RESUMO
Objetivo:
Avaliar a efetividade do protocolo de acupuntura e auriculoterapia no alívio de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia em pacientes oncológicos em comparação ao protocolo antiemético.
Método:
Estudo piloto tipo ensaio clínico pragmático de dois braços: grupo acupuntura recebeu acupuntura sistêmica, auriculoterapia e protocolo antiemético, o grupo controle utilizou protocolo antiemético. A amostra foi composta por 42 pacientes com câncer do sistema gastrointestinal ou mieloma múltiplo. O desfecho foi avaliado pelo Instrumento de Avaliação de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia e diário do paciente.
Resultados:
Não houve diferença estatística significativa entre os grupos pela avaliação do diário do paciente e Instrumento de Avaliação de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia. Os pacientes apresentavam em média 60 anos e os grupos foram homogêneos, exceto para o estado civil. No diário, não houve diferença estatística entre os grupos e as sessões para os dias de náuseas (p = 0,873) e episódios de vômitos (p = 0,993).
Conclusão:
O protocolo de acupuntura e auriculoterapia como tratamento complementar de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia foi inefetivo, considerando as limitações do estudo.
DESCRITORES
Acupuntura; Antineoplásicos; Náusea; Vômito; Enfermagem
ABSTRACT
Objective:
To evaluate the effectiveness of acupuncture and auriculotherapy protocol in relieving chemotherapy-induced nausea and vomiting in cancer patients compared to the antiemetic protocol.
Method:
Pilot study of a pragmatic two-arm clinical trial: an acupuncture group received systemic acupuncture, auriculotherapy, and antiemetic protocol; a control group used antiemetic protocol. The sample consisted of 42 patients with cancer of the gastrointestinal system or multiple myeloma. The outcome was assessed using the Chemotherapy-Induced Nausea and Vomiting Assessment Tool and the patient’s diary.
Results:
There was no statistically significant difference between groups according to the assessment of the patient’s diary and the Assessment Tool of chemotherapy-induced nausea and vomiting. The patients were 60 years old on average and the groups were homogeneous, except for marital status. In the diary, there was no statistical difference between groups and sessions for days of nausea (p = 0.873) and vomiting episodes (p = 0.993).
Conclusion:
The protocol of acupuncture and auriculotherapy as a complementary treatment of chemotherapy-induced nausea and vomiting was ineffective, considering the limitations of the study.
DESCRIPTORS
Acupuncture; Antineoplastic Agents; Nausea; Vomiting; Nursing
RESUMEN
Objetivo:
Evaluar la efectividad del protocolo de acupuntura y auriculoterapia para aliviar las náuseas y los vómitos inducidos por la quimioterapia en pacientes con cáncer en comparación con el protocolo antiemético.
Método:
Estudio piloto tipo ensayo clínico pragmático con dos brazos: el grupo de acupuntura recibió acupuntura sistémica, auriculoterapia y protocolo antiemético, el grupo control utilizó un protocolo antiemético. La muestra estuvo compuesta por 42 pacientes con cáncer del sistema gastrointestinal o mieloma múltiple. El resultado se evaluó mediante el Instrumento de Evaluación de Náuseas y Vómitos inducidos por quimioterapia y el diario del paciente.
Resultados:
No hubo diferencias estadísticamente significativas entre los grupos según la evaluación del diario del paciente y el Instrumento de Evaluación de náuseas y vómitos inducidos por quimioterapia. Los pacientes tenían en promedio 60 años y los grupos eran homogéneos, excepto por el estado civil. En el diario no hubo diferencia estadística entre los grupos y sesiones para los días de náuseas (p = 0,873) y episodios de vómitos (p = 0,993).
Conclusión:
El protocolo de acupuntura y auriculoterapia como tratamiento complementario de las náuseas y vómitos inducidos por la quimioterapia resultó ineficaz, considerando las limitaciones del estudio.
DESCRIPTORES
Acupuntura; Antineoplásicos; Náusea; Vómitos; Enfermería
INTRODUÇÃO
As Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas (MTCI), assim denominadas pela Organização Mundial da Saúde, referem-se ao conjunto de práticas de atenção à saúde baseadas em teorias sobre processos de adoecimento de diferentes culturas utilizadas para promoção, recuperação e prevenção à saúde, que aborda o indivíduo de forma integral em suas dimensões biopsicossocioespiritual(11. Telesi Jr E. Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, uma nova eficácia para o SUS. Estud Av. 2016;30(86):99–112. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142016.00100007
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). No Brasil, as MTCI são conhecidas como Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) e sua utilização no SUS tem expandido o cuidado da atenção primária à saúde(22. Brasil. Ministério da Saúde. PNPIC: Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS [Internet]. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 24 July 2023]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_praticas_integrativas_complementares_sus_2ed_1_reimp.pdf
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). No entanto, para o câncer, que exige cuidados de alta complexidade, a oncologia integrativa tem sido adotada especialmente em hospitais(33. Mao JJ, Pillai GG, Andrade CJ, Ligibel JA, Basu P, Cohen L, et al. Integrative oncology: addressing the global challenges of cancer prevention and treatment. CA Cancer J Clin. 2022;72(2):144–64. doi: http://dx.doi.org/10.3322/caac.21706. PubMed PMID: 34751943.
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).
Na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) há um conjunto de práticas tradicionais, desenvolvidas ao longo de mais de 5.000 anos. Dentre elas, a acupuntura visa a promoção e recuperação da saúde integralmente, utilizada isoladamente ou em conjunto com outras terapias. Essa terapia consiste em inserir agulhas finas profundamente na pele em locais anatômicos específicos, conhecidos como pontos de acupuntura, visando a prevenção e recuperação dos agravos à saúde(22. Brasil. Ministério da Saúde. PNPIC: Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS [Internet]. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 24 July 2023]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_praticas_integrativas_complementares_sus_2ed_1_reimp.pdf
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). Outra prática da MTC é a auriculoterapia que, por estimulação do pavilhão auditivo externo, é utilizada para o alívio de situações patológicas no corpo e possui duas principais linhas de raciocínio que explicam seus princípios, a chinesa (MTC) e a escola francesa (Paul Nogier)(44. Lovato A, Postiglione M, Gagliardi G, Parmagnani M, Biral M, Ceccherelli F. Needle contact test in auricular acupuncture for shoulder pain and where effective auricular acupoints identified are positioned on the map: a controlled study. Eur J Transl Myol. 2023;33(1):11113. doi: http://dx.doi.org/10.4081/ejtm.2023.11113. PubMed PMID: 36920326.
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).
A acupuntura como tratamento integrativo no manejo dos efeitos tóxicos induzidos pela quimioterapia (QT) é uma das grandes contribuições da MTC para os pacientes oncológicos, pois pode auxiliar no aumento da tolerância do paciente ao protocolo de QT e favorecer o seguimento do planejamento da QT sem interrupções, proporcionando cuidado inovador da atenção(55. Cardoso ACLR. Acupuntura oncológica: boas práticas, benefícios e evidências. Gramado (RS): Autora; 2022.).
O câncer é um dos principais problemas de saúde pública no mundo e representa uma das principais causas de morte prematura (inferior a 70 anos) na maior parte dos países. O número de casos de câncer e a mortalidade crescem a cada ano devido ao crescimento populacional, em parte pelo envelhecimento, e pela distribuição e prevalência dos múltiplos fatores de risco para o câncer, alguns relacionados ao desenvolvimento socioeconômico(66. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, et al. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021;71(3):209–49. doi: http://dx.doi.org/10.3322/caac.21660. PubMed PMID: 33538338.
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).
No presente estudo, o foco serão pacientes com câncer do sistema gastrointestinal e Mieloma Múltiplo (MM), um câncer sólido e outro hematológico, respectivamente, ambos malignos. Dentre as principais modalidades terapêuticas tem-se a QT, que é a forma sistêmica que usa medicamentos chamados de quimioterápicos ou antineoplásicos, administrados em intervalos regulares a depender do esquema terapêutico(77. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer [Internet]. 6. ed. Rio de Janeiro: INCA; 2020 [cited 22 Apr 2023]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/livro-abc-6-edicao-2020.pdf
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). Cada tipo de câncer possui um protocolo quimioterápico. Neste estudo, os pacientes com câncer do sistema gastrointestinal utilizaram o protocolo com Oxaliplatina, Leucovorin e 5-Fluorouracil (BFOL) e aqueles com MM o protocolo com Ciclofosfamida, Bortezomibe e Ácido Zoledrônico (CYBORD).
Como os eventos adversos comumente relatados na utilização de quimioterápicos são as náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia antineoplásica (NVIQA), esses fármacos são classificados segundo seu potencial emetogênico(88. Nacional Comprehensive Cancer Network. NCCN Clinical practice guidelines in oncology. NCCN guidelines version 1 [Internet]. 2023 [cited 2023 May 8]. Available from: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/antiemesis.pdf
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), e aquele de maior potencial emetogênico caracteriza o protocolo. Assim, a Ciclofosfamida é um fármaco de alto potencial emetogênico e a Oxaliplatina de moderado potencial emetogênico(99. Lázaro GMGM, Carlotto J, Rotta I. Adesão às diretrizes de manejo de náusea e vômitos induzidos por quimioterapia em um hospital público terciário. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2020;11(3):487.).
As NVIQA ocorrem por uma ação direta dos quimioterápicos no sistema nervoso central, onde a zona de gatilho do bulbo encefálico detecta a presença de substâncias “estranhas” no organismo e libera estímulos para o centro do vômito na medula, que, por sua vez, dispersa estímulos eferentes para diversas regiões do organismo, desencadeando o vômito. Também pode haver estimulação direta do trato gastrointestinal por mecanismos de memória e aprendizado do indivíduo, o que explicaria os episódios de vômito antecipatório que podem ocorrer antes da sessão de QT, em ciclos posteriores de tratamento(1010. Rodrigues LC, Alves GP, Godoi DRS, Lopes AF. Principais antieméticos utilizados no tratamento de pacientes oncológicos. Braz J Dev. 2021;7(3):30845–59. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv7n3-691
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). Cinco tipos diferentes de NVIQA foram descritos: agudas, tardias, incidentais, antecipatórias e refratárias(1111. Navari RM. Treatment of breakthrough and refractory chemotherapy-induced nausea and vomiting. BioMed Res Int. 2015;2015:595894. doi: http://dx.doi.org/10.1155/2015/595894. PubMed PMID: 26421294.
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).
Na MTC, a QT atinge os elementos Madeira (Fígado e Vesícula Biliar) e Terra (Baço-Pâncreas e Estômago). O Estômago envia os alimentos transformados em descida para o Intestino Delgado, por isso na saúde, o Qi (energia vital) do Estômago apresenta um movimento em descida. Na doença, o estômago é afetado pela estagnação do Qi, rebelião do Qi (subida ao invés de descida do Qi) ou retenção de alimentos, provocando uma sensação de volume e distensão, regurgitação azeda, eructação, soluço, náuseas e vômito, que são causados pela Umidade obstruindo o Aquecedor Médio e impedindo o Qi do Estômago de descer(1212. Maciocia G. Fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Roca, 2017.). Considerando esses aspectos fisiopatológicos, a acupuntura tem sido utilizada em pacientes com câncer no alívio de náuseas, vômitos, dores, fadiga, xerostomia e outros eventos adversos da QT.
A MTC postula a teoria de que a estimulação do ponto de acupuntura PC6 regula a função do Qi do estômago e, subsequentemente, previne náuseas e vômitos(1313. Stott A. Examining the efficacy of stimulating the PC6 wrist acupuncture point for preventing postoperative nausea and vomiting: a Cochrane review summary. Int J Nurs Stud. 2016;64:139–41. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.07.004. PubMed PMID: 27817841.
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). Um estudo observacional explorou a efetividade da acupuntura combinada com drogas antieméticas na prevenção e tratamento de NVIQA em pacientes com câncer de mama em uso de QT adjuvante pós-operatória (Antraciclina e Ciclofosfamida), comparando um grupo controle (GC) com protocolo antiemético e um grupo acupuntura com regime antiemético combinado com acupuntura. Ao longo dos cinco dias do estudo, o número de pacientes sem NVIQA ou vômito após a QT ou apenas náusea aumentou, e o número com NVIQA ou apenas vômito diminuiu no grupo de acupuntura (p = 0,046)(1414. Kong F, Wang Z, Wang N, Zhao L, Mei Q, Yu Y, et al. The clinical observation of acupuncture combined with antiemetic drugs in the prevention and treatment of CINV in breast cancer patients. Front Oncol. 2022;12:888651. doi: http://dx.doi.org/10.3389/fonc.2022.888651. PubMed PMID: 35875071.
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).
Os estudos sobre a utilização de MTC no controle de náuseas e vômitos apresentam metodologias variadas, principalmente em relação à técnica para estímulo do acuponto, ao protocolo de intervenção e número de pontos utilizados, mas o acuponto PC6 para o tratamento de náuseas e vômitos de diferentes etiologias foi de uso unânime. Este estudo teve por objetivo avaliar a efetividade do protocolo de acupuntura e auriculoterapia no alívio de NVIQA em pacientes oncológicos em comparação ao tratamento padrão de antieméticos.
MÉTODO
Desenho e Local de Estudo
Estudo piloto tipo ensaio clínico pragmático de dois braços: grupo controle (GC) e grupo acupuntura sistêmica + auriculoterapia (GACA), realizado no Ambulatório de Oncologia do Hospital Regional do Vale do Paraíba (HRVP), Taubaté/SP.
Coleta de Dados
Estudo desenvolvido no período de maio a setembro de 2022.
População e Amostra
Por se tratar de um estudo piloto, estabeleceu-se uma amostra de conveniência não probabilística de 50 participantes. Incluíram-se pacientes com idade ≥ 18 anos com diagnóstico de câncer gastrointestinal ou MM, em tratamento quimioterápico com fármacos de alto e moderado grau emetogênico, no início do ciclo de QT. Excluíram-se pacientes em uso de anticoagulantes, antiplaquetários, com afecções que estimulam náusea e vômitos, como obstrução intestinal, anorexia, doenças gastrointestinais, não oncológicas; com vômitos de origem central (metástase cerebral, hipertensão intracraniana e outras); pacientes com labirintopatia, sem condições clínicas (febre, infecção, anemia severa) para receber tratamento com acupuntura; pacientes em ciclo quimioterápico com sessão quinzenal, de 21 dias ou mensal; pacientes que receberam acupuntura prévia para NVIQA; aqueles em uso de planta medicinal, fitoterápico ou homeopatia para NVIQA; pacientes com medo de agulha. A distribuição dos participantes nos grupos foi realizada por meio de sorteio após randomização 1:1 pelo Research Randomizer (https://www.randomizer.org/).
Intervenção
O GACA recebeu acupuntura sistêmica com agulhas 25 × 30mm nos pontos PC6 (Neiguam), BP6 (Sanyinjiao), E36 (Zusanli), VC12 (Zhongwan), F14 (Qimen) e auriculoterapia com cristais radiônicos nos pontos Shenmen, Baço, Estômago, Ansiedade, Ponto Zero e Ponto 29a da cinetose/náusea. Além desses pontos pré-definidos, realizou-se uma avaliação energética por meio do Sistema Ryodoraku, tornando o atendimento parcialmente individualizado. Assim, alguns pacientes podem ter tido incluídos pontos de pulmão, coração, intestino grosso, intestino delgado, vesícula biliar e rim em sua auriculoterapia, e na acupuntura sistêmica, os pontos P9, C7, IG4, ID4, VB40 e R3. O procedimento de acupuntura sistêmica durou em média 30 minutos. Os cristais radiônicos foram colocados nos pontos identificados e fixados com fita adesiva porosa hipoalergênica, mantidos por uma semana e não necessitaram de estimulação, alternando-se as orelhas a cada sessão. Os pacientes foram orientados a permanecerem com os cristais até a próxima sessão, sendo retirados pelo pesquisador. A acupuntura sistêmica e a auriculoterapia foram aplicadas uma vez por semana, independente do protocolo de QT, momentos antes da realização da sessão de QT.
Ambos os grupos utilizaram medicamentos prescritos conforme protocolo de QT e antieméticos. O GC apenas utilizou os medicamentos prescritos de acordo com o protocolo.
Desfechos
O desfecho foi avaliado pela presença de náuseas; presença de vômitos; número de dias com náuseas e vômitos; proporção de dias de tratamento com náuseas e vômitos; vômitos agudos e tardios com informações obtidas do Diário do Paciente e do Instrumento de Avaliação de NVIQA; avaliação das reações adversas gastrointestinais (náusea e vômito), como definido pelo Guia para Notificação de Reações Adversas em Oncologia(1515. Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia – SOBRAFO. Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA. Guia para notificação de reações adversas em oncologia [Internet]. 2. ed. São Paulo: Conectfarma Publicações Científicas; 2011 [cited 13 July 2022]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/monitoramento/farmacovigilancia/outras-publicacoes/guia-para-notificacao-de-reacoes-adversas-em-oncologia.pdf
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).
Instrumentos de Coleta
Foram utilizados os seguintes instrumentos: questionário biossociodemográfico (dados sociodemográficos e ocupacionais, dados sobre o câncer e comorbidades); questionário sobre NVIQA (ocorrência de NVIQA, uso de antiemético, dados sobre QT e ciclo); diário domiciliar proposto para o registro de NVIQA e uso de antieméticos e chás, nos intervalos das sessões; Guia para Notificação de Reações Adversas em Oncologia, elaborado a partir da tradução do Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) – version 4.0, foi utilizado para avaliar eventos adversos e sua intensidade referentes a toxicidade do tratamento de QT. A gravidade dos eventos adversos de acordo com o CTCAE foi definida em: GRAU 1 – leve, GRAU 2 – moderado, GRAU 3 – elevado, GRAU 4 – consequências que representam risco de morte, GRAU 5 – morte relacionada ao evento adverso(1515. Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia – SOBRAFO. Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA. Guia para notificação de reações adversas em oncologia [Internet]. 2. ed. São Paulo: Conectfarma Publicações Científicas; 2011 [cited 13 July 2022]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/monitoramento/farmacovigilancia/outras-publicacoes/guia-para-notificacao-de-reacoes-adversas-em-oncologia.pdf
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).
Recrutamento
Os prontuários dos pacientes foram selecionados após a consulta com o oncologista para definição do protocolo de QT. Os pacientes com quimioterápicos de alto e moderado grau emetogênico foram convidados a participar da pesquisa no dia da consulta para agendamento da QT e aqueles que aceitaram preencheram o formulário biossociodemográfico para identificação dos pacientes elegíveis para o estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No dia da primeira sessão de QT, o paciente recebeu um envelope sequencial e, ao abri-lo, conheceu a qual grupo foi alocado: GACA ou GC.
Mascaramento
Não houve mascaramento de participantes e do pesquisador. O estatístico teve acesso às informações sobre a designação dos grupos ao término do estudo.
Procedimento de Coleta de Dados
Os pacientes em todas as sessões de QT, após a sessão, preencheram o questionário de NVIQA e foram orientados a preencherem o diário no domicílio até a sessão seguinte.
Análise Estatística
A caracterização dos pacientes foi apresentada por frequências relativas e absolutas, medidas de tendência central e de variabilidade. A homogeneidade dos grupos foi verificada pelo teste de qui-quadrado ou teste exato de Fischer para variáveis qualitativas e para as variáveis quantitativas pelo teste de Wilcoxon Mann-Whitney. Os desfechos entre os grupos também foram avaliados pelo teste de Wilcoxon Mann-Whitney. Utilizou-se modelo linear generalizado de efeitos mistos para comparar os grupos ao longo das sessões e diferença entre protocolos. A análise foi realizada por estatístico com o software R® 4.0.4 e nível de significância de 5%.
Aspectos Éticos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Regional do Vale do Paraíba, da Universidade de Taubaté (parecer nº 5.343.476), aprovado dia 11/04/2022, e da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (parecer nº 5.266.059), aprovado dia 25/02/2022, de acordo com as recomendações da Resolução 466/2012 do CONEP. Os participantes assinaram o TCLE e aqueles do GC que desejaram, ao final do estudo, receberam acupuntura e auriculoterapia chinesa.
RESULTADOS
O total de prontuários de pacientes selecionados foi de 62 e 12 (16,2%) não aceitaram participar do estudo. Foram excluídos seis (8,8%) pacientes não elegíveis por labirintopatia (n = 1), déficit cognitivo (n = 1), mudança de protocolo de QT (n = 2) e sem condições clínicas para receber o tratamento com acupuntura (n = 2). Dois pacientes elegíveis desistiram antes do primeiro encontro e houve perdas ao longo do estudo (Figura 1).
Características Biosociodemográficas
A amostra foi constituída principalmente por pacientes do sexo feminino (52,4%; n = 22), a maioria aposentados (52,4%; n = 22) ou beneficiários da previdência social (INSS) ou da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (19%; n = 8). A maioria dos pacientes era da raça branca (61,9%; n = 26), predominantemente católicos (78,6%; n = 33), casados (54,8%; n = 23), 40,5% (n = 17) tinham o ensino médio completo e 38,1% (n = 16) tinham o ensino fundamental incompleto. A distribuição por grupos de estudo mostrou que eram homogêneos, exceto para o estado civil (p = 0,036) (Tabela 1).
Distribuição dos pacientes oncológicos segundo variáveis sociodemográficas, grupo de estudo e valor de p – Taubaté, Brasil, mai/2022 a set/2022.
A idade média dos pacientes foi em torno de 60 anos, os pacientes residiam em média a uma distância de 40–50Km e o tempo médio de chegada ao hospital em torno de uma hora. Os grupos foram homogêneos (Tabela 2).
Medidas descritivas para variáveis demográficas, distância e tempo de deslocamento de acordo com o grupo de estudo, valor de p – Taubaté, Brasil, mai/22 - set/22.
Em ambos os grupos, GACA (77,8%; n = 14) e GC (83,3%; n = 20), os pacientes tinham como cuidadores, os companheiros(as) ou os filhos(as).
Os pacientes apresentavam adenocarcinoma (59,5%; n = 25) ou MM (40,5%; n = 17). Naqueles com adenocarcinoma o principal órgão afetado foi o intestino grosso; 88,0% (n = 22) realizaram cirurgia oncológica entre 2020 e 2022.
Os pacientes com adenocarcinoma realizaram o ciclo com BFOL e aqueles com MM o ciclo com CYBORD. Com relação ao tipo de QT, dois (4,8%) pacientes fizeram tratamento adjuvante e 40 (95,2%) o paliativo. Na comparação entre os grupos, observou-se homogeneidade somente para o protocolo (p = 0,088) e tipo de câncer (p = 0,069), apesar de haver mais pacientes com adenocarcinoma no GC.
Referente ao tempo de diagnóstico, em média, os pacientes estavam em tratamento há 18 ± 30,5 meses. O número médio de ciclos de QT prévios realizados foi 3,8 (±2,8), variação de 1 a 12 ciclos, e o número de sessões variou entre três e quatro conforme o protocolo de QT. Na comparação entre os grupos, estes foram homogêneos para essas variáveis.
Quanto a outros problemas de saúde, 57,1% (n = 24) eram hipertensos, 23,8% (n = 10) eram diabéticos e 21,4% (n = 9) eram dislipidêmicos. A distribuição de pacientes com esses problemas de saúde foi semelhante entre os grupos (p > 0,05).
Desfecho da Intervenção
Em ambos os grupos, nenhum paciente relatou NVIQA durante a sessão de QT. Dos pacientes, 72,2% (n = 13) do GACA e 83,3% (n = 20) do GC tomaram antieméticos na primeira sessão conforme protocolo quimioterápico (p = 0,6251).
A ocorrência de NVIQA foi semelhante nos dois grupos (Tabela 3), bem como a utilização de antieméticos para náuseas: Cloridrato de Ondansentrona, 16,7% (n = 3) dos pacientes no GACA e 16,7% (n = 4) no GC; Dimenidrinato, 11,1% (n = 2) dos pacientes no GACA e 4,2% (n = 1) no GC; Cloridrato de Metoclopramida, 27,8% (n = 5) dos pacientes no GACA e 16,7% (n = 4) no GC. Os pacientes de ambos os grupos utilizaram medicações para vômitos: Cloridrato de Ondansentrona 22,2% (n = 4) dos pacientes no GACA e 8,3% (n = 2) no GC; Dimenidrinato, 4,2% (n = 1) dos pacientes no GC; Cloridrato de Metoclopramida, 11,1% (n = 2) dos pacientes no GACA e 8,3% (n = 2) no GC. Ao se analisar a ocorrência de NVIQA em cada sessão, também se observou diminuição semelhante entre os grupos até o final do ciclo. Ressalta-se que o protocolo BFOL não administra a Oxaliplatina na segunda sessão e seu ciclo foi de três semanas, enquanto o protocolo do CYBORD foi de quatro semanas.
Distribuição de pacientes segundo grupo de estudo, ocorrência de náuseas e vômitos, uso de antieméticos e valor de p – Taubaté, Brasil, mai/22-set22.
Pelo modelo linear generalizado de efeitos mistos não houve diferença estatística ao longo das sessões entre os níveis de gravidade de náuseas (CTCAE) e o grupo (p = 1,000) e entre os protocolos (p = 0,999). O mesmo foi observado para a gravidade de vômitos (CTCAE) e o grupo (p = 1,000) e entre os protocolos (p = 1,000). Quando ocorreu o evento adverso, houve predomínio de vômitos de Grau I (leve) e os vômitos de Grau II (moderado) ocorreram apenas em dois pacientes do GC e em um paciente do GACA, ambos do protocolo BFOL.
Quanto ao uso de chás para náuseas, este foi mais frequente no GC: Camomila (8,3%; n = 2), Hortelã (4,2%; n = 1), Erva Cidreira (4,2%; n = 1), Erva Doce (12,5%; n = 3), Boldo (4,2%; n = 1), Chá Verde (4,2%; n = 1). Apenas um paciente no GACA mencionou o uso de chá de Gengibre (5,5%; n = 1). Para vômitos, os chás também foram mencionados no GC: Camomila (8,3%; n = 2), Hortelã (8,3%; n = 2), Erva Cidreira (4,2%; n = 1) e Erva Doce (8,3%; n= 2).
O número e a proporção de dias com NVIQA foi semelhante entre os dois grupos (Tabela 4).
Medidas descritivas para o número de dias com náuseas e vômitos durante o tratamento e por sessão de acordo com o grupo – Taubaté, Brasil, 2022.
Para o tipo de êmese, também não se observou diferença estatística significativa entre os grupos para os vômitos agudos (p = 0,244) e para os vômitos tardios (p = 0,966). A êmese tardia foi mais frequente do que a êmese aguda. Ao se comparar os pacientes por protocolo de QT, observou-se que houve maior prevalência de vômitos tardios nos pacientes do protocolo BFOL, apesar de não utilizarem a oxaliplatina na segunda sessão.
A análise por tipo de protocolo também não mostrou diferenças estatísticas significativas para a presença de vômito entre os grupos. Nenhum paciente do GACA apresentou vômitos na sessão 4 do grupo CYBORD. A comparação de presença de vômitos no domicílio de acordo com cada semana pós respectiva sessão também não mostrou diferença estatística significativa.
DISCUSSÃO
Neste estudo, a prestação de serviços de acupuntura em um ambiente ambulatorial oncológico foi bem recebida pelos pacientes, cuidadores e funcionários do hospital. O reconhecimento da importância da oncologia integrativa nos cuidados dos pacientes oncológicos vem ganhando espaço entre os profissionais da saúde. As PICS realizadas em conjunto com o tratamento quimioterápico, radioterapia, cirurgia e terapia molecular visam a busca do papel principal do paciente no seu processo de assistência à saúde, resgatando princípios bioéticos e estimulando sua autonomia(1616. Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer statistics. CA Cancer J Clin. 2020;70(1):7–30. doi: http://dx.doi.org/10.3322/caac.21590. PubMed PMID: 31912902.
https://doi.org/10.3322/caac.21590...
).
Com relação à efetividade de um protocolo de acupuntura com os pontos sistêmicos PC6, VC12, BP6, E36, F14 e auriculoterapia nos pontos Shenmen, Baço, Estômago, Ponto Zero, Ponto 29a cinetose/náusea e Ansiedade para o alívio de NVIQA com drogas de alto e moderado grau emetogênico, não se obtiveram resultados estatisticamente significativos na avaliação feita pelo Diário de Náuseas e Vômitos.
A análise das características dos participantes mostrou uma prevalência de pacientes do sexo feminino, com idade média em torno de 60 anos, brancos, casados, que moravam com o companheiro, que tinham como cuidadores os companheiros e/ ou filhos e em sua maioria cursaram o ensino fundamental. Este perfil mostrou-se semelhante ao estudo sobre prevalência de diagnóstico de câncer em idosos, que evidenciou a média de idade de 69,8 anos, em sua maioria do sexo feminino, de cor branca (71,7%), que viviam com o cônjuge (58,0%), sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (62,0%)(1717. Francisco PMSB, Friestino JKO, Ferraz RO, Bacurau AGM, Stopa SR, Moreira Fo DC. Prevalência de diagnóstico e tipos de câncer em idosos: dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2020;23(2):e200023. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562020023.200023
https://doi.org/10.1590/1981-22562020023...
).
Diferentemente desse estudo, dados do Instituto Nacional do Câncer mostram que a incidência de câncer é 17% maior em pacientes do sexo masculino do que em pacientes do sexo feminino(1818. Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA, 2022 [cited 22 May 2023]. Available from: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2023-incidencia-de-cancer-no-brasil
https://www.inca.gov.br/publicacoes/livr...
).
A Política Nacional do Câncer(1919. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 874, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasilia; 2013 [cited 17 May 2023]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0874_16_05_2013.html
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
) enfatiza o oferecimento de tratamento em tempo hábil próximo ao município de origem. No estudo, a maioria dos pacientes morava fora da cidade de Taubaté, até uma distância de cerca de 140Km. Um estudo com análise retrospectiva transversal analisou dados do SUS sobre acessibilidade geográfica ao tratamento do câncer e evidenciou em um total de 12.751.728 pacientes, em que mais da metade precisaram se deslocar dos seus municípios de residência para realizarem tratamento oncológico(2020. Fonseca BP, Albuquerque PC, Saldanha RF, Zicker F. Geographic accessibility to cancer treatment in Brazil: a network analysis. Lancet Reg Health Am. 2021;7:100153. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.lana.2021.100153. PubMed PMID: 36777653.
https://doi.org/10.1016/j.lana.2021.1001...
).
A baixa acessibilidade geográfica aos serviços de saúde corrobora a baixa utilização desses serviços, gerando um pior resultado na saúde. Como o tratamento do câncer é muito importante e geralmente envolve cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia, ele exige dos pacientes várias idas ao serviço de saúde, e quando a distância dificulta o acesso a esses serviços gera atraso no tratamento, podendo levar esses pacientes a um pior prognóstico ou até mesmo à morte. As necessidades de viagens associam-se a estágio mais avançado da doença no momento do diagnóstico, tratamento inadequado e pior prognóstico, afetando a qualidade de vida(2121. Ambroggi M, Biasini C, Del Giovane C, Fornari F, Cavanna L. Distance as a Barrier to cancer diagnosis and treatment: review of the literature. Oncologist. 2015;20(12):1378–85. doi: http://dx.doi.org/10.1634/theoncologist.2015-0110. PubMed PMID: 26512045.
https://doi.org/10.1634/theoncologist.20...
).
O foco do estudo foram pacientes com câncer sólido como o câncer colorretal (CCR), intestino delgado e estômago, em tratamento quimioterápico com protocolo BFOL composto por fármacos como a Oxaliplatina, 5-Fluouracil e Ácido Folínico. A maioria dos pacientes apresentava adenocarcinoma de intestino grosso, cólon, retossigmoide ou reto, o que está de acordo com a prevalência mundial de 90% dos casos de câncer(1818. Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA, 2022 [cited 22 May 2023]. Available from: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2023-incidencia-de-cancer-no-brasil
https://www.inca.gov.br/publicacoes/livr...
).
Quanto ao câncer hematológico, foram estudados pacientes com MM, em tratamento quimioterápico com protocolo CYBORD composto pelos fármacos Ciclofosfamida, Decadron, Ácido Zoledrônico e Bortezomibe. Dados epidemiológicos de um estudo observaram que a incidência de MM é duas a três vezes maior em indivíduos negros em comparação a indivíduos brancos; no entanto, no presente estudo, a proporção de MM em pacientes brancos e afrodescendentes foi quase igual. Em média, os pacientes do presente estudo estavam em tratamento há cerca de um ano e meio e metade deles já havia realizado transplante autólogo de células tronco. Estudos mostram que a prevalência de MM aumentou devido a melhores técnicas de diagnóstico e melhora da sobrevida dos pacientes, devido ao transplante autólogo de células tronco hematopoiéticas e ao desenvolvimento de novos agentes terapêuticos(2222. Rajkumar SV. Multiple myeloma: 2020 update on diagnosis, risk-stratification and management. Am J Hematol. 2020;95(5):548–67. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ajh.25791. PubMed PMID: 32212178.
https://doi.org/10.1002/ajh.25791...
). Mesmo assim, no presente estudo, a totalidade dos pacientes estava em QT paliativa.
As comorbidades apresentadas pelos pacientes em tratamento quimioterápico eram hipertensão, diabetes e dislipidemia. Diferente de um estudo que observou, além da hipertensão, maiores prevalências de doença do coração, depressão e doença pulmonar nos idosos com diagnóstico de câncer. As comorbidades podem dificultar o tratamento oncológico; no entanto, as implicações e o manejo tornam-se cada vez mais importantes, devido ao envelhecimento populacional e ao número crescente de idosos com câncer(1717. Francisco PMSB, Friestino JKO, Ferraz RO, Bacurau AGM, Stopa SR, Moreira Fo DC. Prevalência de diagnóstico e tipos de câncer em idosos: dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2020;23(2):e200023. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562020023.200023
https://doi.org/10.1590/1981-22562020023...
).
No presente estudo foi utilizado um protocolo de acupuntura combinando os pontos PC6, VC12, E36, BP6, F14 a cinco pontos de acupuntura obtidos de avaliação individual pela MTC, para o alívio de NVIQA. Ressalta-se que esse número de pontos foi superior ao observado na literatura e nem todos os pacientes utilizaram antieméticos durante a sessão de QT ou nos intervalos das sessões.
A análise do diário de náuseas e vômitos mostrou que os grupos de estudo apresentaram alívio desses sintomas de modo semelhante tanto em relação à ocorrência de eventos quanto à intensidade das náuseas e no uso de antieméticos. Em relação ao vômito, apesar de não haver diferença estatística, o GACA apresentou menor menção de vômito do que o GC, porém ambos os grupos fizeram uso de antiemético.
O protocolo de acupuntura proposto esteve parcialmente de acordo com o protocolo de ensaio clínico que incluiu os pontos PC6, VC12, E36(2323. Li QW, Yu MW, Wang XM, Yang GW, Wang H, Zhang CX, et al. Efficacy of acupuncture in the prevention and treatment of chemotherapy-induced nausea and vomiting in patients with advanced cancer: a multi-center, single-blind, randomized, sham-controlled clinical research. Chin Med. 2020;15(1):57. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s13020-020-00333-x. PubMed PMID: 32514290.
https://doi.org/10.1186/s13020-020-00333...
). Esse ensaio clínico randomizado envolveu pacientes com câncer de pulmão, câncer de mama ou câncer ginecológico em tratamento quimioterápico com cisplatina, antraciclina ou regimes de QT à base de taxano; comparou um grupo Sham ao grupo tratado com os pontos PC6, E25, F13, E36, VC6 e VC12. Os tratamentos foram realizados por 30 min, duas vezes ao dia, por quatro dias consecutivos. Participantes de ambos os grupos receberam ondansetrona por via intravenosa como base do regime antiemético. No entanto, a efetividade deste protocolo não foi satisfatória, sem melhora perceptível do grupo acupuntura em comparação ao grupo controle. Porém, houve alívio significativo na gravidade de náusea (Dia 3 e Dia 21) e de vômito (Dia 7 ao Dia 21) (p = 0,021). Embora não tenha havido melhora significativa em vômitos nas 120h após o início da QT, houve melhora na gravidade do vômito no grupo acupuntura a partir do sétimo dia (p = 0,033)(2323. Li QW, Yu MW, Wang XM, Yang GW, Wang H, Zhang CX, et al. Efficacy of acupuncture in the prevention and treatment of chemotherapy-induced nausea and vomiting in patients with advanced cancer: a multi-center, single-blind, randomized, sham-controlled clinical research. Chin Med. 2020;15(1):57. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s13020-020-00333-x. PubMed PMID: 32514290.
https://doi.org/10.1186/s13020-020-00333...
).
Em um estudo transversal, foram randomizados em grupo acupuntura (ponto PC6 bilateralmente) e grupo Sham 68 pacientes em tratamento quimioterápico com fármacos de alto e moderado grau emetogênico associado a radioterapia (75% mulheres, idade média de 56 anos, 53% com câncer ginecológico, 43% CCR e 4% outros tipos de câncer). Realizaram-se em média 10 sessões durante quatro semanas, uma média de duas sessões semanais. Ambos os grupos foram comparados a um grupo de referência que recebeu apenas tratamento padrão de antieméticos. Houve maior consumo de antieméticos no grupo Sham do que no de acupuntura (p = 0,019, RR 1,81, IC: 1,06–3,09). Os pacientes tratados com acupuntura experimentaram menor intensidade de náusea do que os outros pacientes (p = 0,049). Houve uma tendência não significativa de mais pacientes do grupo Sham ou grupo referência apresentarem mais náusea (21 de 31; 68%) do que pacientes recebendo acupuntura (9 de 17; 53%: p = 0,074, RR 1,58, CI 0,91–2.74)(2424. Widgren Y, Enblom A. Emesis in patients receiving acupuncture, sham acupuncture, or standard care during chemo-radiation: A randomized controlled study. Complement Ther Med. 2017;34:16–25. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ctim.2017.07.003. PubMed PMID: 28917369.
https://doi.org/10.1016/j.ctim.2017.07.0...
).
Em estudo coreano para avaliar os efeitos da auriculoterapia em náuseas, vômitos e ânsia de vômito em pacientes com CCR em QT, os pacientes foram alocados para um GC e um grupo de auriculoterapia. Os pacientes recebiam ácido folínico, fluorouracil e oxaliplatina e o desfecho do estudo foi avaliado pela versão coreana do Índice de Náusea, Vômito e Náusea (INVR). O protocolo de auriculoterapia incluiu os pontos zero, estômago, tronco cerebral, Shenmen e cárdia com massageamento prévio desses locais para estimular a circulação sanguínea e novamente um estímulo após a colocação de esferas de argilas coladas em um emplasto. Foram realizadas 10 sessões de auriculoterapia e os pacientes foram orientados a estimular os pontos três vezes ao dia ou sempre que tivessem náuseas. O grupo auriculoterapia apresentou alívio significativo de náusea, ânsia de vômito e vômitos em relação ao GC. O escore global da INVR mostrou diferença significativa entre grupos, com o tempo de tratamento e interação com tempo e grupos(2525. Shin N, Park J. Effect of auricular acupressure on nausea, vomiting, and retching in patients with colorectal cancer receiving chemotherapy. Korean J Adult Nurs. 2018;30(3):227–34. doi: http://dx.doi.org/10.7475/kjan.2018.30.3.227
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).
A população do presente estudo também incluiu pacientes de CCR em uso do mesmo protocolo de QT do estudo da literatura(2525. Shin N, Park J. Effect of auricular acupressure on nausea, vomiting, and retching in patients with colorectal cancer receiving chemotherapy. Korean J Adult Nurs. 2018;30(3):227–34. doi: http://dx.doi.org/10.7475/kjan.2018.30.3.227
https://doi.org/10.7475/kjan.2018.30.3.2...
). Quanto ao protocolo de auriculoterapia, apesar de alguns pontos serem semelhantes, houve variação no material fixado nos pontos, o não massageamento prévio e posterior a aplicação das esferas, e o uso adicional de cinco pontos individualizados conforme avaliação da MTC. Houve tendência de redução nas náuseas e vômitos, mas sem diferença estatística nos instrumentos avaliados.
Limitação do Estudo
Algumas limitações foram identificadas no estudo, como: baixo número de pacientes na amostra; transferência de pacientes para outro serviço de oncologia; inviabilidade de se controlar a utilização de antieméticos; falta de orientação dos pacientes em fazer o uso do antiemético somente quanto tivessem sintomas; dois protocolos de QT e número de sessões diferentes em cada ciclo; não utilização de oxaliplatina no ciclo de BFOL (moderado potencial emetogênico) na segunda sessão; pacientes em tratamento paliativo, os quais são energeticamente mais debilitados e talvez requeressem maior tempo de intervenção; não avaliação da percepção dos pacientes em relação à utilização da acupuntura para seu estado de saúde.
CONCLUSÃO
O estudo piloto não foi efetivo em demonstrar a potencialidade do protocolo proposto no alívio de NVIQA. A baixa frequência de NVIQA e o baixo número de pacientes em cada protocolo quimioterápico comprometeram a avaliação do efeito do protocolo de acupuntura e auriculoterapia no alívio de NVIQA. Sugere-se a reprodutibilidade do estudo, considerando as limitações encontradas para a escolha de uma amostra adequada de pacientes.
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Apoio financeiro
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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EDITOR ASSOCIADO
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
12 Jun 2023 -
Aceito
15 Ago 2023