Cargas de trabalho nas atividades de enfermagem em hospitais universitários^*

RESUMO

Objetivo:

Analisar a exposição dos trabalhadores de enfermagem às cargas de trabalho presentes em hospitais universitários no sul do Brasil.

Método:

Estudo quantitativo transversal, com 361 trabalhadores de enfermagem de dois Hospitais Universitários, entre os meses de novembro de 2019 e fevereiro de 2020. Foi utilizado um instrumento com variáveis sociodemográficas e laborais e a Escala de Cargas de Trabalho nas Atividades de Enfermagem, previamente validada. Realizou-se distribuição de frequências, medidas de posição e variabilidade e análise de variância e teste de Tukey.

Resultados:

O construto que apresentou a maior média do instrumento foi F3-Cargas Biológicas (0,3), evidenciando que a exposição às cargas biológicas é muito intensa entre os trabalhadores de enfermagem. As cargas de trabalho possuíram diferença significativa com as unidades de trabalho – fisiológicas (p = 0,001), biológicas (p = 0,007), psíquicas (p = 0,042), mecânicas (p = 0,014), químicas (p = 0,001) e físicas (p = 0,001).

Conclusão:

Os trabalhadores identificam a exposição às cargas de trabalho com diferentes intensidades, evidenciando aspectos do trabalho nas instituições de saúde que aumentam ou atenuam as cargas de trabalho, por meio das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem.

DESCRITORES
Carga de Trabalho; Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Hospitais Universitários; Equipe de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

Analyze the exposure of nursing workers to workloads present in university hospitals located in southern Brazil.

Method:

Cross-sectional quantitative study performed with 361 nursing workers from two University Hospitals between November 2019 and February 2020. An instrument addressing sociodemographic and occupational variables was used together with the previously validated Workloads in Nursing Activities Scale. The distribution of frequencies, measures of location, and variability were identified, and analysis of variance and the Tukey test were performed.

Results:

The construct that obtained the highest mean was F3 – Biological Loads (3.00), revealing that nursing workers are very intensively exposed to biological loads. Workloads were significantly different between the work units – physiological (p = 0.001), biological (p = 0.007), psychological (p = 0.042), mechanical (p = 0.014), chemical (p = 0.001), and physical (p = 0.001).

Conclusion:

The workers identified that exposure to workloads varies in intensity, showing aspects of the work performed in health institutions that either aggravate or mitigate workloads through the activities performed by nursing workers.

DESCRIPTORS
Workload; Nursing; Occupational Health; Hospitals, University; Nursing, Team

RESUMEN

Objetivo:

analizar la exposición de los trabajadores de enfermería a las cargas de trabajo presentes en hospitales universitarios, en el sur de Brasil.

Método:

estudio cuantitativo transversal, en 361 trabajadores de enfermería de dos Hospitales Universitarios, entre los meses de noviembre de 2019 y febrero de 2020. Fue utilizado un instrumento con variables sociodemográficas y laborales y la Escala de Cargas de Trabajo en las Actividades de Enfermería, previamente validada. Se realizó distribución de frecuencias, medidas de posición y variabilidad y análisis de variancia y test de Tukey.

Resultados:

el constructo que presentó la mayor media del instrumento fue F3- Cargas Biológicas (0,3), evidenciando que la exposición a las cargas biológicas es muy intensa entre los trabajadores de enfermería. Las cargas de trabajo tenían una diferencia significativa con las unidades de trabajo – fisiológicas (p = 0,001), biológicas (p = 0,007), psíquicas (p = 0,042), mecánicas (p = 0,014), químicas (p = 0,001) y físicas (p = 0,001).

Conclusión:

los trabajadores identificaron la exposición a las cargas de trabajo con diferentes intensidades, evidenciando aspectos do trabajo en las instituciones de salud que aumentan o atenúan las cargas de trabajo, por medio de las actividades desarrolladas por los trabajadores de enfermería.

DESCRIPTORES
Carga de Trabajo; Enfermería; Salud Laboral; Hospitales Universitarios; Grupo de Enfermería

INTRODUÇÃO

A equipe de enfermagem desenvolve atividades em diversos locais de trabalho, incluindo ambulatórios, clínicas, indústrias e hospitais(¹). Entre as instituições hospitalares, destacam-se os Hospitais Universitários (HUs), definidos como estabelecimentos de saúde vinculados a uma Instituição de Ensino Superior pública ou privada. Além de realizarem assistência à saúde, esses ambientes são considerados centros de formação, onde se desenvolvem atividades práticas de ensino na área da saúde para a inovação assistencial e avanço tecnológico. Os objetivos centram-se na garantia de melhoria da qualidade da atenção à saúde, do ensino, da pesquisa e da gestão(²).

No contexto de trabalho dos HUs, verificam-se aspectos relacionados às ações desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem, que planejam, organizam, executam e avaliam as atividades com a finalidade de garantir a qualidade no trabalho. O processo de trabalho envolve a articulação com outras equipes assistenciais, equipes multiprofissionais, por meio de relações de trabalho e comunicação. Outros aspectos referem-se às condições de trabalho, como instalações físicas inadequadas, que são desfavoráveis para o desempenho das atividades(³). Além disso, realizam-se, em tais locais, pesquisas e desenvolvimento de tecnologias em saúde e promovem-se ações buscando qualidade no cuidado e segurança dos pacientes e dos trabalhadores, por meio da assistência, gestão, extensão, pesquisa e ensino dos cursos de graduação e pós-graduação(⁴).

Os trabalhadores de enfermagem dos HUs possuem papel importante na realização da assistência e no estabelecimento de relações com a equipe multidisciplinar. Porém, as relações sociais do trabalho e a forma como o processo de trabalho é desempenhado influenciam na relação saúde-doença e podem ser responsáveis pelos desgastes físicos e mentais dos trabalhadores(⁵). A construção de elementos socioambientais envolve o ambiente de trabalho e o trabalhador a partir da compreensão da associação do processo de trabalho e processo saúde-doença(⁶). Para tanto, este estudo envolve a abordagem socioambiental dos ambientes hospitalares universitários, os trabalhadores de enfermagem e as cargas de trabalho a que eles estão expostos.

Considerando as cargas de trabalho como objeto de estudo no contexto socioambiental dos hospitais universitários, sua identificação requer o conhecimento de como são classificadas e diferenciadas. As cargas de trabalho da enfermagem são identificadas como cargas psíquicas, fisiológicas, químicas, físicas, mecânicas e biológicas. Essas cargas apresentam associação significativa com os desgastes à saúde relacionados ao trabalho(⁷).

As cargas biológicas são identificadas por meio dos vírus, bactérias, fungos, sangue, secreções, excreções, manipulação de pacientes com doenças infectocontagiosas, manipulação de materiais contaminados; como cargas químicas, evidenciam-se os medicamentos, agentes quimioterápicos, gases anestésicos, poeira, antissépticos, hipoclorito de sódio, glutaraldeído e as luvas de látex; no que se refere às cargas físicas, destacam-se os ruídos, diferença de temperatura, umidade, radiação não ionizante, radiação ionizante; como cargas mecânicas, identificam-se os acidentes com perfurocortantes, torções, hematoma, fraturas, contusões, perfurações, cortes e violência física(⁷). Como cargas psíquicas, destacam-se a falta de autonomia, os conflitos, a dificuldade de conciliar atividades administrativas e assistenciais, a multiplicidade de ações, dificuldade de trabalhar em equipe, falta de apoio da chefia(⁸); como cargas fisiológicas, o levantamento de peso, postura inadequada, posição incômoda e inadequada, trabalho noturno, trabalho em turnos, esforço físico, permanência por longos períodos em pé, percurso de longas distâncias na instituição(⁷).

Os HUs apresentam um contexto socioambiental diferente do encontrado nas demais instituições hospitalares, tendo em vista que os trabalhadores desempenham atividades na assistência aos pacientes, na gestão dos serviços de saúde, na pesquisa e no ensino, juntamente com docentes e estudantes de diferentes áreas da saúde, características que submetem os trabalhadores a outras cargas de trabalho inerentes ao processo de trabalho vinculado à formação de profissionais para atuar na saúde. Justifica-se a realização do estudo em virtude do contexto socioambiental diferenciado, apresentado por essas instituições. Dessa forma, tem-se como objetivo analisar a exposição dos trabalhadores de enfermagem às cargas de trabalho presentes em hospitais universitários no sul do Brasil.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Estudo quantitativo e transversal realizado por meio da “Escala de Cargas de Trabalho nas Atividades de Enfermagem” (ECTAE), previamente elaborada e validada, com trabalhadores de enfermagem que atuam em dois HUs localizados em dois municípios do sul do Brasil, representados, neste estudo, por H1 e H2, ambos vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. O H1 é um hospital universitário público, que conta com 231 leitos e é referência em tratamento de gestação de alto risco e cirurgia ortopédica de alta complexidade. O H2 também é um hospital universitário público, possui 175 leitos e realiza ações de assistência ambulatorial, hospitalar de média e alta complexidade e atenção domiciliar.

População e Amostra

Considerou-se a população de 752 trabalhadores de enfermagem, 366 do H1 e 376 do H2, para o cálculo amostral e empregou-se o nível de confiança de 95%, obtendo-se uma amostra mínima de 255 participantes. A amostragem utilizada foi não probabilística por conveniência, buscando atingir o maior número de participantes, totalizando 361 participantes no estudo.

Como critérios de inclusão, estabeleceu-se atuar nas seguintes unidades de assistência: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Serviço de Pronto Atendimento (SPA), Rede de Urgência e Emergência (RUE), Clínica Obstétrica, Maternidade, Clínica Pediátrica, Centro Cirúrgico e UTI (geral e neonatal). Essas unidades foram escolhidas por aproximação dos processos de trabalho nos dois HUs. Os critérios de exclusão incluíram estar de férias ou licença de qualquer natureza no momento da coleta de dados.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada entre os meses de novembro de 2019 e fevereiro de 2020 por meio de um instrumento autoaplicado disponibilizado impresso em folhas de ofício e guardado individualmente em envelope pardo, aplicado por uma equipe previamente treinada. Os envelopes foram entregues aos trabalhadores de enfermagem nos setores de trabalho nos turnos da manhã, tarde e noite. Aos participantes, foram esclarecidos os objetivos do estudo, instituição proponente, instituições de saúde participantes e possíveis participantes; após, o convite era realizado. Foram distribuídos 400 envelopes; destes, obteve-se retorno de 372 e 28 perdas. Excluíram-se dois por preenchimento incorreto, oito foram devolvidos em branco e houve uma recusa.

Utilizou-se a ECTAE, desenvolvida por meio de um guia de oito etapas(⁹) com trabalhadores de enfermagem para avaliar em intensidade e frequência as situações de exposição às cargas de trabalho durante as atividades de enfermagem. A ECTAE é composta por 22 questões afirmativas, avaliadas por meio de duas escalas Likert de cinco pontos de intensidade (nada intensa = 0; pouco intensa = 1; intensa = 2; muito intensa = 3; extremamente intensa = 4) e frequência (nada frequente = 0; pouco frequente = 1; frequente = 2; muito frequente = 3; extremamente frequente = 4). Essa escala foi validada com alfa de Cronbach de 0,87, a medida de adequação da amostra obtida (KMO) foi de 0,87 e o teste de esfericidade de Bartlett (BTS) identificou significância estatística de 0,001.

A ECTAE apresenta seis construtos que representam as cargas de trabalho de materialidade interna e as cargas de trabalho de materialidade externa. O construto F1 – Cargas Psíquicas é composto por sete itens relacionados às tarefas administrativas, assistenciais e atividades de ensino, pesquisa e extensão; falta e falhas de comunicação; orientação e supervisão; dificuldade em trabalhar em equipe; atenção constante; violência psicológica e/ou moral; e tensão no desenvolvimento do trabalho. O construto F2 – Cargas Fisiológicas contém quatro itens e é composto por itens relacionados à manipulação de peso excessivo, transporte de pacientes e esforço físico.

O construto F3 – Cargas Biológicas também possui quatro itens que descrevem a presença de micro-organismos; contato com secreções; e fluidos corporais, procedimentos invasivos e não invasivos. O construto F4 – Cargas mecânicas contém três itens e é formado por questões relacionadas à violência física, quedas e acidentes de trabalho. O construto F5 – Cargas físicas contém dois itens relacionados à infraestrutura inadequada, como iluminação, espaço físico, materiais, descarte de resíduos e choque elétrico. O construto F6 – Cargas químicas contém dois itens relacionados ao preparo e administração de medicamentos e manipulação de produtos de limpeza e desinfecção de materiais.

Além disso, o instrumento continha variáveis sociodemográficas e laborais, com duas questões abertas (idade e unidade de trabalho) e questões fechadas relacionadas ao sexo (feminino, masculino), HU de atuação (H1, H2), função de trabalho (enfermeiro, técnico em enfermagem, auxiliar de enfermagem) e turno de trabalho (manhã, tarde, noite, manhã e tarde).

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados foram digitados e organizados no Microsoft Office Excel 2020 e, em seguida, foram transportados para realização do processamento e análises para o Statistical Package for Social Sciences, versão 24. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, distribuição de frequências absolutas e relativas, medidas de posição, como mínimo e máximo, média e medidas de variabilidade, como desvio padrão. Para análise inferencial, verificou-se a normalidade dos dados por meio do teste Kolmogorov Smirnov (p = 0,000), o qual identificou distribuição normal dos dados. Portanto, para comparação das médias das cargas de trabalho segundo as variáveis função de trabalho e unidade de trabalho, realizou-se análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey.

Aspectos Éticos

O estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, parecer nº 79/2019 e obteve autorizações institucionais para o desenvolvimento do estudo. Foram respeitados os aspectos éticos preconizados pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os trabalhadores de enfermagem que atenderam aos critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa; todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram do estudo 361 trabalhadores de enfermagem com idade média de 38,9 anos (DP ± 8,6 anos). Entre eles, 295 (81,7%) eram do sexo feminino e 189 (52,4%) eram trabalhadores do H1; de acordo com a função de trabalho, 97 (26,9%) eram enfermeiros, 233 (64,5%) eram técnicos em enfermagem e 31 (8,6%) eram auxiliares de enfermagem. A unidade de trabalho com maior número de participantes foi a Unidade de Clínica Médica, com 57 (15,8%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Caracterização dos trabalhadores de enfermagem de acordo com variáveis sociodemográficas e laborais – Rio Grande, RS, Brasil, 2020.

Variáveis		n	%
Hospital	H1	189	52,4
	H2	172	47,6
Sexo	Feminino	295	81,7
	Masculino	66	18,3
Função de trabalho	Enfermeiro	97	26,9
	Técnico em enfermagem	233	64,5
	Auxiliar de enfermagem	31	8,6
Unidade de trabalho	Centro obstétrico	20	5,5
	Maternidade	49	13,4
	Clínica pediátrica	28	7,8
	Serviço de pronto atendimento	33	9,1
	Unidade de clínica médica	57	15,8
	Unidade de clínica cirúrgica	31	8,6
	Centro cirúrgico	20	5,5
	UTI geral	25	6,9
	UTI neonatal	46	12,7
	Rede de urgência e emergência	52	14,4

A Tabela 2 apresenta a média dos construtos e a média dos itens do instrumento, identificando a intensidade de exposição às cargas de trabalho entre os trabalhadores de enfermagem. O construto que apresentou a maior média do instrumento foi o F3 – Cargas Biológicas (0,3), evidenciando que a exposição às cargas biológicas é muito intensa entre os trabalhadores de enfermagem. Na sequência, encontram-se os construtos F2 – cargas fisiológicas e F6 – cargas químicas, com médias de 2,53 e 2,36, respectivamente, identificando que os trabalhadores vivenciam intensa exposição às cargas fisiológicas e químicas.

Table 2.
Média e desvio padrão (DP) dos construtos que identificam a exposição às cargas de trabalho entre os trabalhadores de enfermagem – Rio Grande, RS, Brasil, 2020.

Construtos	N	$\overline{X}$	DP
Construto 1 – Cargas psíquicas	361	1,83	0,90
Q22. Trabalhar excessivamente em decorrência das tarefas administrativas, assistenciais e atividades de ensino, pesquisa e extensão.	360	1,69	1,34
Q17. Vivenciar falta e falhas de comunicação em virtude do grande número de pessoas solicitando informações, assim como dificuldade de comunicação com a equipe, estudantes e docentes.	361	1,87	1,27
Q19. Orientar e supervisionar o preparo de medicações durante treinamento de colegas recém-admitidos na unidade e estudantes de graduação e residentes.	358	1,78	1,29
Q16. Perceber e/ou vivenciar dificuldade em trabalhar em equipe, conflitos entre trabalhadores e elevado número de pessoas na unidade (equipes multiprofissionais, residentes, estudantes e docentes).	361	1,81	1,28
Q18. Viver em atenção constante com os estudantes, durante acompanhamento de procedimentos invasivos e não invasivos, assim como nas orientações e desenvolvimento de pesquisas.	359	1,45	1,25
Q21. Observar e/ou sofrer ameaça e violência psicológica e/ou moral por parte de pacientes, familiares e demais trabalhadores da saúde.	359	1,71	1,41
Q20. Vivenciar tensão no desenvolvimento do trabalho por dimensionamento inadequado de trabalhadores, rotinas intensas e desgastantes.	360	2,52	1,26
Construto 2 – Cargas fisiológicas	361	2,53	1,12
Q14. Trabalhar com manipulação de peso excessivo de pacientes, aparelhos e equipamentos.	359	2,34	1,29
Q15. Realizar transporte do paciente da maca para a cama ou cadeira de rodas, transporte de paciente e de equipamentos.	360	2,60	1,30
Q12. Realizar esforço físico durante mobilização de pacientes.	356	2,71	1,24
Q13. Realizar esforço físico devido ao número reduzido de trabalhadores.	348	2,47	1,28
Construto 3 – Cargas biológicas	361	3,00	0,95
Q11. Realizar assistência a pacientes acometidos por micro-organismos (vírus, bactérias, fungos) e pacientes em precaução por contato, aerossóis e gotículas.	361	3,17	1,14
Q10. Ter contato com secreções no momento da realização de curativos, cuidados com drenos e aspiração oral, nasal ou traqueal.	360	2,65	1,31
Q09. Realizar procedimentos que envolvam contato com fluidos corporais, como fezes, urina e líquido amniótico.	361	3,08	1,18
Q05. Utilizar luvas de látex para realização de procedimentos invasivos e não invasivos nos pacientes e manipulação de produtos.	361	3,13	1,20
Construto 4 – Cargas mecânicas	361	0,92	0,94
Q06. Sofrer violência física de acompanhantes e pacientes.	354	0,79	1,15
Q07. Sofrer quedas por piso molhado, com imperfeições ou com obstáculos na área de circulação.	358	0,65	1,02
Q08. Sofrer acidentes como torções, contusões e hematomas por sobrecarga de peso dos pacientes e/ou equipamentos durante manejo e transporte.	361	1,35	1,23
Construto 5 – Cargas físicas	361	1,39	1,06
Q01. Trabalhar com iluminação precária, sem luz natural e na presença de lâmpadas queimadas.	357	1,30	1,19
Q02. Trabalhar em condições precárias, como pouco espaço físico, materiais sucateados, descarte inadequado de resíduos e exposição a choque elétrico.	359	1,49	1,30
Construto 6 – Cargas químicas	361	2,36	1,10
Q04. Realizar o preparo e administração de medicamentos, como antibióticos, quimioterápicos, gases anestésicos e antivirais.	361	2,00	1,40
Q03. Manipular produtos de limpeza e desinfecção, de equipamentos e materiais, como formaldeído, hipoclorito de sódio, sabões, ácido peracético, álcool.	357	2,72	1,25

• X¯: média; DP: desvio padrão.

Posteriormente, estão os construtos F1 – Cargas psíquicas, com a média 1,83 e F5 – Cargas físicas, com a média 1,39, evidenciando que os trabalhadores de enfermagem identificam como pouco intensa a exposição às cargas psíquicas e físicas no trabalho. Com a menor média, encontra-se o construto F4 – Cargas mecânicas (0,92), identificando que a exposição às cargas mecânicas é nada intensa entre os trabalhadores de enfermagem.

Realizou-se o teste ANOVA para verificar a diferença entre as variáveis laborais e as cargas de trabalho identificadas na ECTAE. Verificou-se diferença significativa entre as funções de trabalho e as seguintes cargas de trabalho: cargas psíquicas (p = 0,001), cargas fisiológicas (p = 0,022), cargas biológicas (p = 0,002) e cargas químicas (p = 0,001) (Tabela 3).

Table 3.
Diferenças estatísticas entre as características laborais e as cargas de trabalho da ECTAE – Rio Grande, RS, Brasil, 2020.

Variáveis	Cargas psíquicas		Cargas fisiológicas		Cargas biológicas		Cargas mecânicas		Cargas químicas		Cargas físicas
	$\overline{X}$	p	$\overline{X}$	p	$\overline{X}$	p	$\overline{X}$	p	$\overline{X}$	p	$\overline{X}$	p
Função de trabalho		0,001*		0,022*		0,002*		0,149		0,001*		0,407
ENF	2,27		2,27		2,83		1,03		1,69		1,52
TÉC	1,69		2,64		3,13		0,85		2,64		1,35
AUX	1,48		2,47		2,60		1,11		2,35		1,33
Unidade		0,042*		0,001*		0,007*		0,014*		0,001*		0,001*
CO	2,06		3,16		3,07		1,35		3,12		1,25
MAT	1,82		2,63		2,88		0,62		2,34		1,14
CP	1,78		1,74		2,46		0,94		2,01		1,51
SPA	1,48		2,28		3,00		0,83		1,95		0,78
UCM	2,04		2,92		3,25		0,99		2,37		1,35
UCC	1,56		2,81		2,99		0,79		2,11		1,04
CC	1,55		2,33		2,48		0,98		1,90		1,75
UTI G	1,70		2,96		3,14		1,44		2,16		1,72
UTI Neo	1,89		1,22		3,13		0,72		2,80		1,46
RUE	2,03		3,19		3,15		1,02		2,54		1,90

• *: p < 0.05; x̄ : média; p: p-valor obtido por meio do teste ANOVA; ENF: enfermeiro; TÉC: técnico em enfermagem; AUX: auxiliar de enfermagem; CO: clínica obstétrica; MAT: maternidade; CP: clínica pediátrica; SPA: serviço de pronto atendimento; UCM: unidade de clínica médica; UCC: unidade de clínica cirúrgica; CC: centro cirúrgico; UTI G: unidade de terapia intensiva geral; UTI Neo: unidade de terapia intensiva neonatal; RUE: rede de urgência e emergência.

A comparação de múltiplas médias pelo teste de Tukey indicou que, para as cargas psíquicas, as diferenças foram estatisticamente significantes entre enfermeiros e técnicos em enfermagem (p = 0,000) e enfermeiros e auxiliares de enfermagem (p = 0,000). Quanto às cargas fisiológicas, houve diferença estaticamente significante apenas entre os enfermeiros e técnicos em enfermagem (p = 0,016); nas cargas biológicas, as diferenças significativas ocorrem entre os enfermeiros e técnicos em enfermagem (p = 0,024) e técnicos em enfermagem e auxiliares de enfermagem (p = 0,010); e nas cargas químicas, entre os enfermeiros e técnicos em enfermagem (p = 0,000) e entre os enfermeiros e auxiliares de enfermagem (p = 0,006).

Também se verificou diferença significativa entre a unidade de trabalho e as cargas psíquicas (p = 0,042), unidade de trabalho e cargas fisiológicas (p = 0,001), unidade de trabalho e cargas biológicas (p = 0,007), unidade de trabalho e cargas mecânicas (p = 0,014), unidade de trabalho e cargas químicas (p = 0,001) e unidade de trabalho e cargas físicas (p = 0,001) (Tabela 3).

Aplicou-se o teste de Tukey entre cada um dos tipos de cargas, identificando-se as diferenças significativas das cargas fisiológicas entre as unidades de clínica obstétrica e clínica pediátrica (p = 0,000); clínica obstétrica e SPA (p = 0,035); clínica obstétrica e UTI neonatal (p = 0,000); maternidade e clínica pediátrica (p = 0,003); maternidade e UTI neonatal (p = 0,000); clínica pediátrica e clínica médica (p = 0,000); clínica pediátrica e clínica cirúrgica (p = 0,001); clínica pediátrica e UTI geral (p = 0,000); clínica pediátrica e RUE (p = 0,000); SPA e UTI neonatal (p = 0,000); SPA e RUE (p = 0,001); UTI neonatal e clínica médica (p = 0,000); UTI neonatal e centro cirúrgico (p = 0,0001); centro cirúrgico e RUE (p = 0,021); UTI geral e UTI neonatal (p = 0,000); e RUE e UTI neonatal (p = 0,000).

Quanto às cargas químicas, houve diferenças estatisticamente significantes entre as unidades de clínica obstétrica e clínica pediátrica (p = 0,016), clínica obstétrica e SPA (p = 0,005), clínica obstétrica e clínica cirúrgica (p = 0,034), clínica obstétrica e centro cirúrgico (p = 0,012) e SPA e UTI neonatal (p = 0,019). Nas cargas físicas, as diferenças significativas foram entre as unidades de maternidade e RUE (p = 0,009), SPA e centro cirúrgico (p = 0,036), SPA e UTI geral (p = 0,025), SPA e RUE (p = 0,000) e clínica cirúrgica e RUE (p = 0,011); nas cargas biológicas, entre clínica pediátrica e clínica médica (p = 0,010); e nas cargas mecânicas, entre maternidade e UTI geral (p = 0,015). Para as cargas psíquicas, o p-valor foi maior que 0,05 em todas as comparações, concluindo-se que não houve influência das unidades de trabalho na exposição às cargas psíquicas.

DISCUSSÃO

As cargas biológicas apresentaram a maior média de intensidade no instrumento validado, evidenciando que a exposição aos micro-organismos, contato com secreções, fluidos corporais e a realização de procedimentos invasivos e não invasivos é muito intensa entre os trabalhadores de enfermagem. Nos hospitais universitários, são realizados muitos procedimentos invasivos, o que favorece a ocorrência de acidentes de trabalho com material biológico(¹⁰).

Outro exemplo de atividade de enfermagem que expõe o trabalhador a cargas biológicas é a prestação da assistência durante o nascimento em centros obstétricos e maternidades. Evidencia-se a realização de procedimentos invasivos durante a punção da paciente para administração de medicações, assim como a realização de procedimentos com exposição a fluidos corporais, devido à proximidade entre o trabalhador e a mulher durante o trabalho de parto(¹¹).

Os trabalhadores de enfermagem identificam como intensa a exposição às cargas fisiológicas e às cargas químicas. As cargas fisiológicas são identificadas pela manipulação de peso excessivo, transporte de pacientes e realização de esforço físico tanto pelo manejo com os pacientes quanto pelo número reduzido de trabalhadores, enquanto as cargas químicas estão relacionadas ao preparo e administração de medicamentos e manipulação de produtos de limpeza e desinfecção de materiais.

As cargas fisiológicas estão relacionadas com as atividades físicas realizadas pelos trabalhadores, sendo um exemplo entre os trabalhadores de enfermagem o esforço físico. Essas cargas apresentam associação significativa com desgastes, como dor em membros superiores e dor em região cervical(⁷). As doenças do sistema osteomuscular estão entre as principais doenças que levam ao absenteísmo por licenças médicas, ligadas também à sobrecarga de trabalho e exaustão física e mental(¹²). O absenteísmo influencia na qualidade da assistência, uma vez que reduz o quantitativo de trabalhadores, gerando um ambiente pouco saudável para os trabalhadores que continuam desenvolvendo o trabalho(¹³), o que confirma os resultados deste estudo.

Da mesma forma, as cargas químicas são frequentemente encontradas no trabalho de enfermagem. A presença das cargas químicas foi identificada por meio dos produtos químicos utilizados na limpeza de materiais e equipamentos. Além disso, é referido que o contato com os produtos causa náuseas, tonturas e reações alérgicas(¹⁴).

O número e tipo de medicações administradas pelos trabalhadores de enfermagem é elevado em seu processo de trabalho, sendo considerada intensa a exposição às cargas químicas. A administração de medicamentos por técnicos de enfermagem ocorre por via oral, endovenosa, subcutânea, intramuscular, por sonda, tópica e inalatória, por meio da manipulação de soros e soluções, como fármacos para analgesia, distúrbios gastrointestinais, hiperemia e antibioticoterapia(¹⁵).

As cargas psíquicas e as cargas físicas foram identificadas como pouco intensas entre os trabalhadores de enfermagem. As cargas psíquicas compreendem as tarefas administrativas, assistenciais e atividades de ensino, pesquisa e extensão; falta e falhas de comunicação; orientação e supervisão; dificuldade em trabalhar em equipe; atenção constante; violência psicológica e/ou moral; e tensão no desenvolvimento do trabalho. As cargas físicas são identificadas pela infraestrutura inadequada, como iluminação, espaço físico, materiais, descarte de resíduos e choque elétrico.

A pouca intensidade relacionada a essas cargas pode ser decorrente da própria gestão dos HUs. Para desempenhar as funções em relação às dimensões de ensino, pesquisa, extensão e assistência, os HUs devem integrar o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais, o qual possibilita condições materiais e institucionais, com adequada estrutura física, gestão, reestruturação do quadro de recursos humanos e inovação tecnológica(¹⁶). Estudo também identificou melhorias das condições de trabalho, com a inserção dos hospitais de ensino, devido aos investimentos e avanços em relação a tecnologias por meio da aquisição de materiais e equipamentos para promover qualidade da assistência e atividades administrativas(¹⁷).

Além disso, fatores como suporte social, relações no trabalho, interpessoais e profissionais fortalecidas e valorizadas promovem um ambiente de trabalho saudável, capaz de proteger o trabalhador de enfermagem do adoecimento, favorecendo a qualidade de vida e bem-estar no trabalho e na vida dos trabalhadores, causando satisfação profissional(¹⁸). Neste estudo, os resultados referentes às cargas psíquicas e cargas físicas indicam um contexto socioambiental favorável para o desenvolvimento das atividades de enfermagem.

Por último, com a menor média do instrumento, os trabalhadores de enfermagem identificam as cargas mecânicas, evidenciando que é nada intensa a exposição à violência física, quedas e acidentes de trabalho, o que pode demonstrar que os trabalhadores de enfermagem visualizam uma atenuação na ocorrência de acidentes que comprometam sua integridade física. Pode-se destacar como alguns aspectos que possibilitam a redução da intensidade de exposição às cargas mecânicas a adesão às medidas de precaução utilizadas pelos trabalhadores de enfermagem, como descarte correto de materiais perfurocortantes e não reencapar agulhas(¹⁹).

Por outro lado, evidencia-se que os trabalhadores de enfermagem enfrentam com frequência situações de violência física e mental nos seus locais de trabalho(¹⁹). Outro estudo realizado com 151 enfermeiros em um hospital universitário na Turquia identificou que 68,5% deles já sofreu pelo menos uma vez um acidente de trabalho, destacando os acidentes com perfurocortantes, violência e quedas(²⁰). Pode-se constatar diferença significativa entre as funções de trabalho e as cargas psíquicas, fisiológicas, biológicas e químicas. Esse resultado é justificado pelas características das atividades desempenhadas pelos enfermeiros e pelos técnicos e auxiliares de enfermagem e as condições de trabalho vivenciadas por toda a equipe. Os enfermeiros desenvolvem atividades relacionadas à organização do trabalho, supervisão da assistência e cuidado imediato em situações nas quais é necessária a presença do enfermeiro, sendo responsáveis pela divisão do trabalho, passagens de plantão, visitas aos pacientes e elaborar histórico, prescrição e evolução dos pacientes. Os técnicos em enfermagem são responsáveis por preparo e administração de medicações, verificar sinais vitais e realizar cuidados de higiene e conforto. Com relação às condições de trabalho, são evidenciadas a falta de recursos humanos, realização de horas extras, presença de conflitos e ritmo de trabalho(³).

Também foi possível verificar diferença significativa entre as unidades de trabalho e as cargas psíquicas, fisiológicas, biológicas, mecânicas, químicas e físicas. Esse fato está relacionado às particularidades de cada unidade de trabalho dos hospitais universitários participantes do estudo, comprovando a presença das cargas de trabalho, de acordo com o processo de trabalho desenvolvido em cada unidade assistencial.

Nas unidades de internação cirúrgica, por exemplo, o trabalho do enfermeiro envolve os cuidados dos pacientes nos períodos pré e pós-operatório, exigindo conhecimento para atendimento das intercorrências de modo a garantir a segurança dos pacientes. Além disso, a assistência de enfermagem envolve esforço físico e posturas corporais inadequadas, causando desgastes à saúde dos trabalhadores relacionados às atividades desenvolvidas(²¹). Outros exemplos de cargas de trabalho são observados em uma UTI neonatal, em que os trabalhadores de enfermagem identificam a presença de infraestrutura inadequada, falta de materiais, trabalho noturno, posicionamento corporal inadequado, contato com vírus, fungos, secreções e bactérias, ruídos, diferença de temperatura, radiações ionizantes e acidentes com perfurocortantes(¹⁴).

Os resultados deste estudo fortalecem a literatura científica acerca das cargas de trabalho na enfermagem, identificando atividades presentes no contexto socioambiental dos hospitais universitários que podem causar desgastes físicos e psíquicos à saúde dos trabalhadores. As atividades avaliadas destacam relações sociais vivenciadas pelos trabalhadores, como nas cargas psíquicas, as relações com equipe multidisciplinar, docentes e estudantes. Também identificam condições relacionadas ao ambiente de trabalho, como espaço físico, recursos humanos e materiais que favorecem a redução das cargas de trabalho.

Destaca-se que conhecer as atividades desenvolvidas no trabalho, assim como ambientes de trabalho adequados, fortalece a qualidade da assistência aos pacientes e reduz as cargas de trabalho dos trabalhadores de enfermagem, promovendo satisfação dos trabalhadores e pacientes(²²).

Como limitações deste estudo, destaca-se o desenho transversal, que impossibilita estabelecer relações de causa e efeito. Sugere-se a avaliação da exposição às cargas de trabalho em outros hospitais com caráter de formação profissional por meio do instrumento validado com a finalidade de que os resultados sejam confrontados com os deste estudo.

CONCLUSÃO

Este estudo analisou a exposição dos trabalhadores de enfermagem por meio da ECTAE no contexto socioambiental dos hospitais universitários. Os trabalhadores identificam a exposição às cargas de trabalho com intensidades que variaram de muito intensa a nada intensa. Destaca-se a exposição às cargas biológicas como muita intensa, seguida por intensa exposição a cargas fisiológicas e químicas; a exposição a cargas psíquicas e físicas são pouco intensas e a cargas mecânicas, nada intensa. Além disso, verificou-se diferença significativa entre a função de trabalho e as cargas de trabalho e entre as unidades de trabalho e as cargas de trabalho.

Esses resultados evidenciaram, por meio das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem, aspectos do trabalho nas instituições de saúde que fortalecem ou atenuam as cargas de trabalho. Com isso, destacam-se como aspectos do trabalho favoráveis à redução das cargas de trabalho nas instituições de saúde: melhorias na infraestrutura física, equipamentos e mobiliários que beneficiem a ergonomia dos trabalhadores e disponibilidade de equipamentos de proteção individual, assim como capacitações acerca de medidas de precaução e de redução de acidentes no trabalho, dimensionamento adequado e apoio da gestão dos serviços.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Set 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  20 Jan 2021
• Aceito
  21 Maio 2021