Open-access O plano individual de parto como estratégia de ensino-aprendizagem das boas práticas de atenção obstétrica

El plan individual de parto como estrategia de enseñanza aprendizaje de las buenas prácticas de atención obstétrica

RESUMO

Objetivo  Verificar o conhecimento de estudantes sobre o plano individual de parto e conhecer sua opinião a respeito da utilização dessa estratégia de ensino-aprendizagem e das boas práticas obstétricas.

Método  Estudo descritivo, com alunos de Obstetrícia que cursavam estágios na atenção básica. A coleta dos dados realizada de 01/2017 a 05/2017, por meio digital, na Plataforma Google Formulários®. A análise foi realizada por estatística descritiva de categorização de enunciados. O estudo seguiu os padrões éticos exigidos.

Resultados  O formulário foi enviado a 97 discentes e respondido por 40% deles. Todos os respondentes informaram conhecer o plano de parto, e 87% aplicaram-no durante o atendimento de pré-natal. Os apontamentos mais frequentes (45%) acerca do plano de parto foram os que promoviam empoderamento e autonomia à mulher. As sugestões metodológicas mais citadas para a sua aplicação foram focar o conteúdo (76%) e aumentar o número de encontros (50%). O plano individual de parto foi reconhecido por 79% dos participantes como importante estratégia de ensino.

Conclusão  Além de conhecerem o plano de parto e aplicá-lo, os estudantes o consideram muito relevante para o ensino e a aprendizagem das boas práticas obstétricas.

Parto Humanizado; Ensino Superior; Prática Clínica Baseada em Evidência; Enfermagem Obstétrica

RESUMEN

Objetivo  Verificar el conocimiento de estudiantes acerca del plan individual de parto y conocer su comprensión respecto de la utilización de dicha estrategia de enseñanza aprendizaje y de las buenas prácticas obstétricas.

Método  Estudio descriptivo, con alumnos de Obstetricia que cursaban pasantías en la atención básica. La recolección de datos fue realizada de 01/2017 a 05/2017, por medio electrónico, en la Plataforma Google Formularios®. El análisis fue llevado a cabo por estadística descriptiva de categorización de enunciados. El estudio siguió los estándares éticos exigidos.

Resultados  El formulario fue enviado a 97 discentes y respondido por el 40% de ellos. Todos los respondedores informaron conocer el plan de parto, y el 87% lo aplicaron durante la atención de prenatal. Los planteamientos más frecuentes (45%) acerca del plan de parto fueron los que promovían empoderamiento y autonomía a la mujer. Las sugerencias metodológicas más citadas para su aplicación fueron enfocar el contenido (76%) y aumentar el número de encuentros (50%). El plan individual de parto fue reconocido por el 79% de los participantes como importante estrategia de enseñanza.

Conclusión  Además de conocer el plan de parto y aplicarlo, los estudiantes lo consideran muy relevante para la enseñanza y el aprendizaje y de las buenas prácticas obstétricas.

Parto Humanizado; Educación Superior; Práctica Clínica Basada en la Evidencia; Enfermería Obstétrica

ABSTRACT

Objective  To verify students’ knowledge about individual birth planning and learn their opinion about the use of this teaching-learning strategy for good obstetric practices.

Method  This is a descriptive study conducted with midwifery students who made primary health care internships. Data collection was performed digitally from 01/2017 to 05/2017 through the Google Forms®Platform. The analysis was performed by descriptive categorization statistics of statements. The study followed the required ethical standards.

Results  The form was sent to 97 students and answered by 40% of them. All respondents reported knowing the birth planning, and 87% applied it during prenatal care. The most frequent (45%) points about the birth plan were those that promoted women’s empowerment and autonomy. The most cited methodological suggestions for its application were to focus on content (76%) and increase the number of meetings (50%). Individual birth planning was recognized by 79% of the participants as an important teaching strategy.

Conclusion  In addition to knowing birth planning and applying it, the students consider it very relevant for teaching and learning good obstetrical practices.

Humanizing Delivery; Education, Higher; Evidence-Based Practice; Obstetric Nursing

INTRODUÇÃO

O processo de ensino-aprendizagem teórico-prático do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) desenvolve-se em diversos cenários de prática, entre eles as unidades básicas de saúde da Zona Leste do município de São Paulo, momento em que os alunos desenvolvem competências essenciais para promover a saúde no contexto da atenção primária e para prestar cuidados a mulheres e famílias que vivenciam o ciclo gravídico-puerperal.

Nesse contexto assistencial, uma das estratégias utilizadas por docentes e alunos para viabilizar maior protagonismo e autonomia da mulher durante o processo de parto e nascimento é a utilização do Plano Individual de Parto (PIP) durante a atenção pré-natal, experiência que vem sendo colocada em prática desde o ano de 2014. Como resultado, observa-se empiricamente que as gestantes que elaboraram seu plano de parto, e posteriormente o apresentaram no momento de ingresso na maternidade, têm relatado sua contribuição para a compreensão da assistência e melhor atendimento dos seus desejos, ou seja, o PIP tem o potencial de viabilizar a apropriação de informações que promovem benefícios tanto no que se refere à autonomia e protagonismo das mulheres quanto à sensibilização dos profissionais de saúde que as assistem. Por outro lado, e infelizmente, ouvem-se ainda relatos de hostilidade e, por vezes, de violência por parte de profissionais frente àquelas que querem exercer os seus direitos de escolha.

O PIP deve colaborar para a humanização da assistência, pois é definido como um documento escrito, de caráter legal, em que a gestante, após receber informações, e considerando seus valores, desejos pessoais, expectativas e necessidades particulares, deve combinar com os profissionais, da atenção básica e da maternidade, quais alternativas, baseadas nas boas práticas obstétricas, ela prefere durante o processo de parto e nascimento sob condições normais1 .

O relatório de recomendação publicado pelo Ministério da Saúde, denominado Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal2 , que se baseia nas normas do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Sistema Público de Saúde do Reino Unido (NHS), destaca que as mulheres em trabalho de parto devem ser tratadas com respeito, ter acesso às informações baseadas em evidências e serem incluídas na tomada de decisões. Para isso, os profissionais que as assistem devem estabelecer uma relação de intimidade, perguntando-lhes sobre seus desejos e expectativas, além de ler e discutir seu plano de parto. No entanto, poucos serviços de saúde brasileiros conseguiram implementar o plano de parto, e muitos profissionais sequer conhecem o significado dessa terminologia.

Pode-se explicar essa deficiência também pela escassez de pesquisas desenvolvidas sobre a temática em nosso país3 . Entre os poucos estudos, pesquisa desenvolvida em uma Casa de Parto no Município do Rio de Janeiro aponta que a construção do plano de parto no pré-natal contribui para o desenvolvimento favorável do trabalho de parto4 . Outro trabalho realizado no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, com 106 gestantes, constatou que 74% delas não receberam quaisquer informações sobre o PIP durante o pré-natal, embora em sua caderneta constasse um plano de parto5 , o que evidencia a pouca valorização desse instrumento pelos profissionais da atenção básica

O PIP utilizado nos estágios curriculares do Curso de Obstetrícia foi elaborado por docentes e discentes e apresenta informações sobre as boas práticas obstétricas, esperando-se que o estudante se torne apto para aplicá-lo de forma fundamentada à mulher e família durante assistência. Nesse contexto, o PIP do Curso de Obstetrícia tem fomentado discussões sobre a necessidade de capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais de saúde da atenção básica e hospitalar quanto ao seu uso.

Destaca-se que, além de seu propósito original, o uso do documento objetiva tornar a experiência pedagógica de sua aplicação singular e fundamental na formação de profissionais de saúde, sejam eles médicos, enfermeiros, obstetrizes ou outros. A partir desse pressuposto, questiona-se se os estudantes do Curso de Obstetrícia compreendem o PIP como instrumento de aprendizagem das boas práticas de atenção obstétrica durante o estágio que realizam na atenção básica. Assim, os objetivos da presente investigação foram verificar o conhecimento dos discentes sobre o PIP e conhecer sua opinião a respeito dele e de sua utilização no ensino-aprendizagem teórico e prático das boas práticas obstétricas.

MÉTODO

DESENHO DO ESTUDO

Trata-se de um estudo descritivo, realizado no período de janeiro a maio de 2017.

POPULAÇÃO

A população do estudo foi composta de discentes do Curso de Graduação em Obstetrícia da Universidade de São Paulo.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Foram adotados como critérios de seleção os alunos já terem cursado as Disciplinas Estágio Curricular Integrado I e Estágio Curricular Integrado II, nas quais tiveram oportunidade de prestar assistência pré-natal no contexto da atenção primária em Unidades Básicas de Saúde do município de São Paulo e, consequentemente, utilizar o PIP.

COLETA DE DADOS

Para a coleta de dados, foi primeiramente elaborado um formulário contendo seis questões abertas e duas fechadas, aperfeiçoadas a partir de teste-piloto realizado com alunos que estavam para se formar. As perguntas fechadas versaram sobre conhecer e aplicar o PIP. As perguntas abertas solicitavam que os estudantes dessem sua opinião a respeito do plano de parto, indicassem os procedimentos metodológicos utilizados para sua aplicação no estágio na atenção básica, dessem sugestões metodológicas para sua aplicação, apontassem se consideravam ter aptidão teórica e prática para utilizá-lo, indicassem se o instrumento se constituía em estratégia de aprendizado das boas práticas de atenção obstétrica e, por fim, fizessem comentários quanto ao PIP e sua utilização durante os estágios na atenção básica.

Como houve dificuldade para a coleta presencial de dados, optou-se pelo uso do formulário digital na Plataforma Google Formulários®. Os discentes elegíveis foram identificados por listagem do serviço de graduação da universidade e contatados presencialmente ou por meio de redes sociais, aplicativos e correio eletrônico. O formulário digital foi enviado a 97 alunos, exceto para aqueles que participaram do citado teste-piloto, definindo-se o prazo máximo de 60 dias para a resposta, período em que eram lembrados a respeito da importância de sua participação na pesquisa. Foi definido, portanto. que o prazo para o envio dos formulários aos pesquisadores seria de 60 dias.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

As informações objetivas foram inseridas em planilhas e analisadas por meio da estatística descritiva. As respostas às questões abertas foram inseridas em planilhas do programa Microsoft Excel®, lidas por três pesquisadores para a apropriação do seu conteúdo, categorizadas e descritas por similaridade e, por fim, analisadas por meio da estatística descritiva.

ASPECTOS ÉTICOS

De acordo com Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, a pesquisa seguiu as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Os estudantes elegíveis foram convidados a colaborar com a pesquisa, ficando-lhes livre a participação por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que lhes assegurava confidencialidade e anonimato. Observa-se, nesse sentido, que o TCLE precedia o preenchimento do formulário, isto é, somente tinham acesso às questões aqueles que concordavam em participar do estudo.

A coleta de dados foi iniciada após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da EACH-USP, sob o Parecer n. 1.885.451/2017.

RESULTADOS

A despeito de várias tentativas para estimular maior participação, apenas 38 (40%) estudantes responderam ao formulário. A totalidade deles afirmou conhecer o PIP, sendo que 33 (87%) informaram ter tido oportunidade de aplicá-lo durante as atividades de estágio na atenção básica. Os resultados apresentados correspondem às respostas dos alunos que tiveram a experiência prática com o plano de parto. Ao serem perguntados sobre o que pensavam a respeito do plano de parto, os discentes expressaram diversas opiniões, que constituíram cinco categorias, apresentadas e descritas no Quadro 1 . Destaca-se que algumas respostas discursivas contemplaram e foram contabilizadas em mais de uma categoria.

Quadro 1
– Opiniões de discentes do curso de Obstetrícia acerca do plano de parto – São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Quando questionados sobre os procedimentos por eles usados para aplicar o PIP no estágio da atenção básica, 68% dos discentes descreveram que fizeram apresentação e explicação do conteúdo do instrumento item a item em consultas individuais de pré-natal realizadas no terceiro trimestre gestacional, momento em que esclareceram dúvidas e apontaram benefícios e malefícios de condutas possíveis no cenário de parto e nascimento. Outros 11% indicaram o mesmo método aplicado a grupos de gestantes, para os quais utilizaram materiais didático-pedagógicos, como vídeos, ilustrações e modelos obstétricos.

Ao serem perguntados sobre como deveria ser a aplicação do plano de parto, os estudantes fizeram diversas sugestões metodológicas, as quais compuseram 10 categorias, apresentadas e descritas no Quadro 2 . Vale salientar que algumas respostas discursivas contemplaram e foram contabilizadas em mais de uma categoria.

Quadro 2
– Sugestões metodológicas de discentes do curso de Obstetrícia para elaboração do plano de parto – São Paulo, SP, Brasil, 2017.

A maioria dos participantes (89%) se considerou apta a aplicar o PIP, ou seja, com domínio de competências necessárias para subsidiar as orientações e os esclarecimentos de dúvidas. Aqueles que não se consideraram aptos não indicaram os motivos dessa deficiência. A maioria dos respondentes (79%) também identificou o PIP como uma estratégia de ensino-aprendizagem das boas práticas de atenção obstétrica. Nesse quesito, verificou-se que 16% responderam negativamente à questão, enquanto 5% não a responderam.

DISCUSSÃO

A Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal apresenta as evidências científicas sobre o efeito que a comunicação tem na percepção da mulher em relação à sua experiência no parto2 . As intervenções analisadas nesse documento incluíram o efeito do controle, escolha e processo de tomada de decisões, incluindo-se o PIP, no bem-estar psicológico da mulher em médio e longo prazo.

A revisão do NICE, descrita na citada Diretriz, apontou 19 estudos produzidos na Europa e nos Estados Unidos, cujos resultados indicaram que o modo pelo qual os prestadores do cuidado se relacionam com as mulheres influencia fortemente suas experiências em relação ao parto. Os fatores mais importantes destacados nas pesquisas foram o tratamento de forma individualizada, com respeito e carinho, e as informações baseadas em evidências, bem explicadas e interpretadas, que fazem com que a mulher se sinta orientada, apoiada, segura e protegida ao longo do parto. De acordo com esses resultados, o protocolo brasileiro recomenda que as mulheres em trabalho de parto sejam tratadas com respeito e tenham acesso às informações baseadas em evidências científicas, sendo incluídas no processo de tomada de decisão2 .

Entre as formas sugeridas para estabelecer essa comunicação, indica-se a leitura e discussão do plano de parto, previamente construído pela mulher durante a gestação, com o apoio dos profissionais que as assistem nesse período2 . Nesse sentido, é importante que o plano de parto seja conhecido e utilizado pelos profissionais de saúde em sua formação acadêmica. Destaca-se, assim, o papel de relevância que o aparelho formador tem na mudança do cenário obstétrico ao deixar de reproduzir práticas instituídas há décadas, que comprovadamente comprometem a saúde das mulheres, e, consequentemente, promover o ensino de conhecimentos científicos recentes e que colocam a mulher como protagonista da assistência prestada a ela6 .

Os resultados do presente estudo mostram que a experiência prática com o PIP não foi possível para a totalidade dos estudantes investigados. Esta é uma lacuna que certamente deve ser enfrentada pelos docentes, na medida em que devem favorecer o processo de aprendizagem dos atributos indispensáveis à formação de profissionais crítico-reflexivos, humanistas e agentes de transformação da prática assistencial.

Vale ressaltar que o PIP é o eixo da relação clínica estabelecida entre a mulher grávida e o profissional de saúde, servindo para orientar a atenção de saúde prestada ao longo de todo o processo7 . Conforme citado, esse documento tem se revelado potente para oportunizar a autonomia e o protagonismo da mulher frente à assistência prestada a ela durante o parto e nascimento, rompendo com um modelo de assistência pautado no saber biomédico. Assim, o bom uso do plano de parto pode contribuir para minimizar uma assistência fragmentada, impessoal, objetificada e tecnicista, além de possibilitar mudanças no paradigma assistencial, resgatando o protagonismo, a voz, os desejos e as vontades das mulheres. Além disso, o uso dessa estratégia possibilita informação, tomada de decisão e responsabilidade compartilhada entre o profissional de saúde, já formado ou em processo de formação, e a mulher.

Faz-se importante dizer que a elaboração (individual ou coletiva) do plano de parto, norteada pela atenção básica, tem se desvelado como uma das ações para a prevenção quaternária da violência obstétrica8 . No entanto, a falta de respeito às decisões tomadas pela mulher frequentemente leva à frustração e ao antagonismo entre as escolhas informadas e a assistência9 , o que também é percebido pelos estudantes participantes deste estudo.

Salienta-se que em campo de estágio os alunos aplicam o PIP após as seguintes orientações básicas dos docentes que os supervisionam: o documento deve ser lido juntamente com a gestante, de preferência com a participação de um acompanhante de escolha, entre a 34ª e a 36ª semana gestacional; deve-se garantir que a gestante e o respectivo acompanhante compreendam as informações prestadas no documento; por esse motivo, recomenda-se a discussão do plano de parto em mais de um encontro; o plano pode ser apresentado coletivamente, ou seja, em grupos de gestantes e acompanhantes; entretanto, deve ser sempre preenchido individualmente pela mulher após esclarecimento de todas as questões que dele fazem parte; a equipe deve garantir vínculo efetivo, ou seja, que a mulher tenha acesso a esclarecimentos adicionais sempre que desejar; depois de pronto, o documento deve ser assinado em duas vias, sendo uma delas anexada ao cartão da gestante e a outra ao prontuário; no momento da internação para o parto, a gestante deve apresentar o documento aos profissionais da maternidade; depois do parto, deve-se avaliar com a mulher como o instrumento foi utilizado, isto é, como ela percebeu o processo e se teve respeitados os seus direitos e desejos.

Entretanto, os estudantes, além de destacarem a utilização de algumas dessas diretrizes, fizeram sugestões importantes, como a utilização de material didático-pedagógico e de adaptação do instrumento às características multiculturais e étnicas, já que a diversidade cultural influencia o plano de cuidados, particularmente da saúde materna10 . Mulheres indígenas, negras e, mais recentemente, bolivianas, peruanas, haitianas e provenientes dos países árabes e africanos colocam a questão da diversidade cultural no centro da assistência obstétrica, exigindo do sistema de ensino e de saúde o devido respeito aos seus hábitos, costumes e crenças.

A respeito da percepção da aptidão dos participantes para a aplicação do PIP, faz-se importante questionar se, para aqueles que se avaliaram como inaptos ou parcialmente aptos, a aprendizagem de fato não ocorreu ou se não foi percebida como sendo importante. Segundo a Teoria de Aprendizagem Significativa11 , as ideias expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e também de modo não arbitrário com aquilo que o aprendiz já sabe, ou seja, os novos conhecimentos são ressignificados, pois os conhecimentos prévios ganham maior estabilidade cognitiva em situações ativas de ensino-aprendizagem e naquelas vivenciadas na prática assistencial aqui descrita.

As estratégias de sucesso na aprendizagem, especialmente no ensino superior, se relacionam não somente com as atividades desenvolvidas, mas, especialmente, com o repertório prévio do aluno, suas necessidades de motivação, de aplicação imediata dos conteúdos, bem como com a capacidade de compartilhar experiências. O medo de errar e a necessidade de feedback são características importantes que interferem na refratariedade do estudante à aquisição de novos conhecimentos; seu interesse pelo assunto deve aumentar à medida que percebe a aplicação prática em sua realidade12 , o que pode ter ocorrido com aqueles que não se consideraram aptos a aplicar o PIP ou que deixaram de reconhecê-lo como estratégia de ensino das boas práticas.

A mudança no cenário nacional da situação da atenção à saúde materna e perinatal necessita de intervenções em diferentes perspectivas, entre elas a de promover a qualidade da assistência voltada às necessidades das mulheres, requerendo a transformação na atuação do profissional de saúde e, por conseguinte, no seu processo de formação, o que é continuamente perseguido pelos docentes e discentes do Curso de Obstetrícia13 .

A elaboração do PIP não é um processo simples, e muitas vezes as gestantes e seus acompanhantes apresentam dificuldades para entender as possibilidades de escolha presentes no instrumento. Isso provavelmente ocorre porque o modelo biomédico, sob a égide do qual historicamente se insere a atenção ao parto hospitalar, não permite que as mulheres façam escolhas acerca dos procedimentos adotados no processo de parturição e nascimento. Nesse sentido, é preciso lembrar que há arcabouço legal que legitima o direito da mulher em elaborar e ter o seu PIP respeitado no contexto da atenção ao pré-natal e parto no município de São Paulo14 - 16 .

Contudo, para a efetivação dessa política pública há que se desenvolver estratégias de implementação de ferramentas, como o PIP, que facilitem a compreensão do processo fisiológico do parto e puerpério, bem como dos direitos da parturiente, do recém-nascido e da família durante a internação na maternidade, além de divulgar o plano de parto nos espaços assistenciais, acadêmicos e decisórios dentro do sistema de saúde.

Os resultados do presente estudo contribuem para evidenciar a importância da inserção de ferramentas, como o plano de parto, as quais viabilizam a humanização da assistência no processo de formação do profissional de saúde. Contudo, limitações não podem ser desconsideradas, já que houve baixa adesão dos alunos a participar. Além disso, o estudo foi desenvolvido com discentes de um curso de graduação único no país, que tem a sua origem justificada pela necessidade de os profissionais implementarem os princípios de humanização e integralidade no contexto assistencial à saúde da mulher, o que não possibilita generalizações para o processo ensino-aprendizagem de outros cursos de saúde.

CONCLUSÃO

Os resultados da presente investigação permitem concluir que a maioria dos participantes conhecem, aplicam e consideram a experiência pedagógica da utilização do PIP fundamental para a aprendizagem das boas práticas de atenção obstétrica. Verificar o conhecimento e o ponto de vista dos estudantes a respeito do instrumento e de sua aplicação leva a importantes reflexões sobre o significado do processo de seu ensino e aplicação e do aprimoramento das estratégias utilizadas.

Considerando-se a escassez de estudos que aprofundam questões específicas do PIP no ensino e na assistência, observa-se na prática assistencial e nos relatos dos estudantes que o plano de parto auxilia a mulher a participar da tomada de decisões acerca de seu processo de parturição, devolvendo a ela o necessário protagonismo e autonomia. Além disso, os participantes ressaltaram a importância do PIP na prevenção da violência obstétrica e na promoção do empoderamento da mulher quanto aos seus direitos sexuais e reprodutivos no parto e nascimento.

Tais resultados indicam a necessidade da abordagem teórica e prática do plano de parto também na formação dos enfermeiros, pois eles são os principais atores da atenção às mulheres nas unidades básicas de saúde. Considerando-se a importância da relação entre os diferentes níveis de atenção ao pré-natal, parto e nascimento e dos profissionais que neles atuam, há que se proporcionar oportunidades para que médicos, enfermeiros e outros profissionais que atuam na assistência à mulher não somente utilizem e aprendam o significado do PIP como também o valorizem como instrumento de melhoria da qualidade da atenção e de prevenção do desconhecimento de mulheres e famílias acerca de seus direitos comumente negligenciados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2018
  • Aceito
    28 Mar 2019
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