Resumos
Objetivo: Analisar a compreensão de adolescentes quanto ao apoio social recebido em situações de violência doméstica. Método: Pesquisa qualitativa cuja coleta de dados foi realizada por meio de grupos focais com 17 adolescentes que são vítimas de violência doméstica, acolhidos institucionalmente em Campinas-SP e de entrevistas semiestruturadas com sete destes adolescentes. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo, modalidade temática. Resultados: Observando as categorias temáticas encontradas, revela-se que o apoio social para os sujeitos foi proveniente da família extensa, da comunidade, do Conselho Tutelar, das relações interpessoais estabelecidas na instituição de acolhimento e da religiosidade/espiritualidade. Conclusão: As fontes de apoio citadas merecem ser potencializadas e ampliadas. Com a atual complexidade dos perfis de morbimortalidade, em especial de crianças e adolescentes, é urgente a (re)significação e a (re)construção das ações em saúde.
Apoio social; Adolescente; Violência doméstica; Enfermagem; Saúde do adolescente
Objective: Assess the understanding of adolescents regarding the social support received in situations of domestic violence. Method: A qualitative study with data collection carried out through focus groups with 17 adolescent victims of domestic violence, institutionally welcomed in Campinas-SP, and through semi-structured interviews with seven of these adolescents. Information was analyzed by content analysis, thematic modality. Results: Observing the thematic categories it was found that social support for the subjects came from the extended family, the community, the Guardianship Council, the interpersonal relationships established at the user embracement institution and from the religiosity/spirituality. Conclusion: The mentioned sources of support deserve to be enhanced and expanded. With the current complexity of the morbidity and mortality profiles, especially in children and adolescents, the (re)signification and the (re)construction of health actions is imperative.
Social support; Adolescent; Domestic violence; Nursing; Adolescent health
Objetivo: Analizar la comprensión de los adolescentes en relación al apoyo social en situaciones de violencia doméstica. Método: Investigación cualitativa, cuya recolección de datos se realizó a través de grupos focales con 17 adolescentes víctimas de violencia doméstica y acogidos institucionalmente en la ciudad de Campinas, SP, y entrevistas semi-estructuradas con 7 de ellos. Los datos fueron analizados utilizando el análisis de contenido, modalidad temática. Resultados: A través de las categorías temáticas encontradas, se revela que el apoyo social para los sujetos proviene de la familia extensa, de la comunidad, del Consejo Tutelar, de las relaciones interpersonales establecidas en la institución de acogida y de la religiosidad y espiritualidad. Conclusión: Se requiere potenciar y aumentar las fuentes de apoyo citadas. Con la actual complejidad de los perfiles de morbimortalidad, en especial de los niños y adolescentes, es urgente la resignificación y la reconstrucción de las acciones en salud.
Apoyo social; Adolescente; Violencia doméstica; Enfermería; Salud del adolescente
Introdução
A violência é reconhecida como um grave problema de saúde pública no mundo contemporâneo. Crianças e adolescentes compõem os grupos populacionais mais vulneráveis a este agravo, especialmente pelo desequilíbrio nas relações de poder com os adultos(1). Os acidentes e as violências se configuram como a primeira causa de morte envolvendo crianças maiores de um ano e adolescentes até 19 anos(2). Além disso, as consequências das violências muitas vezes não são visíveis, mas podem se perpetuar até a fase adulta, abrangendo sentimentos de desvalorização manifestados pela baixa autoestima e pelas características pessoais destrutivas (condutas antissociais e violentas)(1).
Os maiores índices de violência ocorrem dentro dos lares(2). Para fins de conceituação da violência, dentre as suas diversas formas de manifestação e tipificação, o presente estudo utiliza o termo violência doméstica, que envolve indivíduos que transitam em uma mesma casa, com ou sem laços consanguíneos, e que tenham ou não algum grau de afetividade(3). Nesse âmbito, os indivíduos se relacionam por meio de atos agressivos para resolução de conflitos e como estratégia de educação, bem como inclui a falta de cuidados básicos com os filhos. Por pertencer à esfera do privado, pode se estender por longo período, dificultando sua identificação(1,3).
O ambiente doméstico é aquele que melhor pode proteger ou expor crianças e adolescentes à violência. Diante da omissão no que se refere ao papel de proteção e em casos de perpetuação da violência nesse ambiente, novos suportes devem ser oferecidos para que esses sujeitos enfrentem as adversidades.
O apoio social apresenta-se como um dos fatores de proteção para crianças e adolescentes(4). A literatura científica apresenta várias definições para tal conceito, conforme quadros teóricos e modelos de prática variados, com algumas similaridades(5-6). Neste estudo, este conceito é entendido como um processo que envolve vínculos de amizade e informativos, que estabelece trocas para suprir necessidades de qualquer natureza, resultando em efeitos emocionais e comportamentais positivos que facilitam o enfrentamento dos momentos de crise(7). Vários trabalhos referenciam a importância do apoio social para a saúde e qualidade de vida dos indivíduos, ao longo de todo o ciclo vital(5-6,8-9).
O apoio social tem sido objeto de vários estudos, implicando novos olhares e novas práticas, relacionados principalmente à saúde do idoso e à materno-infantil e voltados ao apoio efetivo advindo da comunidade(5-6,8-9). Entretanto, estudos que relacionem o conceito de apoio social à violência doméstica contra crianças e adolescentes ainda são incipientes, faltando voz aos próprios sujeitos que são vítimas desse fenômeno. Considerando as particularidades da vivência da violência doméstica para adolescentes, a importância de se associar o conceito de apoio social a esta temática, bem como as lacunas no conhecimento científico produzido acerca desta relação, traz-se o seguinte questionamento: qual a ajuda percebida pelos adolescentes quando são vítimas de violência doméstica? Dessa forma, o objetivo deste estudo foi analisar a compreensão de adolescentes quanto ao apoio social recebido em situações de violência doméstica.
Entende-se que o conceito de apoio social, norteador da presente pesquisa, é oportuno para abordar os aspectos experienciados por adolescentes que são vítimas de violência doméstica, implicando uma compreensão mais próxima da realidade vivida por eles e dos suportes oferecidos. Tal compreensão possibilitará a construção de um cuidado integral direcionado a esses sujeitos, subsidiando ações de promoção à saúde e de prevenção de agravos.
Método
Este estudo baseia-se na abordagem qualitativa, do tipo de pesquisa social estratégica que se orienta para problemas concretos e focais, emergentes da sociedade, não cabendo necessariamente ao pesquisador delinear soluções práticas para os problemas levantados(10).
O trabalho foi desenvolvido no município de Campinas-SP, que estrutura sua rede de atendimento a crianças e adolescentes, vítimas de violência doméstica, por meio da Secretaria de Cidadania, Assistência e Inclusão Social, sempre visando a um trabalho intersetorial, executado em parceria com outras secretarias. A atuação dessa secretaria se divide principalmente em rede de proteção básica e especial. A primeira se dá por meio de instituições que buscam propiciar a autonomia das famílias, com caráter mais preventivo. A área de proteção social especial engloba instituições de acolhimento e outros equipamentos, voltados ao atendimento individualizado com intervenções para reorganizar o núcleo familiar, e se divide em ações de média e alta complexidade. O acolhimento institucional configura-se como ação de alta complexidade e é realizado, em sua maioria, por Organizações Não Governamentais (ONGs), cofinanciadas pela Prefeitura Municipal de Campinas.
O campo de estudo foi uma dessas ONGs que acolhem crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, incluindo aqueles que foram vítimas de violência doméstica e encaminhados pelo Conselho Tutelar (CT) ou pela Vara da Infância e Juventude (VIJ). A opção por essa ONG justifica-se por ser direcionada ao acolhimento de adolescentes, sujeitos deste estudo. No ano de 2009, apresentava 176 indivíduos acolhidos, sendo que 166 eram adolescentes.
A instituição estudada é estruturada por meio de casas-lares, onde residem até 16 pessoas. Geralmente as crianças e os adolescentes são organizados nestas casas por sexo, faixa etária e grupos de irmãos. Um pai ou uma mãe social é responsável pelas crianças e adolescentes do sexo masculino ou feminino, respectivamente.
Os sujeitos do estudo foram adolescentes de 12 a 18 anos, conforme faixa etária preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)(11), vítimas de violência doméstica e acolhidos na instituição pesquisada, e que se interessaram em participar do estudo. A amostra foi definida pelo critério de saturação do campo, a partir da reincidência das informações(10). O serviço de acolhimento institucional apresentou uma lista com 66 adolescentes que se incluíam nesses critérios; destes, foram selecionados 17 adolescentes, sendo nove do sexo feminino e oito do sexo masculino, conforme maior disponibilidade para participar da coleta de dados.
As técnicas de grupos focais e de entrevistas semiestruturadas foram eleitas como estratégias para a coleta de dados. A inserção do pesquisador no campo de estudo aconteceu em fevereiro de 2009, antes do início da coleta de dados, por meio de um apoio técnico com capacitações em prevenção de doenças e promoção à saúde para profissionais da instituição, atendimentos de enfermagem individuais e realização de grupos informativos com temas trazidos pelos adolescentes, com frequência semanal. Estas atividades permitiram a aproximação com o campo empírico e a vinculação às crianças e aos adolescentes. Após o término desse projeto inicial, em setembro de 2009, a coleta dos dados foi iniciada com a realização de dois grupos focais, apresentando como questões disparadoras: O que é proteção para você? Existem serviços e pessoas que se colocam como proteção e o ajudam?
Os grupos foram organizados no local de acolhimento, em uma sala de vídeo, com duração aproximada de 50 minutos, foram gravados em aparelho MP-4, e algumas observações foram anotadas pela pesquisadora. Todos os adolescentes se mostraram receptivos e adeptos ao convite para participar da pesquisa, após o esclarecimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinatura do mesmo. Foram usadas as letras GF para representar as falas dos grupos focais, e os números I e II para representar o primeiro e o segundo grupo focal realizado, respectivamente.
Ao término dos grupos, foi realizado o convite aos adolescentes para participarem das entrevistas semiestruturadas, partindo de duas questões norteadoras: Quais as pessoas e serviços que o ajudam no seu cotidiano? Quais as pessoas e serviços que o ajudaram quando estava fora do abrigo? Após a sétima entrevista, a coleta foi interrompida, pois se entendeu que havia ocorrido a saturação dos dados em relação ao universo inicial de 17 sujeitos. As entrevistas também foram realizadas no espaço da instituição, em sala que assegurava a privacidade dos adolescentes, foram gravadas em aparelho MP-4 e tiveram a duração de aproximadamente 45 minutos. Para assegurar o anonimato desses adolescentes, os nomes utilizados foram fictícios, sendo escolhidos por eles durante as entrevistas. Os participantes foram quatro adolescentes do sexo feminino e três do sexo masculino.
O referido estudo foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – EERP/USP e considerado aprovado sob o Protocolo nº 1080/2009. Após esta aprovação, foi solicitada autorização à coordenação do serviço de acolhimento institucional em questão para a coleta de dados junto aos adolescentes.
Os dados foram analisados a partir do referencial de apoio social, segundo o método de análise de conteúdo, modalidade temática(12). Para a operacionalização deste método, estabeleceram-se os seguintes critérios: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados. Para esta análise, foram estabelecidas duas categorias analíticas: rompendo com a situação de violência doméstica e protegendo-se da situação de violência doméstica. Essas categorias foram elaboradas após ter sido realizada uma primeira leitura compreensiva do conjunto de dados: relatos dos grupos focais e entrevistas após transcrição na íntegra; ambos se referem ao percurso e às experiências dos adolescentes que sofreram violência doméstica e que problematizam o apoio significativo recebido nesse percurso. A partir desses princípios, foram percorridos os seguintes passos de análise: identificação das ideias centrais (núcleos de sentido) de cada categoria analítica; comparação entre os diferentes núcleos de sentido; organização e discussão das categorias apresentadas na sessão seguinte.
Resultados
O primeiro grupo focal foi constituído por nove adolescentes que foram selecionados aleatoriamente através de lista disponibilizada pela instituição. Destes, quatro eram do sexo masculino e cinco do sexo feminino; três tinham 17 anos, quatro tinham 16 anos e dois tinham 15 anos. Todos frequentavam a escola no momento da realização do grupo.
O segundo grupo foi constituído por oito adolescentes, sendo quatro do sexo feminino e quatro do sexo masculino. Destes adolescentes, um tinha 17 anos, três tinham 16 anos, dois tinham 15 anos, e dois tinham 13 anos. Neste grupo, como no anterior, todos frequentavam a escola. Apesar desse fato, existia uma disparidade considerável entre a idade e o nível de escolaridade dos adolescentes, pois muitos deles não frequentavam a escola quando estavam fora da instituição.
A partir da análise dos dados, emergiram núcleos de sentidos observados nas falas, que serão apresentados nas duas categorias temáticas descritas a seguir.
Rompendo com a situação de violência doméstica
Neste núcleo, abordaram-se os relatos dos adolescentes sobre o apoio social recebido que os incentivou a romper com a violência doméstica vivenciada e a buscar órgãos competentes no sentido de protegê-los.
Por mais que a violência doméstica se perpetue não apenas por membros da família, como também pelos demais indivíduos que transitam no mesmo lar, os adolescentes referiram os pais como os responsáveis pela violência experienciada, ou seja, indivíduos pertencentes à família nuclear. Nesse momento, a família extensa, como avós e tios que geralmente não residem na mesma casa, foi apontada como apoio para esses adolescentes:
Família eu não tive apoio de ninguém, só mesmo da minha vó (...) (Negro).
E a pessoa que teve todo esse tempo comigo foi meu tio (...) (Céu).
De acordo com as falas, revela-se que a vizinhança e amigos atuaram como importante apoio para interromper o ciclo da violência doméstica, em especial pelo incentivo à denúncia desta situação:
Tinha uma vizinha minha que morava no fundo de casa, e ela era da minha idade e morava ela e a mãe dela sabe... Aí quando o meu pai me bateu foi ela que me deu a ideia de eu denunciar ele... (Céu).
A escola representa uma instituição de extrema importância, não apenas no aspecto do ensino, como também na proteção de crianças e adolescentes. Porém, diante da violência, a escola assume com dificuldade os papéis a ela atribuídos. Uma adolescente mostrou vínculo com esta instituição e reconheceu o apoio de uma professora para a denúncia da violência sofrida:
Foi tipo assim, porque eu aparecia machucada na escola, faz tempo que eu aparecia machucada lá, e a professora sempre falando né, que eu precisava ir pro Conselho Tutelar, mas que ela não podia me levar...(Mary).
Os equipamentos da Secretaria de Assistência Social distribuídos pelo município, como centros comunitários, núcleos de atendimento, projetos direcionados a adolescentes e serviços de acolhimento transitórios (Casas de Passagem), também foram ressaltados como pontos estratégicos de ajuda a esses adolescentes:
Lá fora foi a assistente social S., um dos tios que cuidava dos meninos que tavam lá [na casa de passagem], e uma outra tia (Negro).
O Conselho Tutelar – CT foi reconhecido pela comunidade como importante órgão para a proteção integral da infância e da adolescência. Esse fato se apresenta nas falas dos adolescentes que associam a interrupção de uma situação de violência à intervenção do mesmo:
Acho que o que nos ajudou lá fora foi só o Conselho mesmo... (GF II).
Protegendo-se da situação de violência doméstica
Após a denúncia e a constatação da situação de violência doméstica vivenciada pelos adolescentes, uma das intervenções realizadas foi o acolhimento institucional dos mesmos. Alguns adolescentes já haviam transitado por outros serviços, sendo encaminhados para a instituição de acolhimento posteriormente.
Nesse contexto, alguns profissionais emergiram como apoio. Os pais e as mães sociais foram citados como pessoas com as quais os adolescentes estabeleciam uma relação de confiança e de segurança:
Quando eu fazia alguma coisa errada, elas [mães sociais] sentavam e conversavam (...) E eu contava, e elas me mostravam pra contar com elas... (Jaci).
Além dos pais e das mães sociais que trabalhavam diretamente com os adolescentes, outros profissionais da instituição, como pessoas que prestam serviços na lavanderia, técnicos da administração e monitores, também estabeleceram relações de ajuda e de cuidado com os sujeitos deste estudo:
Tipo, quando eu tô triste a única pessoa que vem me procurar que me entende é a tia N (...) ela fica aqui comigo até passar a raiva... (Flor).
Os adolescentes também se referem a Deus e à figura do pastor como importantes fontes de apoio; cabe ressaltar que a instituição estudada possuía vínculo com uma entidade religiosa protestante.
O pastor, assim, ele me transmite mais segurança, também como um conselheiro porque se eu tiver alguma coisa pra falar pra ele, eu tenho certeza que vai ficar só entre eu, ele e Deus (Negro).
Ah, tudo é bom... tirando a parte de Deus, porque principalmente é Deus...(Flor).
Segundo os adolescentes, a instituição lhes ofereceu cursos de educação formal e profissionalizante; associaram este fato ao preparo e à criação de novas expectativas para o futuro. Eles encontraram, nas novas perspectivas, estratégias para reconstruir suas vidas e para ajudar suas famílias:
Ser alguém na vida... ter tudo, um trabalho, os estudos terminado, ter família... (Flor).
Eu falei pra ela [mãe] que eu vou estudar, ser um músico e ajudar ela bastante... (Pincel).
Discussão
Os relacionamentos interpessoais geralmente são apresentados como promotores de adaptação das pessoas ao prover apoio social: emocional, instrumental e informativo. O apoio emocional constitui-se por meio da conversa e do estabelecimento de relações afetivas entre as pessoas. O apoio instrumental refere-se a ações ou a materiais oferecidos para ajudar em tarefas cotidianas. O apoio informativo relaciona-se a orientações e informações disponibilizadas sobre recursos da comunidade(13). Revelou-se que os adolescentes acessaram primeiramente o apoio emocional, e pelas especificidades do fenômeno da violência doméstica, posteriormente, se disponibilizaram a receber os demais tipos de apoio social.
O apoio social também pode ser considerado formal (advindo do Estado ou das instituições) e informal (provido pela comunidade e pelos familiares)(13). A literatura corrobora os achados desse estudo ao demonstrar que, em situações de vulnerabilidade, a família nuclear geralmente é substituída pela família extensa ou pela comunidade que garanta minimamente a sobrevivência de crianças e adolescentes, sem intervenções legais, através do apoio informal(14-15).
A comunidade, especificamente a vizinhança e os amigos, apresentou-se como importante fonte de apoio social emocional e informativo aos adolescentes. Em estudo que analisou a relação entre as variáveis sócio contextuais e o trabalho de crianças e adolescentes(16), os resultados indicaram que a ausência de apoio social advindo da comunidade associou-se à existência do trabalho dessa população. A literatura também indicou que a avaliação de uma vizinhança não solidária ou distante apresenta-se como risco para ideação suicida de indivíduos(17). Reforça-se que vínculos comunitários são reconhecidos como recursos valiosos para reduzir a exclusão social e promover a oferta adequada e o acesso a serviços públicos de saúde, assistência social, cultura e educação. O cuidado à criança e ao adolescente se torna uma experiência menos isolada quando a comunidade se corresponsabiliza por eles, com maior orientação e suporte positivos(16).
A escola, apesar de ocupar um lugar privilegiado na vida de crianças e adolescentes, não assume integralmente seu papel de instituição protetora da infância e adolescência. Em estudo sobre a inserção escolar de crianças e adolescentes que são vítimas de violência doméstica, constata-se que a denúncia de casos suspeitos de violência não é estimulada pela coordenação dessas instituições; os professores se sentem intimidados devido à postura dos superiores(18). Esses dados corroboram pesquisas que abordaram a atuação de profissionais de saúde frente à violência doméstica contra crianças e adolescentes; há o medo e a dificuldade em lidar com uma problemática de tamanha complexidade, visto que a violência apresenta vários determinantes sociais – não apenas centrados no biológico e na concretude, como outros problemas de saúde pública –, que se colocam como barreiras para ações efetivas relacionadas ao manejo dessas situações(19-20).
Compreende-se, nos relatos, que alguns serviços se colocam em locais estratégicos para acessar crianças e adolescentes e, muitas vezes por meio do apoio social instrumental, permitem ancoragens possíveis para esses sujeitos e, a partir disso, oferecem-lhes novas perspectivas para além do sofrimento. A literatura demonstra que os serviços precisam se organizar em ações que integrem diversos segmentos sociais, formais ou informais e reforça a necessidade de estruturar o trabalho em redes de atenção e apoio frente à violência. Nesse âmbito, o enfermeiro pode criar estratégias para que os adolescentes e suas famílias envolvidas na violência doméstica conheçam e acessem essas redes por meio da educação em saúde e atendimentos que promovam a autonomia e liberdade desses indivíduos(8,21). A prevenção primária e a promoção da saúde desses indivíduos e suas famílias; a sensibilização e o reconhecimento do problema enquanto inerente ao setor saúde pelos profissionais; e o enfrentamento das situações de violência com a construção de intervenções interdisciplinares, interinstitucionais e intersetoriais são possibilidades para a aproximação e apropriação deste debate pela enfermagem(18-20).
Os adolescentes também se remetem ao CT como importante fonte de apoio social informativo e formal; é importante ressaltar que esta instituição aparece como significativa para a população, pois esta a percebe como principal serviço de proteção a crianças e adolescentes, o que demonstra o funcionamento efetivo de tal estrutura na rede de atenção e representa um apoio que as pessoas realmente possuem(22).
Em estudo que analisou os fatores de risco e de proteção presentes na rede de atendimento a crianças e adolescentes que são vítimas de violência sexual(4), o CT emergiu como órgão mais procurado para a denúncia e o posterior acompanhamento dos casos. Apesar de se constituir como principal órgão de proteção a crianças e adolescentes legitimado pela população, a literatura traz várias limitações deste órgão – os casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes encaminhados ao Conselho Tutelar, não são acompanhados a longo prazo e os profissionais envolvidos na assistência a essa população sentem um descrédito ou uma priorização de ações punitivas severas e imediatas(19-20). Essa falta de acompanhamento dos casos causa prejuízos nas intervenções do Ministério Público, Juizado da Infância e Juventude, entre outras instituições(4).
Após a investigação da situação de violência doméstica, uma das intervenções realizadas pelo CT ou VIJ foi o acolhimento institucional dos adolescentes. Neste ambiente, que deve ser excepcional e provisório(11), os sujeitos destacaram o apoio social emocional recebido pelos funcionários que interagem direta ou indiretamente com eles. A literatura demonstra que a qualidade do ambiente físico e os cuidados prestados são determinantes para o desenvolvimento de crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente, pois representam a fonte de apoio social mais próxima(23-24).
O contexto de acolhimento institucional tenta reproduzir as relações parentais; o cuidador pode mediar aspectos fundamentais do desenvolvimento psicossocial das crianças e dos adolescentes, como a cognição, a linguagem e as emoções. As relações humanas e a maneira como o funcionário se vincula à população acolhida são componentes importantes da avaliação dessas instituições; a legislação orienta que o acolhimento institucional deve ser permeado por relações afetivas seguras e estáveis(23-25).
Alguns autores consideram, além dos tipos de apoio citados, o apoio religioso/espiritual. Os conceitos de religiosidade e espiritualidade, apesar de usados de forma associada, são diferentes; neste estudo, entende-se que a religiosidade inclui a espiritualidade em um quadro de crenças, costumes e práticas específicas, enquanto a espiritualidade se coloca como um fenômeno individualizado que pode ou não seguir a devoção a um ente transcendental(26-27). A religiosidade e a espiritualidade têm se apresentado como importantes estratégias de enfrentamento e apoio em diversas situações, ao longo de todo o ciclo vital. Em estudo sobre as vivências da religiosidade e de práticas espirituais nas diferentes faixas etárias, inclusive durante o processo de envelhecer, concluiu-se que tais vivências são essenciais para o bem-estar e apresentam repercussões positivas na saúde física e mental(28). Corroborou-se o estudo que objetivou compreender a experiência da doença para famílias de crianças com fibrose cística; os autores referem que a religião, revelada como fonte de apoio, é uma concepção sociocultural apreendida no âmbito familiar e social no qual crianças e adolescentes estão inseridos. Nesse aspecto, a doutrina seguida não é o mais significativo, mas sim o suporte que a religião oferece(29).
Finalmente, compreendeu-se que a instituição ofereceu apoio instrumental aos adolescentes do estudo por meio da educação básica e profissionalizante. O serviço colabora para o desenvolvimento dos adolescentes ao disponibilizar e fomentar atividades que proporcionem a adaptação escolar e social, além de permitir a elaboração de projetos de vida futuros(24). Nesse apoio, os adolescentes encontraram estratégias para se aproximar de suas famílias, demonstrando a necessidade de novamente se sentir pertencentes ao núcleo familiar(30). Tal questão é embasada pela recente reformulação da legislação voltada a crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente; a convivência familiar e comunitária é reforçada como diretriz principal para o atendimento a essa população e suas famílias, mas ainda se apresenta como um desafio(25).
Conclusão
Os adolescentes que são vítimas de violência doméstica acessaram significativas fontes de apoio social emocional informal, como família extensa e comunidade, que os levaram a romper com a situação de violência experienciada em seus lares. Posteriormente, reforçados pelo apoio social informativo recebido pela comunidade, remeteram-se a serviços formais, a saber, os serviços de assistência social territorializados e o CT que, através de intervenções legais, interromperam o ciclo de violência.
Uma das intervenções realizadas para proteção desses adolescentes frente à violência sofrida foi o acolhimento institucional dos mesmos; neste espaço, os sujeitos consideraram o apoio social afetivo recebido pelos funcionários e o apoio religioso/espiritual como significativos para enfrentar a situação vivenciada. Novas possibilidades e perspectivas para o futuro e para a (re)construção da convivência familiar emergiram por meio do apoio social instrumental disponibilizado pela instituição de acolhimento.
Apesar das limitações deste estudo, visto que seus resultados não podem ser generalizados devido às particularidades dos sujeitos envolvidos, o mesmo apresenta importantes fontes de apoio social para adolescentes que são vítimas de violência doméstica e que merecem ser potencializadas e ampliadas.
Com a atual mudança e complexidade dos perfis de morbimortalidade, em especial de crianças e adolescentes, é urgente a (re)significação e a (re)construção das ações em saúde. O enfermeiro, pelo legítimo e privilegiado papel que executa na equipe de saúde, deve se apresentar como protagonista e multiplicador desse debate, transformando as práticas por meio da educação permanente dos demais profissionais e os serviços de saúde em fontes de apoio social e componentes efetivos da rede de proteção a crianças e adolescentes. Além disso, pode auxiliar na construção de estratégias para a promoção da convivência familiar e comunitária dessa população, bem como de ações junto a instituições de acolhimento e a seus profissionais para reforçar fontes de apoio nesse contexto.
Estudos futuros que abordem os vínculos institucionais para o atendimento a famílias envolvidas na violência doméstica contra crianças e adolescentes sob o prisma da intersetorialidade, bem como as intervenções do setor saúde neste âmbito, com o foco na promoção à saúde e na prevenção de agravos são recomendados.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Ago 2014
Histórico
-
Recebido
15 Jul 2013 -
Aceito
12 Jun 2014