Resumos
O estudo teve por objetivo descrever os antecedentes, atributos e conseqüências do conceito de morte digna da criança. Utilizou-se a estratégia de análise de conceito para avaliar os 40 artigos, tendo como foco publicações nas áreas médica e de enfermagem, que estudaram ou focalizaram a morte digna da criança. Os atributos do conceito de morte digna da criança incluem: qualidade de vida, cuidado centrado na criança e na família, conhecimento específico sobre cuidados paliativos, decisão compartilhada, alívio do sofrimento da criança, comunicação clara, relacionamento de ajuda e ambiente acolhedor. Poucos artigos trazem a definição de morte digna da criança e, quando isso ocorre, essa definição é vaga e, muitas vezes, ambígua entre os vários autores. Esse aspecto indica que o conceito ainda não é consistentemente definido, demandando estudos de sua manifestação na prática clínica, contribuindo com os cuidados no final da vida em pediatria.
Tanatologia; Formação de conceito; Pediatria
El estudio tuvo por objetivo describir los antecedentes, atributos y consecuencias del concepto de muerte digna del niño. Se utilizó la estrategia de análisis de concepto para evaluar los 40 artículos, teniendo como foco las publicaciones en el área médica y de enfermería, que estudiaron o focalizaron la muerte digna del niño. Los atributos del concepto de muerte digna del niño incluyen: calidad de vida, cuidado centrado en el niño y en la familia, conocimiento específico sobre cuidados paliativos, decisión compartida, alivio del sufrimiento del niño, comunicación clara, relación de ayuda y ambiente acogedor. Pocos artículos contienen la definición de muerte digna del niño y, cuando eso ocurre, entre los varios autores, esa definición es vaga y, muchas veces, ambigua. Ese aspecto indica que el concepto todavía no está definido consistentemente, demandando estudios de su manifestación en la práctica clínica, contribuyendo con los cuidados en el final de la vida en pediatría
Tanatología; Formación de concepto; Pediatria
The purpose of this study was to describe the background, attributes and consequen-ces of the concept of dignified death for children. The concept analysis strategy was used to evaluate the 40 articles found in journals in the medical and nursing areas, which studied or focused on the dignified death of children. The attributes of the dignified death concept include: quality of life, child- and family-centered care, specific knowledge about palliative care, shared decisions, relieving the child's suffering, clear communication, helpful relations and a welcoming environment. Few articles bring the definition of a dignified death for children, and, when they do, such definition is vague and often ambiguous among the many authors. This aspect indicates that the concept is not defined consistently, demanding studies about its manifestation in the clinical practice, contributing with the care at the end of life in Pediatrics.
Thanatology; Concept formation; Pediatrics
ARTIGO DE REVISÃO
Morte digna da criança: análise de conceito
La muerte digna del niño: análisis de concepto
Kátia PolesI; Regina Szylit BoussoII
IEnfermeira Pediatra. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Bolsista CNPq. Lavras, MG, Brasil. kpoles@usp.br
IIEnfermeira. Professora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. szylit@usp.br
Correspondência Correspondência: Regina Szylit Bousso Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cerqueira César CEP 05403-000 - São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
O estudo teve por objetivo descrever os antecedentes, atributos e conseqüências do conceito de morte digna da criança. Utilizou-se a estratégia de análise de conceito para avaliar os 40 artigos, tendo como foco publicações nas áreas médica e de enfermagem, que estudaram ou focalizaram a morte digna da criança. Os atributos do conceito de morte digna da criança incluem: qualidade de vida, cuidado centrado na criança e na família, conhecimento específico sobre cuidados paliativos, decisão compartilhada, alívio do sofrimento da criança, comunicação clara, relacionamento de ajuda e ambiente acolhedor. Poucos artigos trazem a definição de morte digna da criança e, quando isso ocorre, essa definição é vaga e, muitas vezes, ambígua entre os vários autores. Esse aspecto indica que o conceito ainda não é consistentemente definido, demandando estudos de sua manifestação na prática clínica, contribuindo com os cuidados no final da vida em pediatria.
Descritores: Tanatologia. Formação de conceito. Pediatria
RESUMEN
El estudio tuvo por objetivo describir los antecedentes, atributos y consecuencias del concepto de muerte digna del niño. Se utilizó la estrategia de análisis de concepto para evaluar los 40 artículos, teniendo como foco las publicaciones en el área médica y de enfermería, que estudiaron o focalizaron la muerte digna del niño. Los atributos del concepto de muerte digna del niño incluyen: calidad de vida, cuidado centrado en el niño y en la familia, conocimiento específico sobre cuidados paliativos, decisión compartida, alivio del sufrimiento del niño, comunicación clara, relación de ayuda y ambiente acogedor. Pocos artículos contienen la definición de muerte digna del niño y, cuando eso ocurre, entre los varios autores, esa definición es vaga y, muchas veces, ambigua. Ese aspecto indica que el concepto todavía no está definido consistentemente, demandando estudios de su manifestación en la práctica clínica, contribuyendo con los cuidados en el final de la vida en pediatría
Descriptores: Tanatología. Formación de concepto. Pediatria
INTRODUÇÃO
Os avanços da medicina aumentaram a sobrevivência de pacientes com doenças graves considerados anteriormente irrecuperáveis, entretanto, em muitos casos, levou ao prolongamento do processo de morrer às custas de sofrimento adicional para o paciente e seus familiares(1-2).
Nos dias atuais, a doença e a morte residem no hospital, deixando de ocupar, como outrora, o aconchego do lar. Há uma particularidade a ser destacada nesse ponto: a partir de meados do século passado, começam a surgir as modernas terapias intensivas, local onde os objetivos primários de tratamento, através de sofisticados recursos terapêuticos, tornaram-se qualificar, quantificar e controlar uma ampla variedade de fenômenos biológicos. Tais preocupações fazem esquecer que na outra extremidade dos tubos, cabos e drenos, atrás de alarmes e restrito ao leito, encontra-se um ser humano(2).
No universo da pediatria brasileira, as primeiras unidades de terapia intensiva foram inauguradas na década de 70(3). Atualmente, muitas mortes de crianças acontecem nos hospitais, principalmente na Unidade de Terapia Intensiva pediátrica (UTIp). Assim, dignificar e humanizar a etapa final da vida e a morte torna-se um desafio para os profissionais de saúde que ali atuam. O intensivismo pediátrico é uma especialidade jovem e que desfrutou de incríveis avanços tecnológicos nos últimos anos. Tais avanços criaram situações inimagináveis em que, freqüentemente, o limite do prolongamento da vida é contraposto em favor do prolongamento da morte(4).
Os avanços das terapias de suporte têm possibilitado o manejo de várias falências orgânicas através da ventilação mecânica, filtração renal, drogas vasoativas, nutrição parenteral, entre outros. Além disso, outras modalidades de tratamento têm se expandido, como a cirurgia cardíaca, a neurocirurgia e o transplante de órgãos. Com isso, há um aumento da expectativa de vida e conseqüente diminuição da mortalidade de crianças que anteriormente eram consideradas irrecuperáveis. No entanto, o uso destes mesmos recursos pode levar à manutenção de uma condição de vida artificial(5).
Na atualidade, um número crescente de mortes que ocorre nas UTIs é resultado da suspensão ou limitação de tratamentos considerados fúteis ou inúteis(6), indicando a importância da comunicação efetiva entre paciente, familiares e equipe de saúde para que seja possível alcançar uma decisão compartilhada. Por tratamento fútil ou inútil entende-se a ação médica cujos potenciais benefícios para o paciente são nulos ou improváveis, não superando os potenciais malefícios(7).
Muitas crianças morrem nas UTIs pediátricas como resultado de uma decisão de limitar ou suspender as medidas de suporte vital, ou ainda, não ressuscitar(5,8). Sabemos que tal decisão está justificada na opção pela morte digna ou boa morte. Esses aspectos refletem a ampla discussão iniciada na década de 90 em torno dos dilemas éticos que envolvem o final da vida, questionando o paradigma da vida a qualquer custo. Passou-se a valorizar o respeito pelo paciente, com a preocupação crescente com a manutenção da dignidade no final da vida(9).
A determinação da terminalidade em uma UTI é uma condição de extrema dificuldade, já que implica estabelecer com relativa segurança que um paciente é irrecuperável. No caso das UTIp, esta questão é muito mais difícil, considerando que as crianças têm grande capacidade de recuperação e, muitas vezes, a evolução das doenças na infância é surpreendente, tanto no prognóstico quanto nas potenciais seqüelas(10).
Crianças com doenças graves e de mau prognóstico provocam intensos dilemas éticos nas equipes. É extremamente difícil estabelecer fronteiras entre o que é cuidar e aliviar o sofrimento, fornecendo conforto e morte digna e usar medidas invasivas e dolorosas decorrentes dos avanços tecnológicos, que só prolongam o sofrimento por algum tempo.
Até os anos 60, os profissionais de saúde agiam com uma conduta mais paternalista nas situações de final de vida. Os médicos tomavam as decisões quanto ao tratamento e comunicavam seus pacientes ou, em algumas situações, familiares bem próximos(11).
O desenvolvimento de estudos nesta temática se deu a partir de um esforço, ou da necessidade da prática clínica, em oferecer maior autonomia e garantir que o cuidado recebido pelo paciente estivesse de acordo com os seus desejos. Assim, talvez pela influência da bioética, os trabalhos mais atuais focalizam aspectos da determinação pessoal e a preservação da autonomia do indivíduo. Estes estudos relacionam-se principalmente às tomadas de decisão quanto ao suporte de vida, especialmente aqueles que se referem a ressuscitação cardiopulmonar e à ventilação mecânica. Foram, com maior freqüência, estudadas as áreas do adulto e idoso(12).
OBJETIVO
O presente estudo teve como objetivo descrever os antecedentes, atributos e conseqüências do conceito de morte digna da criança.
MÉTODO
Um conceito é uma idéia ou construção mental elaborada acerca de um fenômeno, sendo essencial no desenvolvimento de pesquisas, assim como na construção de teorias. Os conceitos compreendem atributos abstratos da realidade e, conseqüentemente, representam mais do que palavras ou imagens mentais, pois estas não capturam a natureza complexa dos conceitos(13).
O método evolucionário de análise de conceito foi utilizado para conduzir o estudo(13). Essa é uma técnica indutiva baseada na idéia de que os conceitos são dinâmicos e dependentes do contexto, ao invés de estáticos ou imutáveis, visando clarificar conceitos e reduzir problemas conceituais existentes. Acreditamos que o método foi apropriado para a análise do conceito de morte digna da criança, pois o conceito não é fixo, ou seja, é um conceito dinâmico através do tempo, situação e perspectiva.
Os passos da metodologia incluem: identificar as fontes relevantes para estudo; identificar o conceito e termos relacionados ou substitutos; evidenciar o seu uso pelas diferentes disciplinas, identificando os atributos, antecedentes e conseqüências e indicar futuras implicações para a prática(13).
Foram pesquisadas publicações nas áreas médica e de enfermagem, que estudaram ou focalizaram a morte digna. A busca foi delimitada também pela língua, incluindo estudos em português, inglês e espanhol. Os critérios de exclusão foram: trabalhos que não apresentavam o resumo nas bases de dados, trabalhos fora da área de pediatria, uma vez que o foco da pesquisa é a morte digna da criança e trabalhos de difícil acesso, como teses e dissertações.
O levantamento dos artigos considerou publicações entre os anos de 1996 a 2006. Esse período foi selecionado, pois o termo morte digna foi introduzido na literatura na década 90 e não há registro, na área de pediatria, de publicações anteriores ao ano de 1996.
As buscas foram realizadas nas seguintes bases de dados: Medline (Literatua Internacional em Ciências da Saúde), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências de Saúde), Cinahl (Cummulative Index to Nursing and Allied Health Literature) e Pubmed (National Library of Medicine and National Institutes of Health). As opções de palavras-chave para acessar as publicações foram utilizadas nas seguintes combinações: morte, digna, criança; morte, dignidade, criança; morte, boa, criança; morrer, dignidade, criança; morte, criança, unidade terapia intensiva.
À medida que fazíamos as buscas iniciais e começávamos a ler os artigos, identificamos possíveis termos utilizados para descrever o conceito de morte digna, como é o caso da boa morte, por isso expandimos a busca utilizando também essa nomenclatura. Foram também pesquisadas variações de morte digna, como: morte e dignidade; morrer e dignidade, pois esses termos também apresentam relação com o conceito de morte digna. A busca com a última combinação de palavras (morte, criança, unidade terapia intensiva), foi realizada com intuito de averiguar os trabalhos que focalizavam o conceito nesse cenário específico, pois um grande número de mortes de crianças acontece nesse local, conforme apresentado anteriormente.
Estas combinações de palavras-chave foram aplicadas em todas as bases de dados, selecionando as possíveis línguas pertinentes a cada uma delas. Por exemplo, no Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências de Saúde), as línguas selecionadas foram português e espanhol, em virtude dessa base ser específica de países do hemisfério sul. Nas demais bases, foram pesquisados trabalhos em português, inglês e espanhol, por se tratarem de bases de dados que abarcam publicações de todo o mundo.
Em cada uma dessas buscas obtivemos um total de artigos e, a partir de então, iniciamos a seleção dos artigos de interesse para sua leitura na íntegra. Para tanto, inicialmente excluímos os artigos que não apresentavam relação com a temática do estudo pela leitura minuciosa dos títulos, por exemplo, artigos que tratavam de questões fisiológicas, biológicas, celulares, foram inicialmente excluídos. Após essa primeira triagem, passamos para uma outra etapa, que incluiu a leitura crítica dos resumos, onde também foram eliminados os artigos que se distanciavam da temática focalizada. Aqueles resumos que suscitavam dúvidas quanto à sua relevância para o presente estudo foram lidos em sua íntegra, a fim se incluir ou não no rol de artigos eleitos para estudo em profundidade.
Foram encontrados 54 trabalhos de interesse para leitura na íntegra, porém, tivemos acesso a 40 artigos (74%). Dos 14 artigos não acessados, 6 deles (43%) possuíam oito anos ou mais de publicação e o restante não estava disponível nas bases de dados eletrônicas ou impressas em nosso meio.
Definidos os textos a serem utilizados, fizemos a leitura analítica, lendo e relendo os artigos diversas vezes, para que fosse possível selecionar as partes que realmente interessavam à pesquisa, buscando a identificação dos elementos constituintes do conceito (atributos, antecedentes e conseqüências)(13).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente, foi realizada a caracterização dos 40 artigos, que constituíram nosso universo de estudo, quanto ao período e idioma de publicação. Observa-se um aumento significativo das publicações no período de 2001 a 2007 (75,0%), evidenciando um interesse crescente pelas questões relacionadas ao cuidado da criança no final da vida nos últimos seis anos. Quanto ao tipo de artigo, 26 (65,0%) deles eram pesquisa, 4 (10,0%) revisão de literatura, 3 (7,5%) opinião de expert, 4 (10,0%) guideline clínico e 3 (7,5%) relato de caso.
Com relação ao idioma das publicações, notamos a concentração de artigos em língua inglesa (82,5%), seguidos de artigos em português (12,5%) e espanhol (5,0%). Esse dado evidencia que grande parte das publicações da área é desenvolvida ou publicada em países do hemisfério norte.
Definições de morte digna
As definições encontradas para o conceito de morte digna da criança foram: ausência de intervenções para prolongar a vida(9); ausência de dor e desconforto físico(9); ausência de dor e sintomas de desconforto(10); apoio à criança e sua família(14); máximo de conforto(15).
Atributos do conceito de morte digna da criança
Para a identificação dos atributos essenciais do conceito de morte digna da criança na UTI pediátrica, utilizaram-se as questões: Como os autores definem o conceito? Quais as características/atributos apontados por eles? Que idéias os autores discutem sobre morte digna da criança?
Os atributos são as palavras e ou expressões utilizadas, com freqüência, pelos autores para descrever as características do conceito(13).
Foram encontrados os seguintes atributos do conceito de morte digna da criança: Qualidade de vida(5,10,14,16-28); Cuidado centrado na criança e na família(1,9-10,14-18,22,25-40) ; Cuidados paliativos(9-10,14-15,17-20,27-29,33,41) ; Decisão compartilhada(1,5,8-10,14-15,17-28,30-31,33,36,38-39,41-45) ; Analgesia(1,9-10,14-18,21-22,25,27-33,35-36,41-42,44,46-47) ; Comunicação clara(8-10,14-18,22,26-34,36-41,43-44,48) ; Relacionamento de ajuda(1,8-10,14-17,22,24-26,28-32,34-40,43) ; Ambiente acolhedor(9,16-17,25-26,35).
Evidenciam-se esses atributos, referidos nos trechos expressos pelos autores mencionados abaixo:
Qualidade de vida
Valoriza-se cada vez mais a qualidade de vida, o respeito à vontade e ao melhor interesse do paciente. Busca-se o morrer com dignidade, mais do que prolongar inutilmente a morte e o sofrimento do paciente(21).
Cuidado centrado na criança e na família
[...] objetivamos delinear um ambiente favorável a uma morte digna e humana, sob a ótica da família e do paciente(9).
Cuidados paliativos
As crianças fora de possibilidades terapêuticas de cura e suas famílias podem se beneficiar de cuidados paliativos na UTIp(14).
Decisão compartilhada
[...] o suporte à família se dá quando há entendimento e aceitação de qualquer decisão que os pais tomem(31).
Analgesia
[...] alguma forma de sedação e analgesia devem ser utilizadas para aliviar o desconforto e a dor durante o processo de morrer(32).
Comunicação clara
A comunicação clara e efetiva é o atributo mais importante do processo de tomada de decisão durante a fase terminal(36).
Relacionamento de ajuda
[...] o estabelecimento de umrelacionamento de ajuda é crucial para pais no processo de morrer da criança(36).
Ambiente acolhedor
Quando possível, a opção de ter as medidas de suporte de vida removidas num ambiente mais familiar à criança deve ser oferecida... Uma solução remediadora que tomamos na nossa UTIp é a de transformar um dos leitos de isolamento em um ambiente de cuidado paliativo(9).
Antecedentes do conceito de morte digna da criança
Os antecedentes do conceito são situações, eventos ou fenômenos que precedem o conceito de interesse. Os antecedentes auxiliam na compreensão do contexto social no qual o conceito é geralmente utilizado, bem como favorece o seu refinamento(13). No presente estudo, identificaram-se os antecedentes por meio das respostas à pergunta: De que forma está descrito o conceito (papéis, habilidades e contexto)?
Os artigos examinados revelaram os antecedentes do conceito de morte digna da criança que emergem com maior freqüência: Reconhecimento da irreversibilidade do quadro clínico(1,5,8,10,14,20-21,23,26,28,30,33,43-45) ; Filosofia dos cuidados paliativos(9-10,14-15,17-20,26-28,30-32,36,44) ; Manejo da dor e dos sintomas de desconforto(1,9-10,14-18,20,22,25-33,35-36,39,41-42,44,46) ; Processo de tomada de decisão compartilhada(1,5,8-10,14-15,17-20,22-28,30-33,36,38-39,41-45) ; Trabalho em equipe multidisciplinar(9-10,14-16,18,21-25,28,30,32-33,35,40,45-46) ; Filosofia do cuidado centrado na criança e na família(1,9-10,14-18,21-22,25-44,46-47) ; Comunicação adequada entre equipe criança e família(8-10,14-18,22,26-41,43-44,48) ; Respeito às diversidades culturais(5,8-10,14-15,24-26,28,31,35-36,38) ; Contexto favorável na UTI pediátrica(9,15-18,20,25-26,30,38,44) ; Preservação dos princípios bioéticos(5,8,21,23-25,36,38,44).
Reconhecimento da irreversibilidade do quadro clínico
Para que seja possível proporcionar uma morte digna, inicialmente, é preciso que se reconheça a gravidade da doença e prognóstico, bem como as limitações terapêuticas, especialmente nos casos de crianças crônicas ou que permaneceram por algum período de tempo na UTI pediátrica. Por outro lado, nos casos agudos, é necessário que a equipe de saúde esteja preparada para lidar com a morte súbita e inesperada da criança.
Os cuidados no final da vida começam quando se diagnostica uma enfermidade grave da criança ou condição que ameaça sua vida(14).
Filosofia dos cuidados paliativos
Os autores apontam a importância de consultoria à equipe de cuidados paliativos no final da vida, para que seja possível adequar o cuidado às necessidades da criança fora de possibilidades terapêuticas de cura, aplicando-se os princípios dos cuidados paliativos. Para tanto, é necessário que haja profissionais capacitados para o cuidado de crianças no final da vida, especialmente, no contexto da UTI pediátrica.
Os cuidados paliativos são essenciais nas unidades de cuidados intensivos pediátricos, dada a freqüência da morte nas UTIp e a presença de condições médicas que ameaçam a vida das crianças internadas nestas unidades(14).
Manejo da dor e dos sintomas de desconforto
É de extrema importância o reconhecimento da presen-ça de dor e ou desconforto físico (constipação, náusea ou vômito, dispnéia), para que se faça uso apropriado de analgésicos para o controle efetivo da dor e sedativos ou outras medicações necessárias para o controle dos sintomas de desconforto, bem como aplicação de medidas não farmacológicas para o alívio da dor, tais como: massagens, uso de compressas, musicoterapia, relaxamento.
O controle da dor e de outros sintomas de desconforto é considerado evidência de cuidado adequado no final da vida(18).
Processo de tomada de decisão compartilhada
Para que seja viável a decisão compartilhada entre equipe de saúde, família e criança são necessárias: a inclusão da família nas decisões de final de vida, inclusão dos pais nas discussões/reuniões de equipe, bem como o envolvimento da criança nas decisões quando possível, isto é, quando ela estiver consciente e seu nível de desenvolvimento cognitivo permita a sua participação.
A hora da verdade inevitavelmente chega, quando a equipe e a família precisam tomar uma decisão, permitindo que o paciente morra dignamente, sem futuras intervenções para prolongar a vida, o que na realidade só postergará a morte(9).
Trabalho em equipe multidisciplinar
Diz respeito à importância do trabalho conjunto em equipe multidisciplinar, que inclui: médico, enfermeira, assistente social, psicólogo e consultor espiritual, onde todos os membros da equipe participam nas condutas e decisões relacionadas à criança fora de possibilidades terapêuticas de cura. Além disso, destaca-se a intervenção de profissionais de saúde mental para ajudar o paciente e a família, facilitando a comunicação.
As questões éticas de cada paciente devem ser discutidas entre toda a equipe que assiste o paciente(22).
Filosofia do cuidado centrado na criança e na família
Refere-se ao bem-estar da criança na fase final da vida. Para tanto, é necessário que a assistência seja individualizada, fugindo da padronização e protocolos rígidos, atendendo as dimensões biológica, psicológica, social e espiritual da criança. Com relação à família, destacam-se os seguintes aspectos: participação dos pais nos cuidados à criança; facilidade nos trâmites burocráticos; respeito às preferências da família; esclarecimento sobre a infra-estrutura da equipe de saúde, incluindo que pode ajudá-los; suporte à família durante todo o processo de morrer; senso de controle da situação pela família; presença constante da família; tempo à família para que ela possa aceitar a condição irreversível da criança; oportunidade para despedida; contato com a família após a morte, através de cartões, cartas, telefonemas ou ida ao funeral da criança e acompanhamento da família após a morte da criança.
O papel central dos membros da equipe é proporcionar um ótimo cuidado no fim da vida, aplicando os princípios do cuidado centrado na família e incorporando a perspectiva do paciente nos cuidados(33).
Comunicação adequada entre equipe criança e família
Inclui a comunicação aberta com a criança fora de possibilidades terapêuticas de cura e sua família, através de informações verdadeiras, honestas e congruentes entre toda a equipe de saúde. É, também, de extrema importância explicações sobre os detalhes da doença, tratamento e cuidados de forma simples e acessível. Além disso, os profissionais de saúde necessitam de habilidade para comunicar-se com a criança em final de vida, de acordo com sua idade e nível de desenvolvimento cognitivo, bem como habilidade para comunicar más notícias para a família.
É necessário que os médicos e enfermeiras tenham habilidades para comunicar más notícias, melhorando a relação e comunicação com as famílias e os pacientes em fase terminal(10).
Respeito às diversidades culturais
Refere-se ao respeito aos valores, crenças, tradições religiosas e étnico-culturais da criança e sua família, incluindo suporte religioso, quando solicitado, através de preces ou rituais religiosos.
As crenças religiosas/espirituais são importantes para a maioria dos pais durante a hospitalização e após a morte da criança(33).
Contexto favorável na UTI pediátrica
Alguns aspectos relativos ao contexto são relevantes para que seja possível proporcionar a morte digna da criança, tais como: visitação livre na UTI pediátrica; ambiente agradável; ambiente com privacidade e oportunidade para a criança morrer em outro local que não a UTI pediátrica (casa, hospice, enfermaria).
O quarto tem decoração diferente, música ambiente, iluminação adequada regulável, mobília mais confortável e lugar para várias pessoas se acomodarem. Escondemos a tecnologia com cortinas[...] monitoramos a criança remotamente na estação central da UTIp se a família prefere ficar sozinha na hora final, e periodicamente entramos no quarto para revisar se a criança está confortável(9).
Preservação dos princípios bioéticos
Aplicação dos princípios bioéticos da beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça nas tomadas de decisão, bem como discussão dos dilemas éticos com o Comitê de Bioética do hospital.
Do ponto de vista ético, a morte de pacientes terminais é um evento natural e algumas vezes até desejável, baseada nos princípios bioéticos da não-maleficência, beneficência, respeito à autonomia e justiça(5).
Conseqüências do conceito
As conseqüências do conceito referem-se a eventos ou situações resultantes da sua utilização(13). Para identificação das conseqüências utilizou-se a seguinte questão: O que se pretende atingir com morte digna?
As conseqüências do conceito de morte digna da criança são: Preservação da autonomia do paciente e da família(8-9,14,17,25-26,39,41,45) ; Mudança da atitude paternalista e filosofia de segredo ainda permeiam muitas UTIp(9,23,32,38); Sofrimento minimizado(1,9-10,14-15,17-19,21-22,25-33,35-37,40-42,44,46-47) ; Família segura e confiante(9-10,15-17,28-29,31,33,36-40,43) ; Inclusão do tema morte no currículo dos profissionais de saúde(1,9 10,14,19, 22,27, 30,32,45); Nova abordagem para os cuidados no final da vida em pediatria(9-10,14-20,22,27,30-33,41,44) .
Preservação da autonomia do paciente e da família
Quando ocorre a morte digna, observa-se a preservação da autonomia do paciente e da família, que devem ter o direito de decidir por aceitar, ou não, determinada intervenção terapêutica, garantindo que a assistência recebida esteja de acordo com as preferências do paciente e/ou da família.
A autonomia é importante para que os pais se ajustem a difícil situação de ter um filho em risco de vida(36).
Mudança da atitude paternalista e filosofia de segredo ainda permeiam muitas UTIp.
Ocorre quando a família e/ou paciente participam ativamente das tomadas de decisão. Dessa forma, as condutas não se baseiam unicamente nas opiniões da equipe, privilegiando-se as expectativas e desejos do paciente e da família.
Não há mais lugar para uma medicina paternalista, que exclui a família das decisões na UTI(9).
Sofrimento minimizado
Refere-se à garantia de alívio tanto da dor, como do sofrimento experienciados pela criança. Para que haja efetividade nesse aspecto, é necessário analgesia e sedação adequadas, bem como utilização racional de medidas invasivas.
O sofrimento na fase terminal da doença não deve ser infra-estimado(10).
Família segura e confiante
Isso se dá quando o foco do cuidado não se restringe unicamente ao paciente, incluindo também a família. A segurança e confiança da família decorrem principalmente das informações recebidas ao longo do processo de morrer, que devem ser oferecidas em quantidade e tempo adequados, de acordo com as demandas da família.
A equipe de saúde deve estimular a confiança e a comunicação, proporcionando apoio às famílias(14).
Inclusão do tema morte no currículo dos profissionais de saúde
Para que a discussão sobre a morte digna seja ampliada, é necessário que haja uma reformulação dos currículos dos profissionais de saúde onde, ainda hoje, percebe-se um enfoque maior na área curativa em detrimento da assistência durante o processo de morrer.
Os clínicos têm reportado que são insuficientemente preparados para proporcionar cuidados no final de vida para crianças e suas famílias. Os profissionais de saúde deveriam ser preparados para facilitar uma boa morte para a criança e sua família(27).
Nova abordagem para os cuidados no final da vida em pediatria
Diz respeito a uma nova atitude dos profissionais de saúde no final da vida, contemplando os antecedentes anteriormente explicitados.
Embora a qualidade dos cuidados no final de vida seja amplamente estudada em adultos, ainda existem poucos estudos sobre a morte de crianças. Além disso, as diferentes percepções dos profissionais de saúde sobre a qualidade do cuidado durante o processo de morrer não estão claras(28).
Termos relacionados à morte digna
A partir da literatura analisada, foi possível identificar alguns termos relacionados à morte digna empregados pelos autores, tais como: bem morrer(16); boa morte(9,15,27) e morte ideal(9).
Atualmente, muitas crianças morrem em decorrência da limitação de suporte de vida. O foco do cuidado muda de uma abordagem intervencionista para os cuidados paliativos e os profissionais de saúde devem constantemente encorajar os pais a tomarem decisões que atendam as demandas da criança e da família(9-10,14,18).
Os cuidados no final de vida em pediatria devem atender as necessidades da criança e sua família, sendo necessária a abordagem por uma equipe multidisciplinar. A comunicação aberta e o planejamento dos cuidados com a participação da família é parte integrante do processo, sendo fundamental, nesse sentido, a capacidade de negociação por parte dos profissionais de saúde envolvidos no cuidado(9-10,14,17,30,34,36,39).
A participação da família nas tomadas de decisão e sua presença durante o processo de morrer é vista cada vez mais com maior naturalidade. No entanto, muitos estudos destacam a necessidade dos médicos e enfermeiras de melhorar suas habilidades de comunicação com as famílias, especialmente durante o processo de morrer(14,22,27,30,32,34,38-39).
Os cuidados paliativos pediátricos são um modelo integral de atenção à criança na fase de final de vida e sua família, contemplando as necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais da criança e sua família, incluindo o tratamento dos sintomas físicos e cuidados durante o processo de morrer, com o propósito de aumentar a qualidade de vida da criança e apoiar a família. Requerem um planejamento multidisciplinar, tendo como fundamento a comunicação clara e tomada de decisão compartilhada(9,14).
Cuidar da criança e sua família durante a fase de final de vida é um desafio e um privilégio, pois o cuidado à criança e à família durante o processo de morrer pode ter um impacto profundo na experiência da família, bem como no ajustamento dos pais à vida sem a criança.
CONCLUSÕES
Não há mudanças cronológicas significativas quando examinamos o conceito de morte digna na literatura, especialmente, em virtude de seu aparecimento há cerca de 10 anos, com o surgimento das discussões bioéticas.
Vários autores apontam o interesse crescente pelas questões relacionadas ao fim da vida a partir dos anos 90, com o surgimento de discussões acerca da manutenção da vida a qualquer custo e da bioética em um contexto de exponencial crescimento científico, onde o uso da tecnologia resulta em conflitos com os limites terapêuticos(5,8,21).
A maioria dos estudos analisados foi publicada na área médica e apenas alguns na área da enfermagem, evidenciando que a temática ainda é escassamente explorada no âmbito da enfermagem. Talvez esse fato se deva, pois o médico é o responsável legal pelo paciente, inclusive respondendo diretamente pelos dilemas bioéticos gerados quanto à manutenção da vida artificialmente, por exemplo.
Por outro lado, com relação ao desenvolvimento de conceitos, a enfermagem vem construindo seu arcabouço teórico em um processo dinâmico, que tende a nascer da prática e a ela se voltar, num movimento de busca de níveis crescentes de qualidade e complexidade. A análise e desenvolvimento de conceitos estão intimamente relacionados à evolução e expansão de conhecimentos na enfermagem(13). Como resultado da contínua reformulação e refinamento de conceitos, a enfermagem vai se alicerçando em bases sólidas de conhecimento. Portanto, um dos pontos importantes na enfermagem, assim como em outras disciplinas, é tratar de conceitos.
Poucos artigos trazem a definição da morte digna da criança e, quando isso ocorre, essa definição é vaga e, muitas vezes, ambígua entre os vários autores. Esse aspecto indica que o conceito ainda não é consistentemente definido, demandando um estudo em profundidade de sua manifestação na prática clínica, contribuindo com os cuidados no final da vida em pediatria.
Recebido: 13/08/2007
Aprovado: 11/03/2008
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Abr 2009 -
Data do Fascículo
Mar 2009
Histórico
-
Recebido
13 Ago 2007 -
Aceito
11 Mar 2008