Resumo
Objetivo: Avaliar a Qualidade de Vida de idosos internados na Unidade de Clínica Médica de um Hospital Público de Belo Horizonte, correlacionar a qualidade de vida com a funcionalidade proposta pelo índice de Katz e caracterizar o perfil clínico e epidemiológico da população estudada.
Método: Trata-se de um estudo descritivo, transversal, de abordagem quantitativa. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação do instrumento Perfil de Saúde de Nottingham e do instrumento Index de Katz.
Resultados: Participaram 116 idosos. A qualidade de vida encontrada no estudo foi considerada boa. Ela teve correlação com o índice de Katz (quanto mais dependente, pior foi a qualidade vida), com o número de comorbidades (quanto maior o número de comorbidades, pior a qualidade de vida) e com a estrutura familiar que residia com o idoso (houve pior qualidade de vida em idosos que residiam com os filhos).
Conclusão: A partir deste estudo constatou-se que na amostra avaliada a qualidade de vida foi boa e que está relacionada à funcionalidade, ao número de comorbidades e com quem o idoso reside. Dessa forma, não se pode associar à internação hospitalar uma qualidade de vida ruim nesta amostra.
Descritores: Idoso; Hospitalização; Qualidade de Vida; Saúde do Idoso; Enfermagem Geriátrica
Abstract
Objective: To evaluate the quality of life of older adults admitted to the Medical Clinic Unit of a public hospital in Belo Horizonte, Brazil, to correlate the quality of life with the functionality proposed by the Katz index, and to characterize the clinical and epidemiological profile of the studied population.
Method: This is a descriptive cross-sectional study with a quantitative approach. Data collection was performed through applying the Nottingham Health Profile instrument and the Katz Index instrument.
Results: 116 older adults participated. The quality of life found in the study was considered good. It correlated with the Katz index (the more dependent, the worse the quality of life), the number of comorbidities (the higher the number of comorbidities, the worse the quality of life) and the family structure who lived with the older adults (there was worse quality of life for older adults who lived with their children).
Conclusion: In this study it was found that the quality of life in the evaluated sample was good and that it is related to functionality, the number of comorbidities and with whom the older adult lives. Thus, poor quality of life cannot be associated with hospitalization in this sample.
Descriptors: Aged; Hospitalization; Quality of Life; Health of the Elderly; Geriatric Nursing
Resumen
Objetivo: Evaluar la calidad de vida de ancianos internados en una unidad de clínica médica de un Hospital Público de Belo Horizonte, correlacionar la calidad de vida con funcionalidad propuesta por Katz y caracterizar el perfil clínico epidemiológico de la población.
Método: Estúdio descriptivo, transversal, cuantitativo. Para la colecta de datos se utilizó el perfil de salud de Nottingham y Índice de Katz.
Resultados: Participaron 116 ancianos. La calidad de vida fue considerada buena. Tuvo correlación con el Índice de Katz (cuanto más dependiente, peor la calidad de vida), con el número de comorbidades (cuanto más comorbidades, peor calidad de vida) y con la estrutura familiar que reside con el anciano (peor calidad de vida en idosos que vivían con los hijos).
Conclusión: Se constató que la calidad de vida fue buena y está relacionada con la funcionalidad, número de comorbidades y con quién el anciano vive. Por eso no se puede associar a la internación hospitalar una calidad de vida mala, en este estúdio.
Descriptores: Anciano; Hospitalización; Calidad de Vida; Salud del Anciano; Enfermería Geriátrica
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é uma realidade nos países em desenvolvimento. Estima-se que em 2025 o Brasil será o sexto país mais velho do mundo, com uma média de 32 milhões de idosos(1). Essa realidade demográfica implica modificações da morbimortalidade e da saúde do país, exigindo políticas, programas e recursos humanos capacitados e em número suficiente para atuar frente às necessidades específicas deste grupo populacional(2).
A preservação da Qualidade de Vida (QV) na velhice é o principal desafio imposto pela longevidade dos idosos, uma vez que é um processo que abrange ampla complexidade, ou seja, que é determinado e influenciado por vários fatores, tais como: saúde biológica, saúde mental, satisfação, eficácia cognitiva, status social, renda, continuidade das relações ocupacionais, de papéis familiares e amigáveis. Dessa forma, o Ministério da Saúde, em 2006, instituiu a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que afirma como meta e diretriz a promoção da QV, preservação da autonomia e independência funcional do idoso em qualquer nível de atenção à saúde(3-4). Portanto, é essencial o estabelecimento de programas de saúde que sejam pautados na integralidade, a fim de que sejam promovidas estratégias para a concretização dessa meta.
É sabido que o idoso está sujeito ao aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas, o que o potencializa a perda funcional de órgãos, resultando em limitações funcionais e incapacidades. Somados a essa realidade, existe a maior predisposição do idoso às limitações físicas, ao declínio cognitivo, à perda sensorial, aos sintomas depressivos, às quedas e ao isolamento social, potencializando o prejuízo funcional desse sujeito e contribuindo para a dependência dele nas atividades básicas e instrumentais de vida diária. Como consequência, serão observadas repercussões negativas à QV deste sujeito(5-6).
Considerando o exposto acima, pode-se afirmar que os idosos utilizam de forma mais intensa os serviços hospitalares, quando comparados aos outros grupos etários, ocasionando a elevação dos custos em saúde, pois a internação é mais prolongada, e a recuperação, mais lenta e complicada(7).
A hospitalização consiste em um risco para o idoso, uma vez que ela traz como consequência uma redução na funcionalidade e modificações na QV, que muitas vezes se tornam irreparáveis(7-8). A internação é um evento complexo que ocorre num momento de fragilidade, em que o idoso é retirado de seu meio familiar e social e colocado em um ambiente estranho, no qual a rotina difere de sua vida cotidiana. Isto resulta na perda da autonomia e dependência funcional, que pode tornar-se permanente, afetando, assim, sua QV(7).
Considerando que a perda da QV e funcionalidade durante a hospitalização irão provocar eventos adversos neste período, que poderão se refletir na saúde do idoso após a alta hospitalar, os achados do presente estudo servirão de subsídio para a elaboração de estratégias e planos que visem minimizar o impacto da hospitalização na vida deles, ainda, estes resultados enriquecerão a literatura sobre o tema no âmbito da Gerontologia.
Diante disso, este estudo tem como objetivo geral avaliar a Qualidade de Vida de idosos internados na Unidade de Clínica Médica do sétimo andar de um Hospital Público de Belo Horizonte e como objetivos específicos correlacionar a qualidade de vida com a funcionalidade proposta pelo índice de Katz e caracterizar o perfil clínico e epidemiológico da população estudada.
MÉTODO
Tipo do estudo
Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa.
Cenário
O estudo foi desenvolvido no sétimo andar da unidade de clínica médica de um hospital de grande porte de Belo Horizonte. Este setor faz parte da unidade funcional de Clínica Médica, bem como o décimo andar (ala Leste), a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para Adultos e um Ambulatório. A unidade de estudo possui 63 leitos destinados a pacientes que requerem cuidados nos níveis de complexidade mínimo até semi-intensivo, predominando pacientes classificados no nível intermediário, de diversas subespecialidades clínicas.
Critérios de seleção
Foram incluídos no estudo idosos com idade igual ou superior a 60 anos e que estavam internados no sétimo andar havia pelo menos 24 horas. Foram excluídos os idosos com pontuação igual ou menor que oito conforme a Escala de Coma de Glasgow, idosos em delirium e idosos com afasia de compreensão, conforme descrito em prontuário pela equipe multiprofissional ou médica. Ao final, a amostra foi constituída por 116 idosos.
A escala de Glasgow é uma escala utilizada mundialmente para definir o nível de consciência e identificar disfunções neurológicas a partir de parâmetros numéricos que variam de três a 15, sendo que pacientes com pontuação igual ou menor que oito são considerados em coma, por isso, foram excluídos deste estudo(9).
Coleta de dados
Os dados do estudo foram coletados uma única vez, por meio da aplicação individual do instrumento Perfil de Saúde de Nottingham (PSN) e do instrumento Index de Katz. Estes questionários foram aplicados por duas examinadoras treinadas, a fim de reduzir erros na interpretação das perguntas, o que afetaria a confiabilidade dos resultados. Os dados foram coletados durante os dias úteis da semana, no período de dezembro de 2013 a março de 2014.
O PSN é um instrumento genérico, desenvolvido em 1975 no Departamento de Saúde Comunitária da Universidade de Nottingham(10), com o objetivo de avaliar a QV. Foi traduzido e adaptado para a utilização no Brasil em 2004(11). Ele é constituído por 38 questões, as quais são baseadas na Classificação Internacional de Funcionalidade da OMS, com respostas dicotômicas, isto é, no formato sim/não. As questões são divididas em seis domínios, sendo eles nível de energia, dor, reações emocionais, sono, interação social e habilidades físicas. Dessa forma, ele avalia a saúde física, emocional e social do indivíduo. A cada resposta negativa pontua-se zero ponto e a cada resposta positiva atribui-se um ponto, perfazendo ao final 38 pontos. Quanto menor a pontuação, melhor é a QV do idoso(11).
O PSN, originalmente desenvolvido para pacientes com doença crônica, possui alto índice de validade clínica nesta população. Sua consistência interna varia entre 0,90 e 0,94, e a confiabilidade teste-reteste é boa (r = 0,75 a 0,88). Contudo, em um estudo cujo objetivo foi avaliar as propriedades psicométricas da versão adaptada deste instrumento em pacientes idosos, pacientes com hemiplegia e pacientes com doença de Parkinson de uma comunidade, concluiu-se que para a amostra estudada o instrumento apresentou problemas na validade clínica. Dessa forma, os autores afirmam que este instrumento teria uma validade clínica melhor se aplicado em pacientes mais debilitados ou hospitalizados, uma vez que a população por elas estudada apresentava um razoável nível de independência funcional(11-12).
O Index de Katz foi utilizado para avaliar a funcionalidade do paciente idoso internado, objetivando ampliar a sensibilidade e a validade clínica do PSN. Este instrumento foi proposto por Katz em 1963(13) para avaliar o grau de dependência do idoso para as Atividades de Vida Diária (AVD) Básica, e foi adaptado para cultura brasileira em 2008(14). As atividades avaliadas foram: banho, o ato de se vestir, uso do vaso sanitário, transferência, continência de esfíncteres e alimentação. Optamos, neste estudo, por classificar o idoso como dependente, independente e parcialmente independente. Para classificar o idoso de acordo com sua dependência nas atividades de Katz, atribuiu-se uma nota em cada uma delas, ou seja, os idosos que se apresentaram independentes na realização da tarefa receberam zero ponto, e os que apresentavam dependência receberam um ponto. Dessa maneira, os indivíduos que atingiram escore final de zero ponto foram classificados como independentes, os que alcançaram escore de seis, como totalmente dependentes, e os que apresentaram escore de um a cinco, como parcialmente dependentes(13-14).
Com o objetivo de avaliar o nível de consciência aplicou-se, anteriormente aos questionários PSN e Índice de Katz, a Escala de Coma de Glasgow. Ela se baseia na avaliação de três parâmetros: abertura ocular, resposta verbal e reação motora. Os escores dessa escala variam entre três e 15, e o escore menor ou igual a oito denota comprometimento grave da consciência e coma, sendo necessário o estabelecimento de uma via aérea alternativa(9).
Análise e tratamento dos dados
A análise estatística foi realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 15.0). O Índice de Katz e o PSN foram analisados por domínios e adicionalmente valores de mediana foram apresentados. A QV foi definida como a variável dependente, e as demais variáveis do estudo, como independentes. Foi realizado o teste Bisserial e a Correlação de Spearman (rho) para avaliar associações bivariadas entre o índice de Katz e as variáveis sociodemográficas, para verificar as associações entre o PSN e essas variáveis e para verificar a associação entre o PSN e o índice de Katz. Foi realizada também a análise de regressão linear múltipla, para determinar quais os fatores determinantes e quanto eles contribuíram para o escore total do PSN. O nível de significância considerado foi p < 0,05. Os resultados foram apresentados por meio de tabelas e figura.
Aspectos éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, em dezembro de 2013, com o número de aprovação 21389213.1.00005149. Também foi aprovado pela Gerência da Unidade de Clínica Médica do Hospital em que foi realizado e por sua Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão. Foram disponibilizadas orientações sobre o estudo aos pacientes e seus responsáveis, e solicitou-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias. No presente termo, os participantes e familiares ou cuidadores foram informados sobre o tema e os objetivos da pesquisa, a garantia do anonimato assegurado e o tratamento e a utilização dos dados somente para fins de pesquisa, divulgação em eventos e meios científicos, sendo mantido sigilo em outras situações. O estudo foi desenvolvido em consonância com a Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde(15).
RESULTADOS
No período definido para a coleta de dados, foram internados no setor de estudo 199 idosos, destes, 116 foram incluídos no presente estudo, sendo que 63 (54,3%) eram mulheres. A mediana de idade dos idosos foi de 69,5 anos (64-76). No que se refere ao estado civil, a grande maioria dos idosos era casada (65 ou 56%), não obstante, encontraram-se 12 (10,3%) idosos solteiros, 12 (10,3%) divorciados e 27 (23,3%) viúvos.
Com relação à escolaridade, houve prevalência de idosos que não completaram o ensino fundamental, perfazendo um número de 55 idosos (47,4%). O analfabetismo esteve presente em 39 idosos, o que equivale a 33,6% da amostra, porém foram encontrados um (0,9%) idoso que concluiu o ensino superior, 10 (8,6%) que completaram o ensino fundamental, e seis (5,2%) que completaram o ensino médio.
Sobre a variável convivência familiar, constatou-se que 32 (27,6%) idosos residiam com os filhos, 32 (27,6%), com o cônjuge, 14 (12,1%) moravam sozinhos, e 38 residiam com a família, sendo considerada família neste estudo o cônjuge mais outra pessoa que possuía algum grau de parentesco.
Os agravos que motivaram a procura por atendimento hospitalar foram reunidos em grandes grupos: cardiovasculares (responsável por 53,4% dos idosos internados), neurológicos (18%), oftalmológicos (2%), câncer (5%), renal (2%), infecção (10%), gastrointestinal (3%), respiratório (5%) e agravos musculares (1,6%). Com relação ao perfil clínico desses pacientes, evidenciou-se que a maior parte deles, ou seja, 36 idosos (31%) eram acometidos por duas morbidades, 14 (12,1%) idosos possuíam quatro ou mais comorbidades, 27 (23,3%) possuíam três, 29 (25%) possuíam apenas uma, e 10 (8,6%) idosos não apresentavam diagnóstico de nenhuma morbidade.
Quanto à renda financeira do idoso, evidenciou-se que 58 (50%) idosos sobreviviam com um salário mínimo (R$ 724,00), 24 idosos recebiam dois salários mínimos, oito ganhavam três salários mínimos, 21 idosos recebiam quatro ou mais salários mínimos, e cinco não possuíam renda própria, dessa forma eram dependentes financeiros de um familiar com o qual residiam.
Com relação à capacidade funcional avaliada pelo Índice de Katz, comprovou-se que 40 idosos (34,5%) eram independentes, 56 (48,8%) eram parcialmente dependentes, e 20 (17,2%) eram totalmente dependentes. A Tabela 1 descreve a funcionalidade conforme cada atividade avaliada pelo instrumento mencionado anteriormente.
A QV dos idosos deste estudo foi calculada em mediana. Eles obtiveram uma mediana de 12 (8,0 - 17,0). A descrição da QV mediante os domínios do PSN encontra-se na Tabela 2.
Correlacionando-se o escore geral da funcionalidade (índice de Katz) com a QV (PSN) pode-se afirmar que ambos possuem uma correlação significativa (rho: 0,626; p<0,000). Da mesma maneira, quando se correlaciona o escore geral do índice de Katz com a classificação da funcionalidade adotada neste estudo (dependente, parcialmente dependente e totalmente dependente), encontra-se uma correlação significativa e forte (rho: 0,945; p<0,000) entre eles.
Pelo teste Bisserial foi possível demonstrar que a QV possui moderada e, portanto, significativa correlação com os domínios do índice de Katz, como mostra a Tabela 3. Isso significa que a dependência para alguma atividade avaliada pelo índice de Katz está associada à pior QV. É possível perceber com os dados da tabela que todos os domínios do índice de Katz tiveram correlação positiva e moderada com a QV, assim, infere-se que a dependência em qualquer domínio leva a uma pior QV no hospital.
A QV dos idosos internados teve correlação significativa com as variáveis reside com quem (rho: 0,312; p=0,004), escore total do índice de Katz (rho: 0,626; p=0,000), classificação do índice de Katz (rho: 0,616; p=0,000), número de comorbidades (rho: 0,298; p=0,001) e renda familiar (rho: - 0,184; p=0,048).
Com base nos dados acima, criou-se um modelo constituído por três variáveis independentes (Classificação de Katz, com quem reside e número de comorbidades). Apesar de a idade não apresentar nível de significância estatístico com a QV (rho: 0,209; p<0,025), ela apresentou correlação significativa com a funcionalidade, isto é, quanto maior a idade, mais dependente era o idoso (rho: 0,362; p= 0,000). Ao realizar a regressão linear múltipla entre estas variáveis e a QV geral, a idade não entrou no modelo final. As variáveis foram escolhidas considerando a maior associação com a variável principal, isto é, com a QV, conforme dados do modelo apresentado na Tabela 4.
A Tabela 3 mostra que quanto maior a classificação do índice de Katz, maior é o escore da QV, isto é, quanto mais dependente era o idoso, pior era sua QV no hospital. O idoso que residia com a família apresentou melhor QV do que os demais (média: 10,11), enquanto os idosos que residiam com os filhos pontuaram uma pior QV (média: 15,88). Um dado interessante constatado pelo estudo foi que os idosos que residiam sozinhos apresentaram melhor QV do que aqueles que moravam com os filhos (QV = 15; 15,88, respectivamente) (Figura 1).
Com relação ao número de comorbidades, ficou evidente que quanto maior o número de comorbidades que o idoso possuía, pior foi sua QV (rho: 0,195).
DISCUSSÃO
No estudo houve discreto predomínio de pacientes do sexo feminino (54,3%), o que pode ser justificado pela predominância de mulheres na população brasileira, o que ocorre devido à superioridade na mortalidade masculina ao longo da vida(1). Com relação à idade, a mediana encontrada corrobora os resultados encontrados na literatura(16-17).
Em relação ao estado civil, os dados encontrados neste estudo (56% de idosos casados) diferem dos resultados de estudos que têm uma amostra de idosos mais velhos(18), uma vez que com o aumento da idade há um aumento da probabilidade de mortalidade de um dos cônjuges.
Nesta amostra houve prevalência de idosos com baixa escolaridade, e o analfabetismo esteve presente em 33,6% dos idosos. A baixa escolaridade é considerada um fator de risco para implicações à saúde e para a incapacidade, uma vez que está relacionada ao nível socioeconômico do indivíduo, dessa forma, relaciona-se diretamente com as condições de vida, alimentação, estilos de vida(17).
Uma baixa renda mensal poderá afetar a vida do idoso, considerando que ele possui necessidades especiais para a manutenção de sua saúde, dessa forma a baixa renda poderá influenciar de forma negativa a manutenção de saúde e a QV dele. Neste estudo a renda teve correlação significativa com a QV (p= 0,048). Dados da literatura mostram que a baixa renda entre os idosos é comum(17-19).
O arranjo familiar no Brasil é influenciado por vários fatores, como econômicos, culturais, históricos e outros. Dessa maneira, a escolha do arranjo familiar não é apenas do idoso, mas é um reflexo dos fatores mencionados anteriormente(20).
É sabido que o suporte familiar contribui para a integridade física e psicológica do idoso. Contudo, apenas morar com a família ou com filhos não indica relações familiares satisfatórias, por isso, é necessário avaliar o quão satisfeito o idoso está com tais relações.
Os dados deste estudo mostraram que idosos que residiam com a família obtiveram melhor QV. Este achado corrobora o resultado de um estudo Polonês que avaliou as diferenças na qualidade de vida dos idosos residentes rurais, conforme o statusfamiliar, o qual evidenciou que o grupo de idosos que residia com seus familiares obteve maior escore na QV(21). Um resultado intrigante e interessante constatado por este estudo foi que os idosos que residiam com os filhos obtiveram pior QV em relação aos demais. Pode-se inferir que o tipo de interação social que o idoso estabelece com os familiares justifica esse resultado, ou seja, não é suficiente morar com um familiar, é necessário estar satisfeito com a relação estabelecida entre seu arranjo familiar, como mencionado anteriormente.
O envelhecimento da população brasileira coloca em evidência uma realidade até há pouco tempo desconhecida, as doenças crônicas ganham destaque e ocupam lugar importante no perfil de saúde da população. Dessa forma, as principais causas de internações passam a ser por descompensação das doenças crônico-degenerativas(22). As principais causas de internação entre idosos jovens (60-69 anos), no Brasil em 2018, foram as doenças relacionadas ao aparelho circulatório (289.982 idosos), seguida de doenças respiratórias (123.438 idosos) e neoplasias (180.671 idosos), o que condiz com dados encontrados por este estudo, os quais evidenciaram maior número de internações por doenças cardiovasculares (isto é, doenças do aparelho circulatório)(23).
Conforme se envelhece, há um aumento da prevalência das doenças crônicas, dessa maneira, não é incomum o idoso possuir vários tipos de doenças. Neste estudo a maior parte dos idosos (n: 36) possuía duas doenças associadas, seguido de 14 idosos, que possuíam três comorbidades. Essa prevalência de doenças associadas que ocorre com o envelhecimento tende a comprometer a QV do idoso, gerando processos incapacitantes e afetando a sua funcionalidade(17).
Com relação à funcionalidade, avaliada pelo Índice de Katz, evidenciou-se maior prevalência de idosos parcialmente dependentes (48,8%). A dependência é um processo dinâmico que pode ser modificada, prevenida ou reduzida. Neste processo se faz necessária a presença de profissionais qualificados e comprometidos com a assistência ao idoso. A prevalência de idosos dependentes em uma enfermaria requer uma equipe de enfermagem adequada, tanto quantitativamente, quanto qualitativamente, visto que as atividades básicas em que há dependência deverão ser executadas pela equipe. O planejamento das ações deverá levar em consideração a estimulação do paciente a realizar as atividades que forem possíveis, visando reduzir a dependência e assim não tornar esse processo definitivo, para que a QV não seja afetada de forma negativa(7).
Contudo, é visível no cenário de prática a existência do conflito entre o gerenciar e o assistir, isto é, o enfermeiro tem se distanciado do cuidado direto ao paciente e se dedicado mais ao processo de gerenciamento, o que traz como consequência uma assistência com a qualidade reduzida, uma vez que o cuidar e o gerenciar são indissociáveis. Dessa forma, pode-se afirmar que a qualidade da assistência do enfermeiro afeta a qualidade de vida e a funcionalidade do idoso internado.
Constatou-se neste estudo que a funcionalidade está relacionada à QV, ou seja, quanto mais dependente o idoso, pior a sua QV no hospital, contudo ser dependente em apenas uma atividade avaliada pelo índice de Katz já é o suficiente para reduzir sua QV.
Um estudo cujo objetivo foi estimar a prevalência de incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais diárias e os fatores associados em idosos de uma comunidade demonstrou que idosos hospitalizados pelo menos uma vez no último ano apresentaram cerca de 70% maior de incapacidade para atividades básicas(17). Outro estudo que verificou os fatores socioeconômicos e clínicos que contribuem para a independência de idosos longevos constatou que a hospitalização recente é um fator responsável por limitar a funcionalidade desses idosos. Desta forma pode-se afirmar que a hospitalização reflete negativamente na funcionalidade e, consequentemente, sobre a QV de idosos(24) .
A incapacidade funcional limita a autonomia do idoso e reduz a sua QV, pois para os idosos uma QV satisfatória pode ser compreendida como a possibilidade de conseguir cumprir suas funções diárias básicas adequadamente, se sentir bem e viver de forma independente. Dessa forma, é possível sugerir que medidas que promovam a independência funcional levem a uma melhora na QV(7,17).
No que tange à QV, o escore encontrado por este estudo sugere que os idosos internados apresentaram uma boa qualidade de vida, uma vez que quanto menor a pontuação encontrada, melhor é a QV avaliada(11). Em um estudo desenvolvido em Alagoas com pacientes cardiopatas hospitalizados, o resultado encontrado foi o oposto, isto é, os pacientes participantes do estudo apresentaram uma percepção negativa em relação à QV, porém os domínios avaliados que apresentaram significância estatística no estudo citado foram habilidades físicas, sono, dor e reações emocionais(12).
Foram encontradas lacunas na literatura sobre a QV do idoso internado, o que indica a necessidade de realizar outros estudos sobre o assunto, a fim de facilitar o planejamento de uma assistência à saúde que reduza o impacto da hospitalização à vida do idoso.
O estudo apresentou algumas limitações, como a não especificidade do PSN para população hospitalizada; não foram abordadas todas as atividades propostas pelo instrumento, como a questão 36, que questiona o ato de subir ou descer escadas (48 idosos responderam não subir escadas no hospital), a questão 19, que aborda dor ao andar (16 idosos disseram não terem caminhado até o período da aplicação do questionário), a questão 24, que aborda dor ao ficar de pé (11 idosos relataram não terem ficado de pé até o dia da aplicação do PSN), a questão 14, que aborda a dificuldade para abaixar (10 idosos disseram não conseguirem abaixar, por isso não realizam tal atividade). A essas respostas foram atribuídas nota 0.
Outra limitação do estudo foi não ter avaliado a interferência do tempo de internação hospitalar na qualidade de vida, podendo aquele ter grande influência nesta. Sendo assim, seria importante desenvolver futuramente mais estudos que avaliassem a interferência do tempo de internação hospitalar e a cognição do paciente idoso internado pelo exame do minimental, uma vez que neste estudo não foi aplicado.
CONCLUSÃO
Dados do estudo mostram que os idosos internados na Unidade de Clínica médica de um hospital público de Belo Horizonte é boa e que está relacionada à funcionalidade do idoso, ao número de comorbidades e com quem ele reside. A correlação entre a QV e a funcionalidade proposta pelo índice de Katz foi moderada e constatou-se que ser dependente em qualquer domínio avaliado por essa escala está diretamente relacionado à QV, isto é, a dependência piora a QV do idoso hospitalizado. Quanto maior o número de comorbidades apresentada pelo idoso, pior foi sua QV e residir com os filhos também foi significativamente pior para a qualidade de vida do idoso, quando comparado a residir sozinho ou com a família.
Conhecer a QV e sua relação com a funcionalidade de idosos hospitalizados permite estabelecer um plano de cuidados de enfermagem e estratégias para prevenir a redução da funcionalidade e consequentemente a perda da QV desta população, isto é, os dados sugerem que ao prevenir a perda de funcionalidade também estamos prevenindo a redução da QV.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Jul 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
03 Ago 2018 -
Aceito
27 Ago 2019