O cuidado centrado na criança é tópico de discussão na enfermagem desde a década de 60 e trouxe com ele a importância de se adereçar as necessidades da população pediátrica, sobretudo aquelas elencadas sob a perspectiva dessa própria clientela. Na era da internet e tecnologias de comunicação, é fundamental reconhecer que jovens menores de 18 anos são indivíduos capazes de procurar, avaliar e usar as informações em saúde. Nesse sentido, o letramento em saúde (LS) apresenta-se como um construto responsável pelas relações entre cognição, educação e autocuidado, que quando desenvolvido adequadamente na infância, permite que crianças e adolescentes se tornem agentes ativos de sua própria saúde.
O desenvolvimento do LS se dá por um processo dinâmico e influenciado por fatores pessoais, situacionais, societários e ambientais(1). No contexto infantil, as dimensões do LS são variadas e se sobrepõem, sendo melhor explicada por meio de três categorias centrais: cognitiva; comportamental/operacional e afetiva/conativa(2).
A categoria cognitiva compreende as funções mentais e ações relacionadas a pensamentos, aprendizagem e processamento de informações. Nela estão inseridas as habilidades de conhecimento, compreensão, entendimento, análise, avaliação e o pensamento crítico. Na categoria comportamental ou operacional incluem-se todas as dimensões relacionadas às ações concretizadas, além do pensamento individual, e que refletem um atributo comportamental. Nela são desenvolvidas as capacidades de busca e acesso às informações em saúde, uso das informações obtidas, comunicação, interação interpessoal e cidadania. Já a categoria afetiva ou conativa abrange as dimensões do LS que evoluem por meio da experiência de sentimentos ou emoções ou descrevem traços de personalidade e estágios mentais que influenciam a tomada de decisão e o empenho dos jovens. Na categoria afetiva/conativa estão contempladas as habilidades de autocompreensão, autorreflexão, autocontrole, autorregulação, autoeficácia, interesse e motivação(2).
Do ponto de vista desenvolvimental, Piaget e Vygotsky destacam aspectos cognitivos que também contribuem para a compreensão do LS na criança, e as influências sofridas por fatores culturais e interações sociais. Para Piaget, existem quatro estágios de desenvolvimento cognitivo, de acordo com a faixa etária: sensório-motor (0 a 24 meses de idade), pré-operacional (2 a 7 anos), operacional concreto (7 a 12 anos) e o estágio de operações concretas (após 12 anos de idade). Neles ocorrem três processos importantes: assimilação, acomodação e adaptação cognitiva. Em cada estágio, a criança consegue uma organização mental, ou um equilíbrio, que lhe permite lidar com a realidade. Este equilíbrio será modificado à medida que ela for alcançando novas formas de compreender e atuar sobre a realidade. Na adolescência, ela tenderá a atingir a forma final do desenvolvimento cognitivo, que é o raciocínio utilizado pelo adulto(3).
Já Vygostsky traz, em sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo, o conceito de zona de desenvolvimento proximal, definida como a diferença entre o que a criança é capaz de fazer com auxílio e o que ela realiza sozinha. Vygotsky propõe a avaliação dinâmica, que inclui tanto a inteligência e a habilidade individual da criança como o apoio recebido por colegas ou adultos no autocuidado. Assim, os profissionais que atuam na área pediátrica devem analisar o LS da criança considerando a assistência recebida da sua rede de apoio(4).
A avaliação do LS do ponto de vista desenvolvimental da criança é importante para a elaboração de materiais e programas educativos apropriados à idade. Quando os conceitos e comportamentos em saúde tornam-se culturalmente relevantes e partem do ambiente em que a criança está inserida, ela pode entender sua importância antes mesmo do esperado para a idade(5). Portanto, a promoção das categorias de LS de forma continuada permite que crianças e adolescentes se tornem indivíduos com pensamento crítico.
Há 20 anos, já era evidente a preocupação dos enfermeiros com seu empoderamento para se comunicar adequadamente com a população infantil, a fim de envolvê-la no processo de cuidado da sua saúde e obter o seu consentimento informado para a tomada de decisão(6). Atualmente na enfermagem pediátrica, o construto do LS vem se fortalecendo e permeia o desenvolvimento de intervenções cujo foco é empoderar a criança para o autocuidado. O jovem com LS adequado adquire habilidades que podem influenciar os desfechos em saúde e o bem estar no curso da vida(2). Sendo assim, a avaliação do construto do LS na infância deve ser incorporada na assistência e pesquisa em enfermagem, assegurando o direito da criança de ser ouvida e posicionada no centro do seu cuidado.
REFERÊNCIAS
- 1 Sorensen K, Pleasant A. Understanding the conceptual importance of the differences among health literacy definitions. Stud Health Technol Inform. 2017;240:3-14.
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2 Broder J, Okan O, Bauer U, Bruland D, Schlupp S, Bollweg TM, et al. Health literacy in childhood and youth: a systematic review of definitions and models. BMC Public Health. 2017;17(1):361. DOI: 10.1186/s12889-017-4267-y
» https://doi.org/10.1186/s12889-017-4267-y - 3 Piaget J. The relation of affectivity to intelligence in the mental development of the child. Bull Menninger Clin. 1962;26:129-37.
- 4 Vygotsky LS. Mind in society: the development of high mental process. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1979.
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5 Borzekowski DL. Considering children and health literacy: a theoretical approach. Pediatrics. 2009;124 Suppl 3:S282-8. DOI: 10.1542/peds.2009-1162D
» https://doi.org/10.1542/peds.2009-1162D - 6 Kitching D. The empowerment of children: who decides? Accid Emerg Nurs. 1998;6(1):11-4.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2 Dez 2019 -
Data do Fascículo
2019