi muito diferente. Hoje me sinto alegre (risos), feliz, porque me escutaram (Valência)

Troca a toalha, passa a mão, me ajuda, cuida de tudo. Se não fosse eles, acho que eu estava pior. (...) Eu estava passando tão mal, alguém saiu correndo para chamar os médicos, eles foram demais. Me levantaram, me levaram de volta para a sala, me fizeram remédio. Tudo, tudo, tudo bem certinho. Se não fosse por eles eu ia morrer (Delmas)

O cuidado, além de alívio momentâneo, oportunizou participação no processo de decisão do parto. Uma colaboradora usou a palavra humanização ao descrever seu atendimento e relacionou este conceito à simpatia e respeito no cuidado. Nos cenários em que a colaboradora foi protagonista, os relatos foram mais positivos:

E uma coisa que eu queria muito, era tirar uma foto com minha filha perto de mim. Eles (equipe na sala) me ajudam. O meu celular estava descarregando, um deles me emprestou o celular para tirar foto. Que coisa mais preciosa! Eles podiam achar que isso é perda de tempo, mas me ajudaram bastante, bastante (Delmas).

Sobre barreiras percebidas, houve intervenções negativas, dentre elas o toque vaginal recorrente:

As dores eram insuportáveis e eu não estava dilatando. Já haviam feito o toque duas vezes e já estava voltando um líquido de uma cor marrom. (...) Eu já não queria fazer outro toque, estava muito dolorida (Valência).

Outra barreira foi a dificuldade na comunicação relatada como não compreensão de termos médicos ou habilidade na língua portuguesa brasileira e a sensação de não ser ouvida e compreendida, barreira transposta à medida que a equipe assistencial adaptava sua fala. Apesar de algumas colaboradoras se comunicarem em português, no caderno de campo registrou-se sua preferência em comunicar-se na língua materna:

(...) os médicos aqui no meu quarto, explicam bem, falam a língua Portuguesa devagar para eu compreender bem, por eu ser estrangeira e perguntam se eu entendi (Tunes).

DISCUSSÃO

No Brasil os principais grupos de imigrantes são haitianos e venezuelanos. Nos pontos de entradas nas fronteiras brasileiras, as mulheres de nacionalidade argentina, estadunidense, francesa e portuguesa foram as nacionalidades mais comuns. Embora em menor número, também estiveram presentes mulheres paraguaias, chilenas, uruguaias, bolivianas, peruanas, e mais para o final da última década destaca-se as entradas das haitianas e venezuelanas(55. Cavalcanti L, Oliveira T, Silva BG. Relatório Anual 2021 – 2011-2020: uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil [Internet]. Brasília (DF): Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Conselho Nacional de Imigração, Coordenação Geral de Imigração Laboral; 2021 [cited 2022 Nov 29]. Available from: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Relato%CC%81rio_Anual_-_Completo.pdf.
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/imag...
). Mulheres imigrantes são grupo vulnerável para o cuidado em saúde(33. Nielsson JG, Sturza JM, Wermuth MAD. O direito ao acesso à saúde reprodutiva de mulheres migrantes: desvelando processos de precarização da vida. RDyS. 2019;3(3):109–19. doi: http://dx.doi.org/10.37767/2591-3476(2019)08.
https://doi.org/10.37767/2591-3476(2019)...
), contudo, essas mulheres têm demonstrado acesso ao sistema de saúde brasileiro nos últimos anos, principalmente aos serviços de cuidado maternos relacionados à gestação, parto e puerpério, serviços de média complexidade e realização de exames no território(22. Rossa LA. Descolonização do corpo e mobilidade humana: mulheres imigrantes e a produção de saberes contra a violência obstétrica. RELACult. 2017;3(1):1–16. doi: http://dx.doi.org/10.23899/relacult.v3i3.596.
https://doi.org/10.23899/relacult.v3i3.5...
,44. Silva SRO, Monteiro IF, Castro CM. Da Síria ao Brasil: dimensões culturais de mulheres imigrantes nas percepções do cuidado e assistência à gestação, parto e pós-parto. Ideias. 2021;12:e021004. doi: http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8658527.
https://doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8...
).

As expectativas de mulheres imigrantes ao redor do parto e nascimento são moldadas pelas suas experiências em seu país de origem. Essas mulheres possuem lentes diversas e multiculturais sobre o parto tradicional e o que elas preferem(99. Benza S, Liamputtong P. Pregnancy, childbirth and motherhood: a metasynthesis of the lived experiences of immigrant women. Midwifery. 2014;30(6):575–84. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.midw.2014.03.005. PubMed PMID: 24690130.
https://doi.org/10.1016/j.midw.2014.03.0...
). No cenário internacional há relatos de preferência pelo parto vaginal entre mulheres imigrantes(99. Benza S, Liamputtong P. Pregnancy, childbirth and motherhood: a metasynthesis of the lived experiences of immigrant women. Midwifery. 2014;30(6):575–84. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.midw.2014.03.005. PubMed PMID: 24690130.
https://doi.org/10.1016/j.midw.2014.03.0...

10. Khanlou N, Haque N, Skinner A, Mantini A, Kurtz Landy C. Scoping review on maternal health among immigrant and refugee women in canada: prenatal, intrapartum, and postnatal care. J Pregnancy. 2017;2017:8783294. doi: http://dx.doi.org/10.1155/2017/8783294. PubMed PMID: 28210508.
https://doi.org/10.1155/2017/8783294...
-1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
). Sobre a experiência de parto de mulheres japonesas em Bali, apontou-se que a maioria delas também esperavam experimentar o parto normal e que esta via é a normalizada em sua cultura de origem, contudo algumas participantes tiveram que lidar com a frustração de ter um parto cirúrgico. O que as ajudou a superarem essa frustação foi a certeza de que o bebê estava bem e de que a equipe indicou a cirurgia porque era necessária(1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
).

No cenário brasileiro, mulheres imigrantes sírias vivendo em São Paulo relataram seu desejo pela cesariana eletiva e a surpresa em não a conseguir facilmente no sistema brasileiro e essa impossibilidade de escolher a via de parto previamente foi impactante, pois estavam acostumadas com a cultura de seu país de origem, sendo que principalmente as mulheres cristãs preferiam a cesárea para evitarem a dor(44. Silva SRO, Monteiro IF, Castro CM. Da Síria ao Brasil: dimensões culturais de mulheres imigrantes nas percepções do cuidado e assistência à gestação, parto e pós-parto. Ideias. 2021;12:e021004. doi: http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8658527.
https://doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8...
).

Há registros de maior ocorrência de cesariana entre imigrantes, com o país de origem podendo estar associado à uma maior indicação dessa cirurgia(1010. Khanlou N, Haque N, Skinner A, Mantini A, Kurtz Landy C. Scoping review on maternal health among immigrant and refugee women in canada: prenatal, intrapartum, and postnatal care. J Pregnancy. 2017;2017:8783294. doi: http://dx.doi.org/10.1155/2017/8783294. PubMed PMID: 28210508.
https://doi.org/10.1155/2017/8783294...
), incluindo cesariana de emergência(1212. Bakken KS, Skjeldal OH, Stray Pedersen B. Immigrants from conflictzone countries: an observational comparison study of obstetric outcomes in a lowrisk maternity ward in Norway. BMC Pregnancy Childbirth. 2015;15:163. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-015-0603-3. PubMed PMID: 26243275.
https://doi.org/10.1186/s12884-015-0603-...
). Em mulheres imigrantes multíparas essa via de nascimento é indicada por terem tido cesarianas anteriores(1313. Gonzalez-Mendez E, Gonzalez-Maddux C, Hall C, Maddux-Gonzalez M, Handley MA. An examination of cesarean and vaginal birth histories among Hispanic women entering prenatal care in two California counties with large immigrant populations. J Immigr Minor Health. 2012;14(2):209–14. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10903-011-9450-0. PubMed PMID: 21298482.
https://doi.org/10.1007/s10903-011-9450-...
).

Em relação às sensações e sentimentos, a dor é um tema usualmente apresentado nos estudos sobre parto e nascimento. O evento da dor é construído como o entrelaçar de fios do corpo, da linguagem e da cultura. Entender a dor, seria ler o que ela transmite; seria como apreciar o surgimento de uma figura no tecer do bordado(11. Russo J, Nucci M, Silva FL, Chazan LK. Escalando vulcões: a releitura da dor no parto humanizado. Mana. 2019;25(2):519–50. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p519.
https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25...
).

Ao investigar sobre os valores culturais ligados a dor no parto e como esses valores influenciam essa experiência, pouco mais da metade (56%) das participantes tiveram uma resposta acurada sobre o porquê há dor durante o trabalho de parto, relacionando a dor ao primeiro e segundo estágios do parto. Ressaltaram os autores que seis participantes responderam a essa pergunta ligando aspectos ideológicos e religiosos à dor no parto, tais como maldição divina, karma e semelhantes, verificando também que a dor foi descrita por 43% das participantes utilizando vocábulos de violência com algumas relacionando a dor do parto com sentimento de medo e solidão(1414. Mathur VA, Morris T, McNamara K. Cultural conceptions of Women’s labor pain and labor pain management: A mixed-method analysis. Soc Sci Med. 2020;261:113240. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.113240. PubMed PMID: 32758799.
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020...
).

Contribuindo com essa percepção, puérperas muçulmanas em São Paulo relataram que elas e sua comunidade preferiam o parto normal; a dor é a permissão de Alá, uma predestinação divina para aquela mulher; negar a dor, seria negar aquilo que constrói o seu ser(44. Silva SRO, Monteiro IF, Castro CM. Da Síria ao Brasil: dimensões culturais de mulheres imigrantes nas percepções do cuidado e assistência à gestação, parto e pós-parto. Ideias. 2021;12:e021004. doi: http://dx.doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8658527.
https://doi.org/10.20396/ideias.v12i00.8...
). Por outro lado, houve relatos de mulheres imigrantes que tiveram cesarianas, mas que potencialmente teriam suportado a dor do trabalho de parto se tivessem recebido apoio e encorajamento(1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
). Estudos internacionais diferem no acesso de mulheres imigrantes a analgesias farmacológicas e não farmacológicas(1010. Khanlou N, Haque N, Skinner A, Mantini A, Kurtz Landy C. Scoping review on maternal health among immigrant and refugee women in canada: prenatal, intrapartum, and postnatal care. J Pregnancy. 2017;2017:8783294. doi: http://dx.doi.org/10.1155/2017/8783294. PubMed PMID: 28210508.
https://doi.org/10.1155/2017/8783294...
,1515. Husarova V, Macdarby L, Dicker P, Malone FD, McCaul CL. The use of pain relief during labor among migrant obstetric populations. Int J Gynaecol Obstet. 2016;135(2):200–4. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijgo.2016.05.003. PubMed PMID: 27663486.
https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2016.05.0...
,1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
), contudo, nosso estudo limitou-se a não adentrar na percepção das colaboradoras sobre o uso de analgesias.

Semelhante a nosso estudo, outros apontaram que o medo entre mulheres imigrantes aparece com mais frequência relacionado a insegurança e falta de suporte assistencial. O sistema de saúde e práticas de cuidado desconhecidos e diferentes, a dificuldade de registro e acesso à informações, as barreiras linguísticas(1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
,1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
), solidão e medo de maus tratos(1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
), e o cuidado não centrado na mulher são fatores que antecedem o parto, mas que alimentam a sensação de insatisfação(1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
,1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
,1717. Seo JY, Kim W, Dickerson SS. Korean immigrant women’s lived experience of childbirth in the United States. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2014;43(3):305–17. doi: http://dx.doi.org/10.1111/1552-6909.12313. PubMed PMID: 24754477.
https://doi.org/10.1111/1552-6909.12313...
).

Parturientes imigrantes têm medo de serem tratadas de maneira diferente pela equipe assistencial, muitas vezes as imigrantes desconhecem se o atendimento ao parto será parecido ao de seu país ou se seus costumes serão respeitados pela equipe sendo que a sensação de vulnerabilidade e desconfiança pode ser agravada pela dificuldade de comunicação(1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
). Medo e frustração de mulheres imigrantes diante de sistemas obstétricos diferentes sejam eles mais intervencionistas ou mais baseados em evidências científicas foram apontados por outros estudos(1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
,1818. Korukcu O, Aydin R, Conway J, Kukulu K. Motherhood in the shade of migration: a qualitative study of the experience of Syrian refugee mothers living in Turkey. Nurs Health Sci. 2018;20(1):46–53. doi: http://dx.doi.org/10.1111/nhs.12379. PubMed PMID: 29094494.
https://doi.org/10.1111/nhs.12379...
,1919. Crowther S, Lau A. Migrant Polish women overcoming communication challenges in Scottish maternity services: a qualitative descriptive study. Midwifery. 2019;72:30–8. http://dx.doi.org/10.1016/j.midw.2019.02.004. PubMed PMID: 30771608.
https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.02.0...
).

Uma assistência obstétrica ruim, desumana, tem um impacto persistente na vida das mulheres, o que faz com que muitas revivam e relatem a experiência do parto anterior no presente, reforçando a ideia de que a experiência de parto não é estática, mas algo orgânico, ativo e transformador; seu significado tem capacidade de ecoar até as gerações futuras(2020. Gagnon R, Champagne-Poirier O. Giving birth to another child: women’s perceptions of their childbirth experiences in Quebec. Qual Health Res. 2021;31(5):955–66. doi: http://dx.doi.org/10.1177/1049732320987831. PubMed PMID: 33530882.
https://doi.org/10.1177/1049732320987831...
). As memórias apresentadas pelas colaboradoras deste estudo descrevem um cenário de violência obstétrica, prevalecendo o desrespeito e indiferença. A apropriação do corpo alheio da mulher ocorre por meio de intervenções abusivas levando-a perder a sua autonomia e protagonismo, sobretudo no momento do parto(22. Rossa LA. Descolonização do corpo e mobilidade humana: mulheres imigrantes e a produção de saberes contra a violência obstétrica. RELACult. 2017;3(1):1–16. doi: http://dx.doi.org/10.23899/relacult.v3i3.596.
https://doi.org/10.23899/relacult.v3i3.5...
).

Apesar das barreiras relatadas na experiência de parto, a satisfação positiva como resposta superficial ao atendimento no parto é comum em quase todos os cenários. Mulheres imigrantes também aparecem como mais satisfeitas que mulheres nativas em relação aos serviços de saúde materna(2121. Peters IA, Posthumus AG, Steegers EAP, Denktaş S. Satisfaction with obstetric care in a population of low-educated native Dutch and non-western minority women. Focus group research. PLoS One. 2019;14(1):e0210506. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0210506. PubMed PMID: 30703116.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
,2222. Gürbüz B, Großkreutz C, Vortel M, Borde T, Rancourt RC, Stepan H, et al. The influence of migration on women’s satisfaction during pregnancy and birth: results of a comparative prospective study with the Migrant Friendly Maternity Care Questionnaire (MFMCQ). Arch Gynecol Obstet. 2019;300(3):555–67. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00404-019-05227-4. PubMed PMID: 31267197.
https://doi.org/10.1007/s00404-019-05227...
). Em um primeiro momento essas mulheres tendem a relatar satisfação com o atendimento perinatal recebido, contudo quando se avalia as experiências categoricamente, mulheres imigrantes se queixam de aspectos fundamentais ao cuidado(2121. Peters IA, Posthumus AG, Steegers EAP, Denktaş S. Satisfaction with obstetric care in a population of low-educated native Dutch and non-western minority women. Focus group research. PLoS One. 2019;14(1):e0210506. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0210506. PubMed PMID: 30703116.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
).

Neste aspecto, mulheres imigrantes de baixo nível socioeconômico na Alemanha tiveram opiniões negativas a respeito da comunicação e dignidade quando refletiram a fundo sobre sua vivência. Somada a uma comunicação prejudicada, a sensação de desrespeito pelos profissionais foi agravada através da interação não verbal e comentários depreciativos à comunidade ou nacionalidade que aquela mulher fazia parte. Queixas pessoais como demora no processo, presença de fluidos com mau cheiro e cansaço do profissional durante o processo também interferiram negativamente na sensação de dignidade, respeito e empoderamento das mulheres(2121. Peters IA, Posthumus AG, Steegers EAP, Denktaş S. Satisfaction with obstetric care in a population of low-educated native Dutch and non-western minority women. Focus group research. PLoS One. 2019;14(1):e0210506. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0210506. PubMed PMID: 30703116.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
).

Faz-se então necessário discutir sobre a o cuidado prestado pela equipe multiprofissional e a sensação de cuidado percebida pelas mulheres imigrantes. Essa diferenciação é necessária, pois dentre os percalços do processo de comunicação previamente descritos, nem sempre o cuidado realizado é o cuidado percebido e ambos impactam na percepção da mulher sobre o seu processo de parto(2121. Peters IA, Posthumus AG, Steegers EAP, Denktaş S. Satisfaction with obstetric care in a population of low-educated native Dutch and non-western minority women. Focus group research. PLoS One. 2019;14(1):e0210506. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0210506. PubMed PMID: 30703116.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
,2323. Vidal AT, Barreto JOM, Rattner D. Barriers to implementing childbirth recommendations in Brazil: the women’s perspective. Rev Panam Salud Publica. 2021;45:e17. doi: http://dx.doi.org/10.26633/RPSP.2021.17. PubMed PMID: 33643400.
https://doi.org/10.26633/RPSP.2021.17...
).

No presente estudo as palavras das colaboradoras para descreverem o cuidado percebido foram: “estar perto”, “preocupados”, “acalmar”, “apoio” e “passar a mão”. Semelhantemente, mulheres sírias na Turquia também descreveram os momentos de cuidado com as referências “me acalmaram”, “se preocuparam”(1818. Korukcu O, Aydin R, Conway J, Kukulu K. Motherhood in the shade of migration: a qualitative study of the experience of Syrian refugee mothers living in Turkey. Nurs Health Sci. 2018;20(1):46–53. doi: http://dx.doi.org/10.1111/nhs.12379. PubMed PMID: 29094494.
https://doi.org/10.1111/nhs.12379...
). Mulheres imigrantes querem ser atendidas por profissionais que tragam segurança, encorajamento, que sejam bons ouvintes e que comuniquem bem a informação. Além de tudo, os profissionais devem ter uma atitude de respeito e acolhimento. Sentir-se segura e levada a sério é parte fundamental no cuidado à mulher imigrante pela sua situação de vulnerabilidade e fragilidade em relação ao cuidado. Em geral, essas mulheres não experimentaram cuidado em sua história recente de vida. O cuidado no momento do parto é uma ponte para uma nova perspectiva de vida(1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
).

O cuidado é essencial na prática em enfermagem, ou seja, é indispensável falar dos cuidados de enfermagem a mulher imigrante, visto que está ligado a uma experiência de parto mais positiva e autônoma. Ainda que tenham citado a equipe profissional como um todo, é relevante apresentar a atuação da enfermagem obstétrica nesse campo, dada sua implicação para a prática profissional. A inserção da enfermeira obstétrica nesse cenário de atendimento tem fortalecido as boas práticas em obstetrícia, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, cabendo aos profissionais que prestam assistência a valorização dos aspectos fisiológicos envolvidos na gestação e parturição, evitando intervenções desnecessárias, oferecendo atenção qualificado e segura(2424. Duarte MR, Alves VH, Rodrigues DP, de Souza KV, Pereira AV, Pimentel MM. Care technologies in obstetric nursing: contribution for the delivery and birth. Cogitare Enferm. 2019;24:e54164.).

Nesse sentido, barreiras como dificuldade de comunicação interferem diretamente no cuidado gerando insatisfação quando há falta de informações sobre o ciclo gravídico-puerperal e quando não estão em linguagem e formato acessíveis. Cuidados adequados envolvem relação de confiança entre mulheres e os profissionais de saúde, pois preparam as mulheres, as ajudam a sentirem-se confiantes e preparadas para o parto; este cuidado é expresso através da presença encorajadora e tranquilizadora, dos profissionais estarem atentos a ouvir as mulheres, de fornecerem informações apropriadas, de serem sensíveis culturalmente e terem forte conhecimento de crenças e tradições das imigrantes(1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
). Desenvolve-se o que se chama de comunicação responsiva com cuidado e empoderamento que inclui a comunicação não verbal da equipe, acolhedora, paciente e atenta ao perceber que a mulher tem alguma dúvida ou sente algum tipo de medo durante o trabalho de parto. Esta atitude da equipe promove respeito, segurança, sensação de compreensão e valorização do indivíduo(1919. Crowther S, Lau A. Migrant Polish women overcoming communication challenges in Scottish maternity services: a qualitative descriptive study. Midwifery. 2019;72:30–8. http://dx.doi.org/10.1016/j.midw.2019.02.004. PubMed PMID: 30771608.
https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.02.0...
).

O uso de jargões médicos e a inconsistência das informações recebidas por diferentes profissionais demonstrou dificultar o processo de comunicação durante o parto de mulheres imigrantes. Diante da intensidade do processo de parto interno e da dificuldade de comunicação externa mulheres imigrantes relataram a necessidade de aumentar o seu volume de voz com a equipe(2121. Peters IA, Posthumus AG, Steegers EAP, Denktaş S. Satisfaction with obstetric care in a population of low-educated native Dutch and non-western minority women. Focus group research. PLoS One. 2019;14(1):e0210506. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0210506. PubMed PMID: 30703116.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
).

A comunicação deve ser um canal facilitador do cuidado entre enfermeira e parturiente. É o caminho de troca entre os sujeitos, permitindo uma relação cujo propósito final é a necessidade da mulher, o que muitas vezes significa estar presente, prestar atenção, falar e gesticular, e pequenos gestos, como o contato das mãos, ou uso de uma compressa quente. Nesse sentido, a comunicação eficiente promove autonomia e independência no processo de parto(2525. Silva RLV, Lucena KDT, Deininger LSC, Martins VS, Monteiro ACC, Moura RMA. Obstetrical violence under the look of users. Rev. Enferm. UFPE. 2016;10(12):4474–80.). No Brasil, alguns serviços que atendem mulheres imigrantes disponibilizam oportunidades para os seus profissionais aprenderem o idioma dessa comunidade ou ofertam ou dão palestras sobre a cultura daquele grupo. Contudo, não são todos os profissionais que aderem e a necessidade constante de se comunicar com um grupo de fala não portuguesa, seja em outro idioma ou por gestos, parece irritar alguns profissionais(2626. Castro CMD, Oliveira RC, Custódio MCS. Atenção ao parto de mulheres estrangeiras em uma maternidade pública de São Paulo. Civitas. 2015;15(2):e59–74. doi: http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2015.2.17563.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015....
).

Informações na língua materna também é um potencializador de segurança. Países que investiram em informação adequada a necessidade idiomática dos diferentes grupos imigrantes disponibilizam materiais impressos no idioma de suas usuárias, canais de tradução por telefone ou tradutores, e um foco maior no esclarecimento de dúvidas durante as consultas. Além disso, parturientes têm buscado canais na internet para tradução de termos, acesso a materiais no seu idioma e apoio através de comunidades multiculturais(1111. Tanaka K, Kurniasari NMD, Widyanthini DN, Suariyani NLP, Listyowati R, Urayama A, et al. Perception of childbirth experiences of Japanese women in Bali, Indonesia: a qualitative study. BMC Pregnancy Childbirth. 2020;20:760. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-020-03466-x. PubMed PMID: 33287736.
https://doi.org/10.1186/s12884-020-03466...
,1616. Fair F, Raben L, Watson H, Vivilaki V, van den Muijsenbergh M, Soltani H. Migrant women’s experiences of pregnancy, childbirth and maternity care in European countries: a systematic review. PLoS One. 2020;15(2):e0228378. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0228378. PubMed PMID: 32045416.
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,1919. Crowther S, Lau A. Migrant Polish women overcoming communication challenges in Scottish maternity services: a qualitative descriptive study. Midwifery. 2019;72:30–8. http://dx.doi.org/10.1016/j.midw.2019.02.004. PubMed PMID: 30771608.
https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.02.0...
).

O município de Curitiba, por sua vez, disponibiliza a Carteira da Gestante com informações sobre seu pré-natal, gestação, parto e amamentação nos quatro idiomas mais falados na cidade: português, espanhol, inglês e crioulo. Fomentar uma gestante bem-informada vai ao encontro do objetivo do município de prestar uma assistência humanizada a todas as mulheres, inclusive as imigrantes. Contudo, não se encontra informações nos mesmos idiomas na atenção hospitalar(2727. Curitiba. Secretaria Municipal de Saúde. Carteira da gestante da Família Curitibana. Curitiba: Secretaria Municipal de Saúde; 2018.).

Entende-se então que a experiência de parto e nascimento das mulheres imigrantes inicia-se bem antes do momento do parto. Seus corpos pulsam a sua história, sua cultura e seu país de origem. Assim, o cuidado a essa mulher, o respeito aos seus costumes e a construção de expectativas deve começar no pré-natal. A relação com a equipe que a assiste deve ser fundada na confiança e na compreensão de ambos os lados. É possível prestar uma assistência humanizada e individualizada as mulheres imigrantes. A comunicação inteligível, calma e respeitosa é imprescindível em todo o processo, pois através da informação a mulher imigrante ganha segurança e autonomia sobre o seu processo de parto.

Como limitações do estudo tem-se a circunscrição à apenas uma localidade brasileira, ainda assim proporciona importante contato com a história real desvelada por mulheres imigrantes sobre sua experiência de parto e pós-parto concedendo informações valiosas e úteis para uma prática assistencial que considere os aspectos culturais envolvidos no processo de parto e nascimento de mulheres imigrantes, população cada vez mais crescente no país. A ocorrência da pandemia de COVID-19 entremeio à coleta de dados restringiu a quantidade de colaboradoras participantes e acesso livre às maternidades. Contudo não houve menção direta, por parte das colaboradoras, em relação a pandemia ou dos protocolos de segurança desse período. Assim, esta pesquisa limitou-se em não investigar a fundo o impacto da pandemia para assistência materna a mulheres imigrantes, o que se recomenda como tema para estudos futuros.

CONCLUSÃO

Foi possível conhecer o processo de parto e nascimento das mulheres imigrantes colaboradoras da pesquisa, bem como as barreiras neste processo e suas percepções acerca do cuidado recebido nos serviços, evidenciando como o cuidado de enfermagem ocorre. A compreensão do parto, do nascimento, da dor, da simbologia envolvida facilita a enfermeira a olhar a mulher imigrante com paciência e complexidade. O estar junto, a comunicação, respeito e dignidade são valores que devem ser defendidos pela enfermeira na assistência a parturiente imigrante. Neste contexto, como estratégia, as maternidades podem dispor de recursos visuais nos principais idiomas estrangeiros sobre as técnicas de relaxamento e métodos não farmacológicos para alívio da dor.

Durante este estudo percebeu-se que é necessário aprimorar a capacitação de enfermeiras no referente ao cuidado transcultural, desde sua formação acadêmica inicial até sua especialização e educação permanente em saúde. Para aprimorar a assistência ao parto e nascimento de mulheres imigrantes são necessárias mais pesquisas que relatem os indicadores perinatais, a experiência de parto de outros grupos imigrantes e sua cultura de nascimento.

A assistência durante o processo de parto e nascimento pode ser experimentada através de um cuidado de enfermagem de qualidade, com boa comunicação, sensível à cultura e acolhedor nas diversas necessidades. A mulher imigrante pode ser protagonista de sua vida, das escolhas no seu corpo, e da cultura que traz consigo aumentando assim a sua segurança e força e isso também estará no consciente coletivo.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2023
  • Aceito
    03 Set 2023
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